Avaliação do paciente com dor crônica Dra Marta Imamura, Dra Pérola Grimberg Plapler, Dra Helena Hideko Seguti Kaziyama, Prof Dr Marcelo Riberto Desde 2003, a Comissão Conjunta de Acreditação das Organizações de Cuidados de Saúde reconhece a dor como o quinto sinal vital, juntamente com a temperatura, a respiração, o pulso e a pressão arterial (Leo et al., 2003). A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) define a dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável que está associada ou é descrita em termos de lesões teciduais (Merskey, Bogbuk, 1994). Tanto a experiência sensorial como a emocional são desagradáveis e representam a imagem simbólica de uma lesão tecidual que deve ser reparada. Quando a dor é aguda, desempenha papel biológico importante, como sinal de alerta para a defesa do indivíduo, determinando respostas motoras que previnem a piora da lesão ou favorecem a sua cura, como, por exemplo, a proteção de um membro machucado. Há uma correlação direta entre o estímulo nociceptivo e a intensidade da queixa dolorosa, ou seja, quando removida a causa da lesão, ocorre a redução do sintoma. Já a dor crônica é definida como a que persiste além do período habitual de resolução da lesão. Em virtude da prolongada duração, geramente é incapacitante e pode gerar sofrimento acentuado. Pode estar relacionada a mudanças neurofisiológicas do processamento do estímulo doloroso, a erros de diagnóstico e a alguns comportamentos relacionados à dor. Na dor crônica não há, necessariamente, proporcionalidade direta entre o estímulo nociceptivo que causou a lesão e a intensidade da manifestação dolorosa. Nesta condição, o sistema nervoso periférico e o central encontram-se em hiperatividade. Desde modo, além do estímulo doloroso nociceptivo, há na dor crônica os aspectos do sofrimento e do comportamento doloroso, que se acentuam frente a problemas de relacionamento, emocionais ou sociais. A determinação do tipo de dor é muito importante, pois as estratégias terapêuticas da dor aguda e da dor causada pelo câncer, por exemplo, são bastante diferentes da dor crônica originada por doenças benignas. Devemos determinar, portanto, se a dor é aguda ou crônica, e quando crônica, se é resultado de uma lesão orgânica (por exemplo, câncer) ou por uma alteração funcional (por exemplo, dor musculoesquelética). Existem quatro mecanismos fisiopatológicos distintos para a dor crônica, independente dos fatores etiológicos: • Dor pelo aumento da nocicepção: traumatismos, infecção, necrose, infecção, tumores • Dor por redução da ação do sistema supressor da dor: qualquer lesão na via aferente sensitiva dolorosa, desde o nociceptor até o córtex somato-sensitivo: amputações, lesão no nervo periférico pelo traumatismo, lesão na medula espinal, acidente vascular no tálamo • Os dois mecanismos prévios ao mesmo tempo • Nenhum dos dois mecanismos prévios: dor psicogênica São exemplos de condições clínicas que podem evoluir com dor crônica do tipo neuropático (dor iniciada ou causada por lesão primária ou disfunção do sistema nervoso): amputados, doentes com seqüela de acidente vascular encefálico (AVE), lesão medular, lesão nervosa periférica. Doentes com hanseníase podem ser tomados como exemplo. Eles podem apresentar hipoestesia (diminuição da sensibilidade aos estímulos específicos) ou anestesia (ausência de todos os tipos de sensibilidade) e podem ter dor neuropática crônica incapacitante. As principais características da dor neuropática são o tipo de dor em queimor, choque, latejamento ou paroxismos de dor, que ocorrem em locais com alterações da sensibilidade. As mais comuns são a alodínea (sensação de dor como resposta a estímulos que em princípio não deveriam gerá-la.), a hiperalgesia (sensibilidade exagerada à dor) e a hiperpatia (percepção exagerada a estímulos, especialmente os repetidos, que são sentidos como dolorosos ou desagradáveis). Na dor crônica incapacitante, a avaliação médica deve incluir o exame físico geral e os exames dos aparelhos neurológico e musculoesquelético. Inclui ainda os resultados laboratoriais, radiográficos e os funcionais. A avaliação psicológica dos doentes permite a detecção da depressão, da ansiedade e da hipocondríase. Essas tarefas são realizadas mais facilmente dentro de um programa multidisciplinar / interdisciplinar* de dor, particularmente para aqueles pacientes que já recorreram a todos os recursos de atendimento de saúde. * Multidisciplinaridade: a multidisciplinaridade na medicina ocorre com a formação de equipes variadas para o tratamento do paciente. É comum, inclusive, a inserção de profissionais que não sejam médicos, como nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e fonoaudiólogos. O trabalho em equipes multiprofissionais é mais freqüente no tratamento de doenças metabólicas, como obesidade e diabetes, osteomusculares e imunológicas, hipertensão arterial, cardiopatias em geral, câncer e disfagias. No entanto, ela deve ser considerada em qualquer tipo de doença. O procedimento interdisciplinar reflete uma preocupação maior com a saúde integral do indivíduo e resulta num tratamento mais eficaz. Por mais que um especialista entenda de outras áreas, ele nunca será eficiente em todas elas. Com o trabalho em equipe, cada um fica responsável por uma parte do tratamento. Os cuidados com o paciente são mais intensivos e, conseqüentemente, os resultados são mais rápidos. Em alguns casos, a legislação médica exige, inclusive, a atuação multiprofissional, como ocorre na nutrição enteral e parenteral. Uma boa metáfora seria a salada como multidisciplinaridade, em que todos participam para formar o todo, mas ocorre menos interação. A interdisciplinaridade seria um ensopado onde ocorre muita interação, influenciando as ações individuais em direção ao objetivo comum. Esta é uma característica muito marcante da especialidade Medicina Física e Reabllitação A avaliação inicial em pacientes com dor crônica é portanto complexa e deve incluir a quantificação da magnitude e da natureza da dor, repercussões presentes e pregressas e os resultados das suas implicações. Só assim podemos efetivamente tratar cada paciente de forma individualizada, valorizando todos os aspectos que o levaram a esta situação. A anamnese deve relacionar: - os aspectos cronológicos da dor (instalação e desenvolvimento) - o estado atual e pregresso da condição dolorosa - a intensidade - a natureza - a localização - o ritmo - a periodicidade - as características sensitivas da dor ou sensações associadas - os fatores predisponentes - os fatores desencadeantes de melhora e de piora - se existe correlação com fatores meteorológicos - se existe correlação ciclos menstruais - se existe correlação com atividades físicas - se existe correlação com o repouso e com os aspectos psicossociais. Os dados coletados é que vão sugerir se a dor é predominantemente orgânica ou funcional, nociceptiva ou por deaferentação. Reabilitação na dor crônica O reconhecimento do tipo fisiopatológico da dor é fundamental para a adequada reabilitação do doente, já que o tratamento da dor é totalmente diferente em cada situação. O tratamento ideal é sempre a remoção do fator causal. Entretanto, nos casos de dor crônica, muitas vezes, isto não é possível. Os objetivos da equipe interprofissional que atende os doentes com dor crônica são: - O controle dos sintomas - a modificação do valor simbólico da dor - a normalização ou restauração dos componentes físicos, psíquicos e sociais dos doentes - a maximização dos potenciais remanescentes - a prevenção da deterioração das condições físicas e psíquicas - o desenvolvimento da autoconfiança - o encorajamento para a execução das atividades - a eliminação do medo de que novas lesões possam se instalar - a correção dos desajustamentos familiares, sociais e profissionais que contribuem para o sofrimento e incapacidade - o uso criterioso de medicamentos - a independência dos doentes quanto ao sistema de saúde A medicina física faz uso de procedimentos que modificam a biologia dos tecidos por mecanismos diretos ou reflexos, aceleram ou facilitam a administração de fármacos por via parenteral, auxiliam a normalizar as funções, a perceber detalhes do esquema corporal e seu funcionamento, ou a adaptar o indivíduo com incapacidades às novas realidades, ou a resgatar habilidades ou a possibilitar reintegração profissional e social dos doentes. As intervenções fisiátricas contribuem também para a restauração e a melhora do desempenho funcional das estruturas comprometidas. Possibilitam a profilaxia das complicações relacionadas ao aparelho locomotor, tegumentar e visceral. A reabilitação visa a melhora da qualidade de vida, da readaptação e a reabilitação social e profissional e não apenas o alívio da dor. O enfoque interdisciplinar é fundamental para promover a reintegração social dos doentes com dor crônica. Referências bibliográficas: Leo RJ, Pristach CA , Streltzer J. Incorporating pain management training into the psychiatry residency curriculum. Acad Psychiatry 2003,27(1):1-11. Merskey H, Bogduk N, editors. Classification of Chronic Pain. International Association for the Study of Pain (IASP). Seattle : IASP press, 1994. Teixiera MJ - Dor crônica. In: Nitrini R (ed), Condutas em Neurologia 1989-1990. São Paulo, Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 1989, pp.143-148. Woolf CJ, Salter MW. Neural plasticity: increasing the gain in pain. Science 2000;288(5472):1765-9. Woolf CJ. Pain: Moving from Symptom Control toward Mechanism –Specific Pharmacologic Management. Ann Intern Med 2004;140: 441-51. Questões – Dor crônica Incapacitante Nome: 1) Assinale a alternativa correta com relação à dor aguda e crônica: a. Dor aguda – crise de artrite de um paciente com artrite reumatóide. b. Dor crônica – epicondilite lateral instalada após uma partida de tênis c. A dor aguda causada por fratura de estresse do 5º metatarso só causa sofrimento e não tem função de proteção d. As pessoas com sintomas mais intensos de dor no joelho associados a osteoartrose têm alterações anatômicas mais graves e. Na dor aguda o sintoma persiste após a cura da lesão tecidual. 2) Um rapaz de 24 anos, canhoto, frentista, sofreu fratura do úmero esquerdo após uma queda ao andar de skate. Ele também teve lesão do nervo radial, caracterizada por insuficiência dos músculos extensores do punho e dedos (mão caída). A fratura foi estabilizada por osteossíntese, mas desde então o paciente evoluiu com dor no território do nervo radial, em queimor, formigamento e choques, associada à dormência e frio: a. O exame físico que revela dificuldade na extensão de punho e dedos, redução da sensibilidade ao toque leve ou estímulo doloroso com agulha no território o nervo radial, e resposta exagerada ao estímulo tátil e doloroso repetido sugere componente de dor neuropática b. As articulações e músculos do membro superior nem precisam ser examinados, pois a dor é neuropática c. Dor se tratar de um caso de fratura, este caso não evoluirá como dor crônica. d. O tratamento sintomático da dor deve restringir-se apenas ao tratamento da fratura do umero. e. Não há necessidade da avaliação interdisciplinar neste caso. 3. Uma senhora de 72 anos de idade, dextra tem história de fratura do rádio direito, traumática há 3 meses. Retirou o gesso após consolidação da fratura e foi encaminhada para a fisioterapia. Apesar do tratamento da fratura, a dor persiste limitando a movimentação do punho e dos dedos da mão direita. A dor é de forte intensidade, espontânea e piora ao toque local. Tem edema, sudorese e alteração na coloração da mão. A dor é em queimor, latejamento, ou peso e paroxismos de choque, constante e de forte intensidade que a impede de dormir. Antecedente pessoal tem diabete insulina dependente , hipotireoidismo. Faz acompanhamento médico e está sob controle. Queixa-se também de formigamento e diminuição da sensibilidade táctil e dolorosa na ponta dos três primeiros dedos das mãos e piora à noite. a. A dor da paciente é da seqüela de fratura do punho. b. A dor em queimor, formigamento, aumento da sensibilidade táctil e dolorosa nos três dedos da mão bilateral e acompanhada de amiotrofia dos músculos região tenar da mão. É uma dor crônica neuropática. c. O edema, sudorese e alterações na coloração na mão e no punho indicam acometimento vascular do punho. d. A limitação nos movimentos de flexão e extensão do punho e dos dedos da mão direita não vai interferir nas atividades de vida diária. e. A dor é psicogênica já que a fratura está consolidada e tende a melhorar espontaneamente 4. Na lesão da medula espinal, a dor é predominantemente do tipo: a. Desaferentação b. Psicogênica c. Visceral d. Muscular e. Mista 5. Faça a correlação mais adequada a. Dor crônica – epicondilite lateral instalada após uma partida de tênis b. A dor aguda causada por fratura de estresse do 5º metatarso só causa sofrimento e não tem função de proteção c. As pessoas com sintomas mais intensos de dor no joelho associados a osteoartrose têm alterações anatômicas mais graves d. Na dor aguda o sintoma persiste após a cura da lesão tecidual. e. nenhuma das anteriores 6. Assinale a alternativa correta: A dor do tipo neuropática pode estar presente nos casos de: a. Acidente vascular cerebral b. Diabetes mellitus c. Hanseníase d. Amputados e. Todas as anteriores