A RT I G O OR IG IN A L ÚLCERA DUODENAL PERFURADA EM PACIENTE SUBMETIDO A BYPASS GÁSTRICO EM Y-DE-ROUX PERFORATED DUODENAL ULCER IN PATIENT SUBJECTED TO ROUX-EN-Y GASTRIC BYPASS Mariangela Latini de Miranda¹, Paula Lutfalla Pessoa Pessôa², Vitor Bueno Xaia3, Juliano Nogueira Morais4 RESUMO ABSTRACT A obesidade é uma doença relevante nos dias atuais e Nowadays obesity is a relevant disease, which has de grande impacto na saúde da população mundial. O been affecting health of many people worldwide, bypass gástrico em Y-de-Roux é amplamente utilizado being Roux-en-Y gastric by-pass widely used in no tratamento cirúrgico da obesidade mórbida, the surgical treatment of morbid obesity, however entretanto essa técnica não é isenta de complicações. this technique does not exempt complications. The A úlcera duodenal perfurada no segmento excluso, perforated duodenal ulcer in the excluded segment em pacientes submetidos ao bypass gástrico em Y-de- of patients who were subjected to Roux-en-Y gastric Roux, é uma patologia rara, sendo encontrados, na by-pass is a rare disease which only 21 cases were literatura, apenas 21 casos em âmbito mundial. Existem reported in the literature worldwide. There is proven evidências de que o segmento excluso mantém-se evidence that the excluded segment remains as acid produtor de ácidos gástricos sem a neutralização do gastric producer without any food neutralization. alimento. Este relato de caso trata-se de uma paciente This case report is about a patient subjected to Roux- com história de bypass gástrico em Y-de-Roux há 5 en-Y gastric by-pass 5 years ago, who presented anos, que apresentou quadro de dor abdominal após abdominal pain after prolonged use of NSAIDs and uso prolongado de AINE, sendo encaminhada para was referred to videolaparoscopy. She was diagnosed videolaparoscopia. Foi diagnosticada úlcera duodenal with perforated duodenal ulcer in excluded segment perfurada em segmento excluso, e o tratamento and was conducted to final treatment, therefore definitivo procedeu em seguida, com realização de ulcerorrafia and omentoplasty were carried out. ulcerorrafia e omentoplastia. 1 Médica. Residência em cirurgia geral pela Fundação São Francisco Xavier, Ipatinga, MG, Brasil. 2 Médica. Residência em cirurgia geral pela Fundação São Francisco Xavier, Ipatinga, MG, Brasil. 3 Acadêmico em medicina do Centro Universitário Serra dos Órgãos – UNIFESO, Teresópolis, MG, Brasil. 4 Médico cirurgião geral do Hospital Márcio Cunha – Fundação São Francisco Xavier, Ipatinga, MG, Brasil. Autor correspondente: Mariângela Latini de Miranda Rua Espírito Santo, nº1627, Bairro Lourdes, Belo Horizonte, MG. CEP: 30.160-031. Telefone: (31) 996719048. E-mail: mariâ[email protected] Artigo recebido em 15/03/2016 Aprovado para publicação em 08/10/2016 Revista Ciência e Saúde 31 Úlcera duodenal perfurada em paciente submetido a bypass gástrico em Y-de-Roux Palavras-chave: Obesidade mórbida. Bypass gástrico Keywords: Morbid obesity. Laparoscopic Roux- em Y-de-Roux laparoscópico. Úlcera duodenal en-Y gastric bypass. Perforated duodenal ulcer. perfurada. Reparo laparoscópico. Laparoscopic repair. INTRODUÇÃO A obesidade é uma doença de grande importância no incidência maior no período pós-operatório precoce, mundo, atinge aproximadamente 2 bilhões de pessoas em pacientes que não estavam em uso de Inibidores e sua prevalência é crescente. Ela está associada de Bomba de Prótons (IBP).5 a múltiplas comorbidades como diabetes tipo 2, A fisiopatologia da ulcerogênese em pacientes hipertensão arterial, dislipidemias e apneia do sono.1 submetidos ao BGYR não está bem estabelecida. Os critérios para indicação de tratamento cirúrgico Vários mecanismos têm sido usados para explicar compreendem pacientes com Índice de Massa essa fisiopatologia, e acredita-se que a infecção por Corpórea (IMC) > 40kg/m2 ou IMC >35 kg/m2, com Helicobacter pylori seja o principal fator responsável a presença de comorbidades. Embora o grupo de pela destruição da barreira mucosa, além de aumentar pacientes com indicação cirúrgica sejam minoria da a secreção ácida gástrica.7,8 Outro mecanismo população obesa, representado por apenas 10% dessa reconhecido é a ausência de neutralização ácida no população, esse grupo encontra-se em constante estômago pelo alimento ingerido, como ocorre em ascensão.1,2 pacientes sem alterações anatômicas, além disso, O número de cirurgias para o tratamento da existe um atraso na liberação de bicarbonato, sendo obesidade vem aumentando consideravelmente, já a mucosa exposta ao ácido gástrico e refluxo biliar que essa cirurgia mostrou-se como um método seguro por um período prolongado.9 As lesões de mucosa e eficaz na redução de peso e também uma opção de também podem ser resultado do uso de drogas não tratamento das comorbidades, conforme apresentado esteroides, anti-inflamatórios não esteroides (AINE) pelo Instituto Nacional de Saúde de 1996 (NIH- ou consumo excessivo de álcool.9 USA).3 No Brasil, há quatro técnicas aprovadas: banda O diagnóstico da úlcera duodenal em pacientes gástrica ajustável, duodenal switch, gastrectomia submetidos a BGYR pode ser desafiador e deve-se vertical e o bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR), atentar para pacientes com o histórico cirúrgico de sendo esta última a técnica mais usada atualmente por BGYR associado, principalmente, a dor em abdome ser mais segura e eficaz.4 superior, mesmo na ausência de pneumoperitônio A úlcera duodenal perfurada em pacientes submetidos a BGYR é uma complicação rara, sendo encontrados, nos exames de imagem, já que a presença deste é incomum nesse grupo de pacientes.10 na literatura, apenas 21 casos reportados no mundo. A dor abdominal é uma queixa comum em pós- O tempo entre a cirurgia e a perfuração da úlcera operatório de BGYR, atingindo 15% a 30% dos duodenal pode variar entre 20 dias e 12 anos,6 no pacientes.11 Diante disso, a úlcera duodenal perfurada entanto, a maioria dos casos notificados apontam uma no segmento excluso deverá ser um diagnóstico 5 Revista Ciência e Saúde 32 Úlcera duodenal perfurada em paciente submetido a bypass gástrico em Y-de-Roux diferencial em pacientes com dor abdominal e histórico cirúrgico de BGYR, mesmo na ausência desde o ano de 2013. Possui história de cirurgias prévias como de pneumoperitôneo. Nesses pacientes a exploração colecistectomia videolaparoscópica, em outubro cirúrgica precoce deverá ser cogitada, tanto para de 2010, e pouco antes, em junho de 2010, bypass auxílio diagnóstico quanto terapêutico. gástrico em Y-de-Roux, no qual foi ultilizada a Este artigo traz o relato de um caso clínico raro técnica Fobi-Capella para tratamento de obesidade perante a comunidade científica de uma complicação crônica refratária aos tratamentos instituídos. Nesta incomum do BGYR, considerando que esse grupo, época, apresentava peso 96kg, com estatura de 1,56m, na maioria das vezes, apresenta manifestações chegando a um IMC de 40kg/m², não apresentava incomuns, que devem ser atendidas em unidades de comorbidades associadas. Após cirurgia, apresentou pronto atendimento médico. redução do seu peso gradativamente, segundo dados do prontuário. MÉTODOS Ao ser realizado exame físico, apresentava-se com c de dor, corada, hidratada, eucárdica e eupneica, Pesquisa descritiva, retrospectiva, relatando um pressão arterial de 130 por 80 mmHg. Abdome caso clínico de paciente atendido no serviço de flácido, doloroso à palpação em andar inferior, mais urgência cirúrgica do Hospital Márcio Cunha, em localizado em fossa ilíaca direita, região superior do Ipatinga/MG. Os dados foram coletados através de abdome não apresentava dor, sem sinais de irritação prontuário eletrônico do paciente, sendo coletados peritoneal, sem massa palpável. Não apresentou dados retrospectivos de internações anteriores e alterações nos exames laboratoriais solicitados como da atual internação e também informações sobre o creatinina, ureia, amilase, lipase, AST, ALT, exceto procedimento realizado e o acompanhamento pós- no hemograma, que acusou anemia e leucocitose cirúrgico. discreta, EAS com 8 hemáceas por campo (valor de referência menos de 3 a 5 hemáceas por campo) RELATO DE CASO e PCR no valor de 10mg/L (valor de referência 5mg/L). Foi solicitado exame de ultrassonografia Uma mulher de 41 anos deu entrada no pronto- abdominal, no qual foi localizada coleção líquida na socorro, em fevereiro de 2015, com história de dor pelve, à direita, com septos internos medindo 6,9 x abdominal há dois dias, com piora progressiva. Dor 5,5 x 2,5cm e com volume estimado de 50ml, além de inespecífica, mais em região inferior do abdome e pequena quantidade de líquido anecoide junto à base flanco direito. Negou alterações urinárias, intestinais, do ceco. Com a hipótese diagnóstica de um abdome ginecológicas ou febre. Estava em uso de anti- agudo inflamatório ou hemorrágico, a laparoscopia inflamatórios não esteroidais (AINEs) devido ao pós- foi indicada. operatório recente de varicectomia bilateral. Relata Na exploração inicial laparoscópica, visualizou- ter apresentado episódios isolados de dor em flanco se útero, tubas uterinas e ovários normais, foi direito e de epigastralgia, com piora ao alimentar-se, identificado cerca de 150ml de líquido amarelado na Revista Ciência e Saúde 33 Úlcera duodenal perfurada em paciente submetido a bypass gástrico em Y-de-Roux pelve e goteira parietocólica direita, apêndice cecal aderindo cada vez mais a esse tipo de tratamento.2,3 hiperemiado e congesto, cólon sigmoide redundante A úlcera duodenal perfurada no segmento excluso em e distendido, sendo realizado apendicectomia e pacientes submetidos ao BGYR é uma complicação irrigação da cavidade. Em revisão da cavidade, rara, sendo encontrada, na literatura, apenas 21 observou-se bloqueio inflamatório entre o lobo casos bem reportados no mundo.5,13 Pesquisadores, direito do fígado e colon, em exploração houve saída por meio de seu estudo, afirmam que o tempo entre de pequena quantidade secreção biliosa e observou-se a cirurgia e a perfuração da úlcera duodenal pode perfuração da parede anterior duodenal, foi realizada variar entre 20 dias e 12 anos.6 A maioria dos casos rafia da úlcera duodenal. Durante o ato cirúrgico, não aponta uma incidência maior no pós-operatório houve intercorrências, segundo dados coletados. A precoce, em pacientes que não estavam em uso de paciente seguiu para a enfermaria após recuperação Inibidores de Bomba de Prótons (IBP),5 já que os anestésica, recebendo alta no 3° dia pós-operatório, IBPs são responsáveis pela supressão da secreção de em boas condições clínicas. ácido gástrico por meio da inibição da enzima H+ / K+ -ATPase da célula parietal gástrica.14 DISCUSSÃO Vários mecanismos têm sido usados para explicar a ulcerogênese nesse grupo de pacientes e acredita- Essa paciente do caso relatado anteriormente apresentava dores abdominais inespecíficas se que a infecção por Helicobacter pylori seja o e principal deles.7 O uso de anti-inflamatórios não recorrentes anteriormente, com piora súbita da dor esteroides (AINE) ou consumo excessivo de álcool concentrando em fossa ilíaca direita, e uma história de também são fatores preditivos. Segundo estudiosos, uso prolongado de anti-inflamatórios não esteroidais. a acidez no estômago excluso não é neutralizada pelo O quadro clínico sugeriu abdome agudo de etiologia alimento como normalmente acontece em pacientes a esclarecer, sendo a úlcera duodenal perfurada uma sem alterações anatômicas, além disso, existe um das possibilidades. Uma vez que se tratava de uma atraso na liberação de bicarbonato, sendo a mucosa paciente com alterações anatômicas precedente da exposta ao ácido gástrico por um período prolongado cirurgia de BGYR, os exames de rotina para abdome e, ao mesmo tempo, pelo refluxo biliar, agravando os agudo, em muitos casos, não evidenciariam sinais efeitos de lesão na mucosa .9 sugestivos de úlcera perfurada como de costume É importante atentar-se para o diagnóstico da úlcera em pacientes sem essas alterações anatômicas, duodenal perfurada nos pacientes com histórico sendo, na maioria das vezes, diagnosticado com a cirúrgico de BGYR apresentando dor abdominal, videolaparoscopia. principalmente em abdome superior, pois os sinais e Em busca do tratamento ideal para a obesidade, várias sintomas, na maioria das vezes, são inespecíficos.11 técnicas foram desenvolvidas, sendo a derivação O pneumoperitônio nem sempre é encontrado nos gástrica em Y-de-Roux (DGYR) a cirurgia mais exames de imagem, sendo relatado em apenas um empregada.12 As complicações relacionadas à cirurgia caso na literatura.10,15 A tomografia computadorizada vêm ganhando importância, pois a população está (TC) é o exame mais utilizado para o diagnóstico Revista Ciência e Saúde 34 Úlcera duodenal perfurada em paciente submetido a bypass gástrico em Y-de-Roux dessa patologia, e são encontrados sinais como líquido livre no peritônio e um processo inflamatório no quadrante superior direito, além de identificar outras possíveis causas de abdome agudo cirúrgico relacionadas ou não à cirurgia prévia.5 Na atualidade, a videolaparoscopia vem ganhando um importante papel na abordagem dessa patologia, pois, além de possibilitar um diagnóstico precoce, também oferece a oportunidade de tratamento em mesmo procedimento. O tratamento de urgência consiste em exploração cirúrgica e no fechamento primário da lesão, pela técnica de ulcerorrafia e omentoplastia. Já o tratamento definitivo, que consiste em vagotomia e piloroplastia ou gastrectomia, pode ser indicado no momento da abordagem ou posteriormente, de acordo com cada caso, devendo basear-se nos riscos específicos e nos benefícios para o paciente.6 Em portadores de alto risco operatório, a terapia IBP a longo prazo é uma alternativa aceitável. A abordagem pode ser aberta ou laparoscópica, sendo que a última mostrou-se mais segura.5,16 Uma questão vital para o sucesso do tratamento é a indicação da cirurgia definitiva. CONCLUSÃO A úlcera duodenal perfurada em segmento intestinal excluso de pacientes submetidos previamente ao Bypass Gástrico em Y-de-Roux é uma afecção rara e de difícil diagnóstico. Foi possível observar, por meio deste caso, que é preciso atentar-se para casos de pacientes que já foram submetidos a BGYR apresentando dor abdominal, mesmo que esta seja inespecífica e sem outros sinais ou sintomas. Além disso, considera-se adequada a opção da laparoscopia diagnóstica e terapêutica como método a ser adotado pela eficácia apresentada. Revista Ciência e Saúde REFERÊNCIAS 1. Garrido Júnior AB. Cirurgia da obesidade. São Paulo: Atheneu; 2006. 2. Monkhouse SJW, Morgan JDT, Norton SA. Complications of bariatric surgery: presentation and emergency management – a review. Am R Coll Surg Engl. 2009; 91:280-286. 3. Tinoco RC, Tinoco ACA, El-Kadre LJ, Tinoco LA, Crespo LF, Haddad MO. Cirurgia da obesidade mórbida por videolaparoscopia. Rev Col Cir. 2002; 29(3):103106. 4. Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Diretrizes brasileiras de obesidade 2009/2010. 3.ed. Itapevi: AC Farmacêutica; 2009. 5. 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