Consenso Brasileiro sobre Manejo da Dor Relacionada ao

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Artigo Original
Consenso Brasileiro sobre
Manejo da Dor Relacionada ao Câncer
Brazilian Cancer Pain Management Consensus
Baseado em Reunião de Consenso realizada em São Paulo, Brasil, em 16 de agosto de 2014
Evanius Garcia Wiermann 1, Maria del Pilar Estevez Diz 2, Ricardo Caponero 3, Paulo Sérgio Moraes Lages 4,
Carolina Záu Serpa de Araujo5, Roberto Teixeira de Castro Bettega6, Andreza Karine de Barros Almeida Souto7
Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Centro de Oncologia do Paraná, especialista em Oncologia Clínica pela Santa Casa de Belo Horizonte.
Coordenadora da Oncologia Clínica do ICESP, especialista em Oncologia Clínica pela USP, mestrado e doutorado em Oncologia pela USP.
3
Clínica de Oncologia Médica, especialista em Oncologia Clínica pela Associação Médica Brasileira, mestre em Oncologia Molecular pelo Centro
Nacional de Investigación Oncologica - Madri – Espanha, diretor científico e ex-presidente da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos (ABCP).
4
Instituto Onco-vida - Brasília, especialista em Oncologia Clínica pelo Hospital Araújo Jorge, especialista em Cuidados Paliativos pela Casa do Cuidar
- São Paulo, especialista em cuidados paliativos pelo instituto Pallium Latinoamérica - Oxford
5
Santa Casa de Misericórdia de Maceió, especialista em Oncologia Clínica pelo Hospital Araújo Jorge, especialista em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium
Latinoamérica em Buenos Aires. Gestora médica da Unidade Oncológica e Coordenadora do Serviço de Cuidados Paliativos da Santa Casa de Maceió.
6
Coordenador do Serviço de Cuidados Paliativos e Alívio da Dor do Núcleo de Estudos Oncológicos de Curitiba, especialista em Oncologia Clínica, ex-presidente da Associação Nacional de Cuidados Paliativos (2011-2013), ex-presidente da Sociedade Paranaense do Estudo da dor, professor do Grupo PALLIUM – Argentina – Buenos Aires.
7
Instituto Onco-vida Brasília, residência médica em Oncologia Clínica pelo Hospital Araújo Jorge, Observership in Oncology pela Rena Rowan Breast
Center- University of Pennsylvania - Philadelphia – EUA, especialista em Cuidados Paliativos e Psico-Socio-Oncologia pelo Pallium Latinoamerica.
1
2
 Palavras-chave
Dor, dor oncológica,
dor relacionada ao
câncer, cuidados
paliativos, qualidade
de vida, conversão
de opioides
 Resumo
Existem cada vez mais evidências de que o controle dos sintomas relacionados ao câncer
contribui para melhora da sobrevida, destacando-se o controle da dor, com impacto direto na
qualidade de vida. O controle efetivo da dor requer não apenas a utilização de analgésicos,
mas também a atuação de equipe multidisciplinar para alívio de vários sintomas associados.
O tratamento da dor e a minimização do sofrimento devem ocorrer dentro de um contexto
amplo, de cuidado bio-psicossocial-espiritual e educação constante de pacientes e cuidadores1.
Levando-se em conta esses fatores, a SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica)
deu início à elaboração de um consenso sobre o manejo da dor relacionada ao câncer,
a fim de proporcionar aos profissionais de saúde brasileiros informações úteis sobre
este tema. Este consenso baseou-se em revisão e análise formais de dados publicados,
diretrizes atuais e também na experiência prática dos autores no cuidado de pacientes oncológicos. As recomendações resultantes desta reunião de consenso sugerem
as abordagens preferenciais para a avaliação, o tratamento e o acompanhamento de
pacientes com dor relacionada ao câncer no contexto do sistema de saúde brasileiro.
 Key words
 Abstract
Pain, cancer pain,
guidelines, opioids,
palliative care,
survival, quality
of life, opioid
conversion
There is increasing evidence that cancer-related symptom control contributes to improve survival, with pain control standing out, as it has a direct impact on the quality
of life. An effective pain control does not only require the use of analgesics, but also
the work of a multidisciplinary team to relieve several associated symptoms. Pain
management and suffering mitigation should occur within a broad context, including
bio-psychosocial-spiritual care and continuous education of patients and caregivers.1
 Enviado: 12/01/2015 | Aprovado: 12/01/2015
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Consenso brasileiro sobre manejo da dor relacionada ao câncer
Considering all these factors, SBOC (Brazilian Society of Clinical Oncology) undertook the development of a consensus on cancer-related pain management, in order
to provide Brazilian healthcare professionals (HCPs) with useful information about
this topic. This consensus is based on a formal review and analysis of published data,
current guidelines, as well as the practical experience of the authors in taking care
of patients with cancer. The ensuing recommendations from this consensus meeting
suggest preferred approaches to the assessment, treatment, and follow-up of patients
with cancer-related pain in the context of the Brazilian health system.
 Princípios gerais do manejo da dor relacionada ao câncer
Todos os pacientes devem ser examinados e questionados quanto à presença de dor, a cada consulta. A
intensidade da dor deve ser quantificada e o tipo de
dor caracterizado sempre que possível. Reavaliações
devem ser feitas sempre que uma nova dor aparecer, e
rotineiramente em caso de dor persistente. A avaliação
da dor deve incluir intensidade, características físicas,
ritmo e fatores desencadeantes, bem como fatores de
alívio. Para a compreensão do quadro é necessário
esclarecer a intensidade, a localização, abrangência,
fatores de piora e de alívio quando presentes, resposta
aos tratamentos vigente e anteriores, impacto no desempenho de atividades cotidianas e efeito negativo
no sono e movimentação1.
No contexto do câncer, os objetivos do controle da
dor incluem maior sensação de conforto e melhor
capacidade de desempenho para funções cotidianas. É
necessária uma abordagem abrangente, uma vez que
a dor geralmente deve-se a múltiplos fatores e requer
mais de uma intervenção. Episódios de dor aguda
devem ser prontamente reavaliados, com ajuste das
doses e investigação sobre outras causas adjacentes.
Hospitalização para controle satisfatório do quadro de
dor pode ser necessária. A dor persistente relacionada
ao câncer requer tratamento com analgésicos regularmente administrados, e episódios de dor irruptiva
requerem doses suplementares de medicação1.
 Em caso de dor
Além de avaliar a intensidade da dor, é necessário
determinar o mecanismo fisiopatológico subjacente
(p. ex.: nociceptivo ou neuropático) para que sejam
definidas as opções de tratamento mais adequadas. A
dor intensa não controlada torna-se uma emergência
médica e requer intervenção rápida. Emergências
oncológicas, como fratura óssea ou iminência de
fratura óssea em ossos que suportam peso, metástases
neuroaxiais com ameaça de lesão neural, infecção e
obstrução ou perfuração de vísceras causando dor
abdominal aguda requerem atenção imediata1.
 Avaliação da dor
Decisões clinicas apropriadas requerem avaliação
abrangente do quadro doloroso: localização, intensi-
dade, frequência, características distintivas, fatores de
piora e de alívio, experiências vividas como conseqüência da dor, tratamento atualmente utilizado e resposta a tratamentos anteriores1. É importante avaliar
a dor além da intensidade e entendê-la dentro de um
determinado contexto. A utilização de ferramentas
estruturadas de avaliação (p. ex.: Breve Inventário
de Dor, Questionário DN4) ajudam a compreender
o impacto e o sofrimento desencadeados pela dor e,
consequentemente, a elaboração do plano terapêutico1. (Apêndices 1, 2 e 3)
Na avaliação da intensidade da dor várias escalas
podem ser utilizadas com objetivo de sistematização
e avaliações seriadas comparativas. (Apêndice 4)
Uma vez definida a fisiopatologia subjacente, tratamento específico deve ser iniciado. Não é raro que
pacientes oncológicos apresentem quadros de dor
mista, em que estão presentes tanto o componente
nociceptivo quanto o neuropático. Em situações de dor
nociceptiva são utilizados agentes anti-inflamatórios
não esteroidais [AINEs] (p. ex.: diclofenaco, ibuprofeno, naproxeno), adjuvantes (p. ex.: anticonvulsivantes, antidepressivos, anestésicos tópicos) associados a
opioides fracos (p. ex.: codeína, tramadol) ou fortes (p.
ex.: buprenorfina, hidromorfona, metadona, morfina,
oxicodona), de acordo com a escada analgésica recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Para situações de dor neuropática, os anticonvulsivantes, antidepressivos, antipsicóticos, ansiolíticos têm
papel fundamental e são comumente utilizados1. Os
opioides também devem ser usados para tratamento
de dor neuropática; sendo, portanto, considerados
analgésicos de “amplo espectro”.
Em situações de dor moderada (4 a 6, de acordo com
a escala de classificação numérica de 0 a 10), normalmente são utilizados opioides mais fracos (p. ex.:
codeína 30-60 mg ou tramadol 50 a cada 4 ou 6 horas).
Atenção especial deve ser dada a medicamentos em
associação, pois devem ser monitorados possíveis
eventos adversos provenientes dos diferentes princípios ativos. Nesse sentido, a agência americana
de medicamentos (FDA – Food and Drug Administration), por meio de um comunicado publicado em
14/01/2014, recomenda aos profissionais de saúde
que interrompam a prescrição e dispensação de medi-
 Revista Brasileira de Oncologia Clínica

Vol. 10, no 38  outubro / novembro / dezembro  2014
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Wiermann et al.
camentos contendo paracetamol em combinação, em
dose acima de 325mg. A ANVISA (Agência Nacional
de Vigilância Sanitária), por sua vez, recomenda aos
profissionais de saúde que não prescrevam medicamentos que contenham paracetamol em doses acima
de 325mg concomitantemente com outros medicamentos que também apresentem paracetamol em suas
composições. Além de recomendar atenção a dispensação desses medicamentos e notificação as suspeitas
de reações adversas graves decorrentes do uso desses
medicamentos (SNVS/Anvisa/Nuvig/GFARM nº 01, de
24 de janeiro de 2014).
Recentemente a Associação Européia de Cuidados
Paliativos (EAPC) e o “National Opioide Use Guideline Group” (NOUGG) do Canadá recomendaram o uso
de opioides fortes em baixa dose para o controle da
dor moderada (p. ex.: morfina oral até 30mg/dia ou
oxicodona oral até 20mg/dia)1,3.
Com o advento da oxicodona de liberação controlada,
é possível iniciar o tratamento de pacientes virgens
de opioides com 10 mg a cada 12 horas e, posteriormente, aumentar a dose conforme necessário para
o alívio da dor, com opioides de liberação imediata
como resgate quando necessário4. Consulte “Seleção
de Analgésicos” para mais informações.
Analgésicos adjuvantes devem ser utilizados (p. ex.:
anticonvulsivantes, antidepressivos, ansiolíticos, AINEs) para proporcionar melhor alívio da dor, graças
a seus diferentes mecanismos de ação. Se a dor for
controlada de maneira satisfatória, deve-se reavaliar
periodicamente o paciente e ajustar as medicações de
acordo com o quadro álgico; caso o controle da dor não
seja satisfatório, deve-se reavaliá-lo a cada 30 minutos,
seguir os protocolos de titulação de dose de opioides e
considerar a hospitalização quando justificável1.
Em caso de dor intensa (7-10 em uma escala de
classificação numérica de 0 a 10), normalmente são
utilizados opioides fortes juntamente com adjuvantes,
AINEs, além de outras intervenções. O paciente deve
ser reavaliado a cada 30 minutos, de acordo com os
protocolos de titulação de dose de opioides, e pode
ser necessária hospitalização para proporcionar um
controle mais rápido da dor1.
Pacientes com dor intensa podem ser tratados com
medicação oral ou intravenosa. Tanto pacientes
virgens de opioides quanto pacientes experientes/
tolerantes podem receber analgésicos opioides orais
ou intravenosos, quando clinicamente justificável1.
A necessidade de reavaliar continuamente o paciente
após cada nova dose é uma ação inerente ao tratamento da dor. A satisfação do paciente com o alívio
obtido e a ocorrência de eventos adversos devem ser
sistematicamente reavaliados1.
 Seleção de analgésicos
Com relação aos opioides de longa duração, estão
atualmente aprovados no Brasil cinco analgésicos:
tramadol, oxicodona, morfina, fentanil e buprenorfina
(buprenorfina está aprovada no país para o tratamento
de dor moderada a intensa). Buprenorfina e fentanil
estão disponíveis em formulações transdérmicas, sendo que a buprenorfina pode ser iniciada em pacientes
virgens de opioides e o fentanil apenas em pacientes
experimentados; enquanto tramadol, oxicodona e
morfina são, em geral, usados como formulações
orais. Tramadol e morfina também são amplamente
utilizados nas formulações injetáveis5.
Deve-se dar sempre preferência ao tratamento mais
simples e menos invasivo. De modo geral, medicações
orais são preferíveis a formulações transdérmicas e
parenterais. Qualquer que seja o opioide selecionado,
é sempre necessário administração regular do medicamento, 24 horas por dia, para que sejam atingidos
níveis plasmáticos adequados.
Ao iniciar o tratamento, deve-se dar preferência a
medicações de liberação imediata para titulação e
posteriormente passar para medicações de longa
duração, com doses suplementares de medicação
de liberação imediata, quando ocorrerem episódios
irruptivos de dor.
O uso de medicações adjuvantes frequentemente é necessário para melhor controle da dor. A atenção cuidadosa
às comorbidades e interações farmacológicas costuma
prevenir eventos adversos subsequentes e interações
doença-medicamento ou medicamento-medicamento6.
Novas formulações de opioides fortes de liberação
imediata para titulação em pacientes tolerantes ou
virgens de opioide estão em análise pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária. No entanto, como
mencionado anteriormente, é possível utilizar opioides de longa ação para titulação tanto em pacientes
virgens quanto tolerantes a opioides4.
O sucesso do tratamento da dor relacionada ao câncer
requer não apenas que os pacientes e seus familiares
tenham ciência dos medicamentos prescritos, mas
que compreendam os objetivos do tratamento, a necessidade de aderência ao tratamento e de uma boa
comunicação com a equipe de saúde. Este processo
exige profissionais que esclareçam e desfaçam os
mitos sobre dependência e medo de eventos adversos
tóxicos. Os profissionais de saúde devem reavaliar os
pacientes continuamente, devem estar disponíveis e
acessíveis para atender chamadas e responder perguntas e desenvolver programas de tratamento que
sejam simples e fáceis de seguir. Os eventos adversos
devem ser tratados de maneira proativa, sempre que
possível (p. ex.: iniciar laxativos sempre que prescrever opioides). A utilização de tratamentos não
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Consenso brasileiro sobre manejo da dor relacionada ao câncer
farmacológicos (p. ex.: acompanhamento psicológico,
fisioterapia, entre outros) deve ser sempre considerada
pelos profissionais de saúde6.
 C onversão de opioides
Variações individuais podem explicar porque alguns
pacientes apresentam maior alívio da dor com um
determinado opioide do que com outro. Daí a necessidade de realizar rodízios e converter os analgésicos em
proporções equianalgésicas. Para converter um opioide para outro, o primeiro passo é determinar a dose
diária total do opioide em uso, levando-se em conta
tanto a medicação de longa duração utilizada como
base, quanto todas as doses de medicação de resgate
utilizadas nas 24 horas anteriores. A dose diária total
da nova medicação pode ser calculada usando-se uma
tabela ou mapa de conversão equianalgésica. Consulte
as Tabelas 1 e 2 para conversão de opioides.
Tabela 1. Conversão de opioides7,8,9,10,11,12
Medicamento
EV
VO
TD
morfina
10 mg
30 mg
-
codeína
-
200 mg
-
fentanil
0,1 mg
ND
12-25 mcg/h
-
20 mg
-
100 mg
120 mg
-
oxicodona LC*
tramadol
* Liberação Controlada
No caso da buprenorfina, deve-se inicialmente converter a dose do opioide em uso para dose equivalente
de morfina, e seguir a tabela abaixo:
Tabela 2. Uso de buprenorfina13
< 30 mg
(ou pacientes
30-80 mg
virgens de opioides)
Dose diária de morfinal
oral equivalente
Dose inicial recomendada
de buprenorfina TD**
5 mg
(5 µg/h)
10 mg
(10 µg/h)
Obs: A titulação deve ser feita a cada 3 dias. Utilizar até dois adesivos
concomitantes de 5, 10 ou 20 mg de buprenorfina transdérmica13.
** Transdérmica
Levando-se em conta a tolerância cruzada incompleta, quando for realizado rodízio, a dose diária total
deve ser reduzida em 25% a 50%, dependendo das
circunstâncias clínicas. Divida a dose diária total
de 24 horas pelo número de doses da medicação de
longa ação utilizada diariamente (p. ex.: divida pela
metade para medicações a cada 12 horas, em terços
para medicações a cada 8 horas). Inicie a dose ajustada da medicação e prescreva medicação de liberação
imediata para ser utilizada em caso de dor irruptiva.
A dose de resgate deve ser 10% da dose de 24 horas,
administrada de preferência pela mesma via e com frequência de até 1 ou 2 horas. Medidas preventivas para
náuseas, vômitos e constipação devem ser iniciadas,
sempre que justificável. Medicações adjuvantes devem
ser mantidas ou iniciadas, conforme a necessidade1.
Para determinar a necessidade de analgésico nas 24
horas subjacentes avalie sempre a quantidade total
de medicamento utilizado nas 24 horas anteriores
(medicações de longa ação e de liberação imediata).
A reavaliação é mandatória sempre que houver relato de uma nova dor. Consulte as Tabelas 1 e 2 para
conversão de opioides.
Exemplo de conversão de morfina para outros opioides
de longa duração, de acordo com a recomendação
do NCCN1.
 C onversão de morfina para oxicodona
Existem diferenças consideráveis entre morfina e oxicodona do ponto de vista farmacológico. Diferenças
na biodisponibilidade oral (22% a 48% para morfina
e 42% a 87% para oxicodona) denotam uma maior
potência para oxicodona23,24,25. Meta-análise publicada
em 2012 que avaliou estudos randomizados controlados comparando oxicodona a outros opioides, no
tratamento da dor relacionada ao câncer, de moderada
a intensa, confirmou superioridade da oxicodona
em relação a eficácia e tolerabilidade, em comparação com morfina, codeína e tramadol26. A eficácia
analgésica da oxicodona foi superior à morfina nos
cânceres de pele, músculos e esôfago 26. Apesar de ser
amplamente utilizada no tratamento da dor neuropática, a morfina é associada à tolerância mais rápida e
a maior necessidade de resgate em comparação com
a oxicodona27. Além disso, é conhecido que cerca de
25% dos pacientes com dor relacionada ao câncer
não respondem bem a morfina 28. Este mesmo estudo
demostrou que, após conversão para oxicodona, esses
pacientes apresentaram 96% de controle de dor com
eventos adversos mínimos28.
• Ex: Paciente em uso de morfina de liberação imediata – 60 mg por via oral a cada 6 horas (240 mg
ao dia) e 30 mg a cada 4 horas, em caso de dor
irruptiva, com uma média de 3 doses diariamente
(90 mg). Dose diária total de 330 mg de morfina.
• De acordo com a conversão recomendada pelo
NCCN (morfina:oxicodona = 30:20), a dose equianalgésica de oxicodona é de 220 mg.
• A dose equianalgésica de oxicodona deve ser reduzida em 25% para pacientes com bom performance
status e 50% para pacientes com performance status
pior. Uma redução de 25% forneceria uma dose ajustada de 165 mg ao dia. Como a posologia é a cada
12 horas, as doses individuais seriam de 82,5 mg.
 Revista Brasileira de Oncologia Clínica
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• No Brasil, a oxicodona de longa ação está disponível
em comprimidos de 10, 20 e 40 mg. Portanto, a correlação mais próxima seria 2 comprimidos de 40 mg a
cada 12 horas, com morfina de liberação imediata em
caso de dor irruptiva (30 a 40 mg a cada 1 ou 2 horas).
• Nos 2 ou 3 dias seguintes, a dose diária subsequente deve ser ajustada levando-se em conta
as doses requeridas para dor irruptiva; quando a
necessidade de resgate for de apenas 1 vez ao dia,
a dose diária correta terá sido encontrada, devendo
ser mantida enquanto o padrão de intensidade da
dor permanecer inalterado. A dose de oxicodona
capaz de proporcionar controle efetivo da dor pode
variar de acordo com as características individuais.
A dosagem mediana de oxicodona em pacientes
com câncer é aproximadamente 150 mg ao dia14.
Tabela 3. Conversão de morfina para oxicodona de
longa duração1
1. Calcule a dose total diária de opioide
• Ex.: 100 mg x 2 + 10 mg x 3 = 230 mg/24 h (oral)
2. Converta para oxicodona oral equivalente
• 30 mg morfina oral = 20 mg oxicodona oral
Dose Total Diária
de oxicodona*
20 40 60 80 120 160 180 240
Dose Total Diária
de morfina
30 60 90 120 180 240 270 360
* Apresentações de oxicodona no Brasil: comprimidos de 10,20 e 40 mg
 C onversão
de morfina para metadona
A metadona é um analgésico opioide potente com
antagonismo a NMDA (N-metil D-aspartato), o que,
acredita-se, aumenta sua potência analgésica e contribui para sua utilidade na dor neuropática15. A prescrição da metadona requer experiência por parte do
médico, devido principalmente à sua longa meia-vida
e tendência de acúmulo, especialmente quando a depuração renal está diminuída. Existe uma preocupação
considerável com a possibilidade de prolongamento
do intervalo QTc e alterações na condução cardíaca
com metadona. Recomenda-se manter o QTc abaixo
de 471 ms para mulheres e abaixo de 451 ms para homens; jamais ultrapassando-se 500 ms, sem que haja
intervenção imediata (p. ex.: correção de hipocalemia
e/ou hipomagnesemia)16. Em virtude da preocupação
com o prolongamento do intervalo QTc e alterações
na condução cardíaca, a metadona não é convertida
usando-se uma correlação padrão. Em vez disso, a
correlação para conversão está relacionada com a dose
oral total de morfina já administrada. À medida que a
dose de morfina aumenta, a correlação de conversão
para metadona diminui significativamente, de acordo
com a Tabela 4, a seguir:
Tabela 4. Conversão de morfina para metadona17,18,19
Dose Diária de
morfina oral (equivalente)
Correlação de Conversão
para metadona
30 a 90 mg
4:1
91 a 300 mg
8:1
301 a 600 mg
10:1
601 a 800 mg
12:1
801 a 1000 mg
15:1
>1000 mg
20:1
• Ex: Paciente em uso de morfina de liberação imediata – 60 mg por via oral a cada 6 horas (240 mg
ao dia) e 30 mg a cada 4 horas, em caso de dor
irruptiva, com uma média de 3 doses diariamente
(90 mg). Dose diária total de 330 mg de morfina.
• De acordo com a conversão recomendada pelo NCCN
2014 (morfina:metadona = 10:1), determina-se que
a dose equianalgésica de metadona é de 33 mg.
• A dose equianalgésica calculada de metadona
deve ser reduzida em 25% para pacientes com
bom performance status e 50% para pacientes
com performance status pior. Com uma redução
de 25%, a dose ajustada necessária seria de 25
mg ao dia. Como a posologia seria inicialmente a
cada 6 horas, as doses individuais seriam de 6 mg.
• A metadona está disponível no Brasil em comprimidos de 5 e 10mg. Portanto, a correlação mais
próxima seria 1 comprimido de 5 mg a cada 6
hora, mais uma dose de outro opioide de liberação
imediata, para dor irruptiva
• O ajuste das doses subseqüentes de metadona deve
ser feito no período de 5 a 7 dias para pacientes
mais jovens, e 1 a 3 semanas para aqueles com
mais de 75 anos. A dose diária subsequente deve
ser ajustada em pequenos incrementos (p. ex.: 5
a 10 mg) levando-se em conta o que foi utilizado para dor irruptiva; quando a necessidade de
resgate for de apenas 1 vez ao dia, a dose diária
correta terá sido encontrada, devendo ser mantida
enquanto o padrão de intensidade da dor permanecer inalterado.
 Conversão de morfina para fentanil
A conversão para fentanil também requer uma abordagem diferente daquela normalmente usada para
converter morfina para oxicodona, devido à transição
da via oral para a transdérmica. O fentanil é especialmente útil quando são justificadas doses diárias totais
mais altas de opioides e em caso de dificuldade de
deglutição. Contudo, a conversão de fentanil é mais
imprevisível e sujeita à falha em proporcionar alívio
inicial da dor na primeira vez de utilização do adesivo
137
Consenso brasileiro sobre manejo da dor relacionada ao câncer
em cerca de 50% dos pacientes 20. A dose diária total
de todos os opioides orais precisam ser considerados
e convertidos primeiramente para equivalentes de
morfina e, depois, para a dose EV equivalente de
morfina. O exemplo a seguir ilustra a conversão de
morfina para fentanil transdérmico21:
• Determine a dose diária total do opioide nas 24
horas anteriores; 100 mg duas vezes ao dia (200
mg) acrescidos de 10 mg três vezes como resgate
(30 mg). A dose diária total de morfina nas 24
horas anteriores foi de 230 mg.
• O primeiro passo é converte a dose de morfina oral
para EV, usando-se a correlação de 3:1. Portanto,
a dose endovenosa é de 76,7 mg.
• A seguir deve-se calcular a dose de morfina por
hora: 76,7 mg/24 horas = 3,2 mg/hora.
• Utilizando-se a correlação entre morfina EV e
fentanil transdérmico (morfina 1 mg/hora = fentanil transdérmico 25 mcg/hora; sem redução da
tolerância cruzada incompleta), a dose de fentanil
é estabelecida em 75 mcg/hora.
 Tratamento da dor neuropática
O câncer em si e muitos dos tratamentos utilizados
rotineiramente podem levar à dor neuropática. Cerca
de metade dos pacientes com dor relacionada ao câncer
podem referir dor neuropática, especialmente quando
são administrados agentes quimioterápicos como bortezomibe, platina, paclitaxel, vincristina, entre outros.
É sempre desejável que a patologia subjacente à dor
neuropática seja identificada, e tratamento específico
seja recomendado; as doses dos analgésicos devem ser
tituladas com base na eficácia e no aparecimento de
eventos adversos. Falta de eficácia dos analgésico é
uma possibilidade que deve ser considerada somente
depois de 2 a 4 semanas de tratamento com doses
adequadas. As combinações de analgésicos costumam
ser mais eficazes, sendo que os índices de resposta
esperados para tratamento isolado, em geral, não
ultrapassam 50%, para qualquer monoterapia. O NNT
(número necessário de pacientes para tratar) com várias
medicações usada para dor neuropática varia entre <2
para antidepressivos tricíclicos mais antigos (TCAs), >8
para inibidores seletivos da recaptação de serotonina
(ISRSs) e números intermediários para oxicodona,
pregabalina, gabapentina, tramadol e outros agentes 22.
Tabela 5. Recomendações para manejo da dor
neuropática no paciente oncológico5,22
pregabalina
300 a 600 mg/dia
gabapentina
900 a 3.600 mg/dia
duloxetina
60 a 120 mg/dia
amitriptilina
25 a 100 mg/dia
venlafaxina
75 a 225 mg/dia
carbamazepina 200 a 1.200 mg/dia
nortriptilina
25 a 100 mg/dia
tramadol
150 a 400 mg/dia
corticosteróides em doses variadas
oxicodona
Sem dose teto
Sem dose teto; com monitoramento do
intervalo QTc por meio de ECG
metadona
 Conclusão
A principal razão para que o controle da dor seja
uma prioridade no tratamento do câncer é o impacto
positivo em sobrevida e qualidade de vida. O controle
satisfatório da dor também contribui para que o paciente tolere melhor, e por mais tempo o tratamento
oncológico29,30. Apesar disso, a dor ainda é percebida
por médicos, pacientes e familiares como um sintoma
inerente à história natural da doença, muitas vezes
relegado a um segundo plano. Isso pode explicar
porque, comumente, os medicamentos opioides ou
são utilizados em doses insuficientes para obtenção
de analgesia satisfatória ou são iniciados tardiamente,
quando o status de desempenho já se mostra comprometido31. Um tratamento bem sucedido requer que
a introdução de medicamentos ocorra em momento
apropriado, e não tardiamente, e que os eventos adversos potenciais sejam devidamente tratados. A SBOC
espera colaborar para a disseminação destes conceitos,
fornecendo um algoritmo prático para avaliação da
dor, seleção e conversão de opioides, que possa ser
facilmente utilizado na prática diária.
 Declaração
de
Conflitos
de I nteresse
Este consenso foi desenvolvido com fins informativos apenas, com a única intenção de colaborar para
que médicos, pacientes e cuidadores possam tomas
decisões bem informadas, com relação ao tratamento medicamentoso da dor relacionada ao câncer. As
informações aqui reunidas devem ser interpretadas
à luz das características clínicas dos pacientes, e
todas as opções de tratamento disponíveis devem ser
consideradas, respeitando-se as peculiaridades da
doença e a condição clínica de cada paciente. Este
consenso não deverá ser utilizado por terceiros para
aprovar ou rejeitar qualquer abordagem terapêutica,
em particular. Este consenso foi realizado com base
em estudos publicados até a data da reunião, agosto
de 2014. Em virtude da constante divulgação de novos dados e abundância de publicações sobre o tema,
não é possível garantir explicitamente atualização,
exatidão, completude, correção, ou adequação das
informações apresentadas aqui. A SBOC e os autores
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não deverão, sob nenhuma circunstância, ser responsabilizados por qualquer lesão, perda, dano, obrigação
ou despesa incorrida, que se alegue ser resultado do
uso deste consenso, ou associado a ele.
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1. Modelo de Formulário de Avaliação da Dor
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2. Inventário Breve de Dor
Ferreira KA, Teixeira MJ, Mendonza TR, Cleeland CS. Validation of brief pain inventory to Brazilian patients with pain. Support Care Cancer. 2011 Apr;19(4):505-11
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Consenso brasileiro sobre manejo da dor relacionada ao câncer
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Tradução e adaptação cultural da Pain Assessment in Advanced Dementia por Morete et al, 2012.
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Consenso brasileiro sobre manejo da dor relacionada ao câncer
5. Algorítimo de Avaliação e Manejo da Dor Relacionada ao Câncer
NOTAS: A) Usar o esquema mais simples e menos invasivo como primeira modalidade; manter administração regular (pelo relógio) para manter a concentração
plasmática do analgésico; administrar medicações de longa duração, com doses adicionais, se necessário. B) Para a conversão de opioides, calcular a dose diária total
de morfina VO, incluindo as doses de resgate; converter pela dose equianalgésica do novo opioide; iniciar com dose 20% menor (em função de não haver tolerância
cruzada); manter as doses de resgate de morfina oral que estavam estabelecidas; manter as medidas preventivas para N&V e constipação; usar adjuvantes (SN).
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