A febre ainda é alta, mas o paciente está bem por

Propaganda
A febre ainda é alta, mas o paciente está
bem
Por ZeinaZeina Latif*
Inflação é como febre. Não pode ser jamais
ignorada, pois pode ser sinal de algo mais
grave acontecendo na economia. Por isso
o cuidado do Banco Central em analisar a
dinâmica da inflação. Parte importante do
seu trabalho é separar que parte da
inflação é reflexo da saúde frágil da
economia (excesso de demanda, perda de
confiança na autoridade monetária), que
recomenda ação firme da política
monetária, ou de algo transitório (choques
climáticos, mudanças de preços relativos),
que pode ser tolerado. Afinal, não é
qualquer febre que traz maior preocupação
aos médicos.
O ano de 2015 foi muito atípico para a
inflação. Houve expressiva aceleração,
apesar da grave recessão, gerando
temores de que o país poderia estar
entrando em uma espiral inflacionária, em
função daquilo que os economistas
chamam de dominância fiscal, que é
quando o quadro fiscal é tão frágil que os
agentes econômicos passam a temer o
calote da dívida pública e, como
consequência, a inflação dispara.
Os parâmetros inflacionários tornaram-se
mais instáveis e pioravam, ainda que os
exercícios econométricos não fossem
conclusivos. A inércia inflacionária (quando
elevada indica menor capacidade do BC de
fazer a inflação convergir à meta) parecia
subir, assim como o coeficiente de repasse
do câmbio a preços. Não estava claro,
porém, que a inflação caminhava para uma
espiral; ou seja, o quanto a piora dos
parâmetros refletia fatores transitórios ou
algo mais grave, uma patologia.
O fato é que ainda que houvesse muitas
razões para preocupação, não era possível
ignorar o enorme choque inflacionário
transitório ocorrido. As tarifas de energia
elétrica subiram em média mais de 40%,
pressionando significativamente a inflação
de preços administrados, que atingiu 18%
aa, e certamente contaminando a inflação
de preços livres, que é o foco principal do
BC. Trata-se de uma pressão de custos
grande demais para não gerar algum tipo
de repasse, especialmente em setores em
que a energia elétrica tem peso relevante
na composição de custos. Um exemplo
disso é o item “condomínio” na inflação de
serviços, que subiu em torno de 10% ano
passado.
Mal superado choque de energia, foi a vez
de eventos climáticos (El Niño) fazerem
seu estrago, bem como a pressão cambial
de 2015 (quase 50% de desvalorização do
Real). Como consequência, a inflação de
alimentos no domicílio iniciou escalada que
culminou em alta acima de 16% aa em
agosto deste ano. Mais um choque de
grande proporção que acabou por
contaminar direta (alimentação fora de
casa) e indiretamente a inflação de
serviços.
O repique na inflação de alimentos não
ocorreu apenas no Brasil, mas também na
Colômbia, um país com regime de política
econômica mais estável e maduro do que o
do Brasil, mas que também tem sofrido
com inflação de alimentos de dois dígitos.
E lá, assim como aqui, o expressivo
choque em alimentos contaminou a
formação de outros preços na economia,
como tem sido relatado pelo Banco de la
Republica, o banco central da Colômbia.
Não porque o “paciente” está frágil, mas
porque o choque foi muito expressivo.
Choques vão sendo superados, havendo
sinais de recuo da inflação de preços livres,
com importante destaque para a inflação
de serviços, que retorna a patamares “mais
civilizados” (7% após romper 9% em 2014)
que não eram observados desde 2009-10,
e de forma disseminada entre seus
componentes (as claras exceções são os
itens mão-de-obra e empregado doméstico,
cujas metodologias de apuração foram
alteradas pelo IBGE, impondo altas mais
expressivas). Isso a despeito da enorme
pressão da inflação de alimentos. Há,
portanto, razões para celebrar.
Há outras boas notícias. Uma inspeção na
relação entre inflação de bens finais no
atacado (FGV) e ao consumidor (preços
livres, excluindo serviços) dá uma noção do
quanto esta última poderia estar ainda mais
elevada.
Essas duas variáveis costumam caminhar
juntas, sendo que em boa parte do primeiro
mandato de Dilma, a inflação ao
consumidor superou à dos bens finais no
atacado. Um sinal de piora da ancoragem
da inflação, que vai ao encontro da piora
dos parâmetros inflacionários observada ao
longo dos últimos anos. Ocorre que o
quadro se inverteu, com a inflação de bens
ao consumidor (em torno de 8% na medida
que exclui combustíveis e alimentos in
natura) agora correndo abaixo da inflação
dos bens finais no atacado (em torno de
10%). Isso sugere espaço reduzido para
repasse do atacado ao varejo, diante da
fraqueza da demanda.
Vale mencionar que a elevação da inflação
de bens finais foi puxada, em boa medida,
por pressões de custos. A inflação de bens
intermediários no atacado, bem como a
inflação ao produtor (IPP) do IBGE,
também atingiu dois dígitos no final de
2015. A boa notícia é ela recuou para a
casa de 4%, sugerindo uma queda futura
da inflação de bens finais no atacado e,
assim, ao consumidor. No caso do IPP,
este atingiu 0,64% aa (!) em setembro.
Finalmente,
parâmetros
inflacionários,
como inércia e coeficiente de repasse do
câmbio aos preços ao consumidor, que não
estavam com cara nada boa em 2015, dão
sinais de melhora.
A inflação está ainda muito elevada. Ainda
assim, olhando os sinais vitais do paciente,
o quadro parece menos preocupante do
que o termômetro indica. Os resultados
citados reforçam a visão de que as válvulas
da economia estão funcionando.
Nem sempre é fácil fazer diagnósticos
corretos. O BC, muitas vezes, toma
decisões sob grande incerteza. Mas o
quadro acima pode ajudá-lo a ficar mais
confiante em relação às projeções de
queda de inflação, reduzindo de forma
importante o risco do afrouxamento
monetário.
*Economista-chefe XP Investimentos
07/11/2016
Download