FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR CAMPUS DE CACOAL Departamento do Curso de Direito A INSTABILIDADE JURÍDICA E POLÍTICA DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS E A POSSIBILIDADE DE UMA NOVA CONSTITUINTE Paula Daiane Rocha Cacoal/RO 2007 PAULA DAIANE ROCHA A INSTABILIDADE JURÍDICA E POLÍTICA DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS E A POSSIBILIDADE DE UMA NOVA CONSTITUINTE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal De Rondônia – Unir – Campus de Cacoal, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação da Professora Mestre Maria Priscila Soares Berro. Cacoal/RO 2007 PARECER DE ADMISSIBILIDADE A acadêmica PAULA DAIANE ROCHA desenvolveu o Trabalho de Conclusão do Curso de Direito com o tema “A INSTABILIDADE JURIDICA E POLITICAS DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS E A POSSIBILIDADE DE UMA NOVA CONSTITUINTE”, obedecendo aos critérios do Projeto de Monografia apresentado ao Departamento do Curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia – campus de Cacoal. O acompanhamento foi efetivo, tendo desenvolvido o trabalho, observado os prazos fixados por este departamento. Assim sendo, a acadêmica está apta para a apresentação expositiva de sua monografia junto à banca examinadora. Cacoal, 5 de agosto de 2007. Professora Mestre Maria Priscila Soares Berro PAULA DAIANE ROCHA A INSTABILIDADE JURÍDICA E POLÍTICA DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS E A POSSIBILIDADE DE UMA NOVA CONSTITUINTE 90 Presidente – Profª. Ms. Maria Priscila Soares Berro 90 Prof. Antônio Paulo dos Santos 90 Prof. José de Moraes 90 Média Final Dedico ao meu filho, Pedro Rocha Miranda, doce criança e meu amável companheiro. Minha sincera gratidão: A Telmo de Moura Passareli, meu marido, grande presente na minha vida, a quem amo de todo o coração. A Delci Ferreira Rocha, velho amigo, pai, lá de Minas Gerais, grande batalhador, saiba que sou uma grande admiradora sua. A Nika Costa, querida mãe, quem me amou verdadeiramente e me ensinou a amar assim também. A Stella e Natachah Rocha, gêmeas siamesas, queridas irmãs, que, sempre juntas, me fizeram falta em dobro neste último semestre. A Júlio Santos, mente brilhante, violeiro, doador de grandes idéias, que muito colaborou na busca desse projeto de estudo. A Agneta, Credival, Daniella, Jackcilene e Joyce, não apenas amigos, mas verdadeira fonte de alegria e acalento. A todos os professores, que venceram o desafio de lecionar com ilimitada valentia, valorizo-os demais por todas as lições. Um agradecimento especial à minha orientadora, a Mestre da alegria Maria Priscila Soares Berro, quem de pronto aceitou a minha proposta de estudo, e que tornou mais leve esse trabalho. A Deus, por todas belas coisas que tem feito por nós. Diligite iusti tiam, vos que iudicaste Terram. Amai a justiça, Vós que governais a Terra. Sabedoria 1, 1. RESUMO O trabalho intitulado A Instabilidade Jurídica e Política das Emendas Constitucionais e a Possibilidade de uma Nova Constituinte tem por objetivo o estudo sistemático da formação do Estado Democrático de Direito, passando pelas variadas instituições que culminou na teoria do constitucionalismo moderno, que é o pilar da formação da República Federativa do Brasil. O foco se concentra na análise da redemocratização pela qual passou o país, que lapidou uma das mais modernas cartas políticas do mundo, a Constituição de 1988. A Constituição brasileira é rica em detalhes, ativando vários setores políticos e sociais, em virtude da amplíssima garantia oferecida por esta carta. A conseqüência disso é de grande relevância para a sociedade atual. A indagação que se faz nessa pesquisa é: A Constituição da República precisa ser prolixa e exacerbadamente analítica como a atual? Em resposta, tem-se que para acompanhar a evolução social terá de se modificar e muito o texto constitucional, e essa constante alteração gera a instabilidade política e jurídica discutida nessa monografia. A delimitação da mudança legislativa se dará no estudo da utilização das Emendas Constitucionais como instrumento de modificação Sabe-se que as mudanças são permitidas no limite da fixação pela própria Constituição, que põe a salvo as cláusulas pétreas, imutáveis, salvo por outra Assembléia Constituinte. Assim, cria-se no âmbito jurídico e político um terreno incerto no que diz respeito à governabilidade, que gera aos olhos de outros países desconfiança para quaisquer tipos de investimentos financeiros, culturais, e da realização de negócios jurídicos, classificando o Brasil na posição de centésimo lugar em estabilidade jurídica. PALAVRAS-CHAVE: Emendas Constitucionais, Estabilidade, Governabilidade, Constituinte. ABSTRACT The term paper entitled The Political And Juridical Instability Of The Constitutionals Amendments And The Possibility Of A New Constitution aims the systematic studying of the formation of the Democratic State of Law, going through the main institutions that has come to the modern constitutionalism theory, which is the base of the Federative Republic of Brazil. The focus of the studying will be the analysis of the reconstruction of democracy process that the country has suffered, which originated one of the most modern Constitutions of the world, The 1988 Constitution, also known as the Citizen Constitution. The Brazilian Constitution is very rich in details, and for this reason it activates many society sectors, because of the great guarantee offered by this Bill. The consequence is extremely important for the present society. The question here can be: Does the Constitution really need to be prolix and exaggerated analytics as this one? In answer it is shown that for the due evolution of the law it will be necessary to modify the Constitution, what bounds to the instability caused by the constitutional amendments that is the focus of this term paper. The delimitation of the legislative changing will be the constitutional amendments as an instrument. It is also known that changing is in the limit of the Constitution itself, which save the unchangeable clauses, unless there is another National Constitutor Assembly. This way, comes to the juridical world a very unknown path, that touches the governability, and for other countries Brazil is classified as an untruthful country for any kind of new investment such as economics, cultural taking the hundredth position in juridical assurance. KEY-WORDS : Amendments to Constitution, Instability , Governability , Constitutor SUMÁRIO INTRODUÇÃO………………………………………………………………….. 12 1. TEORIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO......................... 1.1 FORMAÇÃO DO ESTADO.............................................................. 1.1.1 Evolução do Estado ................................................................... 1.2 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO .............................. 1.3 SOBERANIA ................................................................................... 1.4 DEMOCRACIA E ESTADO-A LEGITIMIDADE DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.......................................................... 15 15 17 18 22 2. CONSTITUIÇÃO E CONSTITUCIONALISMO...................................... 2.1 CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO ............................................. 2.2 CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES ..................................... 2.2.1 Quanto ao conteúdo ................................................................... 2.2.2 Quanto à forma ........................................................................... 2.2.3 Quanto à elaboração................................................................... 2.2.4 Quanto à origem ......................................................................... 2.2.5 Quanto à estabilidade................................................................. 27 29 30 30 31 32 32 32 3. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO......................................... 3.1 POR QUE A CONSTITUIÇÃO É A SUPREMA LEI? ...................... 3.2 NORMATIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO......................................... 36 36 39 4. PODER CONSTITUINTE ...................................................................... 4.1 CONCEITO ..................................................................................... 4.2 AS ACEPÇÕES DO PODER CONSTITUINTE................................ 4.3 NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE...................................... 4.4 O TITULAR DO PODER CONSTITUINTE....................................... 4.5 VEÍCULO DO PODER CONSTITUINTE ......................................... 4.6 LIMITAÇÕES AO PODER CONSTITUINTE ................................... 42 42 43 48 50 53 54 5. A EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL................................. 5.1 A PROCLAMAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA NO BRASIL................. 5.2 A CONSTITUIÇÃO IMPERIAL......................................................... 56 57 57 23 5.3 A CONSTITUIÇÃO DE 1981............................................................. 5.4 A CONSTITUIÇÃO DE 1934............................................................. 5.5 A CONSTITUIÇÃO DE 1937............................................................. 5.6 A CONSTITUIÇÃO DE 1946............................................................. 5.7 A CONSTITUIÇÃO DE 1967 e 1969 ................................................ 58 59 60 60 61 6. A REDEMOCRATIZAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 .................. 6.1 CIRCUNSTÂNCIAS DE ELABORAÇÃO DA MAGNA CARTA.......... 6.2 CRÍTICAS À ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE................ 62 62 65 7. REFORMA CONSTITUCIONAL ............................................................ 7.1 EMENDAS À CONSTITUIÇÃO ......................................................... 7.1.1 Conceito ....................................................................................... 7.1.2 Histórico ........................................................................................ 7.1.3 Procedimento ................................................................................ 7.2 A INTANGIBILIDADE DA CONSTITUIÇÃO ...................................... 7.3 AS EMENDAS CONSTITUCIONAIS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO...................................................................................... 7.4 A PARTICIPAÇÃO POPULAR COMO FONTE LEGITIMADORA DAS EMENDAS À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.............................. 69 70 71 72 72 74 8. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E A INSTABILIDADE........... 8.1CONCEITO DO PRINCIPIO DA SEGURANÇA JURIDICA ................ 8.2 MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL E INSTABILIDADE.......................... 8.3 SENTIMENTO CONSTITUCIONAL ................................................... 79 79 81 83 OBSERVAÇÕES AO PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL N. 157/2003............................................................................................. 86 CONCLUSÃO..................................................................................................... 93 REFERÊNCIA .................................................................................................... 96 ANEXO .............................................................................................................. 100 9. 75 77 12 INTRODUÇÃO Atualmente é lugar comum se falar em crise, é tão freqüente a investida das mesmas que se percebe a sua institucionalização. Ela está presente em todos os lugares, crise ética, política, crise social. O que não se pode perder de vista é que crise e crítica devem ser inseparáveis. Basta partir do ponto de que a análise crítica de uma crise pode ser a porta de saída pela qual se expurgará a mesma da vida dos cidadãos trabalhadores, a porta da redenção. Vê-se falar de reformas políticas e tributárias como instrumento de viabilização de governabilidade, como a solução das mazelas da sociedade, visualiza-se, por meio da possibilidade de solução, uma gota de esperança, e tão logo, desaparece como Fênix que morre e renasce das cinzas, espera-se um dia melhor para o cidadão, o destinatário do poder, que não o exerce de pleno. O respeito por si mesmo deve voltar a existir no seio social, a pátria deve ser como a família, o destinatário do amor. O Estado voltado para atender seus cidadãos, deve antes de tudo ensinar seus filhos a amá-lo. Talvez essa seja a única forma de devolver, ou quiçá entregar pela primeira vez, o valor da dignidade, de ser filho de um país, de um solo que nos caracteriza como povo, que possa nos impor um destino melhor. 13 Os valores que um Estado defende, está inserto em uma Constituição. Cabe ao direito, mais especialmente ao direito constitucional trazer à práxis as promessas encontradas ao longo deste texto, promessas que por sua vez não saem do papel e que se tornaram a maior fonte de descrédito da população em relação à organização do Estado. É necessária uma crítica no sentido de impedir a instalação da crise como instituição, é necessário sonhar, não com uma pátria perfeita, que é imprópria aos humanos, mas, sonhar com o palpável, com a instalação da cidadania real que pode ser consubstanciada na eticização da política, no pagamento justo dos tributos, na punição e no aprofundamento da responsabilidade pessoal daqueles que sufocam os valores morais, na desburocratização da administração pública, Esta deveria ser a grande reforma do Estado. Embora muitas vezes o espírito universitário se afaste da realidade, não se pode conceber a idéia de engessamento dos conceitos e tabus, e com base nesse espírito que nasceu o objetivo desse estudo, buscar, [ainda que superficialmente, pois, seria este estudo tema para um belo livro como fez Niccolò Machiavelli quando escreveu il príncipe,como presente ao rei] uma análise científica ao sistema constitucional atual, perceber as possíveis falhas e os efeitos e, logo depois uma possível solução a situação que se vive hoje. As teorias que embasam o estudo é em muitos pontos a pedra de toque da critica que aqui se faz, e ainda se vai mais longe a afirmar que o estudo histórico se faz fundamental para entender a fórmula constitucional adotada hoje. O constitucionalismo brasileiro nunca foi um tema pacífico, ou conservado. O Brasil já passou por sete modelos constitucionais, vale salientar a característica de transição e a Constituição de 1988 está reformada e emendada em vários pontos. O que chama a atenção do mundo acadêmico é a reiterada maneira com que são editadas novas disposições constitucionais, esse fato provoca dois 14 sentimentos, o primeiro se dá acerca do discutível teor das mudanças, do grau de importância das referidas emendas, e logo após, o sentimento de instabilidade no seio jurídico incluindo o meio universitário. Entretanto, é junto à sociedade que se encontra o efeito mais danoso de uma Constituição, a falta de credibilidade. Responsável, pelo menos indiretamente, pela sua falta eficácia. Não se pretende buscar uma explicação epistemológica à conjuntura atual das crises associadas com as infindáveis modificações do legislador derivado. Quer-se discutir, a instabilidade política e jurídica e pesquisar com bases teóricas científicas à possibilidade de convocação de uma nova Assembléia Constituinte para a produção de uma nova Carta Constitucional. Apesar de que esse debate estar ocorrendo muito discretamente julga-se muito importante a busca cientifica dessa resposta, superar o senso comum é o maior foco desse projeto. Muitas discussões, ainda tímidas, dão a pista de que no centro do grande poder político há a discussão acerca da instalação da Nova Constituinte. Opiniões muito divididas, porém, podem ser classificadas em dois grandes grupos que comportam certa oscilação cada um deles. Aqueles que compõem o setor privado, como empresários e grandes intelectuais são favoráveis à trazer o debate acerca da possibilidade de uma Nova Constituinte, ao passo que, aqueles políticos tradicionais e conservadores, muito deles no exercício do poder legislativo, ou executivo até certo ponto são completamente desfavoráveis ao debate. A Constituição é uma tradução dos valores adotados pela sociedade, deve ter em mente que a Constituição não será um instrumento hábil e eficaz à transformação social, se não tiver diretamente ligada com a realidade da sociedade. Ante o exposto, a proposta aqui é entender o modelo constitucional, encontrar a problemática das Emendas constitucionais e oferecer as possíveis soluções para o que se determinou como um problema, a instabilidade jurídica e política. 15 1.TEORIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 1.1 FORMAÇÃO DO ESTADO A primeira distinção da palavra Estado nasceu com Maquiavel, em O Príncipe, onde o autor celebrou o vocábulo na frase “Todos os Estados, todos os domínios que têm tido ou têm império sobre os homens são ESTADOS, e são república ou são principados” 1 entretanto, a palavra Estado como se conhece hoje não é engessada, ou seja, nem sempre fora revestida com a noção que se tem atualmente. Seja objetiva ou subjetivamente, O Estado conheceu várias facetas. A noção de Estado como instituição passou somente a ser aceita em meados do século XVI, quando os filósofos, baseados nas idéias culturais, com fulcro no Iluminismo, passaram a discutir a relação entre o povo e a força superior que o subjugava. Neste aspecto, surgiram várias teorias acerca, não da Constituição do Estado, mas do seu conceito. Foi em Rousseau 2 , em sua obra O Contrato Social de 1762, que se encontra a teoria mais ajustada ao conceito de Estado. Ao inaugurar a concepção moderna de Estado, este autor incorporou sociedade e Estado interligando seus fatores de Constituição, e concluiu a mais famosa teoria de formação do Estado, qual seja a do pacto social. 1 2 Nicolau Maquiavel, O Príncipe, p. 3. Rousseau, JJ. O Contrato Social. p 22 16 Segundo o autor, o ser humano não sobreviveria se não fosse pela mudança do modo humano que faria perecer o próprio gênero, e por essa razão, os homens agregam-se formando uma grande força, que resulta na vontade geral, agindo em comum acordo 3 . A solução para a manutenção da liberdade é o pacto social, que se reduz a uma importante cláusula, vejamos “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo seu poder sob a suprema direção da vontade geral; recebemos coletivamente, cada membro como parte indivisível o todo”. 4 Funda-se a teoria deste autor, na concepção do homem livre, que passa do Estado primitivo à sociedade civil, esta conceituada como a substituição em sua conduta do instinto pela justiça, a troca justa da liberdade individual pela propriedade e liberdade civil, esta qual limitada. Thomas Hobbes, filósofo inglês, escreveu em 1648 a Obra O Leviatã 5 , em que propõe a teoria que justificaria a legitimação da revolução inglesa, impulsionando a burguesia e a propriedade, revela a teoria de Hobbes, que o homem é um ser muito egoísta para sozinho dominar seus impulsos de destruição, destarte, os homens celebram um contrato que cria um Estado absoluto, dono de todas as forças, de poderes absolutos. A diferença entre Hobbes e Rousseau, é entendida no aspecto da legitimidade do poder, enquanto aquele o passa interinamente ao Estado, na pessoa do Absoluto, aquele dá ao povo a soberania do governo, e, este passa a governar não por sua própria vontade, mas pela vontade geral 6 . 3 Idem ib. p. 13. Idem ib p. 20/1 5 Hobbes apud Dallari. Teoria Geral do Estado, p. 33. 6 Rousseau, JJ. O Contrato Social, p. 22. 4 17 1.1.2 Evolução do Estado O Estado antigo é fortemente marcado pela teocracia, a população vivia me torno de um deus, ou vários, obedeciam à doutrina com medo da punição divina. Um poder superior e estranho ao povo, entretanto, não havia unidade, cada grupo submetia-se a um deus diferente. No Estado grego, ou seja, nas polis a população era dividida em castas, os escravos mantinham a força motora da vida na Grécia, enquanto os representantes exerciam a administração das polis como se estivessem representando, havia diversos e pequenos burgos a serem administrados pelos cidadãos. No Estado romano, há as civitas, também com estrutura de cidade Estado, porém a base da administração é a família, representados pelos gens, que descendiam diretamente dos fundadores do Estado. Quem governava diretamente eram os magistrados. Com a ascendência da nobreza romana, findou-se a organização familiar. 7 No Estado medieval fortemente marcado pelo cristianismo, e pela busca da igualdade e universalidade do cristianismo. A crença cristã revelou a imperiosa necessidade de ser fazer todo o mundo cristão, sempre em busca da dominação. Essa razão culminou em uma sociedade política organizada, o Estado nesse momento confundia-se com a igreja, que estimulava o poder do império, tornando sagrado certos ensinamentos, como exemplo as Cruzadas. A mesma busca de um poder universal imputa ao Estado uma luta, uma disputa entre igreja e império, que culminou no nascimento do Estado Moderno. 7 Coulanges, Fustel de. A cidade Antiga, p. 54. 18 1.2 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO O Estado moderno foi o período em que primeiro se falou em elementos, se findando nesse momento a discussão acerca da origem do Estado e passando a legitimar os elementos essenciais e fundamentais para a organização política. Os elementos são: povo, território e soberania e finalidade. O primeiro elemento a ser analisado é o povo. A designação povo conta com inúmeras acepções, e no decorrer do tempo muito se mudou neste conceito. Herança romana, a palavra povo àquela época referia-se aos cidadãos, ou seja, parte da sociedade abastada que fazia parte das decisões organizacionais da sociedade. Com o advento da democracia, o conceito de povo mudou. A Constituição Federal do Brasil não conceitua, entretanto, preceitua “Todo poder emana do povo, e em seu nome será exercido” O que importa é o conceito de povo enquanto elemento constitutivo do Estado. Jellinek conceitua povo sob dois aspectos. O subjetivo, que diz respeito ao poder público que ao povo é dado, ou seja, a titularidade do poder é deste ainda que o exerça indiretamente. E o outro aspecto por Jellinek abordado é o aspecto objetivo, que significa para este autor o povo ser objeto da atividade do Estado. A instituição Estado existe em função da população que nela habita, sem distinções de quem o exerça o receba os comandos. 8 Jellinek encontra em Rousseau a teoria que justifica a submissão da população ao poder do Estado quando este reconhece a pessoa humana, pois participam da Constituição do Estado, exercem a função de sujeitos de direitos e deveres, corroborando com a teoria de Rousseau quando este diz que a associação de pessoas que compõe a sociedade pode ser denominada de povo. 8 Jellinek apud Dallari. Elementos da Teoria Geral do Estado, p 23. 19 Povo é o fator que proporciona ao Estado a possibilidade de externar sua vontade com autonomia por meio de cidadãos. Quando deste conceito jellinek faz distinções, para este autor, cidadão são todas as pessoas reunidas sob uma mesma égide jurídica. Entretanto, apenas os políticos, que representam o povo possuem a cidadania ativa, de forma que estes exercem atribuições típicas do Estado, e assim são tidos como órgão do Estado. A Constituição brasileira consagra a cidadania pelo conceito jurídico de povo estabelecendo, por meio do sufrágio o conjunto de população demonstra o vínculo de cada individuo em relação ao Estado. Segundo Rousseau 9 a análise de conceito de povo diretamente no aspecto jurídico. Diz que, para que a legislação da nação seja sólida e eficaz, é necessário a maturidade do povo enquanto governados, senão por nada adiantaria a busca por leis justas se o povo não exerce sua maturidade Que povo é, pois, mais apropriado às leis? Aquele que, achando-se ligado por algum vinculo de origem, de interesse, ou de convenção, não tenha ainda suportado o verdadeiro jugo das leis; aquele que não tem costumes nem superstições bem arraigados. O povo é a fonte da democracia, e o receptor da mesma instituição segundo MULLER 10 adianta a idéia O povo não é apenas - de forma mediata - a fonte ativa da instituição de normas por meio de eleições bem como de forma imediata - por meio de referendos legislativos; ele é de qualquer modo o destinatário das prescrições, em conexão com deveres e direitos e funções de proteção. Tal corrobora com a idéia de legitimidade do Estado democrático de direito, baseado exclusivamente na idéia de democracia, em que as pessoas em união, por meio de aprovações que considerem essenciais formarão um bloco jurídico e estável, visto que a lei obriga a todos a mesma conduta. 9 Rousseau, JJ. O Contrato Social, p. 54-6. Friedech Muller. Quem é o povo, p. 61. 10 20 Há, também, o entendimento de povo em uma acepção sociológica, sendo esta confundida com a nação que engloba todas as pessoas e gerações que em algum momento constituiu o Estado. O território é elemento essencial à Constituição do Estado. Por exclusão tem-se território de um Estado como aquela porção geográfica em que há somente a força da soberania daquele Estado, em função de seu povo. O conceito assim posto tem cunho jurídico, pois não há Estado sem território, e o contrário é possível um território sem Estado. Há discussão, em especial na legislação brasileira em que a condição sine qua non a titularidade da cidadania é a nacionalidade, que está diretamente ligada ao conceito de território. A nacionalidade é medida por meio de linhas imaginárias denominadas fronteira, a depender do espaço geográfico em que nasceu a pessoa dependerá viverá em democracia ou em regime ditatorial. Como poderá haver um Estado constituído e soberano sem que haja território? Nessa indagação surgiram várias teorias para explicar território. Kelsen 11 considera em sua obra Teoria Geral do Estado, que a única possibilidade de vigência de várias ordens legislativas num determinado Estado, é a delimitação geográfica do território, justificando que a soberania em um determinado território é a única maneira de frear ordens alienígenas. A visão apertada normativista de Kelsen limita severamente o conceito de território por meio da acepção jurídica, resumida nas leis. Descarta a unificação política, e inclui a unificação jurídica. Para este autor, não há outra forma de se estabelecer a ordem em uma sociedade senão em virtude da lei, aplicável a todos de um mesmo território. 11 Kelsen apud Dallari. Idem, p. 36 21 Opôs-se Jellinek 12 , a essa concepção, pois para ele o território é tão somente um direito reflexo do Estado em decorrência da dominação deste sobre a população. É a sombra da força das pessoas unidas para a formação de um Estado. Essa força garante a todos o espaço para exercer seus direitos e deveres, pois, se assim não fosse, inviável seria o exercício da cidadania. Assim, conclui esse autor que as invasões em um Estado não se tratam de questão real, de propriedade sobre o espaço geográfico, mas sim de ofensa à soberania, à personalidade jurídica do Estado. Paulo Bonavides, em sua obra Ciência Política, facilitou e sintetizou o entendimento das teorias acerca da concepção do território como elemento de Constituição do Estado, dividindo da seguinte maneira: a) território - patrimônio: próprio do Estado medieval, caracterizado pelo direito real, ou seja, o Estado é proprietário do imóvel sobre o qual vive a sua população. b) território - objeto: a única relação do Estado com o território é o domínio. c) território - espaço: o território é a materialização da soberania. Sobressaltada por Jellinek, essa teoria finda a concepção de espaço territorial como direito real, valorizando nesse momento a personalidade jurídica do Estado; d) território - competência: maior expressão dessa corrente é Kelsen, que liga a competência do território ao espaço vigente das leis, o território é elemento terminante da validade no espaço das normas. 12 13 Jellinek apud Dallari. Elemento da Teoria Geral do Estado, p.39 Bonavides, Paulo. Ciência política, p.20/1. 13 22 1.3 SOBERANIA Para Rousseau 14 a distinção que se faz em relação à soberania é a conseqüência do que o autor chama de vontade geral. A comunhão de interesses, ainda que antagônicos aos que fazem a parte de uma sociedade é que a tornou possível de ser governada. Nas palavras de Rousseau: “A soberania, sendo apenas o exercício da vontade geral, nunca pode alienar-se, e que o, soberano, não passando de um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo.” Assim, Rousseau 15 foi o primeiro filósofo a passar para o povo a titularidade da soberania, e em nome deste o soberano exerce a vontade geral. Caracteriza a soberania como indivisível, tendo em vista a necessidade de toda a coletividade, e inalienável, pois quem a detém é a comunidade, sendo limitada apenas pela vontade geral, que pode não coincidir com a vontade de todos. O pacto social dá ao governante um poder, denominado Soberania. O legado de Rousseau foi muito questionado no que tange à sua qualidade como elemento essencial à Constituição do Estado. Nos dias atuais, negando as afirmações dos publicistas, a mais abalizada voz de Jelinek prima pela teoria de que a soberania é a “qualidade do Estado de autovinculação e autodeterminação jurídica exclusiva” 16 . Conclui-se então que a soberania não é um poder como preconizava Rousseau, e sim, uma qualidade do Estado, o mais alto poder dentro de um Estado, acima do qual não haverá forças alheias à vontade do povo. Quanto à titularidade do poder, há constantes de vários estudos duas teorias principais, quais sejam: a teoria teocrática e a democrática. 14 Op. Cit., p. 61. Idem ib, p. 63-5. 16 Jelinek apud Paulo Bonavides. Ciência política, p. 125. 15 23 A doutrina teocrática advém do poder divino. Assenta-se nessa teoria que o poder de administração do Estado é investido no soberano como meio de expressão do poder de Deus. Os reis são apenas instrumentos de Deus. Ao passo que a teoria da titularidade da soberania democrática vem da força popular, a cada ser vivente em uma sociedade corresponde-lhe sua fração de poder soberano, mesmo que o exercício seja indireto por meio do sufrágio. 17 Nessa esteira, forma - se a soberania da nação englobando o povo, e a personalidade jurídica do Estado, possuindo por sua vez a vontade própria que está acima do entendimento pessoal de cada pessoa, um corpo político, diversamente da teoria da soberania com legitimidade teocrática. A soberania contida na Constituição da República Federativa do Brasil, é exercida indiretamente por meio do sufrágio universal que de fato confere a titularidade da soberania popular ao povo Este é soberano, tem o poder de escolha imediata e mediata. Tornam-se poderosos quando cidadãos eleitores, pois entregam aos que os representam a sua vontade, como deveria ser a ambiência em que se vive, provocando a estabilidade das relações jurídicas, a saber, que situações de fato não podem ser mudadas ao alvitre de qualquer soberano, senão daquele escolhido para exercê-lo. O povo soberano, detentor de um poder soberano, sem o qual nenhum Estado poderia receber uma Constituição. 1.4 DEMOCRACIA E ESTADO - A LEGITIMIDADE DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO “Se houvesse um povo de deuses, haveria de governar-se democraticamente. Um governo tão perfeito não convém aos homens” 18 é com tal pessimismo que Rousseau descreve a democracia. Tema que gera dentro da ciência política a maior controvérsia visto que seu objetivo é a busca pela perfeição da governabilidade, pelo povo em nome do povo. A despeito do povo, que é o cerne da democracia, é a forma eleita pelos 17 18 Bonavides, Paulo. idem,p.124. Rousseau, JJ. O Contrato Social, p. 84. 24 Estados modernos para gerir a sociedade. Etimologicamente a palavra democracia refere-se a poder do povo, em sua origem remonta à antiga cidade-estado de Atenas, na Grécia Antiga. Os cidadãos das polis gregas deliberavam acerca do destino da sociedade em praça pública, e as decisões eram sujeitas a aprovação de todos os cidadãos, assim entendidos como aquele que poderia gozar de direitos políticos, não podia dever ao Estado, ser casado, ter bons costumes, honrar os pais, e participar das guerras quando convocados. 19 A democracia em tal momento toma a forma de democracia direta, ou seja, exercida diretamente pelo povo. É com base nessa democracia que o Estado moderno culminou na teoria da democracia clássica, que se aproxima da democracia atual com característica, principalmente, de liberdade política, calcada na plena soberania popular, na separação dos poderes, na existência de uma Constituição que limite os poderes dos órgãos do Estado, garantia de direitos individuais, ordem pública, igualitária, a essa concepção de democracia clássica que se deve o estabelecimento do Estado Democrático de Direito. No Estado contemporâneo, não se faz menção à estabilização de tal conceito, o de democracia.Há, sobretudo uma tendência à profunda reelaboração do conceito que seja coeso com a máxima hoje conhecida como democracia: governo do povo e para o povo. A crítica atual é principalmente a falta de acesso das pessoas aos princípios basilares do Estado democrático de direito, e o acesso à política não se equilibra como acesso às condições sociais, em aspectos cotidianos tais como saúde educação e trabalho. Ao homem, pelo Estado democrático de direito é garantido todos esses poderes, entretanto o Estado não é eficaz em proporcionar - lhes tal direito. 19 Coulanges, Fustel. A cidade Antiga. P 179. 25 Essa é a primeira problemática da atual Constituição: garantir direitos políticos e sociais. A busca pela igualdade política e econômica é o pilar atual da real democracia, podendo até se preterir a efetiva participação da política em favor do social, que a continuidade da democracia indireta busque modos de tornar a todos o Estado cumpridor de suas obrigações. Em segundo plano, é a própria limitação do Estado sobre o direito dos governados, A Constituição, que é o diploma que consagra o exercício do Estado democrático de direito, ou seja, que as instituições consideradas órgãos do Estado não podem ser opressoras, o Estado deve manter-se honesto em estabilizar as condições de todos segundo as suas aptidões naturais. Este é o mister do Estado democrático de direito. A Constituição Brasileira em seu texto preambular institui a democracia indireta e constitui o Brasil como República Federativa, Estado Democrático de Direito, que vem significar que o povo é soberano politicamente, jamais podem ser oprimidos pelo Estado. Conclui-se dessa maneira que o povo, em sentido político - cientifico é dotado de poder constituinte, pois a Constituição diz que o poder emana do povo, e não obstante não testifica qual é o poder que o povo possui. Todo poder emana do povo. E quais as condições de aplicação desse poder? A resposta se dá por meio da democracia representativa, o poder do povo denomina-se voto. Seja anterior na escolha dos representantes, seja na fase ulterior em que pese à aprovação nos produtos dos trabalhos dos escolhidos pelo povo. A Constituição ao invocar o povo, o faz para legitimá-la: “A democracia é dispositivo de normas especialmente exigentes, que diz respeito a todas as pessoas em seu âmbito de demos de categorias distintas [quer seja quanto à instância de atribuição quer seja como povo destinatários e graus distintos. 20 Muller, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia, p. 76. 20 26 Desta forma, é forçoso admitir que a dominação existente sobre os governados é anterior à existência de um Estado democrático de Direito. É próprio das relações entre homens, pois a dominação necessária jamais poderia ser exercida por todos os homens, e, em decorrência disso, se invoca o povo para a legitimação da Constituição do Estado. Aceitar que são dominados, por meio do próprio consenso. Este é o coração da democracia: a aceitação pelo povo de sua condição de dominados, com a característica peculiar de que esse domínio, ao menos em tese representa a vontade geral, como preceituado pelo maior democrata dos filósofos, Jean Jacques Rousseau. 21 21 Rousseau. JJ. O Contrato Social, p. 126 27 2. CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUIÇÃO A palavra Constituição pode ser utilizada em vários aspectos, dentre eles se diz, em sentido lato, a forma com que um Estado é organizado de se estabelecer ou de constituir, de forma que a Constituição de um Estado diz respeito diretamente à sua formação. A Constituição em sentido estrito é na definição de CANOTILHO: 22 “Estatuto Jurídico do fenômeno político”, sintetizou o mestre,.contrapondo-se , ao conceito de LASSALE que preceitua: a Constituição como “Lei Fundamental da Nação, básica. É o fundamento das outras leis, deve, portanto existir”. Fato é que a Constituição como se conhece hoje é fruto da revolução, da luta pela liberdade, pela negação da opressão autoritária que era o sistema de governo predominante até a idade moderna. A Constituição pode ser conceituada como a lei fundamental, na qual erige todo o ordenamento jurídico.É o meio pelo qual a soberania popular limita os poderes de seus representantes e limita o poder do chefe de Estado, com a finalidade precípua de estabelecer a segurança jurídica. Essa é condição sine qua non para a convivência em sociedade. É também o modo pelo qual se organiza o Estado de Direito, entre seus elementos: soberania, povo e território. Este é o conceito jurídico de Constituição. Para CANOTILHO 23 a Constituição ainda pode ser caracterizada pelo aspecto ideal, 22 23 Canotilho, JJ. Direito Constitucional p. 68 Idem ib , p. 36. 28 Esse conceito ideal identifica-se fundamentalmente com os postulados político-liberais, considerando-os como elementos materiais e caracterizadores e distintivos os seguintes: a) Constituição deve consagrar um sistema de garantia de liberdade e b) a Constituição contém o principio da separação dos poderes, no sentido de que garantia orgânica contra os abusos dos poderes estaduais; c) a Constituição deve ser escrita. Assim o autor considera completa a Constituição, a lei suprema ideal, que torna possível a consecução do bem comum e da pacífica convivência em sociedade. Esse pilar da lei suprema tem como corolário a liberdade dos indivíduos, ou seja, não basta que a liberdade esteja protegida por lei, sendo necessário que essa mesma liberdade seja instituída por uma. Eis o caráter de uma Constituição: constituir liberdade, com o perdão da redundância. Há que se questionar, então, na sociedade moderna qual é o referente de uma Constituição?A quem esta se dirige? À sociedade ou ao Estado? A Constituição tem o condão de organizar e instituir um esquema de organização política. Entretanto, cabe a discussão acerca do que se pretende organizar. A sociedade em si, pode se dizer, já é uma Constituição, o próprio agrupamento humano traz em seu bojo o cerne da Constituição da sociedade, daí a expressão de Constituição da República, ou seja, da res publica. A gerência desse agrupamento que tornou comuns fatores da sociedade, ou seja, tornou público. Houve, a partir do inicio do século XIX, uma mudança de referencial, a Constituição passa de República a referir se ao Estado, pois esta é lei proeminente do Estado, só se compreende a Constituição através do Estado. 24 24 Canotilho, Direito Constitucional p. 89. 29 2.1 CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÕES A Constituição refere-se ao Estado, e por ser este democrático deve obrigatoriamente existir uma Constituição de Estado. Entretanto qual é a concepção de Constituição tendo como cerne a sociedade atual? A Constituição pode ser entendida sob o aspecto sociológico ou jurídico. Para LASSALE 25 eminente doutrinador, a Constituição é em sua essência sociológica, pois é “A soma dos fatores reais de poder que regem um país . Esse autor diz que a Constituição escrita não passa de uma folha de papel, esta deve ser sobretudo real e efetiva no limite da necessidade da própria sociedade. 26 A outra corrente, de cunho jurídico tem como maior expressão Hans Kelsen, para quem, a Constituição é a norma pura, a lei fundamental, que nasceu de uma lei superior é um dever - ser do Estado, a norma fundamental hipotética que dá validade à Constituição positivada. 27 Tanto uma como a outra teoria falham por serem demasiadamente unilaterais, é necessário mais que um conceito individualista para justificar essa magnitude legal que é a Constituição.Busca-se um conceito estrutural de Constituição que esteja inserida no aspecto jurídico e sociológico, haja vista do fator teleológico da Constituição. Para José Afonso da Silva a Constituição deve ser entendida e concebida como um produto da realidade social com suporte legal normativo positivado de conteúdo fático e axiológico, pois esses elementos não se separam em blocos, o contrário, estes se fundem formando os elementos constitucionais. Nas palavras do eminente doutrinador: A Constituição é algo que tem como forma, um complexo de normas escritas ou costumeiras; como conteúdo, a conduta humana motivada 25 Lassale apud José Afonso da silva. Curso de direito constitucional positivo, p. 44 . Op. Cit. p.43 27 Kelsen, apud Paulo Bonavides. Curso de Ciência Politica39. 26 30 pelas relações sociais (econômicas, políticas, ou sociais); como fim, a realização de valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder emana do povo. 28 Por conseguinte, deve se ter a Constituição no vértice do ordenamento jurídico, sendo o fundamento de validade das leis vigentes.Aqui tem-se o aspecto jurídico, e nessa vereda a Constituição é a maior da soberania popular, encartando nesta a organização política e limitação de poderes e competências, constituidora de segurança e liberdade. 2.2 CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES O constitucionalismo é fruto inexorável da sociedade moderna, baseada no novo espírito que dominou o pensamento político a partir da sociedade moderna. A Constituição é presente na maioria dos Estados mundo afora, pois ante ao princípio da democracia, para se ter um Estado democrático e gozar das benesses do mundo globalizado há de se ter obrigatoriamente uma Constituição do Estado garantidora dos direitos individuais e dos princípios de um Estado democrático, e da separação dos poderes. Assim, várias são as classificações, e inúmeras são as modalidades que se assentam Nessa esteira pode se classificar as Constituições quanto ao conteúdo, quanto a forma, quanto ao modo de elaboração, quanto a origem, quanto a estabilidade, quanto a extensão, e quanto a finalidade. 2.2.1 Quanto ao conteúdo Segundo ALEXANDRE DE MORAES 29 quanto ao conteúdo as Constituições podem ser classificadas em materiais ou formais. A Constituição 28 29 Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo, p.43. Curso de Direito Constitucional, p. 47. 31 material pode ser concebida em sentido amplo e estrito. Em sentido amplo diz respeito à organização do Estado, em sentido estrito, são as normas constitucionais inseridas em um documento ou não que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e direitos fundamentais, em conclusão, é Constituição toda a matéria que for de importância para o Estado. A Constituição formal diz respeito ao conteúdo que se insere em uma Constituição ser apenas formal, ou seja, é constitucional apenas do ponto de vista da localização do dispositivo no ordenamento, pois, seu conteúdo poderia ter sido objeto de lei ordinária. Nesse aspecto, vale salientar a característica peculiar atribuída às constituições escritas, pois somente estas comportam a modalidade formal aqui descrita, uma vez que as constituições consuetudinárias não são escritas guardam sem eu bojo apenas normas constitucionais materiais 30 . 2.2.2 Quanto à forma Quanto à forma divide-se em escritas e não escritas. As escritas são aquelas positivadas sistematizadas em um único texto, elaborado por um órgão constituinte. Diversamente na Constituição não escrita as normas não constam de um documento escrito, solene. É fruto dos costumes da sociedade à qual essa Constituição se dirige, baseia-se, sobretudo em princípios e jurisprudências. Justifica-se a Constituição não escrita pela natureza das coisas, disse um constitucionalista: “Não se faz uma Constituição como um relojoeiro faz um relógio.” 31 Esse pessimismo ante as Constituições escritas se dá em torno da sua não estabilidade, ou da segurança de uma Constituição não escrita, pois, diz-se que não há formula pronta de se estabelecer um Estado organizado. 30 31 Idem ib p 66. Jorge Xifra Heras apud Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional, p. 67. 32 2.2.3 Quanto à elaboração A elaboração de uma carta constitucional pode se dar de duas formas, quais sejam: dogmáticas ou históricas. Dizem dogmáticas aquelas que foram elaboradas, que são fruto de uma produção por um poder constituinte e deve ser sempre escrita. Em contrapartida, a Constituição histórica é resultado da transformação gradual dos fatos políticos, e sempre não escritas. Dessa maneira, são conexas essas classificações quanto à forma, enquanto a dogmática está para a escrita assim a histórica está pela não escrita. 32 2.2.4 Quanto à origem Promulgada se diz da Constituição que se origina de uma força constituinte, com membros dos representantes do povo. No Brasil houve Constituições promulgadas em 1891, 1934, 1946 e 1988. As constituições outorgadas são impostas ao povo por meio de golpe e tomada de poder por meio ditatoriais, foram as brasileiras de 1824, 1937,1967 e 1969. 2.2.5 Quanto à estabilidade Consoante os ensinamento do insigne jurista Paulo Bonavides 33 quanto ao aspecto da estabilidade há de se ressaltar a importância que tem um Estado juridicamente estável, pois a segurança jurídica é princípio fundamental da democracia. Para os teóricos, as constituições podem ser classificadas em: rígidas, flexíveis e semi-rígidas. 32 33 Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 61 Idem ib, p. 68-9. 33 Rígida se entende aquela Constituição que não pode ser modificada, senão por um processo legislativo mais complexo, e compreende-se processo legislativo como o mecanismo adotado por dada organização política para a produção de leis que integram o ordenamento jurídico. Em verdade, essa modalidade prevê no próprio corpo jurídico estabilidade. Nota que essa é a ambição de uma carta política entretanto, a crítica que se faz a essa meta constituinte é deveras árdua, haja vista que a sociedade está em constante mudança, que fatos circunstanciais que dominaram o pensamento à época de elaboração da lei, se se tiver em vista que a validade da norma constitucional é ad perpetum, pelo menos em tese, é de se questionar a validade dessa rigidez, ou ainda mais apropriado, a validade dessa característica, em uma sociedade moderna. Afonso Arinos, proeminente doutrinador questionava a instabilidade da Constituição de países latinos, França, Itália, Espanha, Portugal e Brasil, em comparação com a estabilidade secular das constituições saxônias, como a costumeira inglesa e a Americana escrita. Segundo o autor, as Constituições saxônias adaptam-se inerentemente à evolução da sociedade de forma pertinaz e constante. Interpretamse as mutações econômicas e sociais trazidas pelo decorrer do tempo, não se adotam princípios, e sim, resolvem-se problemas. 34 Ao passo que as constituições latinas abstraem-se em busca de aplicação de princípios genéricos, do que solucionar situações concretas. Disse o doutrinador: “Quando os problemas se modificam, prefere-se adotar, revolucionariamente, um princípio novo, em vês de adaptar interpretativamente uma disposição antiga.” É nesse cerne que se discute a estabilidade de uma Constituição. É preciso, sobremaneira, que a sociedade encontre segurança, quer jurídica, quer 34 Porto, Walter Costa. O constitucionalismo de D. Pedro I, p. 5. 34 material. Ainda nesse sentido, vale salientar a posição de um país na comunidade internacional, aqueles que fabricam muitas leis e as revogam todo o tempo não demonstram estabilidade. Note-se o exemplo do Brasil: já houve sete Constituições desde a outorga da primeira que ocorreu em 1824, conhecida como Constituição do Império, e que fora a mais duradoura, haja vista de que mantinha certa flexibilidade, como preceituava o artigo 178, eis o teor: Art. 178 - É só constitucional o que diz respeito aos limites atribuições respectivas dos poderes políticos, e aos direitos políticos, e individuais dos cidadãos. Tudo o que não é constitucional, pode ser alterado sem as formalidades referidas, pelas legislaturas ordinárias. Essa Constituição perdurou por setenta e cinco anos, sendo apenas revogada pelo advento da Proclamação da República, que instaurou o sistema presidencialista e conseqüentemente, o fim da monarquia imperialista. Essa nova Constituição da República, foi o texto mais breve da história do constitucionalismo brasileiro: com apenas 91 artigos organizou o Estado republicano, também de caráter rígido, recebeu apenas uma revisão. O anteprojeto teve a participação do ilustre jurista, Rui Barbosa 35 . As Constituições flexíveis correspondem ao oposto daquela, pois não exigem nenhum requisito especial a sua reforma. Utiliza-se o mesmo mecanismo legislativo das leis ordinárias,e o exemplo mais evidente é a Constituição inglesa. Há ainda, uma classificação quanto à estabilidade, as constituições semi-flexíveis [nessa modalidade, o próprio texto constitucional dispõe que algumas regras poderão ser modificadas ordinariamente], e outras em um processo legislativo mais dificultoso. Cumpre salientar, ante o exposto que a Constituição não pode ser imutável. Impossível seria haja vista de que a vida social, tem seu caráter inerentemente cambiante, mutante. É importante dispor ao Estado meio de se atualizar por de sua mais alta expressão legal, em conformidade com os institutos, estes não podem ser 35 Idem ib, p. 10. 35 reformados a cada novo passo que dá a sociedade. Deve-se assegurar aos jurisdicionados o progresso social conjugado com a estabilidade constitucional. O ilustre José Afonso da Silva assinala;“É preciso perfeita adaptação das constituições às exigências do progresso e da evolução e do bem estar social”. 36 É necessária uma técnica que torne válido uma rigidez relativa, permitindo essa abertura de adaptação, que seja por um meio legislativo especial, desde que seja um instrumento hábil à perseguição dessa finalidade, e não um meio reformador inócuo e institucional. 36 Silva, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, P 9. 36 3. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO 3.1 Por que a Constituição é a suprema lei? O subtítulo deste tópico demonstra uma indagação por vezes impensada pelos destinatários da Constituição. O senso comum, aqui tomado como a opinião geral da população sem qualquer técnica cientifica - metodológica, diz ser a Constituição a maior lei que se tem vigente em um ordenamento. Não há qualquer questionamento acerca da validade da Constituição. A supremacia da Constituição é fato. Sem delongas acerca desse axioma, quer-se saber a razão e legitimidade dessa qualidade suprema. A Carta Magna é dita como o vértice de todo o ordenamento vigente em uma nação, é dizer que acima desta não há nenhuma outra, e ainda, que para qualquer outra lei existir e ser legitima é de suma necessidade que seu fundamento de validade esteja recepcionado pela Constituição. José Afonso da Silva 37 , um dos maiores constitucionalistas que tem a nossa literatura jurídica, assume a posição de que a supremacia da Constituição se reveste sob dois aspectos, quais sejam: material e formal. O aspecto material cabe em modalidades diferentes de Constituição, ora na rígida, ora na flexível, e diz respeito ao conteúdo que porta a carta. Ao passo 37 Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 47-50. 37 que, formalmente falando, a supremacia se dá tão somente nas Constituições escritas e rígidas, e inserindo no próprio seio constitucional a previsão de mudança da mesma, dando nascimento a duas categorias de lei: ordinárias e constitucionais. 38 Toma-se a Constituição como fato político, rígido e revestido de democracia conjugada com a supremacia, e mesmo que esta carta esteja emendada com dispositivos inseridos sem controle quantitativo, tampouco, qualitativo, esta ainda é o vértice da pirâmide legal. A razão se baseia em qual princípio, ou regra? Princípio em que foi erigida a Constituição, que consagrou a mesma é o principio da soberania popular, mas este deve ser intrinsecamente ligado ao principio da segurança jurídica. Como se explica uma carta política, escrita, rígida ser emendada a todo o tempo? A insatisfação da categoria representativa é tamanha em relação ao texto maior, que não se sabe, se é a Constituição “de fato” rígida, ou flexível. O princípio da segurança jurídica não pode ser isento de apreciação, este, sim, é o fundamento da rigidez, e se a supremacia é alicerçada na rigidez 39 , que dizer da nossa atual carta política brasileira? Esta é realmente suprema? A quem cabe tutelar a Constituição? O problema do destinatário da lei suprema é combatido por KELSEN 40 , resolvendo a questão em uma única palavra: imperatividade. E essa qualidade da Constituição deriva da norma hipotética fundamental, e cabe a lei apenas descrever os axiomas contidos na mesma. Assim, a norma descrita dirige-se a todos e a ninguém ao mesmo tempo. 38 Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 49. Hesse, Conrad. Força Normativa da Constituição, p. 15. 40 Kelsen apud Paulo Bonavides, idem, p. 214. 39 38 Outra discussão acerca da destinação das normas parte de Santi Romano, combatendo a opinião de Kelsen, negando a concepção imperativa e voluntarista da carta política, atribuindo à destinação àqueles que devem aplicar a lei. Justifica ainda que há uma parcela de pessoas que não podem ser destinatários da lei. Em suas palavras: A unidade mais ou menos compacta do ordenamento jurídico é a íntima conexão que se estabelece entre as distintas normas, de modo a não consentir se possa isolar de modo completo nenhuma delas, donde a inteira impossibilidade de especificar-lhes os destinatários. 41 Admite-se, então, que, devido ao complexo sistema de aplicabilidade das normas constitucionais, esta é destinada a todos, não apenas aos legisladores, tampouco apenas à parcelas da população 42 . Incluem-se nesse momento todos os brasileiros e residentes no país como preceitua a Constituição. Destarte, verifica-se que a Constituição é suprema pela própria natureza, considerando cada cidadão como parte legitimadora da lei. Pois, se assim não o fosse, a segurança de qualquer sistema constitucional estaria completamente fadado ao insucesso. Deve-se ter a sustentação da Constituição suprema e segura na defesa da mesma para que o abismo que separa a Constituição real da ideal não seja absurdo. Concluindo que a Constituição é suprema, não apenas pelo caráter imperativo como quis KELSEN, é, com efeito, a proposta de conciliação de vontades da soberania popular a si mesmo dada e ratificada, sem importar com destinatários específicos. Vale salientar que esta a todos se dirige, a todas as relações jurídicas que o Estado empresta legalidade, é suprema pela adoção dos princípios basilares do constitucionalismo moderno. 41 42 Idem ib. p. 215. Bonavides, Paulo. Idem, p. 216. 39 3.2 NORMATIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO Em linhas gerais, a normatividade da Constituição decorre da força cogente que se impõe a todos. Resta assinalar de onde vem essa força impositiva. Em primeiro plano, deve-se saber qual é o caráter das normas contidas na magna carta. As Constituições liberais fruto da evolução da instituição do Estado de direito inserem a proposta de normas programáticas a fim de cristalizar uma nova perspectiva legal. A norma programática é dita como os comandos e valores que dão ao ordenamento constitucional elasticidade, mas, não tem aplicabilidade imediata, isto é, não pode ser invocada tão logo a carta política seja promulgada. Pode se dizer que esta tem um destinatário especial, pois tem no seu centro o legislador que toma a norma programática como diretriz a ser cumprida, portanto vinculante, ou seja, um programa a ser implementado. É bem verdade que a nova face constitucional são as normas programáticas, como fora inserido na magna carta, direitos como os sociais, dentre outros, até então desconhecidos. O constitucionalismo moderno se deparou com a dificuldade de transformar esse programa social em ordem cogente, em direito subjetivo. Nessa esteira criou-se uma barreira para que a Constituição acompanhasse a realidade emergente. Têm-se, em verdade, uma Constituição de normatividade mínima e programaticidade máxima, que, obviamente culminou na queda do grau de juridicidade das Constituições. 43 43 Bonavides, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 208. 40 Por isso, nota-se uma carta muito mais política que jurídica Em remate, chega-se a uma Constituição que contém, em verdade, um sistema de valores morais e culturais e não apenas um conjunto de leis e regras. O mais salutar a essa observação, é não fugir do centro gravitador da Constituição, qual seja, a direção do Estado. A nosso ver, a Constituição democrática é o documento formal da celebração do grande pacto social com fulcro na soberania popular. E este não deve escapar a seu objetivo da positivação suprema, pois não há nenhuma Constituição sem força cogente. Ademais, deve também absorver a programaticidade das normas constitucionais. Na lição do insigne jurista RUI BARBOSA: Não há nenhuma Constituição, cláusulas a que se deva atribuir meramente o valor moral de conselhos, avisos ou lições. Todas têm a força imperativa de regras, ditadas pela soberania popular aos seus órgãos. Muitas, porém, não revestem do meio de ação essenciais ao seu exercício os direitos que outorgam, ou os encargos que impõem: estabelecem competências, atribuições, poderes cujo uso tem de aguardar que a legislatura, segundo seu critério, os habilite a se exercerem. 44 . Nessa vereda não se pode olvidar que a simples declaração da juridicidade das normas programáticas a dará responsabilidade à engrenagem do Estado. Entretanto, não se pode esquecer que a legitimidade decorre da política, assim, em epítome, deve entender as normas programáticas como normas jurídicas fundindo os conceitos de Constituição jurídica e política, de forma a se ter a força cogente que uma Constituição deve ter. A força normativa da Constituição pode ser baseada sobre três pilares: a) condicionamento recíproco entre a Constituição jurídica e realidade político-social; b) limites e as possibilidades da atuação jurídica; c) pressupostos de eficácia da Constituição. O primeiro tópico diz respeito à união entre os dois fatores citados, não se podendo elidir apenas uma característica, mas deve-se, ao contrário, unir as duas 44 Rui Barbosa apud Paulo Bonavides, idem p. 209. 41 facetas, que são a realidade social e política em face da vigência formal da lei. Dessa forma obtêm-se um significado amplo de Constituição. 45 Os limites da Constituição jurídica focam-se na auto-limitação dos poderes do Estado pelo princípio da legalidade. O Estado nada pode agir sem que a lei autorize, de forma que o contrário nega a principal fonte de poder da Constituição, que é a democracia da soberania popular. 46 Os pressupostos de eficácia da Constituição é o corolário da mesma, a segurança jurídica em sentido amplo, que a Constituição deve lograr. Sabe-se que a freqüente revisão tende a corromper esses elos entre segurança e efetividade dados à Constituição, e assim, por via reflexa a força normativa da Constituição resta mitigada. A eficácia de uma Constituição está fadada a forte pretensão desta. Pois, graças ao elemento normativo, a Constituição organiza e coordena a realidade social, e por essa razão, a amplitude de sua força normativa é seu elemento principal. Compete ao direito constitucional a guarda e proteção da Constituição, e, sobretudo a sua defesa. Essa é a maior garantia de que a Constituição será fruto da realidade histórica revestida de juridicidade e politicamente legítima para o fortalecimento da força normativa da Constituição. Conclui-se que a força normativa da Constituição é uma rede complexa de elementos em que pesem os princípios que norteiam essa força, a segurança jurídica, legalidade bem como a fonte de poder da Constituição. Apenas, vale ressaltar que a Constituição subjetivamente em nada valerá se não houver o elemento da íntima convicção individual de que está é a lei maior de um Estado, e é esse fator que garante a força normativa da Constituição. 45 Hesse,Conrad. A força Normativa da Constituição.,p.21. Hesse.Conrad. A força Normativa da Constituição.,p.28. 47 Idem ib,p. 16. 46 47 42 4. PODER CONSTITUINTE 4.1 CONCEITO Poder constituinte é o poder competente para elaborar uma Constituição. Sabe-se que em qualquer regime de governo, em qualquer tempo, sempre houve um poder constituinte tácito. Não como se conhece hoje, mas com a força de originalidade. Basta analisar as sociedades antigas, em que o rei era o detentor do poder constituinte, e por meio dessa faculdade criava e constituía o Estado antigo. É inegável que a Constituição é a lei suprema, que está acima de todo o ordenamento jurídico, e ainda mais, é na Constituição que se encontra toda a validade do sistema legal de um Estado. Nessa esteira, vale salientar a importância de se conhecer o poder constituinte. Pode-se dizer que a origem deste poder está diretamente ligado ao conceito moderno de Constituição, no sentido de que a aceitação de um poder distinto dos que se estabelecem, e tendo a característica de fonte da Constituição e via reflexa dos poderes constituídos difere do poder constituinte clássico das cidades antigas em razão da distinção da supremacia. 43 Para aqueles que eram o berço da civilização ocidental, os gregos e romanos, não havia hipótese de uma lei superior, e sim de leis emanadas de um estrato social superior , o rei. Não havia distinção formal 48 . Assim cabe o questionamento, donde, então, surgiu o fundamento lógico do poder constituinte? De fato, a lógica do pode constituinte está diretamente ligada ao reconhecimento da lógica, haja vista de que o poder que se impõe aos órgãos do Estado é um poder distinto daquele que criou o Estado, de forma que o poder constituinte estabelece a organização jurídica fundamental, é dizer que essa organização é que gerará as estruturas sobre as quais a sociedade viverá. 49 Por seu turno o poder constituinte pode ser tido como poder único em que erige toda a organização estatal com características constitutivas e impositivas, com efeitos erga omnes. Entretanto ao se analisar dessa maneira, pode-se cair na característica de um Estado déspota, contrário à atuação de qualquer outro poder, e, para se evitar tal mazela, há que se dividi o Estado constituído racionalmente. Neste momento nasce, surge a teoria da tripartição dos poderes destinada a propiciar a organização do Estado, princípio sumamente importante, haja vista de ser a única maneira de limitar os poderes políticos. 4.2 AS ACEPÇÕES DO PODER CONSTITUINTE A idéia inicial ao se falar em poder constituinte, é a idéia de que este é uma assembléia constituinte, um grupo, um colegiado para elaborar uma Constituição. Muito embora, o termo “poder constituinte” seja muito mais amplo, vale salientar a idéia de que a palavra “constituinte” traz em seu bojo a noção de processo, pois sempre se refere ao constituinte, mudando-se o gênero, o constituinte doravante é o legislador identificado como feitor da magna carta. 48 49 Machado, Raul Horta. Curso de Direito Constitucional, p. 25. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, p.22. 44 O processo de constituinte é amplo e complexo, envolve diretamente o processo político de uma sociedade. A constituinte [assembléia] é composta de representatividade em que se discutem os vários temas fundamentais a um Estado democrático de direito. O ápice da constituinte é a promulgação da Constituição que revela o modo pelo qual o representante adotou, em nome dos representados, a organização jurídico - política de uma sociedade, não há limites para esse poder constituinte. 50 Posto isto, a análise dessa característica ilimitada da força do poder constituinte pressupõe que antes da constituinte, não houve Constituição. A nova é completamente independente e impositiva à anterior, quando esta existe. Assim, nessa esteira, fala-se em ruptura com a ordem anterior. Essa ruptura se dá em âmbito integral, englobando os poderes constituído e organizacional. Esse é a chama do poder constituinte originário, quando rompe com a ordem anterior deixando aquele apenas como dado histórico sem, contudo, deixar de ser um Estado, pois pela teoria da recepção, toda a norma infraconstitucional que encontrar validade na nova Constituição será valida. De outro modo, é de se verificar que, se naquele poder originário não se encontra limites para o seu exercício, no poder constituinte derivado, em que a acepção deste se dá nas limitações impostas pelo poder originário, e este poder derivado se dá pela regulamentação do próprio poder originário. A condição para a legitimidade deste poder constituinte derivado é este ser eleito pelo povo, e assim, pode aplicar, propor, estabelecer mudanças na carta política de um país. Nas palavras do insigne jurista TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR: Para que exista poder constituinte derivado, é necessário que o poder constituinte estabeleça limites as alterações da própria Constituição. Esses limites podem ser formais, como o quorum especial, ou materiais, expressamente constantes do texto constitucional como as clausulas pétreas 51 50 51 Lopes, Mauricio Antônio Ribeiro. Poder Constituinte Reformador, p. 134 Constituinte: Assembléia, poder, p. 30. 45 Posta assim essa questão, é de se concluir que a Constituição brasileira não tem uma instituição que estabeleça o poder constituinte como uma corporificarão de estabilidade e legitimidade, haja vista de que as normas constitucionais podem ser modificadas na vontade do legislador constituinte derivado. Cumpre ratificar, nesse momento, que a Constituição do Brasil está sujeita a um problema interminável, pois ao eleger um congresso com poderes modificadores [poder constituinte derivado] institucionaliza-se a prerrogativa de instabilidade jurídica e mesmo política, vendo que os legisladores mundo afora se pautam por meios legitimamente modificadores, havendo aqueles que põem a salvo os direitos fundamentais, porém, rompem com toda uma estrutura. Nessa hipótese tem-se que a revolução cria uma nova faceta ao Estado. Contudo, não se pode olvidar que, um Estado mais estável do ponto de vista jurídico é mais facilmente governável, haja de vista que não se insurge a revolta populacional. 52 Registre-se, ainda, que o poder constituinte, tomado na acepção de assembléia, só pode ser válido se for determinado no tempo, por se tratar de um processo, pois se assim não fosse estaria fadado ao acontecimento ad eterno e nunca haveria uma Constituição positiva. 52 Ferraz Junior, Tércio Sampaio, p.132. 46 Cumpre assinalar que este não é o problema isolado do poder constituinte. Resta saber a problemática mais aproximada da teoria política, saber o que é o poder constituinte e seu emblema no seio da organização social do Estado. O poder constituinte está diretamente ligado ao poder, poder capaz, hábil de mudar uma determinada condição jurídica constitucional em determinado período no tempo. A detenção deste poder deve ser entendida e atribuída ao povo, grupo populacional formado pelo conjunto de indivíduos regidos pela mesma égide jurídica. Para o insigne jurista português, o poder constituinte em sua gênese pode subsumir três formas, quais sejam: revelar, dizer e criar a Constituição. Vale salientar a dupla finalidade de uma Constituição, a primeira de estabelecer regras jurídicas, ou seja, um texto jurídico, e pela própria natureza constitutiva fixa a “Constituição política de um Estado” 53 . Eis, o sincretismo da Constituição. A par disso, a evolução da gênese do poder constituinte muito se vale de todas as experiências constitucionais que se conhece. Ao se falar em poder constituinte que se revela, remete - nos a experiência inglesa, em que nunca houver uma assembléia constituinte reunida, deliberando acerca das leis que regeriam aquele país, tampouco, houver um poder ditador capaz de subjugar a população inglesa. A Constituição inglesa se deu em âmbito de proclamas, é dizer que o povo, não apenas revelaria a quem interessa se a condição de homens livres e limitar o poder do império que já existiam em leis muito antigas, como estabilizaram o constitucionalismo histórico, que via reflexa expurgam a possibilidade de um poder constituinte para reorganizar a nação. Nas palavras do proeminente jurista luso: “neste sentido se pode afirmar que o constitucionalismo histórico repugna a idéia de um poder constituinte com força e competência, para, por si mesmo, desenhar e planificar o modelo político de um povo.” 53 Canotilho, Op Cit.p. 68. 47 De outra forma, há segundo JJ CANOTILHO 54 , a experiência jurídica de dizer a norma constitucional, e exemplifica essa modalidade por meio do constitucionalismo americano em que uma assembléia constituinte criou um corpo de normas superiores e invioláveis. O povo americano não aceitava a idéia de que pudesse haver um poder que criasse a organização de seu Estado. A idéia de poder constituinte na experiência americana tem o foco na garantia. A garantia de que os direitos fundamentais fossem validados e efetivados e de limitação ao poder, essa limitação ao poder é tão elevada que o próprio poder constituinte é severamente limitado, no sentido de que o poder constituinte é apenas um instrumento funcional para de fato DIZER a norma constitucional, e não se pode negar que essa experiência constitucional atinge bem o seu objetivo principal no sentido de dar ordem política e social àqueles que exercem o poder político, e estabilizando o sistema jurídico. De resto, tem-se o constitucionalismo que cria a norma, por meio da revolução, no caso francês, como exemplo. Acerca da revolução surge a nação como titular do poder constituinte, que rompe com a ordem anterior sobrestada ao futuro que tem por características principais ser originário, autônomo e onipotente, como definido pelos próprios revolucionários franceses: “a Constituição é um acto imperativo da nação, tirado do nada e organizando a hierarquia dos poderes.” 55 Cria-se um novo Estado, que transcende os conceitos de outrora aplicando aos poderes constituídos a nova e querida dimensão ao constitucionalismo revolucionário, em razão disso a forma de legitimação do poder transfigurou-se pelo sufrágio renovando e acelerando a transformação do Estado moderno em república e integrando a população em uma nova ordem social. 56 54 Idem ib. p. 69 Boutmy apud Canotilho, p. 71. 56 Canotilho, op.cit,p. 71. 55 48 4.3 NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE Em linhas gerais, pode-se dizer que o poder constituinte é a expressão política que tem por escopo convolar os preceitos de uma sociedade, que, por alguma razão, está modificada. Resta saber, entretanto, qual a natureza desse poder. Em tempos remotos, sabe-se que o poder constituinte advinha dos céus, de divindades, e por meio dos escolhidos, as leis eram elaboradas. Entretanto, o poder constituinte originário representado pela Assembléia Constituinte assume que posição? Que natureza pode-se atribuir a esse poder? Segundo JJ CANOTILHO 57 , o poder constituinte no plano teoréticoconstitucional pode ser analisado no que tangencia a qualidade de poder de fato ou poder jurídico. Entretanto, essa questão se assenta em saber se o poder constituinte é um limite imposto à Constituição. A grande questão que se coloca acerca desse assunto diz respeito ao fato de não se considerar o poder constituinte como uma categoria, instituto ou mesmo um conceito, este não pode ser reduzido a esse termo ante a sua ruptura com o direito positivo constitucional vigente 58 . Nessa esteira, poder-se-ia dizer que o poder constituinte originário é uma força liberta de regulamento jurídico, um fato puro, como assumido por KELSEN pela teoria da norma hipotética fundamental, é dizer que o poder constituinte é anterior ao Estado. O poder constituinte clama sob o ponto de vista jurídico por validade das normas, e no aspecto político está diretamente ligada à maneira de autoorganização da coletividade, imbricando seus dois elementos, político e jurídico, colidindo com a legitimidade e legitimação do poder constituinte, que será objeto de análise aprofundada em outro capítulo. O fundamento lógico do poder constituinte localiza-se no momento de diferençar este dos poderes constituídos, vez que a existência de uma Assembléia Constituinte requer, necessariamente, a ruptura com a ordem em que se organiza o 57 58 Op. Cit, p. 72. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, p. 22. 49 Estado, terreno incerto em que se localizam as origens deste poder originário. Assim tem-se que a admissão de um direito anterior ao Estado é o poder constituinte é um poder jurídico, haja vista a inerente condição humana de agrupamento e necessidade de ordem. Em contrapartida, há aqueles que não admitem a existência de um direito anterior ao Estado. O poder constituinte, é em verdade um poder apenas de fato, puro isolado, que por si é capaz de estabelecer e impor a ordem. É preferível a adoção da natureza do poder constituinte, como de ordem hibrida. O poder constituinte revolucionário rompe com a ordem a esta anterior, com uma força de rebeldia para instituir a profunda mudança social que a revolução pode alcançar , este poder invade a esfera individual de forma penetrante e incisivo como nas palavras do publicista espanhol: O poder constituinte não pode ser localizado pelo legislador, nem formulado pelo filósofo, porque não cabe nos livros e rompe o quadro das constituições. Surge como um raio que atravessa a nuvem, inflama a 59 atmosfera, fere a vitima e desaparece. Poeticamente descreve o publicista espanhol, visto que não é a comunidade que requer a assembléia constituinte, e sim, a ordem de mudança instalada no seio da sociedade que clama pela positivização de tais mudanças. Essa teoria é parte da clássica da Revolução Francesa que acendeu mundo afora a liberdade, atributo este que deveria estar garantido pela legitimação dada pelo povo, destinatário da mesma liberdade. Para Sieyes, o grande doutrinador da revolução francesa atesta magistralmente o valor maior de uma revolução e via reflexa, a poder constituinte, qual seja, a liberdade. O poder constituinte pode tudo. Ele não está submetido a uma determinada Constituição. A nação que exerce o maior e mais importante dos poderes deve ficar no exercício dessa função, livre de qualquer constrangimento 59 Agesta apud Raul Machado Horta. Direito Constitucional p.26. 50 A mais acertada, então, forma de se conceber o poder constituinte é tê-lo como o elo entre política e direito. Daí a natureza hibrida, defendida pelos constitucionalistas contemporâneos, com a qualidade de ser inicial, autônomo e incondicionado. Portanto, não se pode negar a natureza jurídica do poder constituinte, ainda que não haja seu fundamento de validade em norma positivada. É nessa esteira que, se prova a existência de um direito natural, anterior ao Estado capaz de coexistir com a ordem política. 4.4 O TITULAR DO PODER CONSTITUINTE A titularidade do poder constituinte em um Estado democrático só pode ser uma: o povo. Assim, em análise político-histórica, retornamos em SIEYS o grande mentor da revolução francesa, quem realizou a primeira distinção entre titularidade e legitimidade. Para ele a soberania popular era a origem de tudo, é a própria lei. 60 Por muitas vezes, esses dois elementos são confundidos no que tange ao poder constituinte. Não basta, entretanto, que haja consenso no que diz respeito ao detentor deste poder, o povo, se não se conceitua esse povo dono do poder constituinte. Segundo JJ CANOTILHO 61 o conceito de povo é um conceito plurívoco, é o conjunto de pessoas deliberando sobre suas vidas em comum. A colaboração dessa afirmação se dá no momento em que há de se considerar as forças atuantes em uma Constituição, tais como partidos políticos, igreja forças culturais. Assim, conforme CANOTILHO, povo é acima de tudo uma grandeza pluralística. 60 ,Sièyes. apud Canotilho. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 141. Canotilho idem, p. 74 61 51 Desse modo, partindo do ponto de que o povo é formado por várias grandezas de todas as ordens, é preciso saber qual a natureza que circunda esse conceito pluralístico-moderno de povo. Superada a antiga acepção de povo, como somente um povo ativo, ou seja, dono de capacidade eleitoral ativa; e passiva, como queriam os jacobinos, tampouco é povo o conceito liberal, em que os proprietários impunham o sufrágio censitário. Chega-se ao consenso de que a natureza do povo é tomada no sentido de povo político, no espírito da democracia em que os grupos que compõe a grande ordem pluralística, agem em conformidade com interesses de natureza, também, política. É plurisubjetiva a titularidade, pois encontramos o titular isoladamente entre as grandezas pluralísticas que compõe o todo, forças hábeis a definir e discutir constituindo todos os aspetos necessários á formação do Estado. Vale salientar a idéia de que o conceito de povo está sujeita à idéia de povo político, normativa e real. Em uma analise filosófico-sociológica, o povo normativo é aquele que a lei o define como povo, há, todavia, nessa concepção a tomada da exclusão de tantos quanto a lei não expressar como povo, por uma razão exterior ao próprio povo. E o povo real, segundo JJ CANOTILHO 62 , é a comunhão de opiniões que trazem à tona a capacidade de instituir e constituir uma Constituição demonstrando dessa maneira, donos soberanos do poder constituinte, havendo para si a capacidade de contratar e pactuar a ordem-politico social. 62 Canotilho, Curso de Direito Constitucional, p. 74 52 O supremo poder do Estado, o exercício do governo, está, sobretudo, ligado ao fato de determinado poder haver-se estabelecido por meio da dominante opinião da maioria. Ou seja, entra em tela, nesse momento, o conceito de consensus que é definido como a aceitação da prática governista constituído legitimamente. Entretanto, esse consensus não se confunde com legalidade, pois pode haver legalidade, sem, contudo, haver consensus. 63 Assim, o poder que não seja baseado no consensus tem natureza instável, tem a governabilidade cerceada pela constante ameaça de que pode-se insurgir uma revolução ante a imposição sistêmica de um governo. Assim, para que o poder constituinte alcance a máxima eficácia é necessário que repouse sobre o consensus que o legitimará. Assim, conclui-se que, se a soberania repousa na legitimidade, via reflexa, alcança-se a justificativa de que o poder constituinte originário pertence ao povo. O povo na acepção de povo real supracitado, como dono do poder constituinte, não é o agente desse poder. Ou seja, o exercício desse poder é delegado aos representantes do próprio povo em um sistema democrático, de forma que o agente desse poder é costumeiramente denominado Assembléia Nacional Constituinte. O poder desse referido ente é na medida exata da aceitação do povo, que pode ser expressa quando ocorre o referendo, ou tácita quando posta em vigor e por si ganha eficácia pela prática de suas disposições. Resulta desse fato duas conseqüências importantes, a primeira a de que o poder constituinte não é eterno, ou seja, este se esgota tão logo a obra seja realizada, e a segunda é que a obra estará sempre sujeita a uma condição de eficácia. 63 64 64 Ferreira Filho Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, p. 25. idem ib,p. 27 53 4.5 VEÍCULO DO PODER CONSTITUINTE O poder constituinte originário é pensado como um poder que atua em campo livre, vazio. Em outras palavras, o poder constituinte ocorre onde não há qualquer manifestação política, de forma que este seria a primeira existência de uma atuação política. Entretanto, é ponto pacifico que no plano fático, o poder constituinte atua em lugares em que já existem até instituições e poderes constituídos. Aqui se encontra o questionamento de qual é o veículo capaz de modificar essa instituição já existente e criar uma nova ordem. No momento em que o poder constituinte se manifesta, este rompe com a ordem anterior, fazendo-a com que esta perca a eficácia necessária à governabilidade de um Estado. Nessa esteira, o povo real, por meio de seus agentes insurge-se e nasce a revolução, que é o veículo do poder constituinte. É por meio da revolução que o poder constituinte originário responde ao anseio da população insatisfeita, as grandezas pluralística como no conceito de CANOTILHO 65 atuam buscando dar resposta às necessidades mais relevantes e comuns à população. Pode-se concluir que a revolução “tem” poder constituinte 66 Todavia, isso não é um axioma. Basta saber quantas constituições nasceram sem que houvesse uma revolução, v.g. a própria Constituição de 1988 que fora realizada de acordo com as normas da Constituição de 1969. Ocorre que devido à profunda reforma, esta se logrou como Nova Constituição realizada pela Assembléia Nacional Constituinte de 1987. A par disso, vale indagar se é a revolução é um direito. A Constituição democrática instituída e consolidada garante esse direito? 65 66 Canotilho, apud Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, p. 26. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, p. 25 54 A liberdade é a garantia fundamental que responde a essa indagação, tendo em vista que o exercício desta é que gera em uma população o direito de insurgir-se, de afrontar a lei positiva, que não satisfaz aos anseios daquela sociedade. Assim, a sociedade pode como ultima ratio recorrer à força bruta para opor-se ao sistema vigente. Em epítome, a revolução é o veículo para se estabelecer o poder constituinte, seja ele no terreno cru e vazio, seja para revogar a ordem anterior, qualquer que seja o plano de atuação da força revolucionária, vale salientar que esta é feita sempre por uma minoria, entretanto, só se legitima com a adesão da maioria 67 4.6 LIMITAÇÕES AO PODER CONSTITUINTE O poder constituinte, como outrora caracterizado, é permeado essencialmente pela liberdade de constituir um Estado nos moldes da realidade fática em que vive a sociedade. Assim, para saber a limitação do poder constituinte é necessário, em primeiro lugar, distinguir as duas facetas de poder constituinte. De fato, o poder constituinte pode ser classificado de duas maneiras o poder constituinte originário e o poder constituinte derivado. Ambos surgem como garantia de estabilizar a governabilidade. Assim, o poder constituinte originário pode ser conceituado como a expressão política que tem a função de positivar segundo os ideais que norteiam o momento histórico-constitucional, as regras que constituirão o Estado. Esse poder constituinte originário possui elementos que o caracterizam, como ilimitado e incondicionado. É inicial, em razão da função que exerce, o de criar os demais poderes. Os poderes constituídos só existem em razão da autorização expressa pela Magna Carta. O poder constituinte originário é o poder de elaborar, votar e promulgar a Constituição. Ele é exercido privativamente pela Assembléia Nacional Constituinte 67 idem Ib,p. 31. 55 Assinala o magnífico GODOFREDO TELLES JÚNIOR, em trecho da carta enviada ao Presidente da República e Congresso Nacional durante a constituinte de 1987 68 , que elemento caracterizador seguinte diz respeito à ilimitação deste poder, isto é, este é capaz de criar, adotar e derivar vários outros poderes dessa sua ilimitação. Vale salientar que essa limitação, apenas, está presente na invocação do jusnaturalismo, e nessa esteira, dá a essa característica a nome de autonomia, que quer significar que o direito positivo não é bastante para limitar a instituição de um Estado, entrementes, direito natural está apto a esse exercício. A par disso, tem ainda que o poder constituinte é incondicionado, ou seja, está isento de cumprir requisitos pré-fixados a fim de manisfestar-se. Em suma, o poder constituinte originário é a prova maior do exercício da soberania do povo em um sistema de governo. 69 68 69 Godofredo Telles Júnior, apud Pérsio Henrique Barroso. Constituinte e Constituição,p.92. idem Ib, p. 21. 56 5. A EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL O presente capítulo de cunho histórico, será muito importante para o esclarecimento de como se chegou ao constitucionalismo atual, de forma que a Constituição Cidadã alcançou sua natureza analítica e a razão de seu número de emendas que traz à tona a discussão desse trabalho. Com a chegada da família real em 1808 no Brasil, a figura de colônia explorada começa a ganhar contornos de uma nação autônoma, pois, a partir de então tratava-se da sede do Reino, e com isso, tornou-se necessário instalar na Colônia as repartições necessárias à organização do governo. O grande problema enfrentado pela instalação da família real no Brasil foi a descentralização do poder que, todavia, era a forma estabelecida em três séculos de vida dos moradores dali. Havia um grande abismo entre o poder real e o poder efetivo, esse fator trouxe a discussão de um novo modelo de governo. Nasceu assim, o primeiro movimento com natureza constitucional, fortemente influenciado pela Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadãos de 1789. Os princípios que norteavam essa mudança no pensamento político buscaram inserir, no âmbito do sistema de governo, os fundamentos do liberalismo, parlamentarismo, e constitucionalismo Essa influência ideológica trouxe a possibilidade de se outorgar a Constituição do Porto. 57 5.1 A PROCLAMAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA E O CONSTITUCIONALISMO Após o grito de D. Pedro I, que colocou o Brasil como um país independente da Colônia passando a ser uma nação livre. O maior problema, nesse momento, foi o de tornar o Brasil governável ante sua estrutura coronelista e descentralizada. Assim, nasce a necessidade de se adotar uma política fundamental capaz de açambarcar toda a estrutura equiparar todas entre si, e a partir daí, realizar a unificação do país. Surgiu a idéia do constitucionalismo inicial no Brasil, que teve por pretensão massificar todas as províncias em torno de uma única fonte de poder central, como expressou Benjamin Constant, “nada escapa, nem o mais remoto povoado do interior, à sua compressão poderosa “ 70 , referindo-se a Constituição do Império. 5.2 A CONSTITUIÇÃO IMPERIAL Surge, a Constituição do império em 1824, e após três séculos de dominação a ex-colônia tem sua própria organização política positivada, seguindo os mais modernos princípios à época. A Constituição Imperial não nasceu de uma Assembléia Constituinte, pois, D. Pedro I a havia dissolvido arbitrária e autoritariamente, e outorgou a Constituição de projeto elaborado pelo Conselho de Estado 71 . A Magna Carta Imperial possuía 179 artigos e instituiu a divisão do império em províncias, o governo hereditário e monárquico, a divisão dos poderes, inclusive o poder moderador que era exclusivamente exercido pelo próprio imperador. 70 71 Benjamin Constant, apud José Afonso da Silva. Op. Cit.p. 76 Porto.Walter Costa. O constitucionalismo de D. Pedro I, p. 38. 58 Vale salientar que o poder moderador era um poder incomum a outros Estados. Assim, a adoção desse sistema moderador se deu por sistematização por Benjamim Constant, que o definia como “La clef de toute organisation politique”, que em livre tradução para a língua portuguesa significa: “a chave de toda a organização política”. A instituição do poder moderador dividia a opinião partidária. Aqueles conservadores tinham o exercício do poder moderador como uma imposição, ao passo que os liberais percebiam o poder moderador como uma força de composição. Fato é que de acordo com estudos históricos realizados, conclui-se que os escritos de Constant foram o que de fato o que inspirou a Constituição imperial, e que o poder moderador foi o que saciou a sede de autoridade que D. Pedro I aspirava. Dentre a peculiar característica da Constituição Imperial ao instituir o poder moderador, esta colaborou para a imposição da democracia representativa indireta bem como do sufrágio censitário, além de ter sido uma Constituição escrita e semi-flexivel, em que se estabeleceu como constitucional, ou seja, aquilo que não está sujeito a reforma, tão somente matérias que tratavam da organização política. De forma que tudo o que não fosse constitucional como disposto na própria carta, poderia ser modificado por leis ordinárias. A maior singularidade dessa carta imperial, entretanto, diz respeito a sua durabilidade, foi a Constituição que por mais tempo vigeu na história constitucional pátria até o momento. 5.3 A CONSTITUIÇÃO DE 1891 A Constituição de 1891 foi fruto da Assembléia Nacional Constituinte, e rompeu com o sistema monárquico. Foi a primeira Constituição brasileira atestando a República, o federalismo e o presidencialismo. A Carta Magna de 1891 é a carta 59 de distribuição de competências e poderes, e a primeira a garantir os direitos fundamentais. 72 É o texto mais breve da história constitucional brasileira, com apenas 91 artigos, e durou trinta e nove anos. Vale salientar que foi nesse momento constitucional, que se abandonou o modelo Europeu de monarquia, passando os autores do Anteprojeto a inspirar-se no modelo Norte Americano e de todas as características de organização daquele Estado. 5.4 A Constituição de 1934 A promulgação da Constituição de 1934 foi um marco na história da evolução constitucional do Brasil, haja vista de que a inspiração advém do constitucionalismo pós-guerra. O modelo constitucionalista a ser seguido nesse momento, era o modelo de Constituição social, e a conseqüência trazida por essa adoção foi o alargamento da matéria constitucional, introduzindo a ordem econômica, a proteção à família e a referência ao Direito do Trabalho. Em uma breve classificação, têm-se a Constituição de 1934, como uma Constituição ampla, ou seja, expansiva, com 187 artigos e recebeu três emendas e vigeu por apenas três anos, três meses e vinte e seis dias. 73 Por motivos de ordem política, conflitos regionais levaram a Constituição de 1934 a sucumbir ante a um golpe de Estado que desfechou as instituições democráticas. Um verdadeiro retrocesso institucional. 72 73 Machado. Raul Horta. Curso de Direito Constitucional, p. 52/3. idem ib,p. 53/54. 60 5.5 A Constituição de 1937 É considerada como a máscara do poder, ou seja, uma Constituição utilizada e feita ao detentor do poder. A competência para legislar era ato privativo do Presidente da República, sem qualquer respeito às garantias fundamentais. Foi o mais puro exercício do autoritarismo pelo chefe do governo, que até para reformar decisões judiciárias tinha competência. Confundia-se no mesmo poder instituído, o poder executivo, todos os demais poderes, legislativo e judiciário. 74 5.5 A CONSTITUIÇÃO DE 1946 A Carta Política que veio restaurar os valores democráticos, pode-se dizer que fora uma forma de ratificar a Constituição de 1934. Alargou os limites da proteção do Estado, reverteu a divisão dos poderes nos padrões democráticos. Conservou o federalismo, presidencialismo e regime democrático. Além de garantir a inviolabilidade dos direitos fundamentais. Completou a constitucionalização da Justiça do Trabalho. Classificada como Constituição expansiva, contava com 218 artigos, fora submetida a um profundo processo de revisão, possuiu 21 emendas. Essas emendas resultaram em um abalo na estrutura da carta política, como, principalmente, a prática reiterada dos Atos Institucionais que paralisavam os efeitos das normas constitucionais, ou seja, suspendiam a eficácia da Constituição. 74 idem ib p. 55/6. 61 Essa prática destruiu a Constituição de 1946, que fora fruto de um amadurecimento constitucional. Os Atos Institucionais se sobrepuseram à Constituição de forma que esta sucumbiu como obra de equilíbrio político. 5.6 AS CONSTITUIÇÕES DE 1967 e 1969 Convocada por Ato Institucional, a Constituição de 1967, não se deu por poder constituinte, uma assembléia baseada na vontade popular. Foi, antes de qualquer coisa, uma forma encontrada para solucionar, em curto prazo, a desorganização que se encontravam as normas constitucionais esparsas entre um ato institucional e nas Emendas constitucionais. Assim, a Constituição de 1967 teve como poder constituinte o próprio Congresso Nacional por ato convocatório do Presidente da República. O Brasil era comandado por militares, que governavam por Atos Institucionais. A Carta de 1967 deu mais poderes a União e ao Presidente da República através da emenda constitucional número 1 outorgada pelos Ministros da Marinha e Aeronáutica para governar 75 Teve duração muito curta, e por meio do Ato Institucional n. 5 de 13 de dezembro de 1968 rompeu com a ordem constitucional vigente. E por meio de uma emenda constitucional, outorgaram a Constituição de 1969, que fora modificada por outras 25 emendas, e que cabalmente a emenda de número 26 convocou a Assembléia Constituinte de 1987, um ato político com o intuito de reformar o sistema político brasileiro 76 75 76 Idem ib, p. 54/5 Ferraz Junior, Tércio Sampaio, 48/9. 62 6. A REDEMOCRATIZAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 6.1 CIRCUNSTÂNCIAS DE ELABORAÇÃO DA MAGNA CARTA O presente capítulo tratará dos momentos mais significantes acerca da elaboração da Magna Carta de 1988. De como nasceu a idéia de uma Nova Assembléia Constituinte levando em conta as circunstâncias históricas bem como a crítica que sofreu a Constituição. Vigia no Brasil até a data de 5 de outubro de 1988 a Constituição de 1969, que segundo a crítica doutrinária 77 tratava-se apenas de uma emenda à Constituição de 1967, que por sua vez possuía um cunho autoritário que cedia mais poderes a União, dominava o país um comando militar. A governabilidade era praticamente realizada por meio dos Atos Institucionais, e com a edição do Ato Institucional n. 5 rompeu com a ordem constitucional, estabeleceu um acentuado exercício do poder antidemocrático. A sociedade trava para uma luta em busca do retorno à liberdade, assim em 1982 houve as eleições para governadores e a população embuída no espírito político manifestou-se em prol das eleições diretas, que tinha o famoso slogan: diretas já! 77 Ferraz Junior, Tércio Sampaio. Op. Cit .p. 88. 63 Em 1984, foram instaladas as eleições para Presidente, que seria a última eleição indireta a para a escolha do chefe do poder executivo. É lançada a candidatura de Tancredo Neves, então governador de Minas Gerais. A ideologia dominante na população era livrar-se do que chamavam de “lixo autoritário” que se tornou praticamente um axioma, tomou forma incontestável para a necessidade de modificação do sistema 78 . Vale salientar que, supunha a população que o problema do Brasil residia na eleição indireta do presidente, este era o maior dos males da República no entendimento geral. Nessa conjuntura, em 15 de janeiro de 1985 foi eleito indiretamente para Presidente da República Tancredo Neves e para Vice-Presidente José Sarney. Na véspera da data marcada para a posse faleceu o Presidente eleito, arrasando todo o país.O medo e a insegurança da continuidade de um regime autoritário pairaram no seio da população uma vez que o Vice-Presidente demonstrava grande simpatia pelo regime militar, tendo sempre militado a favor daquele regime. Entretanto, para a surpresa de todos, o Vice-Presidente da República enviou ao Congresso Nacional a proposta de emenda constitucional n. 43 convocando uma Nova Assembléia Constituinte. Segue a transcrição do documento por entender a importância histórica: PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N. 43 DE 1985, Convoca a Assembléia Nacional Constituinte. Art. 1º. Os membros da Câmara dos deputados e do Senado Federal, sem prejuízo de suas atribuições constitucionais, reunir-se-ão unicameralmente em Assembléia Nacional constituinte, livre e soberana, no dia 31.08.87 na sede do Congresso Nacional. Art. 2º. O presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição de seu presidente. Art. 3º. O projeto de Constituição será promulgado no curso da primeira sessão legislativa da 48ª Legislatura, depois de aprovado, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Nacional Constituinte. 78 Barroso, Pérsio Henrique.Constituinte e Constituição, p. 89. 64 É esse é o texto da proposta de Emenda à Constituição que se tornou a Emenda constitucional n.26, que convocou a Assembléia Nacional Constituinte. Nesse momento foca-se a aberração escondida por detrás dessa convocação. A Constituição Cidadã de hoje, não foi elaborada por uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva, como em tese, se conhece a teoria do constitucionalismo. Foi adotada pelo Presidente da República a Assembléia Nacional Constituinte Congressual, ou seja, aqueles que já compunham o Congresso Nacional, como representantes do povo e dos Estados, agora também “sem prejuízos” como consta no texto oficial, exerceriam o papel de poder constituinte originário. Fato eivado de críticas, a sociedade como um todo reagiu à decisão negando-a. Não houve concordância acerca da idéia de se ter uma Constituição elaborada pelos mesmos formadores do congresso já existente, e vale ressaltar, conivente com o regime anterior. 79 A propugnação por uma assembléia exclusiva moveu diversos setores da sociedade, GODOFREDO TELLES JÚNIOR, em carta enviada ao Presidente da República e ao Congresso Nacional exterioriza a indignação dos juristas à época, vejamos: Partimos da afirmação que Poder Constituinte não é poder legislativo, em conseqüência, sustentamos que o Poder Legislativo não pode ser promovido a Poder Constituinte. Em outras palavras: não pode o Congresso Nacional ser convertido em Assembléia Nacional Constituinte. O ato que o fizer é arbitrário e ilegítimo. Queremos lembrar que o Poder Legislativo é poder constituído. Constituído por um poder constituinte originário, e este é o poderfonte: dele é que derivam os demais poderes 80 Com brilhantismo que o jurista supracitado defende a verdadeira democracia, veemente em acreditar que o poder constituinte originário, só será legitimo se for exclusivamente para esse fim. 79 80 Corrêa, Oscar Dias. Contribuições Críticas à Constituição de 1988, p. 27. Godofredo Telles Junior apud Herkenhoff, João Batista. Como participar da constituinte. P. 59. 65 Assim,foi votada e aprovada a nova emenda constitucional com termo inicial em 1º de fevereiro de 1987. Porém, até que se organizasse a Assembléia Nacional Constituinte foi estabelecida a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, também conhecida como a Comissão dos Notáveis, composta por 50 juristas e presidida por Afonso Arinos de Melo Franco, cuja missão era elaborar um anteprojeto para a Constituição. 81 Instalados os trabalhos, a marca predominante para a nova ordem constitucional era a de romper completamente com o sistema anterior, de forma que as comissões e subcomissões permitiram a adoção de uma linha ideológica voltada para a reforma institucional do país. Entretanto, a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, que, vale ressaltar teve participação popular maciça por meio das audiências publicas, não foi adotada como texto base. A elaboração da Constituição resultou dos relatos e idéias das subcomissões. [vide anexo] A compilação inicial da Constituição resultou em 551 artigos, que por tamanha aberração fora apelidada de Frankestein. 82 Sucederam-se as emendas, sem homogeneidade, e uma longa e exaustiva discussão acerca do projeto deixou o povo, antes em polvorosa, entediado, incrédulo, até que se chegasse ao texto final. O que resultou em um enorme alívio, visto que atingiram o objetivo a que se propuseram: romper com a ordem anterior, sensação de alma lavada, em palavras coloquiais. 6.2 CRÍTICAS À ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE Após a longa e exaustiva espera pela Nova Constituição, o Brasil está frente à revolucionária Constituição Cidadã, longa, prolixa, detalhada. Elaborada sob 81 82 Corrêa, Oscar Dias. Op. Cit. p. 59. Idem ib, p. 59. 66 a cúspide da transição, aliás característica das constituições brasileiras. O constituinte elaborou um documento que afastava qualquer espírito da ordem até então vigente. A ausência de uma linha ideológica que formasse a unidade da Constituição resultou na enorme quantidade de dispositivos dependentes de regulamentação, ante a complexidade que tentou o constituinte acobertar pela lei constitucional 83 . A amplitude e minudência da Constituição é outro aspecto a ser analisado. Exterioriza a pretensão de se regular tudo e prever todas as possibilidades, incluiu no texto matérias que sempre foram de ordem de leis ordinárias. 84 Resultou, assim, a Magna Carta de 1988 em 250 artigos, mais de setenta Atos das Disposições Constitucionais Transitórias [muitas perduram até hoje], e atualmente com 52 Emendas constitucionais, sem, contudo, esquecer-se da quantidade de dispositivos que até no ano de 2007 ainda não foi regulamentado a rogo do constituinte. Outra análise que merece um breve comentário diz respeito ao caráter acentuadamente programático de muitos dispositivos. Sem a força obrigatória necessária para a obtenção de eficácia, volta-se para o pressuposto que parece integrar a cultura jurídica do país: o fetichismo da lei. É como se no Brasil bastasse a edição de uma lei para que a solução a um problema seja efetivo. Tentou o constituinte regulamentar todas as áreas da vida em sociedade pela disposição normativa para trazer a ordem. 85 Vale dizer que, com a promulgação da Constituição em 5.10.1988 o Brasil estava livre do viver em um sistema autoritário. Porém, estava aos poucos instalando a intranqüilidade, a insegurança no país, e os fatores podem assim ser 83 Barroso, Pérsio Henrique. Op. Cit. p. 74. Côrrea, Oscar Dias. Op. Cit. p. 60-63 85 Idem ib. P. 65-68. 84 67 conhecidos: a) a prolixidade constitucional; b) a enorme gama de matérias programáticas a depender de regulamentação; c) e a sucessão de eleições, neste momento diretas, de 1988,1989,1990 e 1992, sem, contudo, esquecer da anunciada revisão constitucional após cinco anos. O plebiscito república- monarquia e parlamentarismo-presidencialismo com data marcada para 1993. Nessa esteira, surge o questionamento sobre como se elabora e promulga uma carta constitucional com tantas dúvidas de cunho geral, nacional e por que não dizer internacional, como os fatores acima citados, sem perguntar aos maiores interessados, o povo? Sem se passar pela aprovação. Aceitação expressa da população? Nasce daí a celeuma que se torna a Constituição. Por um lado há a Constituição que é um exemplo para toda a comunidade internacional, e de outra sorte abre-se a fonte da insegurança jurídica. Inicia-se uma árdua tarefa de se chamar a Constituição à realidade, de fazê-la eficaz. A Assembléia Nacional Constituinte se entendeu soberana e tudo tentou solucionar, de forma que os efeitos eram ainda desconhecidos, Oscar Dias Corrêa, dois anos após a promulgação da Constituição previu dois riscos: Ou não durará ele, íntegro, retalhando-se em emendas que o modificarão em muitos pontos, menos suscetíveis de prender-se a fórmulas constitucionais, e sua revisão começará em breve, com a alteração da realidade, tão logo lhe repugne a fórmula que prende; “Ou, para permanecer íntegro, será desprezado, em muitos pontos, esquecidos, caírá em desuso, “não pegará” – como se diz de muitas leis, no Brasil - e será o princípio do fim, perdida a credibilidade do texto 86 O citado autor com propriedade e procedência previu o ingresso de emendas no ordenamento constitucional, e a conseqüência clara: a instabilidade. Também vale dizer que a segunda hipótese em muitos momentos na experiência constitucional brasileira desde 1988 também se tornou real. 86 Op. Cit., p.23, 1991. 68 Não acostumaram a defender a Constituição, tampouco a aplicação eficaz, sempre que se quer realizar um plano de governo, absurdamente, muda-se a Constituição. 69 7. REFORMA CONSTITUCIONAL O fenômeno do constitucionalismo escrito, inaugurado pelos Estados Unidos da América em 1787 ao editar a Lei Suprema que regerá a Nação, tem por pressuposto que esta perdurará no tempo indefinidamente. Partindo dessa premissa, a Constituição em si, envolve vários fatores que dependem de atualização para que haja uma ponte entre o papel escrito e a realidade, e dentro desse contexto a reforma constitucional ganha destaque e focase como objeto central desse estudo. As primeiras técnicas de rigidez à mutação da Constituição foram introduzidas pela revolução francesa, na tentativa de se tutelar a grande conquista burguesa. Os países latinos aderiram à idéia de Constituição durável rígida e intangível em determinadas normas de conteúdo, portanto, a idéia de supremacia passa a repousar na criação de um processo mais dificultoso, para modifica - lá. 87 Surge assim, um sistema normativo para realizar as mudanças na Constituição, acrescentar ou corrigir pequenas falhas no texto constitucional. Vale salientar que a reforma constitucional que não se confunde com mutação constitucional. É ponderoso a distinção. Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA 88 reforma constitucional diz respeito à alteração formal das constituições rígidas, por meio de órgãos competentes para tanto instituídos pelo poder 87 88 Silva, José Afonso. Op. Cit p. 74 Idem ib. P. 45. 70 constituinte originário, que é o poder constituinte derivado, ao passo que, mutação constitucional implica uma mudança não formal da Constituição rígida por vários fatores, como: interpretação judicial, alterações empíricas sociológicas, tradição, costume. Operando rumo à evolução, o que demonstra a insatisfação ante a Carta vigente. Do ponto de vista formal a alteração à Constituição pode-se dar de duas formas, a saber: a emenda à Constituição e a revisão constitucional. No Brasil, ambas são ou já formam utilizadas. Na promulgação da Constituição de 1988, o artigo 3º dos Atos das Disposições Transitórias Constitucionais institui a obrigação de se realizar a Revisão Constitucional, em cinco anos a contar da promulgação da Constituição. E, no capítulo que trata do processo legislativo, incluiu as emendas à Constituição como o processo cabível e próprio à alteração da Constituição. 7.1EMENDAS À CONSTITUIÇÃO 7.1.1 Conceito A Emenda à Constituição está prevista no sistema constitucional brasileiro como forma de alteração. Essa alteração pode ser aditiva, extintiva ou mesmo revogadora de normas. Assim partindo do ponto que a Carta Política de 1988, tem como característica a rigidez, e que por sua vez, a supremacia da Constituição repousa na técnica de sua modificação, conforme lição de José Afonso da Silva 89 o sistema brasileiro tem como critério de alteração as emendas, que consubstanciam-se em um método mais dificultoso de aprovação, no que diz respeito à votação, pois a elaboração é simples. 89 Idem, ib p. 65. 71 7.1.2 HISTÓRICO Desde a outorga da primeira Constituição brasileira, a Constituição Imperial de 1824, houve a previsão de alteração da Constituição. Primeiramente, a Constituição de 1824 era semi-flexível, pois a sua alteração podia realizar se por modos ordinários, reservando apenas as matérias intangíveis. A primeira Constituição Republicana de 1891, utilizava o termo reforma, contudo, o procedimento era de emenda, e assim surgiram as primeiras cláusulas pétreas. A Constituição de 1934 alargou o poder de reforma e inseriu as duas modalidades, a Emenda à Constituição e revisão constitucional, e delimitou assuntos que não poderiam ser objetos de deliberação. E distinguiu as matérias a serem modificadas via Emenda Constitucional e via revisão. A esta última caberia as discussões acerca da estrutura jurídica do país, a tripartição dos poderes, a coordenação dos poderes, declaração dos direitos, defesa do Estado, sistema proporcional de votação, e voto secreto. Os demais Assuntos poderiam ser tratados por Emendas constitucionais 90 . A Constituição de 1937 inseriu a competência do Presidente da República para propor Emendas à Constituição, e seria votado em sessão unicameral, que caso fosse rejeitada pelo Congresso Nacional seria submetida a um plebiscito popular. Com o advento da redemocratização de 1946, a iniciativa das emendas retorna às mesas do Congresso Nacional e instituíram-se as cláusulas pétreas. Com o golpe de 1964, e a outorga da Constituição de 1967 a iniciativa às Emendas constitucionais volta a ser concorrente sempre votada pelo Congresso 90 Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 35-37. 72 Nacional em sessão unicameral. Vale salientar, que na vigência dessa Constituição, as emendas à Constituição constituíram verdadeiras armas para o alargamento do poder ditatorial, que de emenda em emenda transformou a Constituição em uma carta de submissão do povo brasileiro. Finalmente, a Constituição de 1988 manteve a Emenda à Constituição como via de modificação, preservando as cláusulas pétreas e com procedimento previamente instituído pela própria Constituição, esculpido no artigo 60 e parágrafos. 7.1.3 PROCEDIMENTO A Emenda à Constituição tem o procedimento bastante simplificado. A iniciativa disposta no art. 60, rol taxativo: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Entretanto a discussão que se toma em torno da iniciativa da proposição de Emendas à Constituição tomam proporção significativa, no que diz respeito à participação popular quanto ao uso dos institutos de referendo e plebiscito. Igualmente, há quem entenda como Ilustríssimo José Afonso da Silva, que por meio de uma interpretação sistemática é plenamente possível à adoção desses institutos no que se refere à aprovação de emendas pelo povo. Busca respaldo à sua teoria, no artigo 1º da Constituição Brasileira, ao preceituar que todo poder emana do povo, e em seu nome será exercido. 73 A alteração da Constituição deveria ser um rito, já que é essa a lei suprema capaz de regulamentar a vida de todos os que vivem sob sua guarda, e o que se vê, no entanto, é a profusão de Emendas à Constituição, há emendas que até alteram o que já houvera sido alterado, o que demonstra a profunda falta de sentimento constitucional, e o agravamento junto à sociedade, que ocorre no momento em que o cidadão, titular da soberania, fica alheio a discussão acerca das Emendas Constitucionais, este fator abala a estrutura democrática[ainda que parece imperceptível], e a adoção da participação popular nessa matéria seria uma forma de resgatar o valor democrático, de se reinstalar desenvolver e concretizar os princípios da soberania popular e segurança jurídica como fundamento do Estado Democrático de Direito. Após a iniciativa, em projeto escrito, daqueles elencados no rol acima, passa-se à fase de tramitação, que passa à discussão e votação em cada das casas que compõe o Congresso Nacional. As discussões se dão em dois turnos obrigatoriamente, assim, é remetida a casa revisora após a segunda votação na primeira casa. Considera-se aprovado o projeto de emenda à Constituição aquele que obtiver três quintos em cada casa. Depois de votada e aprovada, segue a fase de promulgação da Emenda à Constituição. A competência para a promulgação é sempre das mesas da Câmara Federal e do Senado Federal. Vale ressaltar que no processo legislativo de emenda à Constituição inexiste a possibilidade de sanção ou veto do Presidente da República 91 . 91 Lenza, Pedro. Direito Constitucional, p. 33. 74 7.2 A INTANGIBILIDADE DA CONSTITUIÇÃO A idéia de Constituição que se conhece é a de que este documento, haja vista da importância de sua existência foi feito para durar no tempo. 92 Assim, para assegurar a durabilidade da Constituição e, via reflexa, assegurar a supremacia e estabilidade do Estado de Direito, houve por bem organizar a defesa contra mudanças arbitrárias no Texto Maior, por meio de um processo dificultoso, a Emenda Constitucional. Desta feita, o poder constituinte originário instituiu o poder constituinte derivado com a finalidade precípua de exercer legitimamente os atos legais e necessários à alteração da Constituição. Entretanto, esse poder constituinte derivado não é absoluto, sofre limitações. Essas limitações correspondem diretamente com a tangibilidade da Constituição, vale dizer, aquilo que seja objeto de plausibilidade e compatibilidade com a mudança, sem contudo, alterar a estrutura do Estado e as conquistas democráticas. 93 No sistema brasileiro são reconhecidas duas formas de se estabelecer a mudança, a primeira é a revisão constitucional, prevista no art. 3º dos Atos e Disposições Transitórias Constitucionais, que tinha realização marcada a partir de cinco anos a contar da promulgação, realizada a revisão, resultou em seis emendas de revisão, que passaram a integrar a Constituição. Foi nesse único momento que o poder constituinte originário previu a hipótese de realização de revisão constitucional, e deixando ao poder constituinte derivado o uso das Emendas. A intangibilidade da Constituição decorre da sua permanência para servir à estabilidade e da necessidade de proteger a Constituição, bem como as instituições democráticas. Ao vedar que o poder constituinte derivado intente 92 93 Bonavides, Paulo. Curso de direito Constitucional , p. 22. Machado, Raul Horta. Direito Constitucional, p 70-2. 75 modificar determinadas disposições constitucionais denominadas de cláusulas pétreas, está se determinado o que é intangível pelos poderes constituídos. 94 É de fato, muito acertada a escolha do poder constituinte originário de limitar e instituir a intangibilidade da Constituição, pois mesmo ante a crise e sob a interrupção da vigência por força alheia à vontade popular, a intangibilidade da Constituição corresponde à sua continuidade, de forma que não se poderá abolir, ou transformar, qualquer estrutura do Estado sem que se tenha que interferir na Carta Política. As matérias consideradas intangíveis estão dispostas no § 4º da Constituição Federal, a saber: 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais Todos os itens acima elencados não poderão ser objetos de deliberação, dentro do Estado de Direito, sob nenhuma hipótese. 7.3 AS EMENDAS CONSTITUCIONAIS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO O presente capítulo tratará brevemente acerca das Emendas constitucionais que sofreu A Constituição do Brasil. A Constituição da República do Brasil promulgada em 5.10.1988 conta até o mês atual com 53 emendas aprovadas e promulgadas pelas mesas do Senado Federal e Câmara dos Deputados Federais. No corrente ano de 2007 ainda não foi promulgada nenhuma, apesar de tantas em tramitação. 94 Idem ib., p. 72 76 O que se observa nas Emendas constitucionais, é que várias são as modalidades utilizadas pelo poder constituinte derivado. Há emendas que alteram os Atos das Disposições Constitucionais Transitórias repetidamente, com se percebe pela leitura da ementa a seguir: Emenda Constitucional 10 de 04 de março de 1996, altera os artigos 71 e 72 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, introduzidos pela Emenda Constitucional de Revisão. Emenda Constitucional de 22 de novembro de 1997 altera os artigos 71 e 72 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, introduzidos pela Emenda Constitucional de Revisão. Observa-se que um dispositivo, constantes no artigo 71 e 72 foi inserido no texto constitucional na parte que corresponde ao ADCT, Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, por uma Emenda Constitucional de Revisão no ano de 1993. Três anos depois, o poder constituinte de outra sessão legislativa modificou o mesmo dispositivo que foi inserido, e um ano e oito meses depois, aquela alteração realizada em um dispositivo, que em tese seria transitório e que, entretanto, não foi previsto pelo constituinte originário, foi alterado novamente por meio da Emenda à Constituição. Desta feita, torna-se forçoso concluir que esta Emenda não obteve êxito em nenhum momento de sua vigência, haja vista a necessidade de sua alteração constante que resulta aquela matéria especifica em uma matéria instável. Aqueles que são diretamente afetados pela normatização estão sempre sujeitos à próxima mudança. Resta saber qual é a natureza das Emendas Constitucionais, qual é o seu objetivo? Qual é, também o objetivo dos componentes do Congresso Nacional ao emanar Emendas Constitucionais referentes a matérias que poderiam ser objeto de lei ordinária? Difícil resposta, quiçá impossível. As conclusões que se pode ter acerca do uso indiscriminado das Emendas Constitucionais são apenas do resultado dos efeitos destas no seio da sociedade. O que se percebe facilmente, é a instabilidade jurídica e política causada pelas emendas, em especial no que tange 77 às reformas estruturais como a tributária, política, previdenciária e até econômica que o País já deveria ter realizado. Estas também são objetos de Emendas constitucionais, e são as que realmente deveriam ser realizadas, mas são sempre preteridas por matérias de ordem vazias e inócuas no que dizem respeito à efetividade constitucional para a população. [Vide anexo.] 7.4 A PARTICIPAÇÃO POPULAR COMO FONTE LEGITIMADORA DAS EMENDAS NO BRASIL O Estado Democrático de Direito brasileiro tem como fonte do poder o povo, como preceitua a Constituição Federal de 1988. Esse exercício do poder se dá indiretamente por meio do sistema representativo. Ao poder legislativo brasileiro é dado a faculdade de reformar a Constituição. Porém, em uma analise jurídicopolitico acerca das mudanças, nota-se que o povo, que é o titular do poder constituinte, como já ressaltado nesse trabalho, não exerce seu poder no que tange à reforma constitucional. É dizer que a alteração constante que sofre a Magna Carta desloca a origem do poder constituinte. A classe política brasileira nega essa possibilidade ao povo, apesar da própria Constituição prever a participação política do povo no processo legislativo. O art. 14 da Magna Carta prevê o uso dos institutos do plebiscito – que tem o condão de aprovar a priori a elaboração de determinada lei. Ao passo que o referendo consiste na aprovação popular após a aprovação parlamentar vinculando o legislador. Ambos os institutos forma utilizados no Brasil apenas uma vez: o plebiscito de 1993 - para tratar da escolha da forma e sistema de governo e o referendo em 2006 para referendar a lei que tratava sobre o Estatuto do Desarmamento. 78 Aponta-se uma incoerência no que diz respeito à participação popular e a promulgação de leis no Brasil. A própria Constituição, apesar de ser uma proposta, passou por um referendo, tampouco passaram quaisquer das 53 emendas vigentes no Brasil. As disposições acerca das mudanças constitucionais formais se dão em um aspecto de mistério, pouco divulgado. Isso põe o cidadão, o verdadeiro titular deste poder, em condição de ignorância. Não se leva o cidadão para o debate. Assim, a adoção de participação popular como fase legislativa das emendas seria uma forma de resgatar a idéia de soberania do povo, e de exercício da democracia. Pois, pergunta-se: quando o cidadão exerce a democracia? De dois em dois anos em períodos eleitorais. A democracia brasileira acaba por se perder. O mais apaixonante dos constitucionalistas democratas do mundo, PAULO BONAVIDES, acerta mais uma vez, corroborando essa afirmação: Em verdade, as instituições sairiam da consulta populares mais limpas, o regime mais fortalecido, o País mais democratizado, a Constituição mais obedecida e a soberania popular mais respeitada. Democracia restituta! Eis o caminho, eis a meta. Eis a bandeira que se insculpe no parágrafo único do artigo 1º da Constituição, ou seja, por via do plebiscito, do referendo, e da iniciativa popular. Poder implícito, que não consta do art. 60, mas nem por isso deixa de existir! 95 Nosso ilustríssimo mestre deixa claro que apesar de o poder constituinte originário não explicitar a participação popular no que tange ao processo legislativo de alteração constitucional, este é plenamente possível na medida de uma interpretação lógico-sistemática, em que a conclusão que o poder emana do povo é a de que este apenas delega a faculdade legislativa ao representante. O povo pode de forma contundente aprovar o que se faz em seu nome. Inconstitucional é o povo estar ausente da condução decisória de seu próprio País. O momento de se emendar a Constituição é a hora mais correta de legitimar as alterações constitucionais por meio do povo, somente o povo pode conferir esse efeito legitimador. 96 Ademais, a proposta de participação popular alargaria a democracia e encerraria as mudanças constitucionais casuísticas responsáveis pela desordeira instabilidade jurídica do Brasil. 95 96 Constituição Aberta, p. 278. Idem ib, p. 275-278. 79 8. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURIDICA E A INSTABILIDADE 8.1 CONCEITO DE PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA A partir da metade do século XIX, o Estado, com a intervenção da nova doutrina do Estado social em contraposição ao Estado Liberal, passa a ser considerado como Estado de Direito, que quer significar a ação direta do Estado realizar as garantias democráticas e humanas a que se propõe. Sem embargos acerca da afirmação acima, o Estado de Direito tem como fundamento o princípio da segurança jurídica com o escopo de estabilizar as relações jurídicas, uma vez, que é o Direito o meio idôneo para regular as relações entre os sujeitos. Nessa vereda, o princípio da segurança jurídica se encontra pelo texto constitucional em vários setores, tutelando vários interesses. É considerado como um sobre princípio sendo limitado apenas, pelo princípio da justiça. 97 Portanto, é óbvio reconhecer que o homem, ao viver em sociedade, necessita de segurança e estabilidade para planejar e desenvolver a própria vida de seus familiares, bem como das futuras gerações. É pacífico reconhecer que cabe ao 97 Costa, Judith Martins, in: a re-significação do princípio da segurança jurídica, p. 111. 80 Estado promover tal segurança. Com rara maestria o raro doutrinador lusitano expõe 98 Partindo da idéia de que o homem necessita de certa segurança para conduzir e planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida, desde cedo se considerou como elementos constitutivos do Estado de Direito os dois princípios seguintes: a) Princípio da segurança jurídica; b) Princípio da segurança do cidadão. Esses dois princípios demonstram a necessidade de concatenar material e formalmente a faculdade legislativa. É dizer que as leis devem preencher duas idéias bem límpidas e volumosas, qual seja: a lei deve ser determinada, clara e densa, e a proteção da confiança que corresponde à exigência, mesmo que implícita dos cidadãos, em se ter leis estáveis e que apresente uma calculabilidade mínima em relação aos efeitos jurídicos. 99 . Pois, se assim não o for, o processo legislativo em linhas gerais não cumprirá a função social de alicerçar as decisões pessoais dos cidadãos, bem como a fiscalização em relação à atuação parlamentar. Conclui-se que o princípio da segurança jurídica, inserto na Magna Carta, confere ao jurisdicionado a não modificação da situação concreta, por ação legislativa casuística. Por seu turno, o princípio da segurança jurídica alcança três aspectos: como princípio, como valor e como direito fundamental. Acerca do aspecto de princípio, a segurança jurídica implica a garantia prometida pelo Estado em assegurar a segurança consoante texto preambular. Acerca da segurança jurídica como valor, busca-se respaldo na teoria de HESSE que consubstancia o princípio da segurança jurídica como valor indissociável da justiça. É afirmar que uma condiciona a outra. Assinala o autor a pretensa eficácia da Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essa realidade 100 . No tocante a segurança jurídica sob o aspecto de direito fundamental que vem explicitado no texto constitucional no art. 5º, caput, Essa inserção diz 98 Canotilho,. Op. Cit. 375 Canotilho,. Op. Cit .p. 375-6 100 Hesse, conrad. Op. Cit. P. 24. 99 81 respeito ao princípio da segurança jurídica em sentido estrito, o de não prejudicar ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido. Vencido o momento conceitual acerca do princípio da segurança, adotar-se-á este princípio no sentido lato para englobar, além daqueles três aspectos supra, a necessidade que tem o homem de viver em estabilidade e segurança, com o escopo de executar aquilo que Canotilho explanou como segurança. 8.2 MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL E INSTABILIDADE Não se pretende concluir que pelo princípio da segurança jurídica as normas não mudarão, jamais. “Mas a segurança não é imutabilidade, pois esta é da própria morte. A vida rege-se pelo movimento, que é próprio do de tudo o que vive.” 101 . O que a sociedade clama é apenas a certeza jurídica, a certeza do direito, que pode ser tida como o entendimento intersubjetivo pessoal do destinatário da lei. Assim, pode se concluir, não axiomaticamente, que a segurança jurídica proporciona ao destinatário a certeza do direito. Pois a desordem impossibilita esse reconhecimento, para assim se chegar à justiça. Mais uma vez corroborando a idéia de ordem e justiça, avessa a instabilidade Miguel Reale 102 que com maestria ensina: A idéia de justiça liga-se intimamente com a idéia de ordem. O próprio conceito de justiça é inerente uma ordem, que não pode deixar de ser reconhecida como valor mais urgente, o que está na raiz da escala axiológica, mas é degrau a qualquer aperfeiçoamento ético. Politicamente falando a democracia moderna remete a um problema mais severo ainda. Fatores ligados às contradições internas que decorrem do elemento sobre o qual se apóiam as massas e a hipótese de desvirtuamento do 101 Rocha ,Carmem Lúcia, apud COSTA, Judith Martins, in: a re-significação do princípio da segurança jurídica, p. 111. 102 Filosofia do Direito, p. 61 82 poder por parte dos governantes e legisladores, uma vez que são estes que têm o controle da função social, daí a desvantagem vivida pelo sistema, a tentação de utilizar desse poder em favor próprio – o caminho da corrupção e plutocracia – ou ainda para o caminho do autoritarismo 103 Desta feita, a constante alteração constitucional e infraconstitucional que inflam o ordenamento vigente põe em xeque a estabilidade jurídica e política, não apenas do país e jurisdicionados, mas também como Estado soberano na sociedade internacional, que abala a confiabilidade do País em nível sóciodesenvolvimentista, e, principalmente econômico. A instabilidade pode culminar até na ruptura do sistema, uma vez que a hipótese de governabilidade esteja ameaçada ante a abundância de alterações e edições legais, que enfraquecem o regime democrático, deixando-o vulnerável à revelias em que se externa o poder. Pode até haver a substituição da Constituição cidadã, tão sonhada pelo constituinte de 1987. 104 Adentrando um pouco mais à seara da mudança constitucional, CARL SCHIMIT 105 t elaborou em 1927 a Teoria da Constituição, e por oportuno vale salientar a classificação que o autor deu às formas históricas de alteração constitucional. Para o autor, pode haver a mudança “da” Constituição e “na” Constituição, identificadas da seguinte maneira: destruição da Constituição, supressão da Constituição, reforma constitucional, quebra da Constituição e suspensão constitucional. A supressão e destruição da Constituição são maneiras radicais de alteração que resulta na substituição da Constituição. Em contrapartida a quebra da Constituição, reforma da Constituição e suspensão da Constituição são formas de mudança parcial e, muito embora esta característica, se não for limitada, pode acarretar na substituição da Constituição. 103 Bonavides, Paulo. Constituição Aberta, p.61. Machado, Raul Horta. Direito Constitucional, p. 102/3 105 Schimitt apud Bonavides, idem, p. 13/23. 104 83 Nessa esteira, ao se proclamar a reforma constitucional como gênero das quais são espécies a Emendas à Constituição e a Revisão Constitucional, no caso em tela, qual seja, as emendas à Constituição de 1988, trata-se obviamente de um limiar muito tênue no que diz respeito ao limite que o autor supra se refere 106 . A par disso, vale salientar que as reformas de que tratam as emendas deste estudo correspondem a Constituição como a decisão de conjunto sobre o modo e a forma de exercício político-organizacional, leis constitucionais são as leis que não imprimem as características do Estado e que, no entanto, encontram-se no corpo da Constituição. No caso brasileiro as duas categorias da classificação segundo o autor são modificadas por meio das emendas, salvo as limitações materiais, quais sejam: as cláusulas pétreas elencados o artigo 60 § 4º da Constituição Federal. Mister se faz ressaltar que as mudanças são necessárias na medida da observância fática, eis o motor da evolução do direito, para alcança o fim da auto regeneração, autoconservação. 8.3 SENTIMENTO CONSTITUCIONAL Convém ressaltar que se torna insuficiente para a durabilidade de uma Constituição estável a edição de normas dificultosas às emendas. Mais do que isso, é necessário a adoção de um sentimento constitucional. E este sentimento constitucional revela-se no acatamento e valorização da Constituição pela população em geral. Vale lembrar que não basta o mundo jurídico para conduzir a Constituição à supremacia e imperatividade. É necessário, antes de tudo, a adesão que gera na alma da Nação o amor e obediência constitucional. 106 Machado, Raul Horta. Op. Cit.p. 102. 84 Seara um tanto quanto parcial em se falar de obediência e sentimento, KARL LOWENSTEIN 107 diz que a Constituição de valoriza na medida em que favorecer mudanças na estrutura social sem alteração do processo político. 108 Pode-se atribuir o sucesso e estabilidade das constituições Norte Americana, Holandesa, dentre outros países nórdicos, a mínima quantidade de Emendas à Constituição, de forma que há, no seio da população o prestígio da Carta Magna. Ainda, assinala o autor alemão, que a validez da Constituição é diretamente condicionada ao existencialismo político que reporta à crítica sociológico- filosófica, ou seja, com diferença popular, o conhecimento e o respeito à Constituição acaba por torná-la válida.O contrário, todavia, opera a substituição da estabilidade pela fragilidade 109 . Para o autor alemão, qualquer mudança na Constituição, ainda que de natureza técnica resulta na depreciação do sentimento constitucional, há um vínculo moral entre os homens e as instituições, é sobre este vinculo que se apóia o sentimento constitucional. RAUL HORTA MACHADO, em referência a LASSALE, adverte que a ausência e presença da estima constitucional acarreta duas possibilidades respectivamente, a Constituição folha de papel e a Constituição verdadeira e real. Aquela se transforma em objetos de fragmento do poder, povoado de pluralidade de idéia, ao passo que esta comunga junto à sociedade a correlação das forças reais do país. Afirma o autor Não é a Constituição que controla e institucionaliza o poder, submetendoos às competências e normas preordenadas. É o poder através de seus fragmentos – o soberano, sua Armada e canhões, a Nobreza, os grandes produtores, os banqueiros e as bolsas – que domina e faz a Constituição.Basta projetar essas relações reais, esses fragmentos, em uma folha de papel, dar-lhes forma escrita e redação jurídica para surgir a Constituição escrita. 107 Lowestein apud Machado Raul Horta Op. Cit.p. 97. Machado, Raul Horta. Direito Constitucional, p. 98. 109 Lowestein apud Raul Horta Machado. Direito Constitucional p. 98. 108 85 Capcioso, no entanto, afirmar que a Constituição não merece existência, ousa discordar que esta merece toda a estima, porém, dotada de consciência constitucional junto à sociedade para que não se torne um instrumento inútil e que sirva apenas aos interesses mutáveis dos fragmentos do poder. O contrário deve ocorrer, cumpre-nos assinalar que se não houver a defesa de fato da Constituição, esta servirá de instrumento mitigador da democracia, entretanto, pode ser a única maneira democrática de se estabelecer um Estado de Direito. Não se pode perder de vista que, as Constituições latino-americanas, tomaram uma tendência prolixa, dilatou a Constituição em sentido material, transformando as Constituições em depósitos de promessas, um tratado para o futuro. Assim, forçoso é concluir que esse é o fator de grande importância no que diz respeito à contribuição à instabilidade. 110 Burdeau apud Raul Horta Machado, p 98. 110 86 9. OBSERVAÇÕES AO PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL N. 157/2003- DA PROPOSTA DE REVISÃO CONSTITUCIONAL Tramitou na Câmara dos deputados federais, [mais] uma proposta de Emenda à Constituição n.157/2003 que convoca Assembléia Nacional Constituinte revisora. A emenda é motivo de polêmica entre a sociedade política e jurídica e na sociedade civil como um todo. Foi apresentado em plenário no dia 4 de setembro de 2003 pelo Deputado Federal Luiz Carlos Santos Partido Democrata (antigo PFL). Foi enviada a Comissão de Constituição e Justiça onde permaneceu por aproximadamente 18 meses a espera de um parecer que foi apresentado pelo Deputado Federal Michel Temer [vide anexo] como favorável à instalação de uma Assembléia Constituinte Revisora em maio de 2005. O parecer foi aprovado de forma unânime pela comissão referida. Foi criada pelo presidente da mesa diretora da Câmara dos Deputados uma comissão especial de estudos acerca da Revisão Constitucional, no entanto a comissão passou a funcionar apenas em 25 de janeiro de 2006. Vale salientar que a proposta de Emenda à Constituição n. 157 nasceu já com as limitações materiais para a Revisão, termos em que permaneceria intocável o núcleo do art. 60 da Constituição da República. Urge assinalar os termos da Convocação: Convoca a Assembléia de Revisão Constitucional e dá outras providências. 87 A mesa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termo do § 3º do artigo 60 da Constituição Federal, promulga a seguinte emenda; Art. 1º será instalada no dia primeiro de fevereiro de 2007. Assembléia de Revisão Constitucional com os membros da Câmara dos Deputados e Senado Federal com o objetivo de revisar a Constituição. Art.2º A revisão Constitucional, consubstanciada em apenas um ato, será promulgada após a aprovação em dois turnos de discussão e votação pela maioria da absoluta dos membros da Assembléia de Revisão Constitucional. Parágrafo único. A revisão Constitucional observará o disposto no § 4º do art. 60, da Constituição Federal. Art. 3º A Assembléia de Revisão Constitucional extinguir-se-á no prazo máximo de doze meses contados da data de sua instalação. Art. 4º Esta emenda constitucional entre em vigor na data de sua publicação. Em outro parecer em agosto de 2005 o Deputado Federal Michel Temer propõe um texto substitutivo À emenda: Art. 1º. Será instalada, no dia 1º de fevereiro de 2007, Assembléia de Revisão Constitucional, formada pelos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o objetivo de revisar a Constituição. § 1º. O parlamentar mais idoso instalará a Assembléia de Revisão Constitucional no dia 1º de fevereiro de 2007 e dirigirá a sessão de eleição de seu Presidente. § 2º. A discussão da matéria objeto da revisão será feita no sistema unicameral previsto neste artigo. § 3º. A Assembléia de Revisão Constitucional elaborará o Regimento Interno de seus trabalhos. Art. 2º. A revisão constitucional, consubstanciada em ato único, será promulgada após aprovação do seu texto, em dois turnos de discussão e votação, por maioria absoluta de votos de cada Casa integrante da Assembléia de Revisão Constitucional e de referendo popular a ser realizado no primeiro domingo de junho de 2007. Parágrafo Único. A revisão constitucional observará o disposto na Constituição Federal, art. 60, § 4º e não modificará o seu Título II, Capítulo II. Art. 3º. A Assembléia de Revisão Constitucional terá prazo máximo de 12 meses de duração, contados da data de sua instalação. Art. 4º. A cada dez anos é autorizada Revisão Constitucional nos moldes estabelecidos nesta Emenda Constitucional. Art. 5º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação Muitas foram as mudanças proposta pelo Ilustre Deputado e Constitucionalista, dentre elas, a mudança do quorum tradicional bicameral para unicameral previsto no § 2º do art. 1º, o § 3º obriga a Assembléia de Revisão a elaborar um regimento interno para evitar as dificuldades enfrentadas pela Assembléia de 1993. 88 O art.2º traz a mudança mais salutar ao instituir o referendo popular para a aprovação dos trabalhos, o que não existiu na proposta original, conquanto a aprovação será expressa. O Deputado relator inclui outra modificação à proposta de Emenda Constitucional que é a inalterabilidade do art.6º da Constituição que trata dos Direitos Sociais. A emenda à Emenda Constitucional também inclui a instituição da Revisão Constitucional a cada 10 anos. No congresso Nacional a proposta de Emenda à Constituição provoca muita polêmica e oposição, vale salientar que as emendas apresentadas após o parecer do relator são de políticos desfavoráveis à Revisão Constitucional. O Deputado Federal Henrique Fontana apresentou a primeira emenda ao projeto de Emenda à Constituição Art. 1º. Será instalada, no dia 1º de fevereiro de 2011, Assembléia de Revisão Constitucional, formada pelos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o objetivo de revisar a Constituição. §1º. “O parlamentar mais idoso instalará a Assembléia de Revisão Constitucional no dia 1º de fevereiro de 2011 e dirigirá a sessão de eleição de seu Presidente. Essa primeira emenda apenas modifica a data de instalação da Assembléia Revisora de 1º de fevereiro de 2007 para 1º de fevereiro de 2011, tendo por justificativa um maior prazo para a discussão, esta emenda foi rejeitada pela Comissão Especial. Uma segunda emenda foi apresentada pelo mesmo deputado: Art. Único Suprima-se o art. 4º do substitutivo adotado pela CCJC à Proposta de Emenda Constitucional nº157, de 2003. Essa emenda foi parcialmente aceita uma vez que o art. Não foi eliminado, mas transformado na emenda modificativa n. 2 89 Em outro ato, o Deputado Henrique Fontana do PT [partido dos trabalhadores] ofereceu outra emenda ao projeto, era a terceira emenda, com o seguinte teor: Dê-se ao parágrafo único, do art. 2º, do substitutivo adotado pela CCJC à Proposta de Emenda Constitucional nº157, de 2003, a seguinte redação: Parágrafo Único. A revisão constitucional observará o disposto no art. 60, §4º, da Constituição Federal e está limitada exclusivamente aos Capítulo III, do Título II; Seção II, do Capítulo V, do Título III; Seções III e IV, do Capítulo VII, do Título III; Seção IX, do Capítulo I, do Título IV; Seção V, do Capítulo II, do Título IV; Seção VII, do Capítulo III, do Título IV; Capítulos II e III, do Título V; Capítulo I, do Título VI e Título IX.” A tentativa do Deputado foi o de limitar materialmente o alcance da Revisão Constitucional. De forma que restaria apta a modificações apenas os capítulos da Nacionalidade, dos Militares, Regiões, Fiscalização Contábil e financeira e orçamentária, Conselho da República, Sistema Tributário Nacional, Conselho da Defesa Nacional, Tribunais e Juizes Militares, Forças Armadas e as Disposições Gerais. Houve a quarta emenda proposta pelo Psol [partido da solidariedade e liberdade] é muito rígida quanto à Revisão Constitucional: Art. 1º. Será instalada, no prazo de até um ano da autorização obtida mediante plebiscito nacional, Assembléia de Revisão Constitucional, formada pelos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o objetivo de revisar a Constituição. § 1º. A instalação da Assembléia de Revisão Constitucional dependerá de autorização do povo brasileiro, mediante plebiscito que será realizado até o dia 31 de dezembro de 2007. § 2º. No plebiscito de que trata o § 1º, os cidadãos brasileiros opinarão se são a favor ou contra a convocação de Assembléia de Revisão Constitucional. § 3º. O parlamentar mais idoso instalará a Assembléia de Revisão Constitucional e dirigirá a sessão de eleição de seu Presidente. § 4º. A discussão da matéria objeto da revisão será feita no sistema unicameral previsto neste artigo. § 5º. A Assembléia de Revisão Constitucional elaborará o Regimento Interno de seus trabalhos. Art. 2º. A revisão constitucional, consubstanciada em ato único, será promulgada após aprovação do seu texto, em dois turnos de discussão e votação, por três quintos dos votos de cada Casa integrante da Assembléia de Revisão Constitucional e de referendo popular. § 1º O referendo de que trata o caput deste artigo será realizado no prazo de até 6 (seis) meses após a aprovação do texto pela Assembléia de Revisão Constitucional. 90 § 2º A revisão constitucional observará o disposto na Constituição Federal, art. 60, § 4º. § 3º A revisão constitucional respeitará o princípio da proibição do retrocesso, sendo vedadas modificações que visem eliminar, diminuir ou restringir qualquer dos direitos e garantias assegurados pelo texto constitucional atual. Art. 3º. A Assembléia de Revisão Constitucional terá prazo máximo de 12 meses de duração, contados da data de sua instalação. Art. 4º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. A proposta do partido tem três pontos fundamentais que são a exigência de um plebiscito popular para saber se o povo aprova a instalação da Assembléia Revisora, a incisiva proteção à democracia §3º do art.2º, e a realização do referendo popular para a aprovação da produção da Assembléia. Em agosto de 2005 foi apresentado em plenário pelo Deputado Federal Alberto Goldman a proposta de Emenda à Constituição n. 447 que foi apensada em 2006 à PEC 157, nos seguintes termos: Art. 1o Será instalada, no dia 15 de fevereiro de 2007, Assembléia Nacional para Revisão da Constituição, com prazo improrrogável de duas sessões legislativas para conclusão dos seus trabalhos. Art. 2o Os representantes à Assembléia Nacional para Revisão da Constituição serão eleitos no primeiro domingo de outubro de 2006, para um mandato de dois anos, vedada a eleição para o Congresso Nacional para o pleito de 2010. Parágrafo único. O número de representantes à Assembléia Nacional para Revisão da Constituição será de um quarto do total de membros do Congresso Nacional e será repartido proporcionalmente à população de cada Estado e do Distrito Federal, garantido, no mínimo, um representante por Estado. Art. 3o A Assembléia Nacional para Revisão Constitucional promulgará uma única Emenda Constitucional de Revisão aprovada, em turno único de discussão e votação, pela maioria absoluta dos seus membros. Parágrafo único. A Assembléia Nacional para Revisão Constitucional observará o art. 60, § 4o, da Constituição da República. Art. 4o Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação. 91 A Emenda à Constituição n. 157 tramitou no ano de 2006 com realizações de audiências públicas e exposições de grandes juristas como Fábio Konder Comparato e com o então Ministro do STF Nelson Jobim. Até o fechamento dessa pesquisa o Projeto de Emenda à Constituição estava pronto para a pauta. A Revisão Constitucional é um instituto valioso na busca do aperfeiçoamento da Constituição. O que não se pode perder de vista é que para a realização da assembléia revisora dois elementos são essenciais: a necessidade prevalente e a impossibilidade de se realizar por outro instrumento. E o que se observa é que a revisão constitucional é realizada pelo poder constituinte derivado e, portanto limitado, torna forçoso concluir é que qualquer mudança que poderia ser realizada em sede de Revisão Constitucional também pode ser realizada via Emenda à Constituição, de forma que a convocação de uma Assembléia Revisora seria muito custosa ao Brasil. Vale salientar que ante a atual conjuntura política e ética, a votação do texto final em sessão unicameral pode ser um passo para manobras políticas ardilosas de algumas forças partidárias, o que tornaria o trabalho ineficaz e viciado. Não há registros oficias de convocação de uma Nova Assembléia Constituinte, exclusiva e determinada. Foi encontrado apenas referências à Revisão Constitucional e apesar de ser um debate sutil sem a participação da população, essa possibilidade esta tomando contornos magnos. E, se essa não pode ser a solução, o que se torna perceptível e que vários setores estão se mobilizando na busca de tornar o Brasil um país plenamente governável. Sobre governabilidade GONÇALVES FERREIRA FILHO 111 : 111 Constituição e Governabilidade, p. 142. é incisivo o comentário de MANOEL 92 A superação da crise de ingovernabilidade não prescinde, ao invés, reclama, uma nova Constituição. Para estabelecer nova Constituição, não é indispensável nem uma revolução, nem mesmo um golpe de Estado. Deixe-se de lado a teoria do Poder Constituinte, utópica e metafísica, que aponta apenas um paradigma (rarissimamente seguido). Pode o Congresso Nacional fazer agora o que fez em 1985: adotar uma Emenda que, alterando o processo de mudança formal da Constituição, permita o estabelecimento de uma outra. Mas que desta vez sejam os mais sábios os incumbidos de estabelecê-la. O que se deve manter em mente é a necessidade urgente de mudanças [seja por meio da revisão ou por uma Nova Constituinte] profundas a fim de sanar o problema da instabilidade jurídica de maneira contundente exterminando de vez a insegurança e o caos político, fazendo o Brasil emergir da crise política, ajustar os erros da Constituinte de 1987 e estabilizar o país, sempre em defesa da democracia e cidadania. 93 CONCLUSÃO O modelo constitucional nascido em 1988 teve por objetivo transformar o país da violência moral causada pelo regime ditatorial, e por essa razão a Constituição brasileira tomou certas características casuísticas, ou seja, prevê todas as situações possíveis como se os problemas sociais do país pudessem ser resolvidos pela simples inserção no texto constitucional - não souberam divisar anseio de direito. Moldando por fim a Constituição como uma carta intervencionista. Pode se dizer que a Constituição passou de instrumento constituinte e organizador, a um instrumento paternalista, justiceiro, por que não dizer produtor de recursos? Os efeitos dessas características são o verdadeiro óbice ao desenvolvimento da Nação para a consecução dos objetivos – não há noticias de outro modelo constitucional que assumisse tal caráter – a crise instalou-se de tal maneira, o excesso de benesses e prerrogativas dadas aos exercitores do poder político – seja qual for o âmbito – assola a credibilidade da população em relação à política. A Constituição de 1988 já nasceu permeada de vícios de origem, de funcionalidade e de segurança, nasceu de um congresso constituinte resultado de uma emenda à Constituição anterior. Uma grande promessa, mas sem eficácia alguma, um bom exemplo é tomarmos a extensa proporção que a Constituição tomou em relação ao Direito do Trabalho, exacerbadamente protecionista, impeditiva de crescimento econômico, extremamente oneroso aos empregadores e aos empregados que pagam à custa do altíssimo nível de desemprego. 94 Em decorrência de tal falha, de tal caráter analítico e protecionista, que a Constituição com apenas 19 anos passou por 53 emendas, que descontrola a governabilidade e a segurança política e jurídica. Vale salientar que se o princípio da segurança jurídica não fosse crucial na boa administração, não estaria este inserto na própria Carta Magna. É sabido que o homem, não apenas quer a segurança, como também, precisa dela para planejar a própria vida. A ausência da segurança jurídica afronta o direito à cidadania, em especial no modelo adotado na legislação pátria, em que as modificações ocorrem ao alvitre do cidadão, e com fortíssimos indícios de conveniência política. PAULO BONAVIDES já alertou que “se a Constituição pode ser refeita a cada instante, então não é Estado de Direito”. Em uma análise mais aprofundada, temos que o Estado de Direito é caracterizado como aquele que além de garantir por artifício legal o direito, ainda o proporciona. Então, se se muda a todo o tempo uma Constituição, está se mudando a todo tempo o direito, e pergunta-se como garantir esses direito, se amanhã ou depois será modificado. Deve-se pensar a segurança jurídica como um direito fundamental. Ante o exposto, uma conclusão parece irrefutável, que a mudança é necessária e urgente. Uma mudança estrutural que preserve as cláusulas petrificadas, que são, de fato, uma grande conquista democrática. A solução à problemática da instabilidade poderá se dar por meio de uma convocação de uma Assembléia constituinte exclusiva, com bases em estudos que atinjam o cerne da instabilidade que conjugue realidade social e eficácia expurgando do ordenamento constitucional dispositivos sem eficácia e aplicação, que a Constituição passe a ser uma moldura à concretização do Estado Democrático de Direito afastando os vícios dos deslumbramentos vividos pelos constituintes de 1987. 95 Acredita-se ainda, como solução à convocação de uma Assembléia Constituinte, livre de anacronismos que produza uma nova Constituição, simplificada, seja esta liberal ou social democrata, mas que constitua um instrumento de desenvolvimento e proteção ao cidadão. Considerando a maturidade da democracia vivida, a convocação de uma nova assembléia constituinte, é plenamente possível do ponto de vista jurídico. E sob a ótica sociológica pode ser realizada desde que preserve as cláusulas pétreas, e que a população tenha participação efetiva. Que os poderes constituídos sejam destilados, e que o poder soberano seja popular. REFERÊNCIA ARINOS, Afonso. O constitucionalismo de D. Pedro I no Brasil e em Portugal. – Ed. Fac similar. Brasília - Senado Federal, Conselho editorial, 2003. AVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2ª ed. São Paulo: Malheiros editores, 2003. AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 43ª ed. São Paulo: Editora Globo, 1997. AZEVEDO, Márcia Maria Corrêa. Prática do processo legislativo. São Paulo: Atlas, 2001. BARROSO, Pérsio Henrique. Constituinte e Constituição – Participação popular e eficácia constitucional. São Paulo: Juruá, 1999. BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. São Paulo: Malheiros Editores,1996. ________________. Ciência Política. 10º ed. – 6º tiragem. São Paulo: Malheiros Editores,1998. ________________. 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Segue uma breve analise de todas as emendas a essa Constituição até a data de 30.07.2007 Todas as emendas foram analisadas dentro de um período legislativo que segundo a Constituição art. 57 corresponde ao período que se inicia em 02 de fevereiro e é encerrado no dia 22 de dezembro de cada ano. 48ª Legislatura 3ª Sessão legislativa 1, de 31.03.1992 - Dispõe sobre a remuneração dos Deputados Estaduais e dos Vereadores. 2, de 25.08.1992 - Dispõe sobre o plebiscito previsto no art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 4ª Sessão Legislativa 3, de 17.03.1993 - Altera os arts. 40, 42, 102, 103, 155, 156, 160, 167 da Constituição Federal. 4, de 14.09.1993 - Dá nova redação ao art. 16 da Constituição Federal. Emendas de revisão 1, de 01.03.1994 - Acrescenta os arts. 71, 72 e 73 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 2, de 07.06.1994 - Altera o caput do art. 50 e seu § 2º, da Constituição Federal. 3, de 07.06.1994 - Altera a alínea "c" do inciso I, a alínea "b" do inciso II, o § 1º e o inciso II do § 4º do art. 12 da Constituição Federal. 102 4, de 07.06.1994 - 1994 Altera o § 9º do art. 14 da Constituição Federal. 5, de 07.06.1994 - Altera o art. 82 da Constituição Federal. 6, de 07.06.1994 - Acrescenta o § 4º ao art. 55 da Constituição Federal. 49ª legislatura 1ª Sessão legislativa 5, de 15.08.1995- Altera o § 2º do art. 25 da Constituição Federal. 6, de 15.08.1995 - Altera o inciso IX do art. 170, o art. 171 e o § 1º do art. 176 da Constituição Federal. 7, de 15.08.1995 - Altera o art. 178 da Constituição Federal e dispõe sobre a adoção de Medidas Provisórias. 8, de 15.08.1995 - Altera o inciso XI e a alínea "a" do inciso XII do art. 21 da Constituição Federal. 9, de 09.11.1995 - Dá nova redação ao art. 177 da Constituição Federal, alterando e inserindo parágrafos. 2ª Sessão legislativa 10, de 04.03.1996 - Altera os arts. 71 e 72 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, introduzidos pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994. 11, de 30.04.1996 - Permite a admissão de professores, técnicos e cientistas estrangeiros pelas universidades brasileiras e concede autonomia às instituições de pesquisa científica e tecnológica. 12, de 15.08.1996 - Outorga competência à União, para instituir contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira. 13, de 21.08.1996 - Dá nova redação ao inciso II do art. 192 da Constituição Federal. 14, de 12.09.1996 - Modifica os arts. 34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e dá nova redação ao art. 60 do Ato das Disposições constitucionais Transitórias. 15, de 12.09.1996 - Dá nova redação ao § 4º do art. 18 da Constituição Federal. 3ª Sessão Legislativa 16, de 04.06.1997 - Dá nova redação ao § 5º do art. 14, ao caput do art. 28, ao inciso II do art. 29, ao caput do art. 77 e ao art. 82 da Constituição Federal. 17, de 22.11.1997 - Altera dispositivos dos arts. 71 e 72 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, introduzidos pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994. 103 4ª Sessão legislativa 18, de 05.02.1998 - Dispõe sobre o regime constitucional dos militares. 19, de 04.06.1998 - Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. 20, de 15.12.1998 - Modifica o sistema de previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências 50ª legislatura 1ª Sessão legislativa 21, de 18.03.1999 - Prorroga, alterando a alíquota, a contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e de direitos de natureza financeira, a que se refere o art. 74 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 22, de 18.03.1999 - Acrescenta parágrafo único ao art. 98 e altera as alíneas "i" do inciso I do art. 102 e "c" do inciso I do art. 105 da Constituição Federal. 23, de 2.09.1999 - Altera os arts. 12, 52, 84, 91, 102 e 105 da Constituição Federal (criação do Ministério da Defesa). 24, de 9.12.1999 - Altera dispositivos da Constituição Federal pertinentes à representação classistas na Justiça do Trabalho. 2ª Sessão legislativa 25, de 14.2.2000 - Altera o inciso VI do art. 29 e acrescenta o art. 29-A à Constituição Federal, que dispõem sobre limites de despesas com o Poder Legislativo Municipal. 26, de 14.2.2000 - Altera a redação do art. 6o da Constituição Federal. 27, de 21.3.2000 - Acrescenta o art. 76 ao ato das Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo a desvinculação de arrecadação de impostos e contribuições sociais da União. 28, de 25.5.2000 - Dá nova redação ao inciso XXIX do art. 7o e revoga o art. 233 da Constituição Federal 29, de 13.9.2000 - Altera os arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde. 30, de 13.9.2000 - Altera a redação do art. 100 da Constituição Federal e acrescenta o art. 78 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, referente ao pagamento 31, de 14.12.2000 - Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, introduzindo artigos que criam o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. 104 3ª Sessão legislativa 32, de 11.9.2001 - Altera dispositivos dos arts. 48, 57, 61, 62, 64, 66, 84, 88 e 246 da Constituição Federal, e dá outras providências. 33, de 11.12.2001 - Altera os arts. 149, 155 e 177 da Constituição Federal. 34, de 13.12.2001 - Dá nova redação à alínea c do inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal. 35, de 20.12.2001 - Dá nova redação ao art. 53 de Constituição Federal. 4ª sessão legislativa 36, de 28.5.2002 - Dá nova redação ao art. 222 da Constituição Federal, para permitir a participação de pessoas jurídicas no capital social de empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, nas condições que especifica. 37, de 12.6.2002 - Altera os arts. 100 e 156 da Constituição Federal e acrescenta os arts. 84, 85, 86, 87 e 88 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 38, de 12.6.2002 - Acrescenta o art. 89 ao ato das Disposições Constitucionais Transitórias, incorporando os Policiais Militares do extinto Território Federal de Rondônia aos Quadros da União. 39, de 19.12.2002 - Acrescenta o art. 149-A à Constituição Federal (Instituindo contribuição para custeio do serviço de iluminação pública nos Municípios e no Distrito Federal). 51ª legislatura 1ª Sessão legislativa 40, de 29.5.2003 - Altera o inciso V do art. 163 e o art. 192 da Constituição Federal, e o caput do art. 52 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 41, de 19.12.2003 - Modifica os arts. 37, 40, 42, 48, 96, 149 e 201 da Constituição Federal, revoga o inciso IX do § 3 do art. 142 da Constituição Federal e dispositivos da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e dá outras providências. 42, de 19.12.2003 - Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências. 2ª Sessão legislativa 43, de 15.4.2004 - Altera o art. 42 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, prorrogando, por 10 (dez)anos, a aplicação, por parte da União, de percentuais mínimos do total dos recursos destinados à irrigação nas Regiões Centro-Oeste e Nordeste. 44, de 30.6.2004 - Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências. 105 45, de 8.12.2004 - Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103-B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. 3ª Sessão legislativa 46, de 5.5.2005 - Altera o inciso IV do art. 20 da Constituição Federal. 47, de 5.7.2005 - Altera os arts. 37, 40, 195 e 201 da Constituição Federal, para dispor sobre a previdência social, e dá outras providências. 48, de 10.8.2005 - Acrescenta o § 3º ao art. 215 da Constituição Federal, instituindo o Plano Nacional de Cultura. 4ª Sessão Legislativa 49, de 8.2.2006 - Altera a redação da alínea b e acrescenta alínea c ao inciso XXIII do caput do art. 21 e altera a redação do inciso V do caput do art. 177 da Constituição Federal para excluir do monopólio da União a produção, a comercialização e a utilização de radioisótopos de meia-vida curta, para usos médicos, agrícolas e industriais. 50, de 14.2.2006 - Modifica o art. 57 da Constituição Federal. 51, de 14.2.2006 - Acrescenta os §§ 4º, 5º e 6º ao art. 198 da Constituição Federal. 52, de 8.3.2006 - Dá nova redação ao § 1º do art. 17 da Constituição Federal para disciplinar as coligações eleitorais. 53, de 19.12.2006 - Dá nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. ANEXO II 106 COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A PROFERIR PARECER À PROPOSTA DE MENDA À CONSTITUIÇÃO N. 157-A, DE 2003,DO SENHOR LUIZ CARLOS SANTOS, “QUE ONVOCA ASSEMBLÉIA DE REVISÃO CONSTITUCIONAL E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. (REVISÃO CONSTITUCIONAL) PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO No 157-A, DE 2003 (Apensa a PEC no 447, de 2005) Convoca Assembléia de Revisão Constitucional e dá outras providências. Autor: Deputado LUIZ CARLOS SANTOS E OUTROS Relator: Deputado ROBERTO MAGALHÃES I - RELATÓRIO A Proposta de Emenda à Constituição no 157-A, de 2003, de autoria do Deputado LUIZ CARLOS SANTOS e outros, visa a convocar Assembléia de Revisão Constitucional a ser instalada no dia 1o de fevereiro de 2007, formada pelos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (art. 1o). A revisão constitucional, consubstanciada em apenas um ato, será promulgada, nos termos daquela proposta, após a aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos2 membros da Assembléia de Revisão Constitucional, e observará o disposto no art. 60, § 4o, da Constituição Federal (art. 2o). As discussões serão unicamerais e as deliberações bicamerais, devendo a Revisão Constitucional extinguir-se no prazo máximo de doze meses, contado da data de sua instalação (art. 3o). Na Justificação, os Autores argumentam que o caráter excessivamente analítico da Carta Política de 1988 produziu o inconveniente de exacerbar a imposição de limites aos poderes públicos, transformando-se, assim, em poderoso instrumento de ingovernabilidade, bem como de instabilidade jurídica, devido as suas freqüentes emendas. Argumentam, por isso, ser necessário extirpar do alentado texto da Constituição – que à época já havia sofrido mais de quarenta emendas constitucionais, além das seis emendas de revisão –, as matérias que comportariam, sem maior prejuízo, disciplina em normas infraconstitucionais. Aduzem que, conforme ensina KONRAD HESSE, “sem prescindir das disposições puramente técnico-organizativas, a Constituição deve limitar-se, na medida do possível, a uns poucos princípios fundamentais”. A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania manifestou-se pela admissibilidade da proposta, nos termos do parecer, com Substitutivo, do Relator, Deputado MICHEL TEMER. O Substitutivo altera o processo de formação de emenda à Constituição em três aspectos: “a) a discussão será feita em sistema unicameral, b) finda a discussão, a votação se dá em cada Casa do Congresso Nacional por maioria absoluta; c) o projeto de revisão será submetido a referendo, para ser promulgado apenas depois da aprovação popular, e d) a 3 impossibilidade de modificação das cláusulas pétreas como também dos direitos sociais”. Finalmente, o Substitutivo propõe que se autorize revisão constitucional a cada dez anos, nos moldes por ele propostos. Apensada posteriormente, tramita a Proposta de Emenda à Constituição no 447, de 2005, de autoria do Deputado ALBERTO GOLDMAN e outros, que trata de matéria análoga.Propõe uma “Revisão Exclusiva”, eleita especificamente para esse fim, em número de representantes revisores correspondente a um quarto da Câmara dos Deputados. Sugere, também, que os representantes revisores sejam eleitos proporcionalmente à população de cada Estado e do Distrito Federal, garantido-se, no mínimo, um representante por Estado. Tais representantes serão eleitos para um mandato de dois anos, vedada a eleição para o Congresso Nacional no pleito de 2010. Foram realizadas audiências públicas para instrução da matéria, com as presenças do professor da Universidade de São Paulo - USP,Prof. Dr. 107 FÁBIO KONDER COMPARATO, do professor da Universidade de Brasília, Prof. Mestre JOSÉ GERALDO DE SOUZA JÚNIOR, e do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro NELSON JOBIM. Os dois primeiros manifestaram-se em sentido contrário à aprovação da matéria. O Prof. Dr. FÁBIO KONDER COMPARATO iniciou sua exposição estabelecendo a distinção acadêmica existente entre emenda constitucional, revisão constitucional e reconstitucionalização. O citado mestre 4 lembrou que essa distinção foi, inclusive, consignada no texto da atual Carta constitucional venezuelana, art. 340 e seguintes. Em seguida, o Prof. COMPARATO lembrou “que as normas de alteração da ordem de uma constituição representam a garantia de sua vigência e força vinculante.” Ou seja, de acordo com o citado professor, as normas que regulamentam as alterações constitucionais “são de interpretação estrita e vinculam todos os poderes constituídos e até mesmo o povo soberano” (grifo nosso). Citou, em seguida, diversos limites que a ordem constitucional brasileira impõe ao poder soberano do povo. Em razão destas limitações, o professor concluiu que o referendo popular não convalida a inconstitucionalidade, nem de leis, nem de emendas à Constituição. Por conseguinte, admite que emendas constitucionais, regularmente votadas e aprovadas no Parlamento venham a ser declaradas pelo Poder Judiciário como: “emendas inconstitucionais por carência e por abuso de poder” de reforma da Constituição. Já o Prof. JOSÉ GERALDO DE SOUZA JÚNIOR iniciou sua palestra declarando compartilhar o pensamento do Prof. COMPARATO. Assim sendo, para não repetir o expositor anterior, declarou que gostaria de centralizar sua exposição “resgatando um elemento importante” que é o “que diz respeito à sua legitimidade”. O Prof. JOSÉ GERALDO lembrou que a Constituinte de 1988 “foi um momento extremamente singular e especial” em razão da “entrada do povo na cena constitucional”. Declarou que essa direta participação popular no processo constituinte – “e não mais a representação delegada, diferida, a representação autoconstituída por processos de legitimação problemáticos” – mostrou os limites da tradição jurídica liberal. Mostrou seus “limites”, “seu ponto de esgotamento”. Em seguida, o expositor declarou que não encontrava, no atual momento político nacional, nada comparado com o movimento popular que existiu no processo constituinte de 1988. Como qualquer reforma constitucional de vulto, para ser legítima, necessitaria do respaldo popular, inexistente no caso por falta de debate, o professor se posicionou contra qualquer revisão neste momento. “Esse debate não está colocado na sociedade”, afirmou o professor.Já o Ministro NELSON JOBIM, cuja palestra se deu na audiência seguinte, começou lembrando “algumas peculiaridades do processo constituinte brasileiro”. Conforme as palavras do expositor: “todas as constituições brasileiras foram sempre processos de transição, ou seja, não tivemos rompimentos na história brasileira. Quando o regime anterior se esboroava, logo a seguir apresentava-se uma solução à situação. Portanto é difícil, na história política brasileira, utilizar-se de instrumento ou de linguagem importada de outros países, como, por exemplo, os conceitos de constituinte originário e constituinte derivado.” Em seguida, com a autoridade de quem participou ativamente dos eventos narrados, fez um rápido histórico da última Constituinte, situando as “peculiaridades do processo” constituinte brasileiro dentro da conjuntura política de cada momento. Lembrou a questão de ordem suscitada pelo DeputadoPLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO, na sessão de instalação da Constituinte, presidida pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro MOREIRA ALVES, segundo a qual não deveriam participar da Assembléia Nacional Constituinte os senadores que integravam aquele colegiado e que haviam sido eleitos em 1982. O presidente resolveu a questão de ordem dizendo que a emenda constitucional que havia convocado a Assembléia estabelecia que os membros da Câmara dos Deputados e os membros do Senado Federal se reuniriam na Assembléia Nacional Constituinte, e que os 6 senadores eleitos em 1982 integravam o Senado Federal, por conseguinte, também integravam a Assembléia Constituinte, por força da emenda que a convocou.” Lembrou também que quando do debate da emenda que convocava a Constituinte, enviada ao Parlamento pelo Presidente JOSÉ SARNEY, o então relator, Deputado FLÁVIO FLORES 108 DA CUNHA BIERRENBACH, tentou fazer passar substitutivo que convocava uma assembléia constituinte exclusiva, modelo a época defendido pela OAB, e que foi rejeitado, restaurando-se a proposta original que consagrava o modelo congressual nacional constituinte. Declarou que os debates que acompanharam o pleito eleitoral da Constituinte de 1988 cingiram-se, basicamente, a assuntos estaduais, pois as eleições foram casadas com a dos governadores estaduais. Ou seja, a Constituinte foi eleita sem que o tema principal que ela teria de abordar – a constituição a ser elaborada – fosse alvo dos debates. Lembrou que o modelo de trabalho adotado pela Constituinte, e, indiretamente, o responsável pelo texto que dela resultou, foi fruto de contendas políticas que surgiram já nos primeiros dias da Constituinte. Afirmou que se a Constituição de 1988 é ampla, o é por uma simples razão histórica: “era mais fácil aprovar um texto na constituição de que aprovar um texto de lei. A lei dependia de votação na Câmara, no Senado, do veto da Presidência da República e da rejeição do veto. Para o texto constitucional, bastavam dois turnos por maioria absoluta”. Por fim, declarou o Ministro, em razão de todos os percalços de sua redação, o texto foi o que conhecemos e que “a Constituição de 1988 precisa, necessariamente, de uma lipoaspiração”(grifo nosso). Frisando, ainda, a título de advertência, que: “Todas as vezes em que V. Excias. constitucionalizam temas que são da competência, 7 historicamente, de lei complementar ou lei ordinária; todas as vezes em que V. Excias. transformam essas pretensões em texto constitucional, outorgam poder à magistratura nacional. V. Excias. estão transferindo para a magistratura nacional o poder de fiscalizar os textos infraconstitucionais de V. Excias.” Eis “a razão de ser da grande emergência de ações diretas de inconstitucionalidade”. Tudo isso, o Ministro declarou para embasar a seguinte conclusão: “Acabei me estendendo em questões meramente históricas para dizer que não vejo problema da perspectiva de votação desse texto” (grifo nosso). Antes de encerrar ainda condenou o fato de que para muitos dos críticos da Constituição de 1988, seus atuais maiores defensores,“tudo virou cláusula pétrea”. É a “hiperinflação de princípios constitucionais”.Em suma, posicionou-se favoravelmente à proposta principal, mas considerou de constitucionalidade discutível a proposta apensada de uma “Revisão Exclusiva”, em virtude de estabelecer, com a proporcionalidade, distinção entre os Estados brasileiros. Nesta Comissão, findo o prazo regimental, foram apresentadas quatro emendas: Emenda no 1/2006-CE, datada de 13 de fevereiro de 2006, tendo como primeiro signatário o líder do PT, Deputado HENRIQUE FONTANA. Esta primeira emenda visa alterar os textos do art. 1o e seu § 1o, do Substitutivo aprovado pelo plenário da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Emenda no 2/2006-CE, datada de 13 de fevereiro de 2006, cujo primeiro signatário também é o líder do PT, Deputado HENRIQUE 8 FONTANA. A emenda propõe a supressão do art. 4o do Substitutivo aprovado pelo plenário da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Emenda no 3/2006-CE, também datada de 13 de fevereiro de 2006, igualmente ostentando como primeiro signatário o líder do PT, Deputado HENRIQUE FONTANA. O escopo desta terceira emenda é alterar a redação do art. 2o aprovado pelo plenário da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Por fim, a Emenda no 4/2006-CE, datada de 14 de fevereiro de 2006, que tem como primeiro signatário o Deputado JOÃO ALFREDO do PSOL. A emenda propõe nova redação ao Substitutivo da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. O Parecer do Relator subscrito em 20 de fevereiro de 2006 foi apresentado e lido perante esta Comissão Especial, tendo havido pedidos de vista conjunta concedida aos Deputados ALCEU COLLARES, ANTÔNIO CARLOS BISCAIA, INALDO LEITÃO, JOÃO ALFREDO, LUIZ EDUARDO GREENHALG, ODAIR CUNHA, RICARDO BARROS, VICENTE ARRUDA E VILMAR ROCHA. Em Sessão posterior, já vencido o prazo da vista concedida, quando deveria ter ocorrido a discussão da matéria visando a posterior votação, houve um acordo no sentido de que fossem realizadas novas audiências públicas.Assim é que foram ouvidos, sucessivamente, o Dr.REGINALDO OSCAR DE CASTRO, Membro Honorário Vitalício do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, representando o Presidente daquela instituição; os 109 Presidentes Nacionais dos seguintes Partidos Políticos: Deputado RICARDO BEZOINI, Presidente do PT; JOSÉ RENATO RABELO, Presidente do PC do B; Deputado INALDO LEITÃO, representando o Presidente do PL; Deputado MIRO TEIXEIRA, Líder do PDT; Senador TASSO JEREISSATI, Presidente do PSDB que, impedido de 9 comparecer, designou o Deputado ALBERTO GOLDMAN, Primeiro Vice- Presidente do Partido para representá-lo; Deputado EDUARDO CAMPOS, Presidente do PSB, representado pelo Deputado PAULO BALTAZAR, Líder do Partido; JOSÉ LUIZ DE FRANÇA PENNA, Presidente Nacional do PV; Senadora HELOISA HELENA, Presidente Nacional do PSOL, representada pelo Deputado JOÃO ALFREDO, Vice-Líder do Partido na Câmara; e Deputado PEDRO CORRÊA, Presidente do PP, representado pelo Deputado BENEDITO DE LIRA, Vice-Presidente do Partido.Na última dessas audiências, realizada em 4 de abril de 2006, o Relator anunciou, oficialmente, que apresentaria um novo parecer, em seqüência ao anterior, oferecendo modificações ao texto do Substitutivo aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e submetido, com emendas, à apreciação dos ilustres membros desta Comissão Especial. É o relatório. II - VOTO DO RELATOR A) Considerações sobre as Revisões Constitucionais De acordo com o art. 202, § 2o, do Regimento Interno, cabe a esta Comissão Especial o exame do mérito da Proposta de Emenda à Constituição no 157-A, de 2003, bem como da Proposta de Emenda à Constituição no 447, de 2005, apensada, e das emendas apresentadas nesta Comissão Especial. As propostas dizem respeito à convocação de Assembléia para proceder à revisão da Carta Política de 1988. 10 O tema da revisão constitucional e seus limites despertam polêmica entre os doutrinadores, e remete à clássica discussão em torno dos conceitos de Poder Constituinte Originário e Poder Constituinte Derivado. Em feliz síntese, o Prof. RICARDO ARNALDO MALHEIROS FIUZA ensina que o Poder Constituinte é “inicial, porque sempre cria uma nova ordem jurídica; é autônomo, porque não depende dos órgãos do Poder (ou ‘poderes’ constituídos) porventura já existentes; e é incondicionado ou ilimitado, porque não sofre restrições do Direito Positivo, só podendo ser influenciado pelo Direito Natural”1. Tal poder, no sentido de soberania, tem como seu titular o povo. É o princípio consagrado na Constituição Federal: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos de sta Constituição” (Parágrafo único do art. 1o). O exercício direto do poder se faz por intermédio de plebiscito, referendo e iniciativa popular (art. 14, I, II e III) A Constituição é obra do Poder Constituinte Originário e nela está contida a idéia de perenidade, de permanência, de estabilidade. Mas, como bem salienta EMMANUEL JOSEPH SIEYÈS, “o Poder Constituinte não desaparece com sua obra realizada. Ele permanece depois dela. É isso o que se chama de permanência do Poder Constituinte. A nação não fica submetida à Constituição que ela estabeleceu, pelo seu Poder Constituinte. Só os poderes constituídos por ela é que ficam submetidos à Constituição. Decorre disso que a nação pode mudar a Constituição sempre que bem lhe parecer. O estabelecimento de uma Constituição não esgota o 1 Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza, “Poder Constituinte Originário e Poder Constituinte Derivado”, in “Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlância”, 22 (1,2) 239-254, 1993 11 Poder Constituinte da nação. Ele pode sempre refazer a Constituição,estabelecer uma nova Constituição”2.Vale lembrar que SIEYÈS, abade e contemporâneo de NAPOLEÃO BONAPARTE, foi o autor da Teoria da Soberania Popular como fonte do Poder Constituinte. Antes, considerava-se o poder de origem divina, o que legitimou durante muito tempo a monarquia absoluta. De modo que a dinâmica da vida política e dos costumes sociais exige que a Constituição de um Estado seja alterada, a fim de adaptá-la a novas necessidades, sem que para isso seja preciso recorrer ao Poder Constituinte Originário. Na lição de JORGE MIRANDA, “a modificação das Constituições é um fenômeno inelutável da vida jurídica imposta pela tensão com a realidade constitucional e pela necessidade de efetividade que as tem de marcar. Mas do que modificáveis, as Constituições são modificadas”, e é obra do Poder Constituinte Derivado (ou Instituído) 3. 110 O direito de emendar a Constituição , que alguns autores preferem chamar de poder de revisão, já estava previsto pelos convencionais de 1787, ao elaborarem a Constituição dos Estados Unidos da América do Norte (art. V). Diferentemente do Poder Constituinte Originário, o Poder Constituinte Derivado é secundário, subordinado e limitado, e é exercido pelos congressistas, representantes do povo. 2 Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836), in “Qu’est-ce que le tiers État?, apud Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “O Poder Constituinte”, Ed. Saraiva, 1999, p.13. 3 Jorge Miranda, “Manual de Direito Constitucional”, vol. 2: constituição e inconstitucionalidade, 3a ed., Coimbra, 1991 12O poder de revisão constitucional – o poder de ”permitir a modificação da Constituição dentro da ordem jurídica, sem uma substituição da ordem jurídica, sem ação, quase sempre revolucionária, do Poder Constituinte originário” 4 não é estranho à tradição do Direito brasileiro. JOSÉ AFONSO DA SILVA, em seu “Comentário Contextual à Constituição”, ensina com a segurança e clareza que lhes são próprias: “PODER CONSTITUINTE REFORMADOR. A Constituição, como se vê, conferiu ao Congresso Nacional a competência para emendá-la. Deu-se, assim, esse poder a um órgão constituído. Por isso se lhe dá a denominação de ‘poder constituinte instituído’ ou ‘constituído’. Por outro lado, como esse seu poder não lhe pertence por natureza, primariamente, mas, ao contrário, deriva de outro (isto é, do poder constituinte originário), é que também se lhe reserva o nome de ‘poder constituinte derivado’, embora pareça mais acertado falar em ‘competência constituinte derivada’ ou ‘constituinte de segundo grau’. Trata-se de um problema de técnica constitucional, já que seria muito complicado ter que convocar o constituinte originário todas as vezes em que fosse necessário emendar a Constituição. Por isso, o próprio poder constituinte originário, ao estabelecer a Constituição, instituiu um poder constituinte reformador, ou poder de reforma constitucional, ou poder de emenda constitucional. No fundo, contudo, o agente ou sujeito da reforma é o poder constituinte originário, que, por esse método, atua em segundo grau, de modo indireto, pela outorga de competência a um órgão constituído para, em seu lugar, inserir na Constituição as modificações requeridas 5.” A Carta Imperial de 1824 sofreu apenas uma reforma constitucional regularmente votada e duas modificações: a que daria forma ao 4 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “O Poder Constituinte”, Ed. Saraiva, 1999, p.124. 5 José Afonso da Silva, “Comentário Contextual à Constituição”, Malheiros Editores Ltda., 04-2005, p. 439 13 Ato Adicional de 1834, seguida da Lei de Interpretação de 1840 e do chamado “Golpe da Maioridade”. A Constituição de 1891, inspirando-se na Constituição estadunidense, atribuindo a iniciativa também aos Estados-membros da Federação, simplificou a adoção de emendas à Constituição (art. 90). A única alteração que sofreu em sua longa trajetória foi a emenda de 1926, que não se mostrou suficiente para evitar a queda da ordem institucional que sustentava. A Constituição de 1934 optou pela solução técnica da revisão (cujo processo não chegou a ser posto em prática) ou emenda, esta menos rígida do que aquela (art. 178). A Constituição de 1937, outorgada ditatorialmente, regulou a matéria no art. 174. Pela primeira vez, uma Constituição brasileira prevê a iniciativa do Presidente da República em matéria de emenda constitucional. Durante sua existência foram editadas 21 leis constitucionais. A Carta de 1946, votada por Assembléia Nacional Constituinte, previa sua alteração no art. 217. A iniciativa era atribuída a um quarto da Câmara dos Deputados ou um quarto do Senado Federal e à metade das Assembléias Legislativas estaduais. O projeto estaria aprovado se obtivesse maioria absoluta nas duas casas do Congresso em duas discussões, em duas sessões legislativas ordinárias e consecutivas. Todavia, se obtivesse a maioria de dois terços, em duas discussões, a proposta seria aprovada na mesma sessão legislativa. Na Emenda Constitucional no 1, de 1969, à Constituição de 1967, continua deferida ao Presidente da República e aos membros do Congresso Nacional a iniciativa de emenda constitucional. Suprimiu-se, porém, a 111 iniciativa por parte das Assembléias Legislativas Estaduais. 14 Importa lembrar que, durante sua vigência, a Emenda Constitucional no 26, de 17 de novembro de 1985, regularmente votada pelo Congresso Nacional, modificou o processo de alteração da Carta, previsto na Emenda Constitucional no 1, de 1969, para convocar uma Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou a Constituição ora vigente.A Constituição de 1988 em vigor defere ao Presidente da República, aos membros do Congresso Nacional e às Assembléias Legislativas Estaduais a iniciativa de emenda constitucional, no art. 60, I, II e III. O quorum de aprovação exigido, no Senado e na Câmara, é de três quintos.O art. 3o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias previu fosse realizada revisão constitucional após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral. O processo resultou em seis emendas constitucionais de revisão. Na revisão de 1993, os revisores, congressistas titulares do Poder Constituinte Derivado, agiram com quorum menos rígido (maioria absoluta) do que nas emendas avulsas e, portanto, mais fácil de ser obtido.O propósito da proposta sob exame é permitir uma revisão sistemática do texto constitucional de modo a resolver a questão da avalanche de propostas de emenda em tramitação, que hoje somam mais de mil, na Câmara e no Senado. A discussão da matéria em sistema unicameral e sua aprovação após dois turnos de discussão e votação pelo quorum de maioria absoluta de votos em cada Casa integrante da Assembléia de Revisão Constitucional e de referendo popular se, à primeira vista, pode parecer processo mais simplificado, em verdade não o é. 15 O ilustre Relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, Deputado MICHEL TEMER, em seu irretocável parecer, assim se pronuncia: “Reconheço que as modificações são de razoável monta. Mas o núcleo conceitual da cláusula pétrea implícita, referente à modificação constitucional, continuará intacto. Isto porque adiciona-se ao processo de modificação, ora facilitado, enorme dificuldade: a submissão do projeto de Emenda Constitucional a referendo popular, mantendo-se assim, a idéia de um processo diferenciado para a formação de Emenda (grifo nosso). Confesso que, não fosse a possibilidade de o povo,diretamente, como titular e, agora, exercente do poder Constituinte originário, manifestar-se por meio de referendo, jamais ousaria apoiar a tese da revisão tal como posta no projeto ora em exame.”O professor LUÍS ROBERTO BARROSO, organizador de “A Nova Interpretação Constitucional”, em ensaio subscrito também por ANA PAULA BARCELOS, tratando do tema, aclara com proficiência: “Mesmo no quadro da dogmática jurídica tradicional, já haviam sido sistematizados diversos princípios específicos de interpretação constitucional, aptos a superar as limitações da interpretação jurídica convencional, concebida sobretudo em função da legislação infraconstitucional, e mais especialmente do direito civil. A grande virada na interpretação constitucional se deu a partir da difusão de uma constatação que, além de singela, sequer era original: não é verdadeira a crença de que as normas jurídicas em geral – e as normas constitucionais em particular – tragam sempre em si um sentido único, objetivo, válido para todas as situações sobre as quais incidem. E que, assim, caberia ao intérprete uma atividade de mera revelação do conteúdo preexistente na norma, sem desempenhar qualquer papel criativo na sua concretização. 16 A nova interpretação constitucional assenta-se no exato oposto de tal proposição: as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes pretende dar. O relato da norma,muitas vezes, demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista dos elementos do caso concreto,dos princípios a serem preservados e dos fins a serem realizados é que será determinado o sentido da norma,com vistas à produção da solução constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido6.” Não poderia ser esquecida, também, a lúcida defesa da Revisão Constitucional, nesta quadra do processo político brasileiro, que é feita pelo Deputado ALBERTO GOLDMAN com apoio inclusive em 112 PAULO BROSSARD, na justificação da PEC no 447, de 2005, in verbis: “Nada impede – do ponto de vista político-jurídico – seja renovado o poder de revisão constitucional. Ao contrário: a experiência o recomenda para o bem e para a vitalidade do próprio processo democrático. Neste exato sentido é a sempre lúcida lição de PAULO BROSSARD DE SOUZA PINTO: ‘(...) creio que nesta matéria é preciso haver um pouco de modéstia para não pretender transformar um legislador, o constituinte do ano tal, como dotado de poderes mais ou menos sobre-humanos, porque capaz de imobilizar o poder da sociedade, o poder da Nação, que, no curso dos anos e na sucessão das gerações, pode ter concepções e interesses profundamente distintos daqueles que eram dominantes quando a lei tal ou qual tivesse sido elaborada. Afinal de contas, são leis humanas e se trata de instituições humanas.’ (Voto do Ministro Paulo Brossard no STF, ADI no 833-1/DF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, DJ de 16.09.1994). 6 Luís Roberto Barroso, “A Nova Interpretação Constitucional”, Ed. Renovar, 2006, p. 331. 17 Com efeito, nenhuma maioria deve ter o direito, moral ou constitucional, de obstar as decisões das futuras maiorias (DAHL, Robert. Quanto è democratica la costituzione Americana? Roma-Bari: Laterza, 2003, p. 103). Vale registrar que não é estranho ao constitucionalismo brasileiro modificações constitucionais flexibilizando o processo de emenda à constituição. A Constituição de 1967, em seu art. 48, com a redação da Emenda Constitucional no 1, de 1969, exigia maioria de dois terços dos membros das Casas do Congresso Nacional para que fosse considerada aprovada uma proposta de Emenda Constitucional. Por sua vez, a Emenda Constitucional no 11, de 13 de outubro de 1978, ao alterar o mesmo art. 48 da Constituição de 1967, reduziu a exigência em causa para maioria absoluta. Ademais, a própria Constituição de 1988 é fruto de Assembléia Nacional Constituinte convocada por uma Emenda Constitucional, a de no 26, de 27 de novembro de 1985! O Direito comparado também registra importantes exemplos de constituições que permitem sejam — ou que permitiram fossem — as suas disposições revisadas, até mesmo periodicamente, por meio de um processo simplificado, que surge e se esgota no tempo. É o caso da Constituição de Portugal, de 1976, que, em seu art. 282, no 1 (cf. numeração da Revisão Constitucional de 1989 e texto da Revisão Constitucional de 1992), prevê: ‘A Assembléia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária.’” B) Da Necessidade e Oportunidade da Revisão 18 Cabe a esta Comissão Especial apreciar o mérito das PEC no 157-A, de 2003, e no 447, de 2005. Já demostramos nas considerações sobre as Revisões Constitucionais, que é da tradição brasileira a reforma das Constituições e até mesmo a convocação de Assembléia Nacional Constituinte, caminho trilhado para a elaboração e promulgação da Carta de 1988, em vigor. Daí, o Ministro NELSON JOBIM ter feito longa exposição perante esta Comissão, comprovando que a nossa tradição não tem sido a de reconstitucionalizações mediante ruptura, mas sim pela transição. Entendemos, assim, que o fulcro da questão de mérito se situa nos aspectos da necessidade ou conveniência e oportunidade da Revisão objeto das duas Propostas de Emendas à Constituição. A justificação da PEC no 157-A, de 2003, pelo Deputado LUIZ CARLOS SANTOS e outros parlamentares, é convincente. Lembra que a significativa mudança dos rumos políticos do País, simbolizada pela Constituição de 1988, contrasta com as dificuldades técnicas e políticas que o seu texto introduziu, chegando a afirmar que a nossa Constituição exacerba a tarefa de impor limites aos poderes públicos, constituindo-se em poderoso instrumento de ingovernabilidade. Por sua vez, o Relator na CCJC, Deputado MICHEL TEMER, cita o saudoso jurista CELSO BASTOS, que assim lecionou com a sua autoridade: “Não se pode admitir que a Constituição fique atrasada e aprisione o desenvolvimento em virtude de uma fragilidade política de determinada época. 19 Se naquele tempo não se pode implementar uma verdadeira revisão, que se faça outra.” E, mais adiante (ainda CELSO BASTOS): “Se é a vontade popular que legitima a inalterabilidade de algumas cláusulas constitucionais, ela (e somente ela) pode autorizar alterações. Uma vez aprovada uma nova Revisão, através de consulta popular, não há argumentos que sustentem a ilegitimidade de tal feito.” No caso presente — é indispensável 113 ressaltar —, o Relator na CCJC propôs em seu Substitutivo mais do que autorização popular, um referendo que possibilite ao eleitorado, já conhecendo o teor da Revisão, aprová-la ou negar-lhe aprovação, como requisito de validade e eficácia. Mas há um argumento de grande valia em favor da Revisão Constitucional, que é a urgente necessidade de eliminar a insegurança jurídica que se instalou neste País após a Carta de 1988. Ela foi emendada mais de cinqüenta vezes, além das Emendas Revisionais de 1993. Atualmente, mais de mil Propostas de Emendas à Constituição tramitam na Câmara e no Senado. Essa situação contrasta com a de países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Certamente, muitos não percebem que este ciclo interminável de emendas constitucionais leva o Estado a se omitir naquilo que foi uma das principais razões de sua existência: o monopólio da autoridade e 20 da força para manter a segurança do cidadão e assegurar a estabilidade da ordem social. Não pode haver estabilidade e paz social sem segurança jurídica. A Revisão Constitucional poderá estancar a enxurrada de mudanças pontuais da Carta, buscando introduzir alterações importantes de forma sistêmica e racional. São muitos os problemas que permanecem sem solução e assim vão continuar, se não tivermos a coragem e a determinação de reformar a Constituição de modo pacífico, com a tutela e a aprovação da soberania popular. Só para lembrar alguns desafios: o excesso de poder do Executivo, que legisla e tranca diuturnamente as pautas da Câmara e do Senado; o problema da fragilização da Federação brasileira, cuja maioria dos estados-membros vivem em situação de penúria; o sistema tributário injusto, irracional e perverso; a possibilidade de desconstitucionalização de órgãos e procedimentos que deveriam ser regidos pela legislação infraconstitucional. Desde 1988, tivemos cinco Presidentes da República, dos quais um sofreu impeachment e os demais tentaram ou conseguiram aprovar emendas constitucionais visando reformas extensas, abrangendo o sistema tributário, o sistema previdenciário e capítulos e seções da Carta Política em diferentes áreas, relacionadas a monopólios, exploração do subsolo, cabotagem, conceito de empresa nacional e muitas outras. Mas essas reformas, sem a visão sistêmica do ordenamento constitucional visando apenas equacionar questões setoriais, não têm resolvido o problema institucional do País. Bastaria citar a falta de uma 21 reforma política ampla, eleitoral e partidária, que há várias legislaturas é discutida, mas não chega a se realizar. Pode-se dizer que vivemos a partir de 1988 uma silenciosa crise institucional que infelizmente muitos não percebem. Coragem e determinação não têm faltado ao povo brasileiro para reformar ou instituir a Carta Política do País, desde o Império (1834 e 1840) e na República (1926, 1963 e 1985). Esta a mesma conduta de outros povos em tempos de crise e de obsolescência de suas instituições, como a França em 1958 e a Espanha em 1978. Por fim, cabe realçar que sempre seria possível a objeção de que uma reforma da Constituição não obstaria que, no seu dia imediato, voltasse o Parlamento a submergir sob uma nova onda de emendas constitucionais. A esse respeito, posso apenas responder que o Congresso Revisor, que vier eventualmente a ser eleito, poderá perfeitamente impor um período dentro do qual será impedida a tramitação de qualquer emenda constitucional nova, ou então poderá adotar a sistemática de revisões constitucionais periódicas, com intervalos regulares. Qualquer uma das duas medidas evitaria que a incerteza jurídica constitucional que hoje vivemos viesse a se repetir nos anos futuros. C) Das Emendas ao Substitutivo da CCJC à PEC no 157-A, de 2003 Passamos a emitir parecer sobre as quatro emendas apresentadas e já referidas no Relatório. Preliminarmente, deve ser dito que todas elas atendem aos requisitos de admissibilidade. 22 É nosso parecer, portanto, pela sua admissibilidade. Quanto ao mérito, focalizaremos cada uma delas, ainda que suscintamente, a seguir: A Emenda no 01/06-CE pretende circunscrever a Revisão apenas a alguns capítulos e seções da Carta, como “Da Nacionalidade”, “Dos Territórios”, “Dos Militares dos Estados, Distrito Federal e dos Territórios”, “Das Regiões”, “Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária”, “Do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional”, “Dos Tribunais e Juízes Militares”, “Das Forças Armadas”, “Da Segurança Pública”, ”Do Sistema Tributário Nacional” e “Das Disposições Constitucionais Gerais”. Tal emenda, se aprovada, esvaziaria a Revisão, 114 que ficaria impedida de tratar de temas relevantes, como pacto federativo, o regime das medidas provisórias, as relações entre os Três Poderes, a índole e o perfil do nosso presidencialismo e assim por diante. Na verdade, não se justificaria uma Revisão tão restrita, praticamente sem contraditório, e que jamais poderia levar à convocação de um referendo. Somos, assim, pela rejeição da referida emenda. A Emenda no 02/06-CE, que pretende suprimir o art. 4o do Substitutivo à PEC no 157-A, de 2003, aprovado pela CCJC, que objetiva retirar a previsão de revisões periódicas, a cada dez anos, estará em parte atendida por emenda do Relator que pretende deixar essa matéria para ser decidida pelos futuros parlamentares que deverão realizar a Revisão em 2007. Quanto à Emenda no 03/06CE, que tem por objeto adiar a data de início da Revisão de 12 de fevereiro de 2007 para 1o de fevereiro de 23 2011, levaria os legisladores atuais a ignorarem a próxima legislatura a iniciarse em 2007. Se a Revisão for considerada mais conveniente para 2011, que sobre ela decidam os futuros legisladores a serem eleitos em outubro de 2006. Somos pela rejeição dessa emenda. A Emenda Substitutiva Global no 04/06-CE, também referente à PEC no 157-A, de 2003, oferece as seguintes inovações: a) plebiscito de autorização da convocação da Assembléia de Revisão Constitucional, a realizar-se em 31 de dezembro de 2007; b) quorum de dois terço para a aprovação das matérias; c) a Revisão respeitaria o “principio da proibição do retrocesso”; e d) são vedadas modificações que visem eliminar, diminuir ou restringir qualquer dos direitos e garantias asseguradas pelo texto constitucional atual. Quanto a essa Emenda, temos várias considerações a fazer, começando pela exigência de plebiscito de autorização para a Revisão e, após, o referendo para a sua aprovação ou rejeição. Entendemos que o referendo é muito mais eficaz do que o plebiscito. Na autorização plebiscitária o povo não terá idéia do conteúdo e alcance das modificações a serem introduzidas na Constituição. É um “cheque em branco”. No referendo, aí sim, a soberania popular decide em última instância a sorte de todo trabalho revisional. Portanto, se já é previsto o mais, que é o referendo, não seria perda de tempo realizar também o plebiscito? No tocante à alegada impossibilidade de redução do quorum de dois terços para as deliberações da Assembléia de Revisão, reconhecemos ser uma questão polêmica, sobre a qual não existe ainda, em tese, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 24 Mas a CCJC aprovou a proposta da maioria absoluta e os argumentos do Relator, Deputado MICHEL TEMER, são convincentes e respaldados em brilhante parecer. O plenário desta Comissão Especial deverá discutir o tema e sobre ele deliberará. Em relação ao “principio da proibição do retrocesso”, cuja inclusão no Substitutivo é pretendida, lembramos que se trata de conceito doutrinário ainda não recepcionado pelo ordenamento jurídico, o que traria muitas dificuldades de interpretação se convertido em norma constitucional. Motivaria, na prática, muitas controvérsias, gerando grande número de demandas e trazendo instabilidade para a matéria resultante da Revisão. AIém do mais, a eficácia do “princípio da proibição do retrocesso”, tal como discutido na doutrina, aplicar-se-ia apenas à legislação infraconstitucional voltada a regulamentar dispositivo constitucional programático. Finalmente, quanto à proposta de proibição da eliminação, diminuição e restrição das garantias asseguradas pelo texto constitucional, nos parece que será atendida com a norma do Substitutivo que determina o respeito às cláusulas pétreas, garantias individuais e direitos sociais, e ainda, aos mecanismos de participação popular referidos no art. 14, incisos I, II e III, e no art. 61, § 2o , da Constituição. D) Do Substitutivo do Relator Têm sido levantadas dúvidas quanto à constitucionalidade da revisão e manifestado receio quanto à extensão da matéria a ser revisada. 25 Não têm faltado, inclusive, vozes que preconizam, com a revisão, retrocesso nas conquistas que teriam sido concretizadas com a Assembléia Nacional Constituinte de 1987/1988. A questão da inconstitucionalidade já não cabe discutir, porque é matéria vencida, aprovada que foi a PEC nº 157-A, de 2003, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Mas não custa lembrar que já rebatemos os argumentos contrários, com apoio de juristas do porte de EMMANUEL JOSEPH SIEYÈS, JORGE MIRANDA, LUÍS ROBERTO BARROSO, PAULO BROSSARD, NELSON JOBIM, CELSO BASTOS e MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, entre 115 outros. Observe-se a profundidade da modificação que se introduz na sistemática da revisão constitucional proposta. Inicialmente, pretendia-se uma revisão ampla com ressalvas específicas de cláusulas pétreas ou de relevante interesse social. Agora se propõe uma revisão restrita a uma pauta de matérias preestabelecidas, a saber: I – a organização dos Poderes; II – o sistema eleitoral e partidário; III – o sistema tributário nacional e as finanças públicas; IV – a organização e as competências das unidades da federação; e 26 V – o sistema financeiro nacional. Por tudo que ouvi, nesta Comissão, li e pesquisei, chego à conclusão deste parecer, propondo aos ilustres parlamentares que integram este Colegiado: 1) que seja adotado por esta Comissão Especial o Substitututivo aprovado pela CCJC, e de autoria do então Relator, Deputado MICHEL TEMER, na forma do Substitutivo ora apresentado por esta Relatoria; e 2) a não aprovação da PEC no 447, de 2005, não obstante seus elevados intuitos e brilhante defesa da Revisão Constitucional, pela impossibilidade de se criar, data venia, um terceiro órgão legislativo federal, a lattere do Senado e da Câmara, com poder constituinte derivado privativo de deputados e senadores, nos termos expressos da Constituição. De ser esclarecido que se impõem a ressalva ao art. 60, § 4º, e a vedação de supressão ou restrição dos instrumentos de participação popular, disciplinados, em parte, pelo art. 61, § 2º, da mesma Carta, que trata da iniciativa popular no âmbito legislativo. Quanto aos direitos sociais dos cidadãos, também ressalvados na Emenda nº 01, constante do parecer anterior, permanecem ressalvados, porque poderiam ser alcançados em razão da natureza e amplitude das questões relacionadas com o Sistema Eleitoral e o Sistema Tributário, constante da pauta de revisão. O quorum de maioria absoluta ficou mantido, apesar de ter havido reivindicações no sentido do quorum de três quintos, porque, em face da nova sistemática, que prevê uma revisão restrita, se o quorum for elevado para três quintos, não haverá diferença entre a revisão pretendida e as emendas constitucionais já previstas no art. 60. 27 Deve ser lembrado que essa matéria, por ser jurídica, já foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Por último, ficou ainda mantido, no contexto do Substitutivo, o teor da Emenda nº 02 oferecida pela Relatoria no parecer anterior, e que objetiva substituir o comando de autorização de Revisões da Carta a cada dez anos, transferindo tal deliberação, se for o caso, para a própria Assembléia de Revisão. E) Da Conclusão Por tudo quanto acima foi exposto, votamos pela admissibilidade das emendas apresentadas nesta Comissão Especial, pelo acolhimento do Substitutivo da CCJC, pela aprovação da PEC no 157-A, de 2003, pela aprovação parcial da Emenda no 02-CE, e pela rejeição da PEC no 447, de 2005, e das Emendas de no 01-CE, 03-CE e 04-CE, nos termos do Substitutivo desta Relatoria, que segue anexo a este parecer. Sala da Comissão, em de de 2006. Deputado ROBERTO MAGALHÃES Relator 28 COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A PROFERIR PARECER À PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 157-A, DE 2003, DO SENHOR LUIZ CARLOS SANTOS, QUE CONVOCA ASSEMBLÉIA DE REVISÃO CONSTITUCIONAL E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. (REVISÃO CONSTITUCIOAL) SUBSTITUTIVO À PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 157-A, DE 2003 (Apensa a PEC nº 447, de 2005) Convoca Assembléia de Revisão Constitucional e dá outras providências. Autor: Deputado LUIZ CARLOS SANTOS E OUTROS Relator: Deputado ROBERTO MAGALHÃES As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional: Art. 1º Será instalada, no dia 1º de fevereiro de 2007, Assembléia de Revisão Constitucional, formada pelos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o objetivo de revisar a Constituição. § 1º O parlamentar mais idoso instalará a Assembléia de Revisão Constitucional no dia 1º de fevereiro de 2007 e dirigirá a sessão de eleição de seu Presidente. § 2º Na Revisão Constitucional, as discussões e os encaminhamentos de votação serão feitos em sistema unicameral. § 3º A Assembléia de Revisão Constitucional elaborará o Regimento Interno de seus trabalhos. Art. 2º A Revisão Constitucional, consubstanciada em ato 29 único, será promulgada após a aprovação do seu texto, em dois turnos de discussão e votação, por maioria absoluta de votos de cada Casa integrante da 116 Assembléia de Revisão Constitucional e de referendo popular a ser realizado no primeiro domingo de abril de 2008. Parágrafo único. A Revisão Constitucional observará o disposto no art. 60, § 4º, desta Constituição, sendo-lhe vedado suprimir ou restringir os direitos sociais e os instrumentos de participação popular previstos no art. 14, incisos I e II, e no art. 61, § 2º. Art. 3º A Revisão Constitucional terá por objeto as seguintes matérias: I – a organização dos Poderes; II – o sistema eleitoral e partidário; III – o sistema tributário nacional e as finanças públicas; IV – a organização e as competências das unidades da federação; e V – o sistema financeiro nacional. Art. 4º A Assembléia de Revisão Constitucional terá prazo máximo de doze meses de duração, contado da data de sua instalação. Art. 5º A Assembléia de Revisão Constitucional decidirá sobre a possibilidade de autorização de Revisões periódicas da Constituição, com intervalos não inferiores a cinco anos. Art. 6º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. Sala da Comissão, em de de 2006. Deputado ROBERTO MAGALHÃES Relator.