Cefaléias 1. INTRODUÇÃO Cefaléias são definidas como dores localizadas ou difusas em várias partes da cabeça. Mais de 90% das pessoas experimentam pelo menos um episódio de cefaléia por ano. As cefaléias são as causas mais comuns de procura por ajuda neurológica no mundo. Também estão entre as cinco principais razões de procura médica em geral. O diagnóstico correto é essencial, apesar de não ser simples. Os dias perdidos de trabalho e escola causados por cefaléias são um problema enorme para as economias nacionais. Os principais objetivos do médico na avaliação de pacientes com cefaléia são aliviar o sofrimento e definir qual o tipo de cefaléia em questão. A maior preocupação dos pacientes geralmente é afastar uma causa maligna, como um tumor ou um aneurisma cerebral. 2. ESTRUTURAS SENSÍVEIS À DOR Nem todas as estruturas da cabeça são sensíveis à dor. Para que as cefaléias ocorram é necessário que haja tração ou inflamação de uma das estruturas sensíveis à dor da cabeça. Essas estruturas são os seios venosos da dura-máter, a dura-máter da base do crânio, as artérias carótidas e seus ramos, as artérias meníngeas, os nervos trigêmio, glossofaríngeo e vago, a substância cinzenta periaquedutal e o tálamo. Deve-se salientar que o osso do crânio e o parênquima cerebral não são sensíveis à dor. O nervo trigêmio é o responsável pela sensibilidade das fossas anterior e média do crânio, enquanto o nervo glossofaríngeo, o nervo vago e os nervos cervicais superiores respondem pela sensibilidade da fossa posterior. Lesões das fossas anterior e média produzem dor no território de inervação do trigêmio (2/3 anterior do couro cabeludo e face) enquanto as lesões da fossa posterior provocam dor no território de inervação do glossofaríngeo e vago (ouvido ou garganta) e dos nervos cervicais superiores (1/3 posterior do couro cabeludo, nuca e pescoço). 3. CLASSIFICAÇÃO Desde que a Sociedade Internacional de Cefaléia publicou a classificação e critérios diagnósticos das cefaléias, nevralgias cranianas e dores faciais em 1988, as cefaléias podem ser divididas em duas grandes categorias básicas: cefaléias primárias e cefaléias secundárias. As primárias geralmente são benignas, recorrentes e não apresentam nenhuma lesão orgânica aparente. As secundárias são causadas por doenças estruturais subjacentes. Abaixo relacionamos os principais tipos de cefaléias vistos na prática clínica baseados na classificação internacional das cefaléias revisada em 2004 pela Sociedade Internacional de Cefaléia (SIC): CEFALÉIAS PRIMÁRIAS Migrânea (enxaqueca) - Migrânea sem aura - Migrânea com aura Aura típica Aura sem cefaléia Migrânea hemiplégica familiar Migrânea hemiplégica esporádica Migrânea do tipo basilar - Síndromes periódicas da infância que podem preceder a migrânea Vômitos cíclicos Migrânea abdominal Vertigem paroxística benigna da infância - Migrânea retiniana - Complicações da Migrânea Migrânea crônica Estado migranoso Aura persistente sem infarto Infarto migranoso Crises epilépticas desencadeadas por migrânea Cefaléia Tipo Tensão - Cefaléia Tipo Tensão Episódica Infreqüente - Cefaléia Tipo Tensão Episódica Frequente - Cefaléia Tipo Tensão Crônica Cefaléia em Salvas (Cluster) e outras cefaléias autonômicas trigeminais - Cefaléia em Salvas Episódica - Cefaléia em Salvas Crônica - Hemicrânia Paroxística Episódica - Hemicrânia Paroxística Crônica - SUNCT (Short-lasting Unilateral Neuralgiform Headache with Conjuntival Injection and Tearing) Outras Cefaléias Primárias - Cefaléia Primária em Facadas - Cefaléia Primária da Tosse - Cefaléia Primária do Exercício - Cefaléia Primária Associada à Atividade Sexual * Cefaléia pré-orgásmica * Cefaléia orgásmica - Cefaléia Hípnica - Cefaléia em estampido de trovão (thunderclap) - Hemicrânia Contínua - Cefaléia nova diária e persistente CEFALÉIAS SECUNDÁRIAS ● Associadas com Trauma do Crânio ou do Pescoço - Cefaléia Pós-Traumática Aguda - Cefaléia Pós-Traumática Crônica - Cefaléia Aguda após lesão em chicote da coluna cervical (Whiplash injury) - Cefaléia Crônica após lesão em chicote da coluna cervical (Whiplash injury) - Cefaléia atribuída a hematoma pós-traumático - Cefaléia pós-craniotomia Associadas com Distúrbios Vasculares - Doença Cerebrovascular Isquêmica (AVCi) ou Ataque isquêmico transitório (AIT) - Hematoma Intraparenquimatoso não traumático - Hemorragia Subaracnóide não traumática - Malformações Vasculares Não-Rotas - Arterite Temporal e outras vasculites no sistema nervoso central - Dissecção de Carótidas ou Vertebrais - Relacionadas com procedimentos invasivos dos vasos do pescoço e intracranianos. - Trombose Venosa Cerebral - Hipertensão Arterial Grave (Encefalopatia Hipertensiva) - Associadas com doenças como CADASIL (Cerebral Autossomal Dominant Arteriopathy with Subcortical Infarcts and Leukoencephalopathy) e MELAS (Mitochondrial Encephalopathy, Lactic Acidosis and Stroke-like Episodes) Associadas com Doenças Intracranianas não-vasculares - Aumento da pressão do líquor por hipertensão intracraniana idiopática - Aumento da pressão do líquor por causas metabólicas, tóxicas ou hormonais - ● Aumento da pressão do líquor por hidrocefalia Diminuição da pressão do líquor após punção lombar Diminuição da pressão do líquor por fístula liquórica Diminuição da pressão do líquor idiopática Doenças Inflamatórias não-infecciosas (sarcoidose, meningite asséptica, hipofisite linfocítica) - Injeção intratecal de medicamentos - Cefaléia pós-convulsão - Tumores Cerebrais Primários - Metástases Cerebrais de Tumores Sistêmicos - Carcinomatose Meníngea - Hidrocefalia causada por tumores - Malformação de Arnold-Chiari - Síndrome da cefaléia transitória e déficits neurológicos com linfocitose do líquor Associadas ao uso ou Supressão Aguda de Substâncias - Induzidas por Nitratos - Induzidas por inibidores da fosfodiesterase - Induzidas por Monóxido de Carbono - Induzidas por uso de Álcool - Induzidas por Supressão de Álcool - Induzidas por alimentos e aditivos alimentares (glutamato monossódico) - Induzidas pelo uso de cocaína - Induzidas pelo uso de maconha - Induzidas pela exposição à histamina - Induzidas pela exposição ao peptídeo relacionado ao gene da calcitonina Associadas ao uso ou Supressão Crônica de Substâncias - Ergotamínicos - Triptanos - Abuso de Analgésicos - Opióides - Induzidas por uso de Anticoncepcionais Orais e outros hormônios - Retirada de cafeína - Retirada de opióides - Retirada de estrógenos Associadas a Infecções Intracranianas (meningites, encefalites, empiemas e abscessos) - Infecções bacterianas - Infecções virais - Infecções parasitárias - Infecções sistêmicas (vírus, bactérias e parasitas) - Cefaléia pós-infecciosa Associadas a Distúrbios da homeostase - Hipóxia (altitudes elevadas, mergulhadores, apnéia do sono) - Hipercápnia (DPOC) - Hipoglicemia - Diálise - Crise hipertensiva sem Encefalopatia Hipertensiva - Encefalopatia hipertensiva - Pré-eclâmpsia - Eclampsia - Hipotireoidismo - Jejum prolongado - Cefalalgia cardíaca Associadas às Estruturas Cranianas - Pescoço (Cefaléia Cervicogênica, Distonia cervical, Tendinite retrofaríngea) - Olhos (Glaucoma, distúrbios da refração, uveíte) - Ouvidos (Otites agudas e crônicas) - Seios Paranasais (Sinusites agudas e crônicas) - Dentes (infecções dentárias, doenças gengivais) - Articulação Têmporo-mandibular (disfunção de ATM) Associadas a doenças Psiquiátricas - Distúrbios somatoformes - Distúrbios psicóticos Associadas às Neuralgias Cranianas e outras causas centrais de dor facial - Neurite Óptica - Neuropatia ocular diabética - Herpes Zoster Craniano e neuralgia pós-herpética - Síndrome de Tolosa-Hunt - Migrânea oftalmoplégica - Neuralgia do Trigêmio (Tic dolourex) - Neuralgia do Glossofaríngeo - Neuralgia Occipital de Arnorld - Neuralgia de intermédio - Neuralgia de laríngeo superior - Neuralgia de nasociliar - Neuralgia supra-orbital - Síndrome do pescoço-língua - Cefaléia por compressão externa - Cefaléia do estímulo frio - Anestesia dolorosa - Dor facial central pós-AVC - Dor facial atribuída à esclerose múltipla - Dor facial idiopática persistente - Síndrome da queimação da boca 4. MIGRÂNEA A migrânea é a causa mais comum de cefaléia vista nos consultórios dos neurologistas, embora a cefaléia tensional seja mais freqüente na população geral. Entretanto, devido à severidade da dor, os pacientes com migrânea procuram o neurologista com mais freqüência que os pacientes com cefaléia tensional. Está na lista da Organização Mundial da Saúde como uma das vinte doenças mais incapacitantes da humanidade. Ocorre em aproximadamente 18% das mulheres e 6% dos homens. A migrânea pode ser resultado de fatores genéticos e ambientais. A história familiar é muito freqüente a ponto de ser considerada pré-requisito para o diagnóstico, embora não exista um padrão mendeliano de transmissão. Com exceção da migrânea hemiplégica familiar que tem dois genes reconhecidos nos cromossomos 19 e 1 e um padrão de herança autossômico dominante, provavelmente existam muitos genes responsáveis pela doença que se expressam de maneira variável e incompleta. Costuma iniciar na infância, adolescência e início da idade adulta. Não é comum a migrânea começar após os 40 anos. Na migrânea, admite-se que a dor seja provocada pela ativação de nociceptores da parede de vasos intracranianos extracerebrais. Esta, por sua vez causa um processo inflamatório ativando nervos trigeminais perivasculares e iniciando a transmissão dos sinais de dor para o cérebro. Os nervos ativados liberam peptídeos vasoativos (peptídeo relacionado ao gene da calcitonina - CGRP, óxido nítrico, substância P e neurocininas) que exacerbam o edema dos vasos e aumentam a transmissão da dor. Isso causa vasodilatação cerebral, extravasamento de proteínas plasmáticas e ativação plaquetária. As vias centrais estimuladas ativam outros centros, produzindo náuseas, foto e fonofobia. Portanto, os mecanismos que produzem a cefaléia na migrânea se baseiam no conhecimento do sistema trigêmino-vascular. A ativação periférica trigeminal libera peptídeos como substância P e CGRP, o que produz uma inflamação neurogênica estéril na dura-máter. Além disso, ocorre um extravasamento plasmático em nível dural. Há ainda uma ativação neuronal central, facilitando a transmissão da dor através do aumento da atividade dos canais de sódio. Todos estes eventos podem ser inibidos por drogas, tanto por ergotamínicos como pelos triptanos. Já o mecanismo fisiopatológico da aura parece estar associado ao fenômeno da depressão alastrante cortical, proposto fisiologista brasileiro Leão em 1944. Segundo ele, estímulos corticais produziriam uma onda de depressão cortical que se propaga com uma velocidade de 2 a 3 mm/minuto seguida por uma onda de ativação cortical. Durante esse fenômeno ocorre liberação de glutamato. Diversos estudos apontam que distúrbios do sistema nervoso simpático são uma característica primária na migrânea. Deficiência simpática é um achado em muitos pacientes, mesmo nos períodos intercrises. Apesar de sua freqüência e importância, a migrânea é freqüentemente negligenciada pela população e incorretamente diagnosticada pelos médicos. Muitos casos de migrânea são rotulados como sinusite, estresse, cefaléia tensional, convulsões e toda sorte de diagnósticos distorcidos. De todos, a sinusite merece alguns comentários. Em estudo apresentado no Encontro da Sociedade Americana de Cefaléia em 2002 concluiu-se que 88% dos pacientes com “cefaléia causada por sinusite” sem rinorréia purulenta ou febre apresentavam critérios diagnósticos para migrânea. Portanto, é importante conhecer bem os sintomas e sinais da doença para que o diagnóstico correto seja alcançado e o tratamento seja efetivo. As crises de migrânea geralmente são precedidas por horas a dias de um estado de ansiedade, irritabilidade, fadiga, falta de concentração, euforia, bocejos ou sonolência e desejo por determinados alimentos, conhecidos como sintomas premonitórios. A migrânea sem aura é a forma mais comum na prática clínica, ocorrendo em 80% dos pacientes. As crises costumam ter as seguintes características: duração de 4 a 72 horas, dor unilateral, pulsátil, intensidade moderada a acentuada e piora com atividade física rotineira. Além disso, a migrânea sem aura geralmente está associada a náuseas, vômitos, fotofobia (sensibilidade à luz) e fonofobia (sensibilidade ao som). Embora a migrânea geralmente seja unilateral, pode ser bilateral. Muitos pacientes com migrânea apresentam uma forma de alodínea cutânea na cabeça durante as crises. Isso ocorre provavelmente devido à sensibilização dos neurônios trigeminais centrais. Quando a alodínea está instalada, o tratamento com triptanos não é efetivo. Critérios Diagnósticos da Migrânea sem Aura (SIC) A. Pelo menos 5 crises preenchendo os critério B-D B. Crises de cefaléia durando de 4 a 72 horas (quando não tratadas ou tratadas sem sucesso) C. A cefaléia tem pelo menos duas das seguintes características: - localização unilateral - qualidade pulsátil - intensidade da dor moderada a severa - agravada por atividade física rotineira (caminhar ou subir escadas) D. Durante a cefaléia pelo menos um dos seguintes está presente: - náusea e/ou vômito - fotofobia e fonofobia E. Sintomas não são atribuídos à outra doença Quando os pacientes preenchem todos os critérios acima, porém não tiveram ainda pelo menos cinco crises, o diagnóstico mais adequado é de provável migrânea sem aura. Algumas vezes é difícil diferenciar migrânea sem aura de cefaléia tensional esporádica. Em crianças, as crises de migrânea podem durar de 1 a 72 horas e são bilaterais com mais frequência que nos adultos. As crises de migrânea na infância geralmente são frontotemporais. Dores occipitais são muito raras e quando presentes devem levantar a suspeita de uma causa secundária. A migrânea sem aura pode ter uma relação estreita com o ciclo menstrual. Em algumas mulheres ela surge apenas durante a menstruação, quando é chamada de migrânea menstrual verdadeira. Essas mulheres apresentam crises de migrânea sem aura apenas no período que compreende 2 dias antes e 2 dias depois do início da menstruação. Em outras mulheres a migrânea fica mais frequente e severa na menstruação, entretanto ocorre também nos outros dias do ciclo. Nesses casos é chamada de migrânea com exacerbação no período menstrual. Se as crises de migrânea ocorrem por mais de 15 dias por mês por pelo menos 3 meses consecutivos sem o concomitante abuso de medicamentos analgésicos ela deve ser considerada migrânea sem aura crônica. Quando há abuso de analgésicos, a migrânea sem aura é a causa mais frequente de cefaléia por abuso de analgésicos. Ela ocorre quando os pacientes usam triptanos, ergotamínicos ou opióides por pelo menos 10 dias por mês ou usa analgésicos simples por pelo menos 15 dias por mês. O tempo de uso até o início da cefaléia crônica induzida pelos analgésicos é varia de 1,5 a 5 anos. Na maioria dos casos os pacientes não são conscientes da associação entre os analgésicos e a piora da dor. Auras são episódios geralmente reversíveis de sintomas neurológicos visuais, sensoriais ou de fala. Os sintomas motores são classificados separadamente em migrânea hemiplégica. A aura ocorre imediatamente antes ou no início das crises de migrânea e duram menos de uma hora (entre 5 a 20 minutos) e correspondem a alguma disfuncão do córtex ou do tronco cerebral. As auras visuais são as mais comuns, incluindo turvação visual, escotomas cintilantes (pontos brilhantes no campo visual), fotopsia ou flashes de luz, teicopsia ou espectro de fortificação (formas geométricas), metamorfopsia (alteração da forma dos objetos), hemianopsias e quadrantanopsias. As auras sensoriais geralmente ocorrem com sensação de formigamento e as auras da fala se expressam na forma de disfasia. Elas podem ocorrer isoladamente ou em sucessão após as auras visuais. Quando a aura permanece por mais de 60 minutos é conhecida como migrânea com aura prolongada. Se os sintomas são mais curtos, durando menos de 5 minutos deve-se pensar em ataque isquêmico transitório. A migrânea com aura é menos comum, ocorrendo em 10 a 15% dos pacientes. Alguns pacientes apresentam crises de migrânea sem aura e algumas crises com aura. Algumas vezes as auras ocorrem sem cefaléia e outras vezes podem ser seguidas de uma cefaléia que não preenche os critérios para o diagnóstico de migrânea. Isso é mais comum em idosos que tinham história de migrânea com aura na juventude, embora possa ocorrer em qualquer idade e em pessoas que nunca tiveram história de migrânea. Esse diagnóstico sempre deve ser de exclusão. Ataques isquêmicos transitórios e crises epilépticas parciais simples devem ser consideradas no diagnóstico diferencial. Critérios diagnósticos da aura da migrânea (SIC) A. A aura consiste em pelo menos um dos achados seguintes, sem sintomas motores: - sintomas visuais reversíveis positivos (luzes) ou negativos (perda visual) - sintomas sensoriais reversíveis positivos (formigamentos) ou negativos (hipoestesia). B. Presença de pelo menos dois dos seguintes critérios abaixo: - sintomas visuais do mesmo lado dos sintomas sensoriais - pelo menos um sintoma de aura se desenvolve gradualmente durante mais de 5 minutos ou mais que um sintoma de aura se desenvolve sucessivamente durante mais de 5 minutos. - cada sintoma de aura dura mais que 5 minutos e menos que 1 hora. A migrânea hemiplégica familiar é rara e está relacionada com um gene anormal (CACNA1A) no cromossomo 19. Recentemente descobriu-se outro gene anormal (ATP1A2) no cromossomo 1. Muitas famílias não apresentam mutação de nenhum desses dois genes, sugerindo a presença de pelo menos mais um gene ainda não descoberto. Ela se caracteriza por episódios de hemiplegia acompanhados de cefaléia que preenche os critério de migrânea com aura. Persistência da hemiplegia por mais de 7 dias acompanhada de anormalidades da ressonância magnética sugere infarto migranoso, embora possa ser vista na migrânea hemiplégica. Esse dano neurológico prolongado ou mesmo permanente parece ser causado por dano cerebral excitotóxico mediado pelo glutamato. Os sintomas de aura dos pacientes com migrânea hemiplégica familiar geralmente são relacionados com o tronco cerebral e cerebelo. Os pacientes com a mutação do gene CACNA1A podem ter episódios de diminuição do nível de consciência, confusão mental, febre e pleocitose do líquor. Deve existir pelo menos um parente de primeiro ou segundo grau com sintomas semelhantes. Alguns pacientes podem ter ataxia, nistagmo e tremor. Existe uma relação entre a migrânea hemiplégica familiar e a ataxia cerebelar progressiva crônica, uma doença genética com episódios repetidos de ataxia. Esses pacientes apresentam atrofia cerebelar nos estudos de imagem. Quando não há história familiar em pacientes com migrânea hemiplégica ela é chamada de esporádica. Esses pacientes sempre necessitam maior investigação para descartar uma lesão estrutural subjacente. As crises de migrânea hemiplégica podem ter sua frequência diminuída pelo uso de acetazolamida e verapamil. A migrânea do tipo basilar é uma forma na qual os sintomas de aura se relacionam à disfunção do tronco cerebral ou da área cortical occipital. Nestes casos podem ocorrer disartria, vertigem, zumbido, hipoacusia, sintomas visuais simultâneos em ambos os olhos, ataxia, diminuição do nível de consciência e parestesias bilaterais ou alternantes. Excepcionalmente podem ocorrer estados confusionais durando horas ou mesmo um dia, principalmente em jovens. Alterações da função vestibular e manifestações clínicas correlatas podem ser atribuídas à migrânea basilar. Pacientes jovens com crises de vertigem de causa desconhecida devem ser investigados e o diagnóstico de migrânea deve ser considerado. Na migrânea do tipo basilar não há sintomas motores. Na migrânea oftalmoplégica as crises de cefaléia se associam a paresia de um ou mais dos nervos responsáveis pela movimentação ocular, sem haver lesão intracraniana demonstrável. O nervo oculomotor é o mais acometido, seguido pelo abducente e o troclear. A oftalmoplegia pode começar junto com a cefaléia ou após alguns dias do início da cefaléia. Geralmente elas remitem após alguns dias a semanas, embora possam permanecer como seqüela permanente em alguns pacientes. Ao contrário da migrânea tradicional, a cefaléia da migrânea oftalmoplégica dura de uma a duas semanas. As crises geralmente recorrem sempre do mesmo lado e costumam iniciar na infância. Como as características clínicas da migrânea oftalmoplégica não preenchem os critérios para o diagnóstico de enxaqueca, a Sociedade Internacional de Cefaléias resolveu retirá-la do grupo das migrâneas e colocá-la no grupo das neuralgias cranianas e outras causas centrais de dor facial, embora não tenha abandonado a designação migrânea. Acredita-se que a migrânea oftalmoplégica represente uma forma de neuropatia desmielinizante recorrente do nervo oculomotor, semelhantemente à neurite óptica. Uma lesão parasselar (ao lado da sela túrcica), na fissura orbital ou na fossa posterior deve ser afastada por exames de imagem como a ressonância magnética de crânio. Um aneurisma da artéria comunicante posterior também deve ser afastado através de angiografia por ressonância magnética ou arteriografia convencional. Na migrânea oftalmoplégica pode-se observar captação anormal do gadolínio no nervo oculomotor afetado, embora esse achado não seja universal. O principal diagnóstico diferencial da migrânea oftalmoplégica é a síndrome de Tolosa-Hunt. As síndromes periódicas da infância que são comumente precursores da migrânea são os vômitos cíclicos, a migrânea abdominal e a vertigem paroxística benigna da infância. Os vômitos cíclicos se caracterizam por crises recorrentes de náuseas e vômitos, palidez e letargia que duram de 1 hora a 5 dias. As crises ocorrem pelo menos 4 vezes por hora durante um ataque. Entre os ataques as criança ficam completamente assintomáticas. Pelo menos cinco ciclos são necessários para a confirmação do diagnóstico. Doenças gastrintestinais devem ser descartadas com exames apropriados. A migrânea abdominal se caracteriza por dor moderada a severa na linha média do abdome (geralmente peri-umbilical) com duração de uma a 72 horas quando não tratadas ou tratadas sem sucesso. Anorexia, náuseas, vômitos e palidez são comuns durante as crises de dor abdominal. Alguns pacientes podem ter rubor facial durante as crises. Pelo menos cinco episódios são necessários para a confirmação diagnóstica. Outras doenças gastrintestinais devem ser descartadas. A vertigem paroxística benigna da infância ocorre com ataques recorrentes de vertigem com início e fim súbitos com duração de minutos a horas. Nistagmo e náuseas são comuns durante as crises. As crianças são assintomáticas entre as crises. Os testes de função vestibular, a audiometria e o EEG estão normais entre as crises. Pelo menos cinco crises são necessárias para a confirmação diagnóstica. Crianças com sintomas de vômitos cíclicos, migrânea abdominal e vertigem paroxística benigna da infância freqüentemente desenvolvem migrânea na adolescência ou vida adulta. A migrânea retiniana ocorre com sintomas oculares unilaterais como cintilações, escotomas e perda visual acompanhados de cefaléia do tipo migranosa. Os pacientes são assintomáticos entre as crises. Outras causas de sintomas monoculares transitórios, particularmente acidentes isquêmicos transitórios (amaurose fugaz) devem ser descartadas. A diferença da migrânea retiniana para a migrânea com aura ocular é que nesta os sintomas são bilaterais. Quando uma crise de migrânea dura mais que 72 horas, ela é conhecida como estado migranoso. Muitas vezes necessita internação e tratamento hospitalar. Abuso de medicamentos pode ser um fator desencadeante. Alguns pacientes raramente podem apresentar complicações neurológicas mais sérias decorrentes de uma crise de migrânea. A complicação mais freqüente é o infarto migranoso, onde um déficit neurológico permanece por vários dias a meses após uma crise e os exames de imagem confirmam a presença de um infarto cerebral. Complicações isquêmicas são particularmente frequentes em mulheres migranosas acima de 45 anos, fumantes e usuárias de pílulas anticoncepcionais. Essa associação deveria ser evitada. Alguns pacientes podem ter auras prolongadas por dias a meses sem sinais de infarto cerebral nos estudos de imagem. Crises epilépticas desencadeadas por crises de migrâneas podem ocorrer durante ou após uma hora do início de uma aura da migrânea. Elas eventualmente podem ocorrer após um episódio de migrânea sem aura. Qualquer tipo de crise epiléptica pode ocorrer. Esse é um fenômeno raro. Abaixo resumimos as fases da migrânea (Tabela 1): Tabela 1 Fases da Migrânea Fase Duração Sintomas Sintomas Premonitórios Horas a dias antes da cefaléia Ansiedade, irritabilidade, euforia, ou sonolência. Sensibilidade a sons, luz e cheiros. Aura Precede a Cefaléia. Aura visual é a mais comum. Duração de 5-20 minutos podendo durar até 60 minutos. Escotomas cintilantes, borramento visual. parestesias. Cefaléia Dor unilateral, freqüentemente na região temporal. 4-72 horas Náuseas, vômitos, fotofobia, > 72 horas = estado fonofobia. de mal migranoso Piora com a atividade física moderada. Pós-crise Ocorre após crises severas Exaustão, fadiga, dolorimento do couro cabeludo. Fonte: Neurology 1994; 44(suppl 7):S6-S16. As crises de migrânea podem ser desencadeadas por uma série de razões. Abaixo listamos os principais fatores desencadeantes: Distúrbios emocionais (ansiedade) Excesso ou privação de sono Ingestão de bebidas alcoólicas, principalmente vinho tinto (geralmente após algumas horas) Alguns alimentos (chocolates, queijos, embutidos, aspartame, glutamato monossódico) Jejum prolongado Exposição a odores fortes (perfumes, alimentos, agentes químicos) Alterações da pressão atmosférica Menstruação O diagnóstico da migrânea é clínico. Os estudos de imagem geralmente não são necessários, principalmente se os sintomas forem clássicos e os pacientes não apresentarem nenhuma anormalidade no exame neurológico. Entretanto, em um paciente com história de dor unilateral fixa com freqüência cada vez maior e sinais neurológicos focais duradouros, a investigação se impõe para comprovar lesão cerebral que determine quadro similar à migrânea. O EEG não deve ser solicitado em pacientes com migrânea, pois não vai acrescentar nada ao diagnóstico. O tratamento da migrânea é desafiador ao médico devido ao conhecimento incompleto da fisiopatologia da doença. Cada paciente apresenta uma resposta diferente a cada estratégia terapêutica. Mais do que eliminar completamente as crises, fato bastante difícil, o tratamento da migrânea objetiva reduzir a freqüência e a severidade dos ataques. Outro objetivo que deve ser perseguido é a melhora da qualidade de vida do paciente, além da prevenção do abuso de analgésicos. O tratamento pode ser dividido em duas partes: tratamento das crises e tratamento profilático. Para o tratamento das crises podemos usar analgésicos comuns (paracetamol, AAS, dipirona, etc), antiinflamatórios (diclofenaco, naproxeno, ibuprofeno, piroxicam, nimesulide, etc), ergotamínicos, triptanos, narcóticos e neurolépticos. Independente da classe de medicamentos utilizada, o tratamento deve ser instituído o mais rapidamente possível após o início da cefaléia. Além disso, é recomendável que um agente pró-cinético (que acelera o esvaziamento gástrico) seja administrado concomitantemente, pois a migrânea retarda o esvaziamento do estomago e dificulta a absorção dos analgésicos, feita no intestino. A metoclopramida em gotas (Plasil®) é o pró-cinético mais freqüentemente utilizado. A escolha do melhor medicamento para a crise aguda em cada paciente baseia-se na severidade das crises, sintomas associados (náuseas, vômitos), contra-indicação para algum medicamento e algumas vezes, tentativa e erro. As crises mais leves geralmente podem ser tratadas com analgésicos comuns e antiinflamatórios não-esteróides. A combinação de paracetamol com cafeína (Excedrin®) parece ser melhor que o uso isolado do paracetamol. Embora qualquer antiinflamatório possa ser utilizado, o naproxeno (Flanax®) e o ibuprofeno (Motrin®) são os mais efetivos em estudos clínicos. O uso de antiinflamatórios endovenosos pode ser mais efetivo que a administração oral. Não podemos esquecer de mencionar que os analgésicos comuns, quando usados em abuso podem ocasionar cronificação da dor (cefaléia crônica diária), gerando mais problemas para o paciente e para a equipe de saúde. Já os antiinflamatórios não-esteróides podem causar severos sintomas gastrointestinais como gastrites e até hemorragias digestivas. O uso dos derivados do ergot (ergotamínicos) foi muito popular no passado devido à sua efetividade e à ausência de alternativas melhores no mercado. Apesar de eficazes, apresentam o potencial de induzirem ao hábito, cronificarem a cefaléia e causar ergotismo (uma condição fatal causada por vasoconstricção generalizada). Tendo em vista os outros medicamentos disponíveis no mercado, não vemos razões médicas para a escolha dessa classe de medicamentos para o tratamento da migrânea nos dias de hoje. Os triptanos revolucionaram o tratamento da migrânea na década de noventa. Eles são agonistas dos receptores 5HT da serotonina e agem provocando vasoconstricção dos vasos cranianos, inibindo a ativação de ramos periféricos do nervo trigêmio e inibindo a transmissão através do sistema trigeminovascular na região distal do tronco e superior da medula cervical. Existem vários triptanos no mercado e cada paciente pode ter respostas diferentes aos diversos tipos de triptanos. Portanto, devem-se tentar mais de um tipo em casos de falência do tratamento com um triptano. Eles são contra-indicados nos pacientes com doença coronariana, pois causam vasocontricção da coronária podendo induzir infarto do miocárdio. Eles também não podem ser usados menos de 24 horas após o uso de ergotamínicos devido à potenciação de efeitos vasoconstrictores e risco de infarto e outras complicações vasculares. O sumatriptano (Sumax®) foi o primeiro triptano desenvolvido para o tratamento da migrânea. Sua formulação subcutânea na dose de 6 mg tem um excelente perfil farmacocinético, atingindo níveis terapêuticos em 10 minutos e biodisponibilidade de 96%. A dose é de 6 mg podendo ser repetida após uma hora, com dose máxima diária de 12 mg. Aproximadamente metade dos pacientes está livre de dor em 1 hora e 80% em 2 horas. Recorrência da dor nas primeiras 24 horas após melhora ocorre em 1/3 dos pacientes. Embora as injeções sejam a forma mais eficaz de controlar as crises de migrânea, elas apresentam mais efeitos colaterais relacionados ao triptanos, são dolorosas e mais caras que as apresentações orais. As doses orais variam de 50 a 100 mg, podendo ser repetidas após 2 horas num total de 200 a 300 mg em 24 horas. A utilização do sumatriptano via spray nasal é uma alternativa às outras apresentações, sendo preferidas por alguns neurologistas por agirem mais rapidamente que as formas orais e têm menos efeitos adversos que as apresentações subcutâneas. A dose é de 20 mg podendo ser repetida após duas horas, com dose máxima de 40 mg em 24 horas. Entretanto muitos pacientes rejeitam a forma intranasal pelo gosto ruim e pela resposta inconstante. Embora a apresentação retal existe em alguns países, ela não está disponível no Brasil. O zolmitriptano (Zomig®) mostrou-se ser mais rapidamente absorvido que o sumatriptano, entretanto sem uma vantagem evidente em relação à atividade contra a dor. Sua dose varia de 2.5 mg a 5 mg por ataque, podendo ser repetido após 2 horas com dose máxima de 10 mg em 24 horas. O zolmitriptano também pode ser usado na forma de spray nasal na dose de 5 mg, podendo ser repetido em 2 horas. É o triptano que parece ter melhor resposta quando repetido após persistência da cefaléia. O naratriptano (Naramig®) é o triptano com melhor perfil de efeitos colaterais. Ele também não apresenta muitas interações com outros medicamentos. Parece apresentar menores taxas de recorrência após melhora. Por outro lado, seu início de ação é o mais demorado e sua efetividade em reverter uma crise de migrânea é a mais baixa entre os triptanos. A dose usual é de 2.5 mg VO, podendo ser repetida em 2 horas caso não haja resposta. A dose máxima em 24 horas é de 5 mg. O rizatriptano (Maxalt®) apresenta o efeito mais rápido e consistente de todos os triptanos disponíveis no mercado nacional. As taxas de recorrência são apenas superiores ao naratriptano. A dose usual é de 10 mg VO ou sublingual. Em pacientes usando betabloqueadores como tratamento profilático, as doses devem ser reduzidas para 5 mg VO ou SL. Outros triptanos não disponíveis no Brasil são o almotriptano, o eletriptano e o frovatriptano. o naratriptano (Naramig®) e o zolmitriptano (Zomig®). A terapia combinada, usando um triptano com um anti-inflamatório como o naproxeno (Flanax®) parece ser mais eficaz que o uso isolado de qualquer uma das duas drogas. Além disso, a terapia combinada oferece menores taxas de recorrência da cefaléia. Os analgésicos narcóticos devem ser deixados para última opção de tratamento, quando os outros não funcionam, devido ao seu potencial aditivo e aos efeitos colaterais. Algumas vezes são utilizados nos departamentos de emergência para controlar crises agudas muito severas. Os neurolépticos endovenosos como a clorpromazina (Amplictil®) e o haloperidol (Haldol®) são potentes agentes no tratamento de resgate das crises de migrânea, melhorando a cefaléia e as náuseas associadas e induzindo sedação. Eles estão indicados em pacientes que não responderam ao tratamento com analgésicos tradicionais ou com triptanos. As principais complicações desses medicamentos são hipotensão, agitação motora e sedação. Se usados cronicamente podem induzir discinesia tardia, distonia, parkinsonismo e outros distúrbios do movimento. Em crianças, ibuprofeno (Motrin®) é a droga de escolha para o tratamento das crises. O paracetamol (Tylenol®) provavelmente é efetivo e o sumatriptano nasal (Sumax®) também apresenta bom resultado. Entretanto, as formulações orais e subcutâneas dos triptanos não são efetivas nas crianças. O tratamento do estado de mal migranoso deve ser feito em regime de internação com hidratação, corticosteróides endovenosos e metoclopramida. Caso não haja melhora pode-se associar clorpromazina (Amplictil®). O tratamento profilático da migrânea está indicado nos pacientes que apresentam crises severas que interfiram na vida diária. Considera-se que pacientes que tenham mais que duas ou três crises por mês são candidatos ao tratamento profilático. Se a incapacidade gerada pela crise for importante, pode-se considerar tratamento profilático mesmo em pacientes com crises menos frequentes que 2 a 3 por mês. Nessa forma de tratamento, um medicamento é dado diariamente, mesmo que nenhuma crise esteja presente. Qualquer droga que seja escolhida para o tratamento profilático deve ser usada pelo menos por 6 meses para que sua eficácia seja mensurada. A escolha da melhor droga depende de diversos fatores, incluindo eficácia e tolerabilidade, doenças concomitantes, preferências do paciente e possibilidade ou não de gravidez. As principais drogas usadas na profilaxia da migrânea são: betabloqueadores, antagonistas dos canais de cálcio, antidepressivos tricíclicos e anticonvulsivantes. Os betabloqueadores são os agentes de escolha em pacientes com migrânea que tenham hipertensão arterial, tremor essencial, doença vascular periférica ou doença coronariana. Devem ser evitados em diabéticos, asmáticos, portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), asma e pacientes com insuficiência cardíaca severa. Propranolol de liberação lenta (Rebaten LA®) é o betabloqueador de primeira linha para o tratamento profilático da migrânea. Essa droga possui liberação prolongada e pode ser usada apenas uma vez ao dia. As doses variam de 80 a 240 mg/dia. Outros betabloqueadores que podem ser usados são o metoprolol (Seloken®) 100 a 200 mg/dia, o nadolol (Corgard®) 40 a 120 mg/dia e o atenolol (Atenol®) 25 a 150 mg/dia. Pacientes que estiverem tomando betabloqueadores devem tomar meia dose de rizatriptano (5 mg) para o tratamento das crises agudas, pois essas drogas diminuem o metabolismo do rizatriptano. Os betabloqueadores não podem ser retirados subitamente pela possibilidade de cefaléias de rebote. Bradicardia é um dos principais efeitos colaterais. Depressão pode ocorrer. Sonhos vívidos, insônia, impotência sexual, astenia e hipotensão arterial são outros efeitos colaterais possíveis. Os antagonistas dos canais de cálcio são drogas menos eficazes que os betabloqueadores na profilaxia da migrânea, devendo ser utilizados como terapia de segunda escolha. Flunarizina (Vertizine®) é o mais indicado. A dose varia de 5 a 10 mg/dia. Sonolência, ganho de peso, depressão, mialgias, parestesias e parkinsonismo são os principais efeitos colaterais. São contra-indicados no parkinsonismo e não recomendados em pacientes obesos. Os antidepressivos tricíclicos são excelentes medicamentos para a profilaxia da migrânea. Eles são indicados principalmente em pacientes com sintomas depressivos concomitantes. A amitriptilina (Tryptanol®) na dose de 12,5 a 75 mg/dia é a droga mais utilizada, porém a imipramina (Tofranil®) e a nortriptilina (Pamelor®) na dose de 10 a 75 mg/dia também podem ser usadas. São contra-indicadas em pacientes com glaucoma. Seus principais efeitos colaterais são sonolência, boca seca, hipotensão ortostática, ganho de peso, taquicardia, alteração da libido, retenção urinária e obstipação intestinal. Devem ser usados com precaução nos coronariopatas, nos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva e evitados em pacientes com glaucoma e epilepsia. Os antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina como a fluoxetina (Prozac®) são menos eficazes na profilaxia da migrânea, não sendo recomendados de rotina até o momento. Maiores estudos com os antidepressivos mais modernos são necessários para que seu uso seja recomendado. Diversos estudos têm ligado o uso dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (fluoxetina, sertralina, paroxetina, citalopram, fluvoxamina) e inibidores seletivos da recaptação da serotonina e da noradrenalina (duloxetina e venlafaxina) em associação com triptanos com síndrome serotoninérgica. Essa síndrome potencialmente fatal se apresenta com agitação, alucinações, taquicardia, perda de coordenação motora, hipertensão arterial, hipertermia, hiperreflexia, náuseas, vômitos e diarréia. Portanto, o uso dessas drogas como agentes profiláticos em pacientes usando triptanos para o tratamento das crises deve ser feito com cuidado. Os anticonvulsivantes estão sendo cada vez mais utilizados na profilaxia da migrânea, embora não sejam as drogas de primeira linha. O divalproato de sódio, a gabapentina e o topiramato são as drogas mais utilizadas. O divalproato de sódio (Depakote®) na dose de 500 a 1500 mg/dia pode induzir ganho de peso apreciável e pode ser hepatotóxico. Além disso, deve ser usado com cautela em mulheres em idade reprodutiva devido ao maior risco de indução de defeitos do tubo neural quando usado na gestação. Uso de ácido fólico e anticoncepção concomitante estão indicados nessas mulheres. Outros efeitos colaterais dessa droga incluem queda de cabelo, ganho de peso, tremor, trombocitopenia e sonolência. A gabapentina (Neurontin®) na dose de 300 a 2400 mg/dia é uma droga bem tolerada e com poucos efeitos colaterais que vem sendo utilizada com sucesso. Cansaço e tontura são os principais efeitos indesejáveis. O topiramato (Topamax®) na dose de 100 a 200 mg/dia têm sido uma das principais opções de profilaxia quando os pacientes não desejam ganhar peso, já são obesos ou têm epilepsia concomitante. Pode induzir parestesias, distúrbios cognitivos, perda de peso, cálculos renais, fadiga, perversão do paladar, miopia e glaucoma. Ingesta grande de líquidos e acompanhamento oftalmológico são necessários nesses pacientes. Estudos recentes com lamotrigina (Lamictal®) sugerem que devido a sua ação bloqueadora dos canais de sódio associada com sua ação antiglutamatérgica essa droga é eficiente tanto no controle das crises como das auras. A tiagabina (Gabitril®), um anticonvulsivante inibidor da recaptação do GABA em doses que variam de 5 a 10 mg/dia também obteve excelentes resultados em estudos preliminares como agente profilático da migrânea. Entretanto, essa droga ainda não é aprovada para esse uso pelo FDA. Os antagonistas serotoninérgicos como a metisergida (Deserila®) em doses de 2 a 6 mg/dia e o pizotifeno (Sandostatin®) em doses de 1,5 a 3 mg/dia foram as primeiras drogas utilizadas na profilaxia da migrânea. A metisergida é bastante eficaz, entrentanto carrega um risco teórico de induzir fibrose de válvulas cardíacas, pleura e peritônio. Por essa razão, a cada 4 meses recomenda-se suspender a medicação por 1 mês. Deve ser evitada em hipertensos, coronariopatas, hepatopatas e pacientes com insuficiência renal crônica, doença vascular periférica e úlcera péptica. O pizotifeno tem sedação como o principal efeito colateral. Uma outra droga dessa classe é a ciproeptadina (Periatin®), utilizada principalmente em crianças. As doses variam de 6 mg/dia para crianças até 6 anos e 12 mg/dia para crianças de 6 a 12 anos. A toxina botulínica tipo A está sendo usada com sucesso no tratamento profilático da migrânea crônica refratária aos outros medicamentos utilizados acima. Alguns estudos sugerem que a toxina botulínica, além de inibir a liberação de acetilcolina na membrana pré-sináptica pode inibir a liberação de mediadores nociceptivos como o glutamato, substância P e o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP). Além disso, por razões desconhecidas a toxina botulínica pode inibir a sensibilização central dos neurônios trigeminovasculares, um fator fisiopatológico potencial na enxaqueca. Doses baixas de 25 a 50 U são utilizadas e distribuídas em vários músculos do couro cabeludo, fronte e nuca. O tratamento profilático da migrânea menstrual pode ser feito com antiinflamatórios ou triptanos antes do início do ciclo menstrual. O naproxeno sódico (Naprosyn®) é utilizado na dose de 550 mg a cada 12 horas iniciando 7 dias antes da menstruação e continuando até o sexto dia do ciclo. Outras drogas utilizadas na migrânea menstrual verdadeira podem ser vistas na tabela abaixo. Caso não haja controle das crises com esses medicamentos, pode-se considerar a introdução de terapia hormonal. Pílulas anticoncepcionais que combinam estrógenos e progesterona são utilizadas com sucesso em mulheres. Entretanto, a decisão e a escolha das doses dos hormônios deve ser tomada em conjunto com um ginecologista, principalmente pelo fato de haver um aumento do risco de eventos vasculares trombóticos em pacientes migranosas utilizando anticoncepcionais orais, principalmente quando há história de tabagismo. O tratamento profilático das crises de migrânea exacerbadas pela menstruação geralmente se baseia no aumento da dose do medicamento profilático tradicional nos dias que precedem a menstruação. O tratamento da migrânea na gestação é um dilema para o neurologista, pois apesar da maioria das mulheres apresentar algum grau de melhora clínica, muitas podem ter crises severas e frequentes. Como nenhuma das drogas utilizadas como profiláticas de migrânea é totalmente segura na gestação, o seu uso deve ser evitado quando possível. Quando estritamente necessárias, os betabloqueadores são as drogas de escolha na gestação. O ácido valpróico deve ser evitado devido à maior incidência de malformações do tubo neural nos fetos. O pizotifeno e a metisergida também não são indicados, principalmente pela falta de dados quanto a sua segurança. As mulheres que entram no climatério podem utilizar terapia de reposição hormonal para aliviar os sintomas típicos do climatério e para prevenir a osteoporose. Muitas mulheres podem notar um aumento da frequência e intensidade das crises de migrânea após a introdução da terapia hormonal. Algumas estratégias utilizadas para diminuir essa possibilidade são diminuir a dose do estrógeno, usar terapia contínua ao invés de cíclica, substituir a via oral pela parenteral, adicionar androgênios e usar moduladores seletivos dos receptores de estrógenos. Essas decisões terapêuticas devem ser tomadas sempre em conjunto com o ginecologista da paciente. Não há nenhum trabalho que confirme a eficácia dos medicamentos profiláticos na infância. As drogas mais utilizadas são a cinarizina, o propranolol e o pizotifeno. O tratamento deve ser por 4 a 12 meses e a interrupção deve ser gradual. A tabela abaixo mostra as doses das principais medicações profiláticas da enxaqueca na infância: Algumas medidas não farmacológicas podem apresentar algum benefício em pacientes com migrânea. O biofeedback e técnicas de relaxamento podem ser indicados em alguns pacientes, particularmente crianças. Terapia cognitivo-comportamental pode ser efetiva em pacientes submetidos a grande grau de estresse. Se houver um alimento claramente desencadeante das crises, uma dieta restringindo tal alimento pode ser tentada. Não há estudos convincentes até o momento que permitam indicar a acupuntura e a homeopatia como tratamentos efetivos na migrânea, embora alguns trabalhos relatem sua eficácia. 5. CEFALÉIA TIPO TENSÃO A cefaléia tipo tensão é a causa mais comum de cefaléia primária na população geral, entretanto a maioria dos pacientes não procura o neurologista. Até 88% das mulheres e 69% dos homens apresentam algum episódio de cefaléia tipo tensão durante a vida. Não é incomum estar associada à migrânea no mesmo paciente. O diagnóstico diferencial com migrânea pode ser difícil. O termo tipo tensão induz o pensamento de que essa cefaléia seja relacionada com tensão emocional e estresse, o que causa algum preconceito quanto ao seu diagnóstico. Embora as cefaléias tipo tensão sejam muito comuns, seu mecanismo fisiopatológico permanece desconhecido. A teoria mais aceita atualmente é que ela tenha origem nos músculos do crânio, que estariam com seu tônus de repouso aumentado. Entretanto, há controvérsias quanto a essa teoria, pois estudos eletromiográficos dos músculos do crânio durante os episódios de dor não foram capazes de demonstrar aumento da atividade muscular durante os episódios. Algumas pesquisas sugerem que o óxido nítrico possa ser um mediador local da dor. As cefaléias tipo tensão podem se dividir em episódicas e crônicas. As episódicas ocorrem eventualmente, têm duração de 30 minutos a 7 dias, caráter em aperto (não são pulsáteis), intensidade fraca a moderada, geralmente bilateral, não se agravam com exercícios físicos de rotina (ex. caminhar, subir escadas) e geralmente não se associam com náuseas ou vômitos. Fotofobia ou fonofobia isoladamente (nunca associadas) podem ocorrer. Os pacientes freqüentemente relatam que a dor se irradia para a nuca, pescoço e ombros. Tanto as cefaléias tipo tensão episódicas quanto as crônicas podem estar associadas com dolorimento das regiões frontal, temporal, masseter, esternocleidomastóide e trapézio à palpação manual durante as crises. As episódicas se dividem ainda em infrequentes quando ocorrem menos de uma vez por mês e frequentes quando ocorrem mais que uma vez por mês e menos que 15 vezes. Quando essas características persistem por mais de 15 dias por mês num período superior a 3 meses nós temos a cefaléia tensional crônica, que é uma dos tipos de cefaléia mais incapacitantes que existem com elevado custo sócio-econômico. Critérios diagnósticos da cefaléia tipo tensão Episódica (SIC) A. Pelo menos 10 episódios ocorrendo por menos que 15 dias por mês por pelo menos 3 meses e preenchendo os critérios B-D. B. A cefaléia durando de 30 minutos a 7 dias. C. A cefaléia tem pelo menos duas das seguintes características: - localização bilateral - qualidade tipo pressão ou aperto (não pulsátil) - intensidade leve ou moderada - não agravada por atividade física de rotina (caminhar, subir escadas) D. Presença de ambos dos seguintes critérios: - ausência de náuseas ou vômitos (anorexia pode ocorrer) - presença de fotofobia ou fonofobia isoladamente (nunca juntas) E. Os sintomas não podem ser atribuídos a outras doenças. F. Dolorimento dos músculos pericranianos pode ou não estar presente. Critérios diagnósticos da cefaléia tipo tensão Crônica (SIC) A. Cefaléias com frequência superior a 15 dias por mês por mais que 3 meses e preenchendo os critérios B-D. B. A cefaléia durando horas ou pode ser contínua. C. A cefaléia tem pelo menos duas das seguintes características: - localização bilateral - qualidade tipo pressão ou aperto (não pulsátil) - intensidade leve ou moderada - não agravada por atividade física de rotina (caminhar, subir escadas) D. Presença de ambos dos seguintes critérios: - não mais do que um dos três seguintes sinais: fotofobia, fonofobia ou náusea leve. - ausência de náuseas ou vômitos moderados ou severos. E. Os sintomas não podem ser atribuídos a outras doenças. F. Dolorimento dos músculos pericranianos pode ou não estar presente O stress pode ser um dos muitos fatores precipitantes de cefaléia tipo tensão, entretanto, a causa subjacente é desconhecida. Outros fatores ligados à presença de cefaléia tipo tensão são história de trauma leve de crânio e uso crônico de analgésicos. O diagnóstico das cefaléias tipo tensão é clínico. Nenhum estudo de imagem é necessário, a menos que algum sinal anormal seja encontrado no exame neurológico. O eletroencefalograma nunca está indicado. A maioria dos pacientes com cefaléia tipo tensão não procura auxílio médico. Muitos deles usam automedicação analgésica e obtém alívio temporário. O problema é que o uso freqüente de analgésicos, sem orientação médica pode levar à cronificação do quadro e dar origem à cefaléia crônica diária. Acredita-se que o uso de duas pílulas por semana de analgésicos comuns já seja suficiente para perpetuar o quadro e ocasionar cefaléia crônica diária. Outras complicações do uso crônico de analgésico são lesões renais (nefropatia por analgésicos) e hepatotoxicidade. O tratamento da cefaléia tipo tensão deve combinar abordagens farmacológicas e não-farmacológicas. A abordagem não-farmacológica inclui mudança do estilo de vida (sono regular, refeições em horários definidos, prática de exercícios físicos), diminuição do stress emocional (técnicas de relaxamento, biofeedback, meditação, yoga, psicoterapia), técnicas fisioterápicas (calor, gelo, ultra-som, estimulação nervosa transcutânea, massagens, exercícios para a musculatura cervical) e terapias alternativas (acupuntura). As principais drogas utilizadas no tratamento abortivo da dor são os antiinflamatórios não-esteróides e os relaxantes musculares. Analgésicos com cafeína também funcionam bem. Nos casos severos há necessidade do uso de narcóticos. Entretanto, deve-se tomar cuidado com esses medicamentos devido ao potencial risco de adição. Nos pacientes que apresentam mais que duas crises por semana está indicado o tratamento profilático. Os antidepressivos tricíclicos são as drogas de escolha para esses pacientes. Os outros antidepressivos mais modernos não funcionam tão bem. Os antiinflamatórios não-esteróides podem ser usados como profiláticos, porém apresentam o potencial para desencadear gastrite, hemorragia digestiva e dano renal quando usados cronicamente, devendo, portanto, ser evitados. O relaxante muscular tizanidina (Sirdalud®) também é uma opção atraente nos pacientes com cefaléia tensional crônica. A toxina botulínica tem sido usada com sucesso no tratamento de pacientes com cefaléia tipo-tensão, a exemplo do que foi dito para os pacientes com migrânea. Para finalizar é importante salientar que os pacientes com cefaléia tipo tensão crônica devem parar de fumar, pois esse hábito está fortemente relacionado com esse tipo de cefaléia. 6. CEFALÉIA EM SALVAS A cefaléia em salvas é também conhecida como cefaléia histamínica ou cefaléia de Horton. Muito mais freqüente em homens que em mulheres (4:1) ao contrário do que ocorre na migrânea e na cefaléia tensional. As crises ocorrem em qualquer idade, mas geralmente começam entre os 20 e 40 anos. Em 5% dos pacientes ela pode ser herdada como um traço autossômico dominante. Também se divide em cefaléia em salvas episódica e crônica. Estudos com tomografia por emissão de pósitrons mostram ativação da região posterior do hipotálamo ipsilateral à dor durante as crises, sugerindo que a dor se origina nessa região. Isso poderia ocasionar uma disfunção simpática e ativação do sistema trigêmino-vascular que levaria ao aumento dos níveis de peptídeo intestinal vasoativo (VIP) e do peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), além de inflamação na região do seio cavernoso durante a crise. O fator causal dessa disfunção hipotalâmica ainda não foi esclarecido. As cefaléias em salvas episódicas são caracterizadas por salvas de dor unilateral muito intensa (terebrante), geralmente na região periorbital e das têmporas, início súbito, duração de 15 a 180 minutos, usualmente entre 45 a 90 minutos. Outras regiões da cabeça podem ser afetadas com menos frequencia. As crises tendem a se repetir sempre do mesmo lado da cabeça, embora eventualmente possam mudar de lado ou raramente ser bilaterais. As salvas duram entre uma semana e um ano (geralmente de duas semanas a três meses). Nesses períodos as cefaléias ocorrem quase todos os dias (1 crise a cada 2 dias até 8 crises por dia), quase sempre no mesmo horário, geralmente de madrugada. A dor da cefaléia em salvas é uma das mais fortes experimentadas pelo ser humano. Existem períodos em que as crises remitem (de trinta dias a anos), para voltar mais tarde em uma nova salva de crises. Se as crises ocorrem por mais de 1 ano, com períodos de remissão inferior a 30 dias a cefaléia em salvas é dita crônica. A cefaléia em salvas crônica pode ser a primeira manifestação clínica do paciente ou pode evoluir de um paciente com a forma episódica da doença. Aproximadamente 80% dos pacientes apresentam a forma episódica e 20% a forma crônica. Acompanhando as crises de dor o paciente pode apresentar sintomas autonômicos como lacrimejamento, hiperemia ocular, edema palpebral, rinorréia e congestão nasal. Mais raramente pode haver sudorese facial. Esses sintomas associados geralmente ocorrem no mesmo lado da dor, entretanto podem ser bilaterais. Síndrome de Horner parcial (semiptose palpebral e miose) pode ser observada no mesmo lado da dor durante as crises ou mesmo após as crises. Esses sintomas autonômicos remitem com a dor, embora a síndrome de Horner possa permanecer nos casos crônicos. Ao contrário da enxaqueca, os pacientes geralmente estão bastante agitados durante uma crise. Não é raro os pacientes acordarem do sono com uma crise excruciante de dor. Muitos sentem vontade de bater a cabeça na parede e outros chegam a pensar em cometer suicídio. Ingestão de bebidas alcoólicas é um potente fator desencadeante das crises, geralmente alguns minutos após a ingestão. Outros fatores desencadeantes são mudança climática, alterações da pressão atmosférica, uso de vasodilatadores (nitroglicerina) e exercícios. Esses fatores não desencadeiam crises durante os períodos de remissão. O diagnóstico diferencial inclui a hemicrânia paroxística crônica, o SUNCT, a cefaléia hípnica, a neuralgia do trigêmio e a síndrome do cluster-tic (cefaléia em salvas + neuralgia do trigêmio). A hemicrânia paroxística crônica cursa com dores semelhantes às da cefaléia em salvas, entretanto em maior número e de duração mais curta. Ao contrário da cefaléia em salvas é mais comum em mulheres. Um dos principais critérios diagnósticos é a excelente responsividade a indometacina. O SUNCT também tem crises semelhantes à cefaléia em salvas, entretanto de curtíssima duração (alguns segundos) e ocorrendo várias vezes ao dia. Infelizmente não responde a nenhum medicamento. A cefaléia hípnica é mais típica de idosos (acima de 60 anos), ocorre exclusivamente durante o sono, é geralmente bilateral e não apresenta sintomas autonômicos associados. A neuralgia do ramo oftálmico do trigêmio também pode simular cefaléia em salvas, embora ela seja muito mais incomum que as neuralgias acometendo o segundo e o terceiro ramos. Normalmente as crises são mais curtas e respondem muito bem a carbamazepina. A síndrome cluster-tic é bastante rara. Critérios diagnósticos da Cefaléia em Salvas Episódica (SIC) A. Pelo menos 5 ataques preenchendo os critérios B-D. B. Dor orbital, supra-orbital e/ou temporal unilateral severa ou muito severa durando de 15 a 180 minutos se não tratada. C. A cefaléia é acompanhada por pelo menos um dos seguintes critérios: - hiperemia conjuntival homolateral e/ou lacrimejamento - congestão nasal homolateral e/ou rinorréia - edema palpebral homolateral - sudorese facial ou da testa homolateral - miose e/ou ptose homolateral (síndrome de Horner parcial) - uma sensação de inquietação ou agitação D. Os ataques tem uma frequência de um a cada dois dias até 8 por dia. E. Os sintomas não podem se atribuídos a outras doenças. O exame neurológico é normal, exceto pela possível presença de síndrome de Horner durante as crises. Os exames complementares são normais. Exames de imagem geralmente não são necessários, a não ser que haja alterações no exame neurológico que sugiram lesão estrutural de base. Alguns autores recomendam a realização de ressonância magnética, pois algumas doenças intracranianas podem se apresentar com cefaléia e sintomas autonômicos semelhantes aos da cefaléia em salvas. Não há indicação de solicitação de eletroencefalograma. O tratamento das crises pode ser com inalação de oxigênio puro (7 a 10 litros por minuto) durante 10 a 15 minutos. A maior limitação para esse tratamento é que os pacientes precisam ser levados para um hospital. O mecanismo de ação não é conhecido, mas provavelmente está associado com redução do fluxo sanguíneo cerebral. Como as crises são de curta duração, geralmente a dor já passou quando eles conseguem chegar ao hospital. O medicamento mais eficaz no combate à crise é o sumatriptano (Sumax®) injetável (6 mg por via subcutânea). O mesmo medicamento via spray nasal na dose de 20 mg por dose também é uma opção. Alguns pacientes melhoram com lidocaína nasal em soluções de 4 a 6%. Os pacientes devem ser aconselhados a evitar os fatores desencadeantes, principalmente ingestão de álcool durante as salvas. O tratamento profilático geralmente é necessário devido à limitação dos medicamentos para combate à dor. Divide-se em prevenção de curto prazo (para pacientes com salvas curtas) e prevenção de longo prazo (para pacientes com salvas longas). Tratamentos profiláticos de curta duração podem ser feitos com corticosteróides, metisergida e ergotamina. Os corticosteróides são a primeira opção, devido a sua alta eficácia e rapidez de ação. Não devem ser utilizados por períodos superiores a 30 dias devido aos efeitos colaterais de longo prazo. A dose usual é de 1 mg/kg/dia por 5 a 10 dias com redução gradual da dose até a retirada total. A metisergida também é altamente eficaz na profilaxia das crises de salvas que duram até 6 meses. A dose inicial é de 1 mg/dia que pode ser aumentada em 1 mg a cada 3 dias. A dose máxima é de 12 mg/dia. Deve-se ter atenção para o risco de fibrose retroperitoneal, pleural e pericárdica com o uso contínuo superior a 6 meses. A ergotamina é outra opção na profilaxia das salvas de curta duração. Como as cefaléias são mais frequentes durante o sono, os ergotamínicos devem ser tomados antes de dormir. Os pacientes que estiverem usando derivados do ergot não devem tomar sumatriptano no tratamento sintomático das crises. Tratamentos profiláticos de longo prazo podem ser feitos com verapamil (Dilacoron®) e lítio (Carbolitium®). O verapamil é a droga de escolha no tratamento profilático de longo prazo. As doses podem ser elevadas e variam de 240 mg/dia a 960 mg/dia em três doses diárias. Um ECG deve ser obtido antes do início do tratamento, pois essa droga pode provocar aumento do intervalo PR e bloqueio AV. A dose inicial é de 80 mg a cada 8 horas e a dose pode ser aumentada em 80 mg a cada 2 semanas, sempre precedida de um ECG de controle. Outro efeito colateral possível é o desenvolvimento de hiperplasia gengival. O lítio é uma opção para a profilaxia crônica em pacientes que não toleram ou não podem receber verapamil. Função renal e tireoidiana devem ser testadas antes do início do tratamento. A dose inicial é de 300 mg a cada 12 horas que pode ser lentamente elevada até 600 mg a cada 12 horas. A dose de manutenção vai depender dos níveis séricos de lítio, que devem ficar na faixa superior dos níveis terapêuticos (0.5 a 1.0 mEq/L). Não se devem usar diuréticos e antiinflamatório em pacientes usando lítio. Níveis séricos acima de 1.5 mEq/L são tóxicos. Outras alternativas são o uso do ácido valpróico e do topiramato, embora não hajam estudos controlados comprando sua eficácia. Alguns relatos da eficácia da warfarina sódica (Marevan®) têm sido publicados. Nos casos refratários, alguns procedimentos cirúrgicos podem ser tentados. Termocoagulação por radiofreqüência do gânglio trigêmio e secção do nervo trigêmio aliviam a dor, entretanto a anestesia da córnea e da face pode ser muito incomoda para o paciente. Descompressão microvascular do nervo trigêmio também pode ser tentada. A injeção de glicerol na cisterna trigeminal tem resultado em alívio significante sem anestesia da face. Estudos recentes têm mostrado resultados animadores com estimulação da porção posterior do hipotálamo ipsilateral nos pacientes resistentes às outras terapias clínicas. Essa nova abordagem, caso comprovada em estudos maiores, pode ser o fim dos procedimentos cirúrgicos mais agressivos citados anteriormente. 7. HEMICRÂNIA PAROXÍSTICA A hemicrânia paroxística também é conhecida como síndrome de Sjaastad. Ela é uma variante da cefaléia em salvas, porém muito menos comum do que esta. Pode ser dividida em hemicrânia paroxística episódica e hemicrânia paroxística crônica. O mecanismo responsável pelas dores ainda é desconhecido. É mais comum em mulheres que em homens (3:1). As dores são unilaterais, sempre ocorrem no mesmo lado, geralmente na região ocular e temporal e ocorrem a qualquer hora do dia ou da noite. A freqüência dos ataques é superior à da cefaléia em salvas, ocorrendo 20 a 40 vezes por dia. As crises duram de 2 a 30 minutos. As dores podem ser desencadeadas por pressão externa ou movimentos do pescoço. Durante as crises pode ocorrer sintomas autonômicos como congestão nasal, lacrimejamento e rinorréia no mesmo lado da dor. Critérios diagnósticos da hemicrânia paroxística A. Pelo menos 20 crises preenchendo os critérios B-D B. Ataques de dor severa em região orbital, supra-orbital ou temporal unilateral com duração de 2 a 30 minutos. C. A cefaléia é acompanhada por pelo menos um dos seguintes critérios: - hiperemia conjuntival homolateral e/ou lacrimejamento. - congestão nasal homolateral e/ou rinorréia. - edema palpebral homolateral. - sudorese facial ou na testa homolateral - miose e/ou ptose homolateral D. Os ataques têm frequência superior a 5 por dia em mais da metade das vezes, embora períodos com menor frequência possam ocorrer. E. Os ataques são prevenidos completamente por doses terapêuticas de indometacina. F. Os sintomas não podem ser atribuídos a outras doenças. A hemicrânia paroxística é considerada episódica quando ocorre em períodos que duram de 7 dias a 1 ano separados por períodos livre de dor durando mais que 1 mês. Se não houver remissão ou ela for menor que 30 dias a hemicrânia paroxística é considerada crônica. A exemplo da cefaléia em salvas, pode haver associação de hemicrânia paroxística crônica com neuralgia do trigêmio, caracterizando a síndrome hemicrânia paroxística crônica-tic. O diagnóstico é clínico. Nenhum exame complementar é anormal. O tratamento de escolha é com indometacina (Indocid®). A resposta a essa droga é sensacional, sendo inclusive um dos critérios diagnósticos. Os tratamentos utilizados para cefaléia em salvas não são efetivos. A resposta imediata à indometacina é uma das principais características que diferenciam a hemicrânia paraxística crônica da cefaléia em salvas. A dose da indometacina deve ser superior a 150 mg VO ao dia, embora doses menores sejam suficientes como tratamento de manutenção (profilático). 8. SUNCT (Short-lasting Unilateral, Neuralgiform with Conjuntival Injection and Tearing). É uma condição rara com predomínio no sexo masculino e caracterizada por dor menos severa que a cefaléia em salvas, porém com importante componente autonômico (lacrimejamento e hiperemia ocular). A fisiopatologia da doença parece estar ligada à ativação hipotalâmica com posterior propagação para o sistema trigeminovascular e autonômico. A duração das dores é muito curta, geralmente alguns segundos (5 a 240 segundos). Ocorrem entre 3 e 200 ataques por dia. As dores podem ser desencadeadas por movimentos do pescoço. A diferenciação entre SUNCT e neuralgia do ramo oftálmico do trigêmio pode ser difícil. Algumas vezes os sintomas do SUNCT podem ser secundários à uma patologia intracraniana, particularmente da fossa posterior ou na região pituitária. Dessa forma, uma ressonância magnética com especial atenção para essas regiões deve ser solicitada em todos os pacientes. Uma prova terapêutica com carbamazepina (Tegretol®) pode ser importante, pois apresenta boa resposta na neuralgia do trigêmio e nenhuma resposta no SUNCT. Não há tratamento efetivo para a crise, embora alguns medicamentos tenham apresentado alguma resposta quando usados cronicamente. A lamotrigina (Lamictal®) é a droga de escolha na dose de 50 mg a cada 12 horas. Outras drogas com alguma efetividade são o topiramato (Topamax®), a gabapentina (Neurontin®) e a carbamazepina (Tegretol®). Critérios Diagnósticos do SUNCT (SIC) A. Pelo menos 20 ataques preenchendo os critérios B-D B. Ataques de dor orbital, supra-orbital ou temporal, pulsátil, unilateral e durando de 5 a 240 segundos. C. A dor é acompanhada por hiperemia conjuntival homolateral ou lacrimejamento. D. Os ataques ocorrem com frequência entre 3 a 200 por dia. E. Os sintomas não podem ser atribuídos a outras doenças. 9. CEFALÉIA PRIMÁRIA EM FACADAS A cefaléia primária em facadas era anteriormente conhecida como cefaléia do picador de gelo, oftalmodínia periódica ou “jobs and jolts”. Ela se caracteriza por dor localizada tipo facada em pacientes sem doença neurológica estrutural. As dores ocorrem de forma isolada ou em série no território de inervação do primeiro ramo do nervo trigêmio. As facadas têm duração muito curta (menos de 3 segundos) e ocorrem de uma a várias vezes por dia. A localização da dor pode variar de um momento para o outro, podendo ocorrer alternadamente em ambos os lados da cabeça. Em caso de crises acontecendo sempre no mesmo local, uma lesão estrutural deve ser descartada. A cefaléia primária em facadas ocorre em associação com enxaqueca ou cefaléia em salvas em aproximadamente 1/3 dos pacientes. A indometacina (Indocid®) em doses de 25 mg a cada 8 horas é a droga mais eficiente, embora não alivie os sintomas em todos os pacientes. Critérios Diagnósticos da Cefaléia Primária em Facadas (SIC) A. Dor tipo facada, isolada ou em série e preenchendo os critérios B-D. B. A dor ocorre exclusivamente ou predominantemente no território de inervação do nervo oftálmico (órbita, região temporal e parietal). C. As facadas duram poucos segundos e recorrem em intervalos irregulares, ocorrendo uma a várias vezes por dia. D. Não há sintomas acompanhantes. E. Os sintomas não podem ser atribuídos à outras doenças. 10.CEFALÉIA PRIMÁRIA DA TOSSE A cefaléia primária da tosse é precipitada por crises de tosse na ausência de doenças estruturais do sistema nervoso central. Ela apresenta início súbito, duração de 1 segundo a 30 minutos, é precipitada por crises de tosse ou pela manobra de valsalva (aumento da pressão intratorácica com a expiração forçada com a boca fechada) e geralmente é bilateral. As primeiras crises geralmente surgem após os 40 anos. São mais comuns no sexo masculino. Todos os pacientes com cefaléia precipitada por episódios de tosse devem ser investigados para descartar uma lesão estrutural do sistema nervoso central, que ocorre em até 40% dos pacientes. A principal doença estrutural associada com cefaléia induzida pela tosse é a malformação de Arnold-Chiari tipo 1. Outras doenças associadas são tumores, aneurismas não-rotos e doença vascular das artérias carótidas e vertebrais. Estudos de imagem da junção craniocervical e do encéfalo são recomendados em todos os pacientes. O tratamento de escolha é a indometacina (Indocid®) na dose de 25 mg a cada 8 horas. 11.CEFALÉIA PRIMÁRIA DO EXERCÍCIO Essa cefaléia é precipitada por qualquer tipo de exercício. Caracteriza-se por dor pulsátil, durando entre 5 minutos e 48 horas e sempre ocorrendo durante ou logo após a realização de um exercício físico. Os exercícios não precisam ser intensos para precipitar a dor. Elas são mais frequentes durante o calor ou em altitudes elevadas. Como ela pode mimetizar uma ruptura de aneurisma ou dissecção arterial intracraniana, estudos de imagem são obrigatórios na primeira crise. Algumas medidas não-farmacológicas podem ser tentadas para diminuir a freqüência das cefaléias: exercícios de aquecimento e aumento gradual da intensidade dos exercícios, controle do peso e da pressão arterial. O tratamento de escolha é a indometacina na dose de 25 a 50 mg antes da atividade física. Os ergotamínicos podem ser efetivos em alguns pacientes. Os pacientes com lesões estruturais devem ser tratados de acordo com a causa. Critérios Diagnósticos da Cefaléia Primária do Exercício (SIC) A. Cefaléia pulsátil preenchendo os critérios B e C. B. Duração de 5 minutos a 48 horas. C. Ocorre somente durante ou após a realização de exercícios Critérios Diagnósticos da Cefaléia Primária da Tosse (SIC) físicos. D. Os sintomas não podem ser atribuídos à outras doenças. A. Presença de cefaléia preenchendo os critério B e C. B. Início súbito, durando entre 1 segundo e 30 minutos. C. Ocorrendo somente em associação com tosse, estiramento ou manobra de Valsalva. D. Os sintomas não podem ser atribuídos a outras doenças. 12.CEFALÉIA PRIMÁRIA ASSOCIADA COM ATIVIDADE SEXUAL Tipo de cefaléia precipitada pela atividade sexual ou masturbação. Pode ser dividida em cefaléia pré-orgásmica e orgásmica. A cefaléia pré-orgásmica caracteriza-se por uma dor em peso, geralmente bilateral que vai aumentando em intensidade com o aumento da excitação. Os pacientes geralmente percebem uma contração dos músculos do pescoço ou da mandíbula. Já a cefaléia orgásmica geralmente é explosiva, de início súbito e muito severa, simulando uma ruptura de aneurisma cerebral. Ocorre no momento do orgasmo. As cefaléias primárias associadas com atividade sexual duram de 1 minuto a 3 horas e com frequência estão associadas com enxaqueca. Essas cefaléias podem ocorrer em apenas algumas ou em todas as relações sexuais. São mais frequentes em relações extraconjugais, em pacientes hipertensos e obesos. O tratamento de escolha é com indometacina (Indocid®) na dose de 25 a 50 mg uma hora antes da atividade sexual. Critérios Diagnósticos da Cefaléia Primária Associada com Excitação Sexual – Variante Pré-Orgásmica (SIC) A. Dor surda (tipo peso) na cabeça e pescoço associada com a consciência da contração de músculos do pescoço e mandíbula. B. Ocorre durante atividade sexual e aumenta com excitação sexual. C. Os sintomas não podem ser atribuídos a outras doenças. Critérios Diagnósticos da Cefaléia Primária Associada com Excitação Sexual – Variante Orgásmica (SIC) A. Cefaléia súbita severa (explosiva). B. Ocorre durante o orgasmo. C. Os sintomas não podem ser atribuídos a outras doenças. 13.CEFALÉIA HÍPNICA Essa cefaléia ocorre em pacientes acima de 50 anos e caracteriza-se por ocorrer durante o sono, acordando o paciente durante a noite. Por esse motivo, também foi chamada de cefaléia do despertador. A dor é em peso, bilateral em 2/3 dos casos e unilateral em 1/3 e de intensidade moderada a severa. Ela ocorre quase todas as noites (mais de 15 vezes por mês), dura pelo menos 15 minutos após o despertar do paciente e não apresenta sintomas ou sinais autonômicos durante a crise (ao contrário da cefaléia em salvas). Algumas crises podem ter mais de 3 horas de duração. As crises podem ocorre mais que uma vez por noite. Alguns pacientes podem apresentar náusea, fotofobia ou fonofobia isoladamente, mas nunca em conjunto. Doenças estruturais intracranianas devem ser descartadas. O tratamento profilático de escolha é com carbonato de lítio (Carbolitium®) na dose de 300 a 600 mg antes de deitar. Alternativas aos pacientes que não toleram o lítio são o verapamil (Dilacoron®) 160 mg à noite, flunarizina (Stugeron®) na dose de 5 mg antes de deitar. Essa droga deve ser usada com cuidado em idosos pelo risco de induzir parkinsonismo. Alguns relatos do benefício de cafeína antes de deitar são curiosos, entretanto o grande inconveniente dessa estratégia é a insônia provocada por dois copos de café tomados à noite. Critérios Diagnósticos da Cefaléia Hípnica (SIC) A. Dor surda (em peso) preenchendo os critérios B-D. B. Ocorrem somente durante o sono e desperta o paciente. C. Apresenta pelo menos duas das seguintes características: 1. Ocorre mais que 15 vezes por mês. 2. Dura mais que 15 minutos após o despertar. 3. A primeira crise ocorre após os 50 anos. D. Ausência de sintomas autonômicos e não mais que um dos seguintes sintomas presentes: náuseas, fonofobia e fotofobia, E. Os sintomas não podem ser atribuídos à outras doenças. 14.CEFALÉIA EM ESTAMPIDO DE TROVÃO (THUNDERCLAP) A cefaléia em estampido de trovão é uma dor severa na cabeça, de início súbito, atingindo o ápice em menos de um minuto e com duração de 1 hora a 10 dias. Embora possa recorrer nos primeiros dias, as crises não recorrem nas semanas ou meses subseqüentes à dor. A natureza catastrófica da dor obriga investigação para afastar hemorragia subaracnóide, aneurisma ou malformação vascular não-rotos, hemorragia intracraniana, trombose venosa cerebral, dissecção arterial intracraniana, apoplexia pituitária, cisto colóide do terceiro ventrículo, hipotensão liquórica e sinusite aguda em todos os casos. A tomografia computadorizada e um líquor são normais em todos os pacientes. Critérios Diagnósticos da Cefaléia em Estampido de Trovão (SIC) A. Dor severa preenchendo os critérios B-D. B. Presença de ambas as características abaixo: 1. Início súbito, atingindo intensidade máxima em menos de 1 minuto. 2. Duração de 1 hora a 10 dias. C. Não recorre regularmente 15.HEMICRÂNIA CONTÍNUA nos meses seguintes. D. Os sintomas não podem ser atribuídos à outras doenças. A hemicrânia contínua é uma cefaléia estritamente unilateral, contínua, com mais de 3 meses de duração, sem mudança de lado da cefaléia, sem períodos de acalmia, intensidade moderada com períodos de exacerbação, presença de sintomas e sinais autonômicos do lado da dor como hiperemia conjuntival, lacrimejamento, congestão nasal, rinorréia, ptose ou miose. Os pacientes respondem prontamente a baixas doses de indometacina (75 a 150 mg/dia). Critérios Diagnósticos da Hemicrânia Contínua (SIC) A. Presença de cefaléia por mais de 3 meses preenchendo os critérios B-D. B. Todas as características abaixo devem estar presentes: 1. Dor unilateral sem mudança de lado. 2. Dor diária e contínua, sem períodos de acalmia. 3. Intensidade moderada, mas com exacerbações ocasionais. C. Pelo menos um dos seguintes sintomas autonômicos ocorrem durante as exacerbações do mesmo lado da dor: 1. Injeção conjuntival e/ou lacrimejamento. 2. Congestão nasal e/ou rinorréia. 3. Ptose e/ou miose. D. Resposta completa à doses terapêuticas de indometacina. 16.CEFALÉIA NOVA DIÁRIA E PERSISTENTE Caracteriza-se por cefaléia bilateral, tipo pressão, diária e contínua de leve a moderada intensidade por mais de 3 meses de duração. A cefaléia é persistente desde o início ou após os primeiros 3 dias do seu início. A dor não é agravada por atividade física de rotina como caminhar ou subir escadas. Náuseas quando ocorrem são leves e fotofobia ou fonofobia podem ocorrer isoladamente, mas nunca em combinação. Não deve ser confundida com cefaléia tensional crônica. A diferença fundamental entre essas duas entidades é a ausência de remissão da dor desde o início ou após os primeiros 3 dias de dor na cefaléia nova diária e persistente. Não pode haver abuso de analgésicos na história ou história prévia de cefaléias. Causas secundárias de cefaléia devem ser descartadas, incluindo cefaléia por hipotensão liquórica, cefaléia pós-traumática, cefaléia causada por infecções virais (particularmente HBV), arterite temporal, meningites crônicas, hematoma subdural crônico, sinusites crônicas, trombose de seio venoso e hipertensão intracraniana benigna. Em todos os pacientes com cefaléia nova, diária e persistente está indicada uma investigação com ressonância magnética com gadolínio e análise do líquor, incluindo pressão de abertura e PCR para EBV. A dosagem do VHS e da proteína C reativa são importantes para descartar arterite temporal ou outras vasculites. Essa cefaléia pode melhorar após alguns meses sem tratamento ou se tornar refratária ao tratamento. Critérios Diagnósticos da Cefaléia Nova, Diária e Persistente (SIC) A. Cefaléia por mais de 3 meses preenchendo os critérios B-D. B. A dor é diária e não remite desde o início ou antes de 3 dias do início. C. Pelo menos duas das seguintes características da dor estão presentes: 1. Localização bilateral. 2. Dor tipo peso ou compressão (não é pulsátil). 3. Intensidade leve a moderada. 4. Não é agravada por atividade física de rotina como caminhar ou subir escadas. 17. ATRIBUÍDA TRAUMA DA CABEÇA OU PESCOÇO D.CEFALÉIA Ambos a seguir devem A estar presentes: 1. Não mais que um dos seguintes podem ocorrer: fotofobia, fonofobia ou náusea leve. 2. Náusea moderada a severa ou vômito não devem ocorrer. E. Os sintomas não podem ser atribuídos a outras doenças. Cefaléia é um sintoma muito comum após trauma de crânio ou da coluna cervical. Quando combinada com tontura, falta de concentração, ansiedade, modificações da personalidade e insônia, podemos chamar o conjunto de sintomas de síndrome póstraumática. A cefaléia pode ocorrer logo após o trauma ou muito tempo depois, quando fica muito difícil a relação de causa-efeito. O sexo feminino é mais susceptível e quanto maior a idade pior o prognóstico. Paradoxalmente, os traumas mais leves parecem estar mais associados com cefaléia e síndrome pós-traumática que os traumas mais severos. Alguns autores associam relações de litígio e busca de recompensa financeira como uma das causas da dor. Critérios Diagnósticos da Cefaléia Pós-Traumática Aguda Leve (SIC) A. Cefaléia sem características típicas preenchendo os critérios C e D. B. O trauma de crânio deve preencher todas as características abaixo: 1. Ausência de perda de consciência ou perda de menos de 30 minutos. 2. Escala de Glasgow maior que 13. 3. sintomas e/ou sinais diagnósticos de concussão. C. A cefaléia inicia dentro de 7 dias após o trauma. D. Pelo menos um dos seguintes deve estar presente: 1. A cefaléia melhora dentro de 3 meses após o trauma. 2. A cefaléia persiste, mas o trauma foi a menos de 3 meses. Critérios Diagnósticos da Cefaléia Pós-Traumática Crônica Severa (SIC) A. Cefaléia sem características típicas preenchendo os critérios C-D. B. Presença de trauma de crânio com pelo menos uma das seguintes: 1. Perda de consciência por mais de 30 minutos. 2. Escala de Glasgow menor que 13. 3. Amnésia pós-traumática por mais de 48 hs. 4. Estudo de imagem demonstrando lesão cerebral. C. A cefaléia inicia dentro de 7 dias após o trauma. D. A cefaléia persiste por mais de 3 meses após o trauma. Critérios Diagnósticos da Cefaléia Pós-Traumática Crônica Leve (SIC) A. Cefaléia sem características típicas preenchendo os critérios C-D. B. O trauma de crânio deve preencher todas as características abaixo: a. Ausência de perda de consciência ou perda de menos de 30 minutos. b. Escala de Glasgow maior que 13. c. sintomas e/ou sinais diagnósticos de concussão. C. A cefaléia inicia dentro de 7 dias após o trauma. D. A cefaléia persiste por mais de 3 meses após o trauma. Critérios Diagnósticos da Cefaléia Aguda após lesão em chicote da coluna cervical - Whiplash injury (SIC) A. Cefaléia sem características típicas preenchendo os critérios C-D. B. História de trauma em chicote da coluna associado temporalmente com a dor no pescoço. C. A cefaléia se desenvolve dentro de 7 dias após o trauma em chicote. D. Presença de pelo menos um dos seguintes: 1. A cefaléia melhora dentro de 3 meses do trauma. 2. A cefaléia persiste, mas não se passaram 3 meses desde o trauma. Obs: se a cefaléia persistir por mais de 3 meses é considerada crônica. Critérios Diagnósticos da Cefaléia Pós-Traumática Aguda Severa (SIC) A. Cefaléia sem características típicas preenchendo os critérios B-D. B. Presença de trauma de crânio com pelo menos uma das seguintes: 1. Perda de consciência por mais de 30 minutos. 2. Escala de Glasgow menor que 13. 3. Amnésia pós-traumática por mais que 48 horas. 4. Presença de uma evidência de lesão cerebral em estudo de imagem C. A cefaléia se desenvolve dentro de 7 dias após o trauma ou o retorno da consciência. D. Pelo menos um dos seguintes deve estar presente: 1. A cefaléia melhora dentro de 3 meses após o trauma. 2. A cefaléia persiste, mas o trauma foi a menos de 3 meses. Critérios Diagnósticos da Cefaléia Aguda Pós-Craniotomia (SIC) A. Cefaléia de intensidade variável, máxima na área da craniotomia, preenchendo os critérios C e D. B. Craniotomia realizada por qualquer razão, exceto trauma de crânio. C. A cefaléia se desenvolve dentro de 7 dias após a cirurgia. D. Presença de pelo menos um dos seguintes: a. A cefaléia melhora dentro de 3 meses do trauma. b. A cefaléia persiste, mas não se passaram 3 meses desde o trauma. Obs: se a cefaléia persistir por mais de 3 meses é considerada crônica. 18.NEURALGIA DO TRIGÊMIO A neuralgia do trigêmio, também conhecida com tic dolourex, foi descrita por John Fothergill em 1773. É uma das dores cranianas mais fortes e incapacitantes. Caracterizase por episódios breves de dor facial tipo choque, lancinante e geralmente unilateral. Os ataques de dor duram apenas alguns segundos, mas são muito intensos. Uma de suas principais características é a presença de gatilhos desencadeantes da dor, como estímulos cutâneos da face ou lábios, exposição ao vento, escovação dos dentes, conversação normal ou durante a mastigação. As dores ocorrem várias vezes ao dia com períodos de acalmia. Esses períodos livres de dor podem durar de dias a meses, entretanto a ansiedade e o medo de novos ataques persistem nos pacientes sofredores que aprendem cedo que recorrências são extremamente frequentes. Após um paroxismo de dor ocorre um período refratário, onde nenhuma dor pode ser desencadeada no ponto gatilho. Ela pode afetar qualquer uma das três divisões do nervo trigêmio, embora seja menos comum na divisão oftálmica. Devido ao desencadeamento de dor com o ato de escovar os dentes e de se alimentar, os pacientes acabam descuidando-se com a higiene bucal e perdem peso. O primeiro profissional que eles geralmente procuram é o dentista, pensando se tratar de dor de dente. Muitos dentes foram extraídos desnecessariamente por falta do diagnóstico correto de neuralgia do trigêmio. Alguns pacientes, quando questionados, referem um estalido no ouvido, possivelmente devido à inervação motora do músculo tensor do tímpano. Os episódios de dor da neuralgia do trigêmio geralmente são desencadeados pela compressão do nervo trigêmio por um vaso sanguíneo próximo à zona de entrada da raiz do nervo na ponte. Essa compressão provavelmente causa desmielinização das fibras das raízes do nervo trigêmio provocando um circuito anormal que provoca os paroxismos de dor. Há história familiar em aproximadamente 5% dos pacientes, geralmente com história de doença de Charcot-Marie-Tooth. A doença é mais comum em mulheres que em homens. Os idosos são os mais afetados. Muitos pacientes podem ter neuralgia trigeminal após procedimentos que lesaram o sistema trigeminal como cirurgias dentárias, otorrinolaringológicas, cirurgias da base ou da fossa posterior do crânio e traumas faciais graves. Alguns pacientes com esclerose múltipla podem ter neuralgia do trigêmio. Esses pacientes geralmente são mais jovens que a população com a forma tradicional da doença causada por compressão neurovascular. Outra característica dos pacientes com esclerose múltipla é a presença de sintomas bilaterais de neuralgia. A origem da dor nesses pacientes parece ser por desmielinização dos tratos trigeminais no tronco encefálico (ponte). O diagnóstico diferencial da neuralgia do trigêmio é extenso e inclui todas as doenças que se apresentam com dor facial. A neuralgia pós-herpética na face pode mimetizar neuralgia do trigêmio, entretanto a dor geralmente é constante, tipo queimação e associada com alodínea intensa. Existe história de herpes zoster. O segmento mais afetado do nervo trigêmio no herpes zoster é o oftálmico. O tique convulsivo apresenta-se com dor de características semelhantes à neuralgia do trigêmio, entretanto ocorrem contrações tônicas unilaterais da face concomitante à dor, semelhante ao que ocorre no espasmo hemifacial. A neuralgia do glossofaríngeo caracteriza-se por dor intensa, tipo choque na região do ouvido e da garganta. Na neuralgia geniculada as dores são semelhantes, entretanto ocorre uma dor crônica constante no ouvido. Pacientes com dor constante e sem o característico choque geralmente são considerados como portadores de dor facial atípica, uma condição frequentemente associada com distúrbio somatoforme. A dor geralmente é bilateral e com frequência ultrapassa os limites de distribuição do nervo trigêmio. Outras síndromes dolorosas como dor miofascial e fibromialgia, além de síndrome da fadiga crônica são comorbidades comuns. O exame mais importante na avaliação da neuralgia do trigêmio é a ressonância magnética do crânio. Ela é importante para descartar uma lesão estrutural comprimindo o nervo trigêmio, como um tumor ou um cavernoma. Injeção de contraste paramagnético e realização de cortes finos através do nervo trigêmio (1 mm) são fundamentais para uma boa qualidade do exame. Se a RM mostrar lesões desmielinizantes sugestivas de esclerose múltipla, uma punção lombar com análise do líquor procurando bandas oligoclonais e síntese intratecal de IgG é recomendada. A RM tem baixa sensibilidade para a detecção da compressão neurovascular. Nesses casos a angio-ressonância aumenta a sensibilidade para 90%. O objetivo do tratamento de qualquer doença é o alívio completo dos sintomas com o mínimo de efeitos colaterais. O uso de medidas clínicas sempre deve ser a primeira opção. O tratamento clínico de escolha para a neuralgia do trigêmio ainda é baseado no uso de anticonvulsivantes. A fenitoína (Hidantal®) começou a ser utilizada na década de quarenta e foi a droga mais utilizada até a década de sessenta, quando a carbamazepina (Tegretol®) passou a ser a primeira escolha, pois apresenta índices de sucesso superiores a 90%. Os principais efeitos colaterais da carbamazepina são sonolência, tontura, leucopenia, rash cutâneo, hiponatremia, elevação das enzimas hepáticas, aumento do colesterol e osteoporose. Na década de noventa, a oxcarbazepina (Trileptal®) ganhou popularidade devido à sua eficácia ser similar à da carbamazepina, porém com menos efeitos colaterais. A ultima droga anticonvulsivante a ganhar popularidade no tratamento da neuralgia do trigêmio foi a gabapentina (Neurontin®). Entretanto, ela parece ser menos efetiva que as drogas tradicionais. Seus principais efeitos colaterais são ganho de peso, sonolência e edema. Os anticonvulsivantes devem ser iniciados em doses baixas e aumento progressivo, para evitar o surgimento de efeitos colaterais severos. Outras drogas utilizadas para o tratamento da neuralgia do trigêmio, porém com menos sucesso que os anticonvulsivantes são os antidepressivos tricíclicos, baclofeno e opióides. Terapia de combinação também pode ser utilizada nos casos refratários ao uso de apenas um medicamento. Embora seja facilmente controlada com medicamentos, a neuralgia do trigêmio é com frequência uma doença progressiva. Quando o uso de medicamentos não consegue controlar a dor sem o surgimento de efeitos colaterais incapacitantes, procedimentos invasivos devem ser considerados. Um dos procedimentos realizados há mais de cem anos é a neurólise química do gânglio de Gasser com injeção de álcool ou glicerol. A substância é introduzida através de uma agulha pelo forâmen oval na base do crânio. A principal complicação desse procedimento é a possível lesão de outros pares cranianos se o agente químico for injetado no espaço subaracnóide da base do crânio. Para reduzir essa possibilidade alguns centros realizam a injeção com guia radiográfico e com uma agulha que possui um eletrodo estimulador que pode detectar a presença do gânglio de Gasser. O efeito colateral mais comum do procedimento é a anestesia sobre o território de inervação do nervo trigêmio, que muitas vezes pode ser mais incapacitante que a própria dor. Algumas vezes ocorre dor disestésica no território desnervado. O tempo de ação de um procedimento é de aproximadamente 3 anos. Esse procedimento é preferido em pacientes acima de 65 anos, com riscos cirúrgicos mais elevados. Também é o procedimento mais adequado para os pacientes com esclerose múltipla. A eletrocoagulação do gânglio de Gasser foi tentada no passado com bons resultados, porém com uma excessiva quantidade de efeitos colaterais, sobretudo disestesias pós-procedimento. Essa técnica foi aperfeiçoada substituindo-se a fonte de calor de eletricidade por radiofrequência, com diminuição da frequência de disestesias. Uma outra técnica utilizada é a indução de trauma mecânico do Gânglio de Gasser através de um catéter inserido pelo forame oval até a região do gânglio, quando um balão é inflado para comprimir o gânglio. O maior problema dessa técnica é a ocorrência de muitas complicações como bradicardia, hipotensão e fraqueza temporária dos músculos da mastigação. Como a principal causa da neuralgia do trigêmio é a presença de um vaso sanguíneo comprimindo as fibras do nervo trigêmio, Peter Jannetta teve a idéia de descomprimir o nervo cirurgicamente. Na verdade ele introduz uma esponja sintética entre o vaso e o nervo, impedindo que haja contato direto entre essas duas estruturas. Ela é um procedimento invasivo não destrutivo das fibras do nervo trigêmio. As taxas de sucesso em mãos hábeis são próximas de 95% e as taxas de recorrência dos sintomas são baixas. Ela é sem dúvida o procedimento invasivo de escolha para o tratamento da neuralgia do trigêmio, principalmente quando os pacientes tem menos de 65 anos, boa saúde e maior expectativa de vida. Como não há lesão das fibras do nervo, a incidência de anestesia e disestesias é mínima. A radiocirurgia estereotáxica é outro método que foi extensivamente pesquisado para o alívio da neuralgia do trigêmio. O procedimento é realizado com uma gammaKnife. Os índices de sucesso do procedimento e as eventuais complicações ainda estão sendo investigados, mas sem dúvida ela pode ser uma alternativa para o tratamento dos pacientes com risco inaceitável para cirurgia. 19. NEURALGIA DO GLOSSOFARÍNGEO A neuralgia do glossofaríngeo é uma doença similar à neuralgia do trigêmio que causa dor nas estruturas inervadas pelas fibras sensoriais do nervo glossofaríngeo. Os sintomas geralmente iniciam na idade adulta e os homens são mais afetados que as mulheres. Assim como na neuralgia do trigêmio pode haver um vaso anômalo comprimindo o nervo na fossa posterior. A dor ocorre na orofaringe, nas amígdalas, no 1/3 posterior da língua e no conduto auditivo. Possui caráter agudo, tipo choque elétrico e mais raramente pode ser constante e tipo queimação. As zonas gatilho também estão presentes, geralmente na garganta e são disparadas durante a mastigação ou conversação. As crises dolorosas podem ocorrer centenas de vezes ao dia e duram poucos segundos, a exemplo da neuralgia do trigêmio. Não há nenhuma anormalidade no exame neurológico. Alguns pacientes podem ter crises de síncope durante um paroxismo doloroso, geralmente devido à bradicardia vasovagal. Os exames de imagem são normais. O tratamento é semelhante ao da neuralgia do trigêmio, com anticonvulsivantes nos casos leves a moderados e descompressão microvascular nos casos refratários. 20. ARTERITE TEMPORAL A arterite temporal ou de células gigantes é uma vasculite granulomatosa das artérias temporais que afeta predominantemente pessoas acima dos 50 anos. As mulheres são mais afetadas que os homens. A cefaléia afeta as regiões temporais, tem caráter pulsátil ou em peso e pode ser uni ou bilateral. Os pacientes se queixam de dor no couro cabeludo quando penteiam o cabelo, particularmente nas regiões temporais. Dor durante a mastigação dos alimentos (claudicação da mandíbula) no contexto de cefaléia temporal é muito sugestivo de arterite temporal, pois os músculos da mastigação são vascularizados pelos ramos da artéria temporal. Sintomas constitucionais sugestivos de polimialgia reumática, tais como fadiga, dor muscular, artralgia e perda de peso podem acompanhar a cefaléia. O primeiro exame a ser solicitado em casos de suspeita de arterite temporal é a velocidade de hemossedimentação (VHS), que estará aumentada (acima de 40 mm/h) em quase todos os casos. O diagnóstico definitivo é feito apenas através da biópsia da artéria temporal. Várias amostras devem ser obtidas, pois em muitos casos a doença afeta a artéria descontinuamente. A maior complicação da arterite temporal é o envolvimento das artérias oftálmicas pela vasculite com conseqüente perda súbita da visão. Isso ocorre em mais da metade dos pacientes que não são diagnosticados e tratados a tempo. O tratamento é com prednisona (Meticorten®) 60 mg VO ao dia por 1 ou 2 anos. A dose pode ser diminuída após 3 a 6 meses caso os sintomas remitam completamente e o VHS baixe. A cefaléia costuma responder após os primeiros dias de tratamento. 21. HIPERTENSÃO INTRACRANIANA BENIGNA A hipertensão intracraniana benigna ou pseudotumor cerebral corresponde a um aumento significativo da pressão intracraniana, na maioria dos casos sem causa aparente. Em algumas situações a hipertensão intracraniana está associada com algumas condições como intoxicação por vitamina A, uso de anticoncepcionais, tetraciclina, gravidez, insuficiência cardíaca congestiva, trombose do seio venoso, meningite crônica e encefalopatia hipertensiva. As mulheres são mais afetadas que os homens e a maioria das pacientes são jovens e obesas. Os sintomas mais frequentes são cefaléia holocraniana, edema de papila e distúrbios visuais como diplopia, embaçamento visual e finalmente perda da acuidade visual se a doença não for tratada. Isso ocorre pela compressão das estruturas do nervo óptico devido à pressão aumentada nas vias ópticas. Muitas pacientes se queixam de barulhos estranhos da cabeça e que podem escutar os batimentos cardíacos. No exame físico neurológico pode haver papiledema e paralisia do VI par. Uma ressonância magnética do crânio e uma venografia por ressonância magnética devem ser realizadas em todos os pacientes com suspeita clínica dessa condição para descartar uma causa secundária estrutural, principalmente trombose de seio venoso. Mesmo na forma idiopática os ventrículos têm tamanho diminuído. A punção lombar, além de aliviar temporariamente os sintomas permite a detecção de meningites crônicas e a mensuração da pressão intracraniana para confirmar o diagnóstico. O tratamento dos casos leves é com acetazolamida (Diamox®) na dose de 250 mg VO a cada 8 horas. A furosemida (Lasix®) na dose de 40 mg VO a cada 8 horas pode ser associada. Nos casos um pouco mais severos deve-se associar prednisona (Meticorten®) na dose de 60 mg VO ao dia. Em pacientes com sintomas visuais deve-se fazer uma derivação lombo-peritoneal ou a secção da bainha do nervo óptico para tentar evitar a cegueira. Perda de peso é recomendada em todos os casos. 22. CRITÉRIOS PARA SOLICITAÇÃO DE ESTUDO DE IMAGEM EM CEFALÉIA Somente a minoria dos pacientes com cefaléia apresenta causas secundárias. Alguns sinais ou bandeiras vermelhas são tidos como razões para solicitação de exames de imagem ou investigações mais aprofundadas em pacientes com cefaléia: Cefaléia iniciando após os 50 anos de idade (tumores, arterite temporal). Cefaléia intensa de início súbito (hemorragia subaracnóide, encefalopatia hipertensiva). Aumento da freqüência e da severidade das cefaléias (tumores, outras lesões em massa). Cefaléia em pacientes com fatores de risco para HIV (linfoma primário do sistema nervoso, neurotoxoplasmose, meningite criptocócica e outras doenças oportunistas). Cefaléia em pacientes com câncer (metástases meníngeas ou parenquimatosas). Cefaléia acompanhada de febre e rigidez de nuca e confusão mental (meningites, encefalites, abscessos). Presença de secreção nasal purulenta e sinais de gripe (sinusite) Presença de hipertensão arterial (encefalopatia hipertensiva, AVC isquêmico ou hemorrágico, feocromocitoma). Presença de papiledema (tumores, neurite óptica, hipertensão intracraniana benigna). Presença de hemorragia sub-hialóide da retina (hemorragia subaracnóide). Presença de paralisia do III par (aneurisma de comunicante posterior, herniação de uncus incipiente). Ausência de reflexos fotomotor e consensual (neurite óptica). Presença de oftalmoplegia (fístula carótido-cavernosa, síndrome de Tolosa-Hunt, tumores da órbita). Presença de outros sintomas neurológicos focais como hemiparesia, afasia, ataxia, dismetria, ausência do reflexo córneo-palpebral, etc (lesões em massa). Presença de neurofibromas (tumores intracranianos da neurofibromatose) Cefaléia no contexto de trauma de crânio (hematomas, infecções). Cefaléia no contexto da gestação (trombose de seio venoso, meningioma) Qual o melhor exame de imagem a ser realizado depende de vários fatores. Se o objetivo for demonstrar a presença de sangue, a tomografia de crânio é mais indicada. Se for necessário descartar uma lesão de fossa posterior do crânio (cerebelo e tronco), a ressonância magnética é preferida. Se há necessidade de realizar o exame rapidamente, a TC é melhor. Além disso, é muito mais barata e mais facilmente disponível que a RM. 23.CRITÉRIOS CRÔNICA. DE INTERNAMENTO PARA PACIENTES COM CEFALÉIA Alguns pacientes com cefaléia crônica apresentam um curso muitas vezes refratário às medidas tradicionais de combate à dor. Esses pacientes insistem em não melhorar, apesar de todas as medidas ambulatoriais. O internamento seguido de algumas medidas hospitalares apropriadas pode aliviar o sofrimento desse grupo. Veja abaixo alguns critérios de admissão para internação: ● presença de crises severas, frequentes e irresponsivas ao tratamento com medicamentos endovenosos na sala de emergência. ● presença de náuseas e vômitos intensos, desidratação, desequilíbrio eletrolítico e prostração acompanhando as cefaléias. ● história de várias visitas ao departamento de emergência nos últimos meses. ● suspeita da presença de alguma doença grave desencadeando as cefaléias. ● presença de abuso de analgésicos quando o paciente não consegue abandonar seu uso ambulatorialmente.