0 CURSO DE LETRAS ADRIANA DUARTE GARCIA ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS, VARIAÇÃO LINGUÍSTICA, PRECONCEITO LINGUÍSTICO E O ENSINO DA LINGUA MATERNA CANOAS, 2009 1 ADRIANA DUARTE GARCIA ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS, VARIAÇÃO LINGUÍSTICA, PRECONCEITO LINGUÍSTICO E O ENSINO DA LINGUA MATERNA Trabalho de conclusão do curso de Letras do UNILASALLE – Centro Universitário La Salle, como exigência para a obtenção do grau de Licenciado em Letras, habilitação em Português, Espanhol e respectivas Literaturas, sob orientação da Profª Dra. Clarice Teresinha Arenhart Menegat. CANOAS, 2009 2 TERMO DE APROVAÇÃO ADRIANA DUARTE GARCIA ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS, VARIAÇÃO LINGUÍSTICA, PRECONCEITO LINGUÍSTICO E O ENSINO DA LINGUA MATERNA Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado do Curso de Letras, Habilitação em Português, Espanhol e respectivas Literaturas, do Centro Universitário La Salle, pela avaliadora: Clarice Teresinha Arenhart Menegat Canoas, 03 de julho de 2009 3 Agradeço primeiramente a Deus, quando em algumas ocasiões, sentindo-me desmotivada ele me ajudou a superar as dificuldades. Agradeço a minha orientadora, Clarice Teresinha Arenhart Menegat, pelos conhecimentos passados, mas principalmente pela atenção e carinho dedicado ao longo do curso e na realização desse trabalho. Um agradecimento especial aos meus pais que sempre me incentivaram a ir em frente e também ao meu esposo pela paciência. 4 RESUMO O presente trabalho tem o objetivo de fazer uma reflexão sobre a variação linguística relacionando-a com a variação social, partindo da concepção que existe um equívoco no enfoque dado ao ensino da língua materna, pois trabalhando com uma única variedade, a qual denomina-se língua culta ou padrão, está se negando as outras variedades e ajudando a proliferar o preconceito linguístico. O primeiro capítulo traz alguns estudos realizados no campo da sociolinguística, o segundo aborda a questão da variação linguística, o terceiro faz considerações a respeito da variação linguística do português brasileiro e da diferença entre língua falada e língua escrita, o quarto faz reflexóes acerca do preconceito linguístico e o quinto enfoca para necessidade de se fazer uma avaliação da metodologia utilizada pelo professor, em sala de aula, para ensinar a norma culta padrão. Palavras-chaves: Sociolinguística. Língua Materna. Preconceito Linguístico. Variação Linguística. Ensino. RESUMÉM Este trabajo tiene el objetivo de hacer una reflexión a cerca de la variación lingüística, haciendo relación con la variedad social. Partiendo de la concepción que existe un equívoco en el enfoque dado a la enseñanza de la lengua materna, pues trabajando con una única variedad, que llamamos de variedad padrón, estamos negando las otras variedades y ayudando a proliferar el prejuicio lingüístico. El primer capítulo trae algunos estudios realizados en el campo de la sociolingüística, el según aborda la cuestión de la variación lingüística, el tercer hace consideraciones sobre la variación lingüística del portugués brasileño y de las diferenciaciones entre la lengua hablada y la lengua escrita, el cuarto hace reflexiones a cerca del prejuicio lingüístico y el quinto trae como enfoque la necesidad de se hacer una evaluación de la metodología utilizada por el profesor para la enseñanza de la norma culta padrón. Palabras clave: Sociolingüística. Lengua Materna. Prejuicio Lingüístico. Variación Lingüística. Enseñanza. 5 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 6 2 ESTUDOS DE SOCIOLINGUÍSTICA.................................................................. 8 3 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA ................................................................................. 14 4 LÍNGUA PORTUGUESA E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA (ORALIDADE X ESCRITA)............................................................................................................... 16 5 PRECONCEITO LINGUÍSTICO.......................................................................... 19 6 ENSINO DA LÍNGUA MATERNA....................................................................... 23 7 CONCLUSÃO..................................................................................................... 28 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 30 1 INTRODUÇÃO 6 O presente trabalho tem o objetivo de fazer uma reflexão a cerca dos estudos sociolinguísticos, da variação linguística do português brasileiro, do preconceito linguístico e do ensino da língua materna. A função do ensino da língua portuguesa deve centrar-se no uso da linguagem, na reflexão sobre ela, na produção de textos, na seleção de textos e de atividades que contemplem o contexto social, cultural e lingüístico ao qual o aluno está inserido. O professor, a escola e a sociedade em geral devem conceber o ensino da língua a partir de uma visão sociointeracionista aceitando o fato de que não existe certo ou errado em se tratando de língua, e sim, situações em que uma ou outra variedade é mais aceita, sempre levando em consideração que a negação de uma variedade em detrimento de outra ajuda a proliferar o preconceito linguístico, tão presente em nossa sociedade. Permitir que o ensino de língua tenha como suporte não só a gramática normativa, mas também os estudos desenvolvidos pela sociolinguística é uma prática que pode contribuir para aprimorar o conhecimento linguístico do discente, além de promover a sua autoestima e a legitimação de sua forma de comunicar-se e de entender-se como sujeito ativo da sociedade ao qual está inserido. A relevância do trabalho justifica-se pela necessidade de se fazer uma crítica ao ensino tradicional da língua, partindo do pressuposto que muitas vezes o professor trabalha com frases soltas para explicar o conteúdo e aplica exercícios descontextualizados, acreditando que a memorização mecânica levará o aluno a dominar a linguagem socialmente correta. Esse modelo de ensino, equivocadamente, concebe a linguagem como um sistema pronto, simplesmente um código e desconsidera que a linguagem é algo vivo que está em constante transformação. Além disso, utilizar como ferramenta pedagógica apenas a gramática normativa contribui para o empobrecimento das aulas. A gramática deve sim ser utilizada, mas é preciso que além dela o professor se apóie em outros instrumentos como a leitura (compreensão de textos), ensino de redação (produção de textos) e ensino de vocabulário. A elaboração de propostas pedagógicas mais eficientes voltadas às aulas de Língua Portuguesa é o principal desafio do professor de língua materna, pois, infelizmente, a escola não tem conseguindo alcançar o seu objetivo que é o de 7 ensinar a norma culta padrão. Essa afirmação é baseada em pesquisas recentes as quais demonstram as dificuldades enfrentadas pelos alunos, que saem do ensino médio, para ler, interpretar e produzir textos. O primeiro capítulo do trabalho faz uma síntese de alguns estudos desenvolvidos por lingüistas, ao longo dos anos, analisando os fenômenos lingüísticos e sua relação com a sociedade. O segundo capítulo aborda a questão da variação lingüística. O terceiro capítulo fala, em especial, da variação lingüística do português brasileiro e a diferenciação entre língua falada e língua escrita. No quarto capítulo encontra-se uma reflexão acerca do preconceito linguístico e de como ele se dá em nossa sociedade. Além disso, traz a necessidade de desmistificar esse preconceito, partindo do pressuposto que não existe certo ou errado em se tratando de língua e sim situações onde uma e outra variedade é mais aceita. O quinto capítulo alerta para necessidade de encontrarmos formas mais eficazes para ensinar com mais qualidade no que se refere ao ensino da língua materna, não descaracterizando, nem menosprezando o conhecimento linguístico já trazido pelo aluno das situações de comunicação nos quais ele está inserido, seja em sua casa, seja em sua comunidade. O presente trabalho foi elaborado a partir de pesquisa bibliográfica. 8 2 ESTUDOS DE SOCIOLINGUÍSTICA Linguagem e sociedade estão interligadas entre si de modo inquestionável, podemos afirmar que essa relação é o alicerce da constituição da humanidade. A história da humanidade é a história de indivíduos organizados em sociedade e possuidores de um sistema de comunicação oral, isto é, uma língua. Certamente a relação entre sociedade e linguagem não é posta em dúvida por ninguém, e não deveria estar ausente, também, das reflexões sobre o fenômeno linguístico. Como podemos estudar a linguagem sem levar em consideração a sociedade que a utiliza? Ao longo dos anos, estudiosos tentaram estabelecer relações entre a linguagem e a sociedade, assumindo posturas teóricas em harmonia com o fazer científico e cultural da época em que estavam inseridos. Por isso, as teorias de linguagem, do passado ou contemporâneas sempre refletem ideias particulares do fenômeno linguístico e interpretações diferentes do papel deste na vida social. Em cada época, as teorias linguísticas definem, a seu modo, a natureza e as características principais do fenômeno linguístico. E certamente a maneira de descrevê-lo e analisá-lo e essas teorias nos ajudam, hoje, na tarefa de analisar e entender como a linguagem sofre influência do contexto social em que o indivíduo está inserido. A relação entre linguagem e sociedade, admitida, mas nem sempre assumida como fundamental, encontra-se diretamente ligada à questão da determinação do objeto de estudo da Linguística. Ou seja, ainda que se admita que a relação linguagem-sociedade seja óbvia por si só, é possível privilegiar uma determinada visão, e esta decisão repercute na concepção que se tem do fenômeno linguístico, de sua natureza e caracterização. Nessa perspectiva, a Linguística do século XX teve um papel decisivo na questão da consideração da relação linguagemsociedade: é esta que se ocupa de excluir toda consideração de natureza social, histórica e cultural na observação, descrição e estudo e compreensão do fenômeno lingüístico. Estamos nos referindo à constituição da tradição estruturalista, iniciada por Ferdinand Saussure em seu Curso de Lingüística geral, em 1916. Para Saussure (apud ALKMIM, 2001, p.23), existe uma distinção entre língua e fala, para ele a língua é um sistema subjacente à atividade da fala, mas 9 concretamente, é o sistema inalterável que pode ser abstraído das múltiplas variações observáveis da fala. Da fala, se ocupará a Estilística. Ferdinand Saussure separa variação linguística das condições externas de que ela depende, e para ele é falso afirmar que sem o estudo dos fenômenos linguísticos externos não é possível conhecer o organismo linguístico interno. Saussure distinguia sincronia da diacronia. Por isso, para ele, na análise dos fenômenos linguísticos, deve prevalecer o estudo sincrônico, ou seja, o estudo da língua em um determinado período, não se importando com sua evolução histórica. Poderíamos nos contrapor a essa idéia de Saussure analisando as inúmeras transformações que as línguas sofreram ao longo dos séculos; algumas expressões caíram em desuso, outras mudaram completamente seu significado, então como não levar em conto os fatores históricos que determinaram ou acompanharam essas transformações linguísticas? Ainda para Saussure (SAUSSURE apud ALKMIM, 2001, p. 24), a Linguística tem por único e verdadeiro objeto que é a língua considerada em si mesma e por si mesma. Saussure, dessa forma, deu à língua uma noção abstrata, pois como podemos estudá-la separada dos falantes e do contexto social em que eles estão inseridos? O hábito de relacionar linguagem e sociedade, ou mais precisamente, língua, cultura e sociedade, está presente na reflexão de vários autores do século XX. Integrados ou não à grande corrente estruturalista da época, particularmente a partir dos anos 1930, encontramos linguistas cujas obras são referências obrigatórias quando se trata de pensar a questão da análise dos fenômenos linguísticos, entre eles: Antoine Meillet, Mikhail Bakhtin, Marcel Cohen, Émile Benveniste e Roman Jakobson. O linguista francês Antoine Meillet (MEILLET apud CALVET, p.14), aluno de Saussure, definiu a língua como um fato social que não pode ser compreendido sem se fazer referência a sua evolução histórica; desse modo, Meillet opõe-se a pelo menos uma das dicotomias de Saussure. Para Meilet a língua é ao mesmo tempo um fato social e um sistema que tudo contém. Ainda para Meillet, por ser a língua um fato social resulta que a Linguística é uma ciência social, e o único elemento variável ao qual se pode recorrer para dar conta da variação linguística é a mudança social. 10 Antoine Meillet entende que a Linguística é uma ciência social que não deve ser estudada separadamente do contexto social em que o falante está inserido. Além disso, as mudanças linguísticas ocorrem paralelamente às mudanças ocorridas na sociedade, sejam mudanças políticas, econômicas, religiosas etc. Podemos constatar a partir dos posicionamentos adotados por Saussure e por Meillet que, enquanto Saussure distingue cuidadosamente estrutura de história, Meillet quer uni-las. As teorias filosóficas de Karl Marx influenciaram também o estudo dos fenômenos linguísticos, pois o conhecimento científico, a literatura, as religiões etc. e estão intimamente relacionadas aos problemas da filosofia da linguagem. As concepções sobre língua embasadas no marxismo surgiram já em 1894 com Paul Lafargue, genro de Marx, com a publicação de um estudo sobre o vocabulário francês. Antes e depois da revolução, esses estudos mostraram que a língua sofreu variações nesse período, e essa mudança foi atribuída às alterações sociais. A língua clássica caiu com a monarquia feudal, e a língua românica surgiu das tribunas das assembleias parlamentares. Temos a partir daqui a primeira tentativa de aplicar certa análise sociológica aos fatos da língua. Certamente as línguas são condicionadas pelo poder político, econômico e social que está vigorando na comunidade em que ela é falada. Para Bakhtin (1999, p. 123), a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato das formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal realizado através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. A língua não pode ser estudada por meio da enunciação de um único interlocutor ou dos componentes psicológicos e fisiológicos envolvidos nos atos de fala e, sim, através da interação verbal entre os falantes, pois é aí que se manifestam os atos de comunicação. Já para Jakobson (JACKOBSON apud ALKHMIM, 1999, 1970, p.25), o ponto de partida é o processo comunicativo amplo, e isso o leva a ultrapassar a visão estreita de uma análise do fenômeno linguístico ancorado apenas em suas características estruturais. Ao privilegiar o processo comunicativo, o referido autor privilegia também os aspectos funcionais da linguagem, identificando os fatores 11 constitutivos de todo ato de comunicação verbal: o remetente, a mensagem, o destinatário, o contexto, o canal e o código. Dessa forma, Jakobson atribui à língua uma importância funcional que vai exprimir a atitude de quem fala com relação àquilo que se fala e também a atitude com relação àquele com quem se está falando. Além disso, o código utilizado e o contexto em que a comunicação verbal ocorre é de fundamental relevância. Para Cohen (COHEN apud ALKMIN, 1999, 26), os fenômenos lingüísticos se realizam no contexto variável dos acontecimentos sociais; para ele estabelecer relações entre as divisões sociais e as variedades da linguagem permite abordar temas como: a distinção entre variedades rurais, urbanas e de classes sociais, os estilos de linguagem (variedades formais e informais), as formas de tratamento, a linguagem de grupos segregados (jargões de estudantes, de marginais, de profissionais etc.). Estudando as variações sociais, conseguimos estudar também as variações linguísticas, pois estas estão interligadas de forma inquestionável. A partir desse estudo, podemos conhecer mais profundamente as relações existentes entre as classes sociais e as variantes da linguagem. Para Benveniste (BENVENISTE apud ALKMIM, 1999, p. 26), é dentro da, e pela língua, que indivíduo e sociedade se determinam mutuamente, dado que ambos só ganham existência pela língua. Ainda para Benveniste, a língua é a manifestação concreta da faculdade humana de simbolizar. Sendo assim, é pelo exercício da linguagem, pela utilização da língua, que o homem constrói sua relação com a natureza e com os outros homens. Conforme Benveniste, a língua é um instrumento de análise social; ele afirma que a língua contém a sociedade e por isso é o interpretante dessa sociedade. Outra consideração de Benveniste é a de que a língua permite que o homem se situe na natureza e na sociedade; o homem se situa necessariamente em uma classe, seja uma classe de autoridade ou classe de produção. A língua é uma ferramenta social utilizada pelos indivíduos para fazer valer a sua existência e a sua vontade, é somente por meio da língua que o homem constrói-se como um ser social. O termo sociolinguística, relativo à área da Linguística, fixou-se em 1964 em um congresso organizado por William Bright, na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), do qual participaram vários estudiosos, que posteriormente 12 tornaram-se referências nos estudos voltados ao fenômeno linguístico. Entre eles William Bright. Para Brigh (BRIGHT apud CALVET, 2002, p.29), não é fácil definir com precisão a sociolingüística. Ele acrescenta que seus estudos dizem respeito às relações entre linguagem e sociedade, mas para ele essa definição é vaga, e ele, então, esclarece que uma das maiores tarefas da sociolinguística é mostrar que a variação ou a diversidade não é livre, mas correlata às diferenças sociais sistemáticas. Bright (BRIGHT apud CALVET, 2002, p.29) propõe elaborar uma lista de dimensões da sociolinguística e afirma que em cada uma dessas dimensões se encontra um objeto de estudo para a sociolingüística. As três primeiras dessas dimensões aparecem em resposta a uma pergunta: quais são os fatores que condicionam a variedade linguística? E ele identifica três fatores principais: a identidade social do falante, a identidade social do destinatário e o contexto, situando-se assim no marco de uma análise linguística que tomou emprestadas noções-chave da teoria da comunicação (emissor, receptor, contexto). As quatro dimensões seguintes são para ele: - a oposição entre sincronia/diacronia; - os usos linguísticos e as crenças a respeito dos usos; - a extensão da diversidade, como uma tríplice classificação: diferenças multidialetal, multilingual, ou multissocietal; - as aplicações da sociolinguística como diagnóstico de estruturas sociais, como estudo do fator sócio-histórico e como auxílio ao planejamento. Bright, dessa forma, analisa o fenômeno linguístico paralelamente com o fenômeno social, correlacionando os dois para poder entender e estudar a sociedade. Outro estudioso do fenômeno linguístico foi Labov (LABOV apud CALVET, 2002, p. 31), que estudando a influência negra no falar de Nova Iorque, constatou que é preciso buscar a explicação da irregularidade das variações lingüísticas nas flutuações da composição social da comunidade lingüística. O estudo da língua se constrói partindo da análise da estrutura e da evolução da linguagem dentro do contexto social. 13 Basil Bernstein (BERNSTEIN apud CALVET, 2002, p. 25), especialista inglês em sociologia da educação, será o primeiro a levar em conta, simultaneamente, as produções linguísticas reais e a situação sociológica do falante. Bernstein fez um estudo e constatou que as crianças pertencentes à classe operária apresentaram uma taxa de fracasso escolar muito maior que as crianças das classes abastadas. Outra conclusão que Bernstein chegou foi a de que as crianças oriundas das camadas populares só possuíam um código linguístico restrito e que as crianças pertencentes às classes sociais favorecidas dominavam tanto o código restrito como o código elaborado. Pude observar isso, fazendo minhas práticas de ensino em escolas da rede pública onde a maioria dos alunos pertence a camadas sociais menos privilegiadas, constatei, através da correção de redações, que os adolescentes têm bastante dificuldade para se expressarem utilizando uma linguagem mais elaborada; geralmente, se expressam utilizando uma linguagem mais coloquial, e também constroem textos com vocabulário limitado. Isso, provavelmente, se deve ao fato de os alunos não utilizarem uma linguagem culta em nenhuma esfera da sua vida social, fora do ambiente escolar. 14 3 A VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA A língua é um fenômeno que se manifesta no mundo, ela é passada de geração em geração para os indivíduos ocorrendo variações na forma como ela se manifesta, pois não é algo fixo. As mudanças ao longo da história da sociedade também interferem nas mudanças linguísticas das comunidades. Além da variação social, outro fator relevante no estudo das línguas é o fator geográfico. No Brasil, por exemplo, o falar de baianos, gaúchos, cariocas, paulistas, entre outros, difere bastante devido às diferenças regionais, seja no campo semântico, seja no campo morfológico ou sintático. Além disso, também há diferenças entre os falares da comunidade rural e a comunidade urbana, e mesmo nas camadas sociais de prestígio existe variação linguística na comunicação entre os falantes. Idade e sexo também são fatores que estão relacionados com as variantes linguísticas, pois notamos na linguagem de homens e mulheres diferenças e também na linguagem entre pessoas mais jovens e pessoas mais velhas. Para comprovar isso, poderíamos citar o uso do diminutivo utilizado amplamente pelas mulheres, como por exemplo, blusinha, jaquetinha etc. (palavras tão raramente proferidas pelos homens). No que se refere ao fator idade, poderíamos utilizar, como exemplo, o uso de gírias faladas por adolescentes e cujo significado é desconhecido pelos mais velhos. Para Alkmim (1999, p. 35), no que se refere às variações sociais, podemos observar alguns exemplos indicativos que ilustram a fala de grupos situados abaixo na escala social: - Uso de dupla negação, como em “ninguém não viu”, “eu nem num gosto”; - presença de [r], em lugar de [l], em grupos consonantais como em “brusa” (blusa) e “grobo” (globo). Uma das grandes dificuldades dos brasileiros é conseguir fazer distinção entre a língua falada e a língua escrita. Por ser um país com uma pluralidade cultural enorme, consequentemente, o Brasil possui uma pluralidade linguística muito grande. Essas dificuldades, geralmente, são apresentadas quando os indivíduos sendo introduzidos no letramento. 15 Outro fator relevante para essa dificuldade são os papéis sociais que assumimos e construímos a partir da interação com as outras pessoas. Quando utilizamos a linguagem para nos comunicarmos, também estamos construindo e reforçando os nossos papéis sociais. O nosso relacionamento em casa com nossos filhos, pais, irmãos, esposo assume uma identidade linguística baseada na oralidade, quando de pequenos começamos a ir para a escola e nos deparamos com uma cultura baseada na escrita que chamamos de cultura de letramento. Para Bortoni-Ricardo (2004, p. 25), na sala de aula, como em qualquer outro ambiente social, encontramos grande variação no uso da língua, mesmo na linguagem da professora que, por exercer um papel social de ascendência sobre seus alunos, está submetida a regras mais rigorosas no seu comportamento verbal e não-verbal. Podemos concluir que, em todos os domínios sociais existem regras estabelecidas, que determinam as ações que ali são realizadas, e mesmo nesses domínios existem variações da linguagem, embora as variações ocorridas no contexto familiar e nas atividades de lazer se dêem num grau mais elevado. A língua tem aspectos variáveis estáveis e instáveis, ou seja, ela é um sistema variável, indeterminado e não fixo. Portanto, a língua apresenta sistematicidade e variação a um só tempo. A língua é uma atividade de natureza sóciocognitiva, histórica e situacionalmente desenvolvida para promover a interação humana. 16 4 A LÍNGUA PORTUGUESA E A VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA (ORALIDADE X ESCRITA) A língua portuguesa, com mais de 240 milhões de falantes, é, como língua nativa, a quinta língua mais falada no mundo e a terceira mais falada no mundo ocidental. É o idioma oficial de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, sendo também falada nos antigos territórios da Índia Portuguesa (Goa, Damão, Diu e Dadrá e Nagar-Aveli), além de ter também estatuto oficial na União Europeia, no Mercosul e na União Africana. A Língua portuguesa é de origem românica, assim como, o catalão, o castelhano, o francês, o italiano, etc. Evidentemente, a Língua Portuguesa sofreu variações com o passar dos anos e em contato com os diferentes povos. Devido à colonização dos portugueses, passou por transformações e, assim, podemos afirmar que o Português falado no Brasil é diferente do Português falado em Portugal, em Moçambique, em Cabo Verde etc. Além disso, existem diferenças entre os falares dependendo da região do país, o português falado em Minas Gerais, por exemplo, é diferente do falado em Porto Alegre. A Língua Portuguesa é rica em dialetos ou dialecto. Dialeto é a forma pela qual uma língua é realizada em determinada região. No Brasil, existe o dialeto caipira, o bahiano, o fluminense, o gaúcho, o mineiro, o paulista etc. Inclusive, existem obras que tratam dessa variação dialetal, caso da obra Dicionário de Porto – Alegrês de Luís Augusto Fischer, nessa obra o autor apresenta palavra e expressões exclusivas e características do Rio Grande do Sul. A língua é um sistema de signos é a forma humana de comunicação por meio da utilização de códigos linguísticos. A língua manifesta-se através da fala. E a fala manifesta-se de modo particular em cada indivíduo, seja devido a fatores étnicos, geográficos, culturais etc. A língua é um código que os indivíduos utilizam para enviar mensagens, partilhar seus conhecimentos e para aprender. Ela é utilizada para os indivíduos se comunicarem. Existem basicamente duas modalidades de língua: a língua falada e a língua escrita. Ainda existem, também, os diferentes níveis de linguagem da língua falada: a língua culta, ou língua-padrão e a língua cotidiana ou popular. Uma das 17 principais dificuldades do estudante é saber detectar situações em que pode comunicar-se de uma forma mais coloquial e quando deve utilizar a norma culta. Os alunos chegam à escola para aprender a língua escrita culta porque já possuem, desde os primeiros anos de vida, a capacidade de comunicarem-se oralmente. O grande choque ocorre quando se dá conta que há diferença entre a língua que utiliza com seus pares e a língua que o professor está tentando ensinar na escola. O aluno não poderá transcrever da fala construções como “Eu vi ele ontem”. A criança, até chegar à escola, está acostumada a utilizar somente a língua falada que é espontânea, na escola terá que adaptar-se à utilização de regras ortográficas e sintáticas que vão nortear o aprendizado da língua escrita, ou seja, agora a língua passa a ser regida por normas gramaticais. Entendemos por gramática, neste trabalho me refiro à gramática normativa, o manual de regras de bom uso da língua falada e escrita, regras essas estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua pelos bons escritores. O professor precisa perceber que os seus alunos estão inseridos, muitas vezes, em contextos sócioculturais distintos. Além disso, existem fatores de extrema relevância para o aprendizado da língua escrita como: os fatores regionais, os fatores naturais que são os idade e os do sexo e, principalmente os fatores sociais. Na linguagem oral, os indivíduos comunicam-se de maneiras diferentes de acordo com a situação, necessidade, com sua personalidade etc. Há dessa forma, a utilização na linguagem oral de dois níveis de linguagem: o nível culto e o nível coloquial. O aluno deve sair da escola sabendo que a língua que faz uso para comunicar-se com seus familiares não pode ser a mesma para realizar uma entrevista de emprego, por exemplo. A escola precisa estar aberta à pluralidade dos discursos para desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua. Todos sabem que existe um número de variedades lingüísticas, mas, ao mesmo tempo em que se reconhece a variação lingüística como um fato, observa-se que a nossa sociedade tem uma longa tradição em considerar a variação numa escala valorativa, às vezes até moral, que leva a tachar os usuários característicos de cada variedade como certos ou errados, aceitáveis ou inaceitáveis, pitorescos, cômicos, etc. (TRAVAGLIA, 2002, p. 41). A pretensão deste trabalho não é fazer apologia ao uso coloquial da língua em qualquer situação. O que se pretende é fazer uma reflexão sobre a importância de 18 se abrir, na escola, espaço para análise da função de uso de cada uma das variedades linguísticas. O processo de ensino-aprendizagem deve promover o aprendizado não só da norma culta, mas de diversas variedades, inclusive aquelas que o aluno domina. 19 5 O PRECONCEITO LINGUÍSTICO Nos estudos lingüísticos é fundamental excluir a noção de “erro” que muitas pessoas têm, dentre elas os próprios professores, com relação ao ensino da língua: só poderíamos considerar “erro”, se cada cidadão errasse, individualmente, e de modo particular, a forma de produzir determinado fonema, mas o que vem sendo denominado como “erro” são as formas diferenciadas que as pessoas pertencentes às camadas sociais estigmatizadas utilizam para se comunicarem. A maioria dos professores não está preparada para lidar com a questão da variação lingüística, em sala de aula, e acaba fazendo comentários infelizes: como, por exemplo, que os alunos não sabem português, que as pessoas falam de forma errada. Esse comportamento causa frustração nos discentes, fazendo-os acreditar que não sabem a própria língua. Com isso, os profissionais de educação que deveriam zelar pelo enriquecimento linguístico do aluno colaboram para que ele se sinta inferiorizado e incapaz de se comunicar, utilizando sua própria língua. Outro ponto preocupante é a noção, equivocada, que alguns professores têm, de que a língua deve ser estudada a partir de análises de frases soltas, ou seja, não contextualizadas. Essa prática está colaborando para o fracasso do ensino no Brasil, e reforçando a idéia que muitos alunos têm de que o português é difícil. Ninguém discute o fato da escola ser a responsável por fornecer aos alunos, principalmente aos pertencentes às classes sociais menos favorecidas, a língua culta, e é claro que a gramática normativa é importante para dar apoio a esse aprendizado, pois é ela que rege as regras da língua. Porém o trabalho pedagógico deveria adotar um enfoque mais científico da língua, não se limitando exclusivamente ao uso da gramática que não explica a língua, só tenta, sem muito sucesso, regulamentá-la. Além disso, o trabalho com uma única variedade, a variedade padrão, leva o aluno a entender que a variedade que ele utiliza em casa, ou com seus amigos é errada e não serve para ser analisada. Trabalhar unicamente com a variedade padrão nas escolas e desconsiderar as diferenças regionais e culturais em que a sociedade brasileira está inserida é ajudar a contribuir para o fracasso escolar brasileiro, pois traz para sala de aula o estudo de uma língua “abstrata”, com a qual o aluno não tem a menor familiaridade. 20 Marcos Bagno (2002, p. 10) chama de crime pedagógico a obsessão, tão presente, até hoje, nas escolas brasileiras, de desperdiçar mais de 70% das aulas de língua com exercícios mecânicos de reconhecimento, classificação de classes, e função de palavras. No que isso contribui para o ensino da língua? Será que, se os textos mudarem e as frases mudarem, os alunos serão capazes de reconhecer as classes gramaticais e as funções sintáticas das palavras? Será que isso é aprender? O que a escola tenta, na verdade, não é ensinar ao aluno a Língua Portuguesa, e sim uma das variedades dessa língua, a variedade padrão. Infelizmente a metodologia adotada pelos professores não possibilita que o aluno: - desenvolva ininterruptas habilidades de ler, falar e escutar; - desenvolva o reconhecimento da realidade intrinsecamente múltipla, variável e heterogênea da língua, realidade sujeita aos influxos das ideologias e dos juízos de valor; - construa um conhecimento sistemático sobre a língua, tomada como objeto de análise, reflexão e investigação. Não se pretende, de modo algum, eliminar da escola o estudo da gramática normativa, mas direcionar melhor o trabalho com as questões linguísticas na sala de aula para tornar o discente sujeito pensante e investigador dos fenômenos linguísticos. A tentativa de “reformar” ou “consertar” a língua do aluno só contribui para as reprovações em massa e a evasão escolar, pois faz o discente acreditar que ele não sabe a própria língua. Desse modo, estamos afirmando que o ensino da Língua Portuguesa é sinônimo do ensino da norma culta, o que não é verdade. Para desmistificar o conceito de que o brasileiro não sabe português devemos lembrar o que afirmou Maria Marta Pereira Scherre. Afirmar que uma pessoa que fala uma língua ou um dialeto sem prestígio não sabe falar é negar o fato de que todas as pessoas dominam as línguas às quais foram expostas. Na verdade, afirmar que uma pessoa não sabe falar significa que ela não sabe falar uma língua ou um dialeto de prestígio. E entre não saber falar e não saber falar uma língua de prestígio há, sim, muita diferença. (2005, p. 90) Para Bagno (2002, p.20) o ensino da Língua Portuguesa no Brasil não trata propriamente de uma língua, mas de uma idealização nebulosa de correção linguística, a qual se dá geralmente o nome de norma culta. 21 Contribuir para um ensino científico e mais abrangente da língua significa possibilitar aos alunos a escolha da melhor forma para se comunicarem, tornandoos, dessa maneira, poliglotas na sua própria língua. Trazer para sala de aula a sociolingüística significa adotar uma pedagogia militante, respeitando a heterogeneidade linguística, reconhecendo-a como uma propriedade reconstrutiva da língua. Devemos acordar com o que diz Bagno Ora, a verdade é que no Brasil, embora a língua falada pela grande maioria da população seja o português, esse português apresenta um alto grau de diversidade e de variabilidade, não só por causa da grande extensão territorial do país – que gera as diferenças regionais, bastante conhecidas e também vítimas, algumas delas, de muito preconceito –, mas principalmente por causa da trágica injustiça social que faz do Brasil o segundo país com a pior distribuição de renda em todo mundo. São essas graves diferenças de status social que explicam a existência, em nosso país, de um verdadeiro abismo linguístico entre os falantes das variedades não-padrão do português brasileiro – que são a maioria de nossa população – e os falantes da (suposta) variedade culta, em geral mal definida, que é a língua ensinada na escola. (2003, p.16). Existem alguns mitos que imperam na nossa sociedade em relação a nossa língua, um deles é que o bom português é aquele falado em determinada região do país, ora somos reconhecidos internacionalmente pela diversidade cultural que apresentamos, é obvio que essa diversidade se reflete também através da língua. Todos os falares são válidos. De norte a sul do Brasil existe uma riqueza incrível de expressões que faz com que cada região se diferencie das demais e isso não é um fator negativo, pelo contrário enriquece ainda mais nossa cultura. Outro mito existente diz que o português correto é aquele falado em Portugal, devemos nos lembrar de que não somos mais colônia de Portugal e sim um país autônomo que deve cultuar sua língua e não criticá-la. A escola tem uma função essencial na formação do aluno porque o prepara para enfrentar, posteriormente, o mercado de trabalho. Esse aluno compete, muitas vezes, com pessoas que tiveram um acesso maior à informação e a uma educação de maior qualidade, obviamente, este aluno estará mais preparado que aquele. Cabe não só a escola, mas a sociedade como um todo não contribuir para aumentar ainda mais essas desigualdades tão latentes na sociedade atual. Contribuir para prática de um ensino transformador que vá além do estudo da gramática deve ser a função de todo professor de língua. 22 Muitas vezes, nós, professores, menosprezamos a capacidade cognitiva de nossos alunos, não raro ouvimos de professores frases como: “Não adianta cobrar muito, ele não será capaz de entender o que estamos explicando”. Dessa forma, estamos nos abstendo do nosso papel de educadores: que é o de formar sujeitos capazes de interagir na sociedade. Esse indivíduo terá de sair da escola com capacidade critica e reflexiva, terá de ser capaz de pensar e agir contribuindo com idéias e pensamentos que o façam interferir de forma determinante nos fatos que fazem parte da sua vida e da sociedade à qual pertence. Infelizmente, o que encontramos na sociedade atual são pessoas sem qualificação profissional, a maioria possui dificuldades para interpretar e redigir textos. Os alunos, em sua maioria, não lêem e, cada vez mais, utilizam como ferramenta para obter informação, apenas a televisão. 23 6 ENSINO DA LÍNGUA MATERNA Os professores dos primeiros anos do ensino primário têm uma tarefa que é de suma importância para o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos: ensinar um código lingüístico, e mais do que isso, ensinar normas que regem esse código. Desde os primeiros anos de vida aprendemos a falar através de estímulos que recebemos de nossos pais e familiares, quando estamos na faixa dos seis ou sete anos de idade vamos para escola vivenciar uma das experiências mais significativas em nossas vidas: aprender a ler e a escrever. Cabe à escola, e mais especificamente ao professor, nos orientar para que possamos desvendar o código linguístico escrito da sociedade à qual pertencemos, mas essa aprendizagem apesar de ser extremamente significativa, nem sempre é tão fácil quanto parece. Vamos nos deparar na escola com regras gráficas. Uma delas é que às vezes um mesmo som pode ser representado por duas letras distintas, como por exemplo, xale, chaleira, cebola, sebo, entre outras. Aí vem nosso primeiro desafio, como saber quando utilizar uma ou outra letra? Por diversas vezes, vamos errar até assimilar esse conhecimento. Esse conhecimento se dá pela comparação das palavras quanto à forma, procurando perceber suas semelhanças no que se refere aos radicais. As dúvidas persistem até percebermos que há radicais comuns (no significado e na forma) que decidem a grafia. Também a leitura minimiza tais problemas. Essa que é tão difícil de introduzir no cotidiano dos nossos alunos, talvez devido a uma cultura em falte tal hábito, mas não vamos aqui aprofundar o tema da leitura. A principal ferramenta utilizada pelo professor na sala de aula para ensinar as normas que regem nossa língua escrita é a gramática normativa, mas temos que entender que a gramática nos dá o conhecimento das normas, porém para sermos bons redatores ou escritores não precisamos conhecer todas as nomenclaturas e particularidades da prescrição normativa. Vale trazer à memória o que disse Maria Scherre O ensino de gramática normativa - embora interessante – tem pouco a ver com o processo da escrita ou da leitura. Da gramática normativa, para este fim, creio ser suficiente ser suficiente o conhecimento de normas de 24 ortografia, de normas de pontuação e de aspectos sintáticos específicos da escrita, que, ainda assim, exceto talvez no que diz respeito à ortografia, podem apresentar variações em função do tipo de texto escrito produzido. (2005, p.141). Para Maria Scherre (2005, p. 40), o conflito que se estabelece na mente das pessoas e dos alunos, em particular, é que, na maioria das vezes, se ensina na escola gramática normativa como se estivesse ensinando língua. Ainda para Scherre, a pesquisa lingüística e o ensino de gramática normativa ou descritiva devem fazer parte de nossas preocupações com a linguagem. Partindo do pressuposto que todo aluno chega à escola sabendo comunicarse oralmente, cabe ao professor, transmitir ao indivíduo regras gráficas, morfológicas, sintáticas que fazem parte do código lingüístico escrito. Para isso, o docente utiliza, como uma das ferramentas, a gramática normativa, pois ela irá auxiliá-lo na tarefa de fazer o aluno entender que nem sempre escrevemos como falamos e que nossa língua oral é diferente da escrita, e mais do que isso, vamos ensinar normas que regem esse código linguístico. Um dos pontos importantes desse trabalho se refere às dificuldades que os alunos pertencentes às camadas sociais menos favorecidas possuem para expressar-se (oralmente e textualmente), utilizando um código que Bernestein denominou de código elaborado. Dificuldade essa que os alunos pertencentes às camadas privilegiadas não possuem ou possuem em menor grau. Certamente, não podemos esperar que a escola resolva todos os problemas sociais existentes no país. Apesar disso, penso que seria um bom começo a utilização de uma pedagogia em que os professores tomem consciência dos usos que fazemos de nossa língua, para poderem levar os alunos a fazerem o mesmo. Muitos alunos saem do ensino médio sem saber compreender aquilo que lêem, ou seja, fazem uma leitura mecânica, apenas decodificam as letras. A pergunta que se faz é como esses alunos ficaram 11 anos (ou mais) na escola e não são capazes de ler e interpretar? E o mais alarmante como conseguiram chegar ao ensino médio? O que temos que pensar é como a escola pode contribuir para, efetivamente, formar cidadãos poliglotas em sua própria língua? Devemos relembrar o que nos sugere Maria Scherre O domínio da língua materna, entendida como primeira língua, é natural. Não requer ensino. O domínio de gramáticas normativas, de segundas línguas estrangeiras, de processos de leitura e de processos de escrita, este sim, é adquirido. E, para ser adequadamente adquirido, requer ensino 25 eficiente e exercício exaustivo. Aprende-se a escrever, escrevendo; escrevendo textos que façam sentido, textos de múltiplos sentidos. Aprende-se a ler, lendo; lendo textos que também façam sentido, que provoquem prazer. (2005, 9.140). Para Bortoni-Ricardo (BORTONI-RICARDO APUD KLEIMAN, p.141), os alunos devem sentir-se livres para falar em sala de aula e, independente do código que for usado – a variedade ou variedades não-padrão. Qualquer aluno que tome o piso em sala de aula deve ser ratificado como um participante legítimo da interação. Uma forma efetiva de o professor conferir esta ratificação é dar continuidade à contribuição do aluno, elaborando-a e ampliando-a. Estimular, nas aulas de língua, um conhecimento cada vez maior e melhor de todas as variedades linguísticas para que a sala de aula não seja um espaço para o estudo exclusivo de apenas uma variedade linguística deve ser o objetivo do professor realmente engajado na tarefa de transmitir o conhecimento e o reconhecimento de uma língua viva com multiplicidade de formas e usos. Todos os usos são validos, desde a linguagem mais “descuidada” até aquela mais elaborada, vai depender do contexto comunicativo ao qual o indivíduo está inserido. Para Bagno, (2002, p.61) podemos partir da gramática, pois é uma ferramenta tradicional e acessível para depois empreender uma nova teorização e investigação do fato estudado. Conforme Bagno, as aulas de língua materna devem revisar, criticar e reformular teorias e não perpetuar doutrinas sem questioná-las. Para Bagno (2005, p.142), uma das decisões que o professor deve adotar, em sala de aula, é aceitar a ideia de que não existe erro de português e, sim, diferenças de uso ou alternativas de uso, em relação à regra única, proposta pela gramática normativa. Além disso, Bagno nos diz que a ortografia é artificial, mas que a língua é natural. Existem línguas que não têm escrita, embora tenham gramática. Para Bortoni-Ricardo (2004, p. 37) o professor não sabe muito bem como agir diante dos chamados “erros de português”. Estamos colocando a expressão “erros de português” entre aspas porque a consideramos inadequada e preconceituosa. Erros de português são simplesmente diferenças entre variedades da língua. Com freqüência, essas diferenças se apresentam entre a variedade usada no domínio do lar, onde predomina uma cultura de oralidade, em relações permeadas pelo afeto e informalidade, como vimos, e culturas de letramento, como a que é cultivada na escola. (BORTONI-RICARDO, 2004, 37). Para ensinar o discente a estudar o funcionamento da língua, é preciso antes que ele saiba falar, ler e escrever bem. Para isso, é necessário que o professor 26 adote uma postura investigativa sabendo identificar o nível de conhecimento linguístico do seu aluno. Conforme Menegat (2007, p.53), o desempenho do professor de língua materna depende de conhecer o estudante e sua habilidade no trato com a língua. Fazer um diagnóstico mais preciso acerca da competência textual de seus alunos lhe permitirá organizar aulas adequadas ao nível de desenvolvimento lingüístico dos estudantes. Ainda para Menegat (2007, p. 54), o estudante deve ser iniciado na prática à consulta; contribui, para isso, o hábito de pesquisa em gramáticas e dicionários, razoavelmente completos e conformes com um padrão de língua atual. É preciso mostrar-lhes que a língua reflete as variações resultantes do uso pela comunidade; e que, mesmo se organizássemos uma Gramática do português falado no Brasil – por exemplo, entre 1970 e 1990 –, a partir do ano 2000, ela estaria desatualizada e o professor precisaria realizar novos ajustes. O ensino deve centrar-se no aluno e um dos objetivos dos professores de língua materna é aprimorar as habilidades lingüísticas que os alunos já trazem do seu contexto social. Esse processo depende de identificar suas habilidades e reconhecer suas dificuldades de linguagem e trabalhar a partir dessa realidade. Para Menegat (2007, p. 56), o método de ensino em língua materna – com base na memorização de conceitos em detrimento da criação, da aplicação de mecanismos gramaticais em frases isoladas (não em trechos breves ou textos integrais) – é mantido, segundo parece, por insegurança ou comodidade. Se a instituição escolar e o professor de língua materna tiverem objetivos mais definidos de ensino, haverá maior clareza e funcionalidade nos programas (em o que ensinar) e nos métodos (como ensinar). Uma das práticas que contribuem para um ensino eficaz da língua é trabalhar com textos que apresentem diferentes níveis de linguagem. Trazer para sala de aula a variação lingüística é proporcionar aos alunos o contato com diferentes formas de linguagem, inclusive aquela que ele já domina. Conforme Menegat (2007, p. 60), para desenvolver a aptidão no trato com o texto o professor pode apresentar aos alunos textos que retratam a variação linguística, níveis de uso da linguagem e alteração de registro propondo que eles modifiquem do modelo coloquial para o texto padrão ou vice-versa. 27 Em todas as aulas de língua partir do estudo de textos pode ser uma alternativa viável para obter melhores resultados no ensino de língua materna. Além disso, trabalhar com textos de gêneros diversificados, como por exemplo: o conto, o mini-conto, a poesia, blog, crônicas etc., escritos em diferentes níveis de linguagem, também contribuem para proficiência em leitura e autonomia na produção de textos escritos. 28 7 CONCLUSÃO De acordo com o que pôde ser observado no decorrer desta pesquisa, a língua é viva e acompanha um povo ao longo dos tempos. Ela muda e reinventa-se juntamente com os indivíduos. Da mesma forma que a humanidade evolui e se modifica com o passar dos anos, a língua acompanha essa evolução e varia de acordo com os diversos contatos entre pessoas pertencentes a comunidades distintas. Essa variação faz parte do fenômeno constitutivo da linguagem e nenhuma dessas variações pode ser considerada melhor ou pior que outra, elas apenas são distintas. O Brasil possui muitos dialetos e tem uma diversidade cultural muito grande. Somos fruto de diversas misturas resultantes do contato entre negros, índios, e europeus em geral, por isso, é natural que existam tantas variações lingüísticas em nosso país. Infelizmente, um dos preconceitos presentes em nossa sociedade é o preconceito lingüístico que afeta principalmente os indivíduos pertencentes às camadas sociais menos favorecidas. Trabalhar com a diversidade lingüística em sala de aula de modo a evitar a reprodução das desigualdades sociais e dos perversos preconceitos que elas suscitam deve ser o objetivo de todo professor compromissado com um ensino de maior qualidade e mais consciente do seu papel na sociedade contemporânea. Desmistificar o chamado “erro de português”, contemplar os fenômenos da variação e mudanças lingüísticas de modo mais consciente e embasado cientificamente é garantir um processo de ensino-aprendizagem em que a norma padrão não seja a única cultuada e a gramática normativa a principal ferramenta pedagógica utilizada. A escola deve estar aberta à diversidade dos discursos e deve comprometer-se com a formação plena do cidadão e contra qualquer forma de exclusão social pela linguagem. O costume de refletir sobre as questões linguísticas, infelizmente, não é uma prática muito presente nas escolas e quando acontece, geralmente, é condicionada pela gramática normativa. A valorização da criatividade do aluno em detrimento a valorização excessiva das regras gramaticais ajudará a promover um ensino que relacione e contemple a linguagem e a gramática, promovendo dessa forma um aprendizado significativo. 29 30 REFERÊNCIAS ALKMIM, Tânia. Sociolingüística. In: MUSSALIM, Fernanda; Bentes, Anna Christina (Orgs.). Introdução à lingüística 1: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001 BAGNO, Marcos; STUBBS, Michael; GAGNÉ, Gilles. Língua Materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola, 2002. BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico o que é, como se faz. 26. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2003. BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michael Lahud e Yara Frateschi. 9. ed. São Paulo: Hucitec, 1999. BORTONI-RICARDO, Stella M. A sociolingüística na sala de aula: educação em língua materna. São Paulo: Partábola, 2004. BORTONI, Stella M. Variação lingüística e atividades de letramento em sala de aula. In: KLEIMAN, Angela B. Os significados do letramento. São Paulo: Mercado de letras, 2005. p. 119-144. CALVET, Louis-Calvet. Sociolingüística: uma introdução crítica. Trad. por Marcos Marcionilo. 3. ed. São Paulo: Parábola, 2002. MENEGAT, Clarice Teresinha Arenhart. Ensinar língua ou linguagem: todos somos professores de linguagem. Cadernos La Salle, Canoas: La Salle, v. 2, n. 4, p. 5364, 2007. SCHERRE, Maria Marta Pereira. Doa-se lindos filhotes de poodle: variação lingüística, mídia e preconceito. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2002.