O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica Resumo Com vistas ao debate acerca do possível papel da filosofia na formação das novas gerações, o texto situa o campo de estudos da filosofia compreendendo‐o como o do diálogo, com a sua tradição, acerca da condição humana e das possibilidades de instauração de modos razoáveis de ser e de interagir. Na busca de um parâmetro de razoabilidade distingue as tradições do pensamento metafísico e do pensamento não mais metafísico. Na esteira desta última, sugere um modo de filosofar que assume o caráter propositivo de tudo o que apresenta como possível via de encaminhamento das questões do mundo humano. Assim, para a vida em sociedade, e também para a educação das novas gerações, é preciso definir em quais verdades se acredita e sob quais regras se pretende assentar as relações de reciprocidade. Ao assumir esse entendimento acerca do filosofar, o texto apresenta a racionalidade comunicativa de Jürgen Habermas como possível referência paradigmática para pensar o ensino de filosofia, considerando o seu potencial de abertura para o diálogo entre as gerações acerca das questões fundamentais do mundo humano comum. Palavras‐chave: Ensino de Filosofia; Filosofia; Racionalidade Comunicativa; Habermas. José Pedro Boufleuer UNIJUÍ [email protected] Odair Neitzel Universidade Federal da Fronteira Sul [email protected] X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.1 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel Introdução A pretensão deste texto é apresentar algumas reflexões que possam oferecer contribuições ao debate quanto ao possível papel da filosofia no processo formativo das novas gerações. De fato, sua presença no currículo do Ensino Médio no Brasil enseja uma tematização acerca da sua especificidade temática como área de conhecimento e da sua relação com a intencionalidade formativa da educação escolar, permitindo visualizar um possível lugar desta disciplina no âmbito do currículo escolar. De outra parte, pretendemos sinalizar, de alguma forma, para tudo aquilo que se põe no horizonte do operar pedagógico do filósofo‐professor quando este pisa em uma sala de aula. Ou seja, para tudo o que se põe em jogo, para as problemáticas e para o que precisa ser considerado quando o professor se propõe a ensinar. Enfim, qual o seu papel, quem são os seus interlocutores e quais as abordagens que marcam a especificidade do seu fazer. A proposta, aqui, é pensar essas questões sob a inspiração do que se convencionou chamar de paradigma da racionalidade comunicativa e que, em nosso entender, se apresenta como um modo de filosofar já não mais metafísico. Faremos isso a partir do que podemos entender como sendo a questão da filosofia em perspectiva ampla, considerando o que é propriamente fundante na tematização filosófica ocidental, e que gira em torno da pergunta de como organizar um mundo comum, haja vista que o modo humano de ser não é nato e que, por isso, necessita ser estabelecido. Em outros termos, o fato de os homens não mais serem determinados pelos instintos lhes põe a tarefa de produzir um entendimento de como tornar a vida coletiva o mais razoável possível. Emerge com essa questão o tema central de toda a filosofia ocidental: o da racionalidade. A partir dessa questão põe‐se propriamente o tema do conhecimento, envolvendo, por sua vez, as relações dos indivíduos entre si e destes com a natureza. Situado, assim, o núcleo fundante da tematização filosófica, interpretado, por sua vez, na perspectiva de uma racionalidade comunicativa, acreditamos poder pensar tanto a questão central da formação humana como a possível contribuição do conhecimento filosófico na educação escolar. Com esse percurso investigativo‐argumentativo pensamos oferecer algumas indicações para as questões acima enunciadas que envolvem o ensino de filosofia. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.2 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel O campo de estudos da filosofia Iniciemos perguntando o que é filosofia e, por extensão, do que trata a filosofia. Mas não é intenção aqui recorrer aos manuais de filosofia para saber de quantos modos essa pergunta já foi ou pode ser respondida. Mesmo que esse exercício, obviamente, pudesse ser realizado. A intenção, aqui, é responder a essa questão através de um raciocínio, que embora possa parecer simplificado, não deixa de ir ao ponto que julgamos central. Valemo‐nos, para isso, daquilo que se conta a respeito de outra área do conhecimento, a economia. Diz‐se que um grupo de economistas, reunidos em congresso, se propôs a elaborar um conceito geral que expressasse o que é economia. Passados vários dias de discussões, o grupo teria, enfim, chegado à seguinte conclusão: economia é aquilo do que se ocupam os economistas. Mesmo sendo contado como uma piada, ou talvez como forma de ridicularizar o que teria sido o esforço em vão desse grupo de congressistas, a conclusão evidencia algo de importante, no caso, de que não há um conceito, a priori e essencial, do que seja economia, embora, de fato, e objetivamente, haja um quefazer dos que vêm se intitulando economistas. No caso da filosofia certamente não aconteceria algo muito diferente. Se reuníssemos um grupo de filósofos para definir o que é filosofia teríamos, possivelmente, tantas respostas quantos fossem os filósofos reunidos. E a conclusão a que se chegaria, muito provavelmente, seria de que filosofia é aquilo do que se ocupam os filósofos... Ou seja, também aqui não parece fazer sentido buscar algo como uma essencialidade do filosofar. Essencialidade, aliás, que inexiste em qualquer área do conhecimento. Para existir, ao modo de um dado em si, como pretendia a metafísica clássica, o conhecimento deveria “brotar” da realidade e apresentar‐se como que à revelia dos sujeitos cognoscentes. A filosofia moderna, a começar por Kant, foi desfazendo essa percepção, de modo que hoje sabemos que todo conhecimento resulta de um “botar‐se” do homem no mundo, com suas condições e/ou como intérprete, com o que ele sempre traz a marca do humano, sendo, a rigor, uma criação sua. Dizer que todas as áreas do conhecimento são criações humanas, porém, não quer dizer que elas são irrelevantes, que carecem de objetividade, ou que a seu respeito se pode dizer ou ensinar qualquer coisa. É exatamente pelo fato de os conhecimentos serem X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.3 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel talhados ao nosso modo de ver as coisas, ao nosso modo de percebê‐los em seu alcance ou significado, que temos a configuração do mundo humano que, enfim, é tudo o que temos. Não há outro mundo senão este que erigimos através das objetivações simbólicas concernentes aos nossos modos de ser e de interagir com os outros e com o meio. Dito de outro modo, o mundo é aquilo que se apresenta como algo para nós, como âmbito acessível à reflexividade e horizonte de possibilidades, num desafio constante à liberdade e ao risco das escolhas. Voltando à filosofia, e já sem as ilusões de encontrar aí uma objetividade essencial, de que forma poderíamos falar do quefazer dos filósofos? Seria possível dizer algo sobre essa área do saber sem deixar a entender que aí vale dizer qualquer coisa, ou que se trata de um âmbito de livre criação de cada respectivo professor? Em que sentido, portanto, poderíamos falar de filosofia como um campo temático próprio, com abordagem específica, passível de justificação como disciplina a compor o currículo da Educação Básica? É nesse sentido que se põem os esforços a seguir. Ao longo dos tempos, pelo menos desde os gregos, sempre houve os que se entenderam como filósofos ou que foram considerados como tais. Assim, não parece pairar dúvidas de que Heráclito, Platão, Descartes, Kant, Heidegger, por exemplo, foram filósofos. E há, também, nos dias de hoje e entre nós os que se apresentam ou são considerados filósofos, como Apel, Tugendhat, Honneth, Morin, Stein, entre outros. E com o que se ocupam os filósofos e que poderíamos, então, chamar de filosofia? A resposta que acreditamos mais ou menos evidente é a de que os filósofos são os que dialogam com a tradição que se tem chamado de filosofia, pois não parece existir filósofo que seja capaz de dispensar esse diálogo com outros também considerados filósofos. A pergunta óbvia que se põe diante desse raciocínio aparentemente circular é sobre o que tem tratado esse diálogo. Parece evidente, mais uma vez, que um diálogo só é possível se há temas em comum. E quais seriam esses temas? Arriscamos aqui dizer que se trata de um diálogo em torno das questões do mundo humano. Mundo esse que já tem um tempo... Que não está e nunca estará sendo iniciado por qualquer que seja a geração de humanos. Os primórdios do mundo humano podemos até imaginar, conjeturando, por exemplo, acerca do que teria estado em sua base fundacional, mas não X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.4 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel há como trazer argumentos factuais relativos à sua emergência. Já a filosofia, em função de registros que dispomos, e que remontam há aproximadamente três milênios, parece consistir num esforço em tornar reflexiva essa experiência do mundo humano. Uma reflexividade que inicia pelos limites e possibilidades do conhecimento humano, cuja consciência possibilitaria a instauração de modos de ser e de interagir em níveis de maior razoabilidade, haja vista que esses modos, para nós humanos, não se encontram previamente determinados. A indeterminação do modo humano de ser faz com que o diálogo sobre quem somos e sobre o que podemos aspirar se torne uma questão que não se resolve “de vez”, mantendo‐se como abertura fundamental para a consideração à luz das sempre novas circunstâncias de cada época e para as diferentes possibilidades de compreensão dos indivíduos e grupos. Assim, mesmo que a tematização da condição humana possa ser entendida como a questão que perpassa o diálogo filosófico, os modos de se fazer isso vão mudando ao longo dos séculos, configurando o que se pode chamar de um diálogo sempre situado na história da humanidade. Com isso, duas coisas parecem ter ficado bastante claras até aqui. A primeira é a de que filosofia só pode chamar‐se como tal enquanto reflexão que dialoga com a tradição do pensamento filosófico. Podem‐se, inclusive, contrapor posições de autores e concepções que compõem a tradição da filosofia, como frequentemente ocorre, mas não se pode prescindir, ignorando, do que nessa tradição já se produziu. Assim como também nos demais campos de conhecimento, ninguém vai começar da estaca zero, como que “descobrindo a roda”. É da condição humana sempre contar, mesmo que de forma nem sempre consciente, com as experiências dos que nos antecederam. A segunda coisa que nos parece ter ficado clara é a de que filosofia, em sentido bem amplo, se ocupa da condição humana e das possibilidades de estabelecer um modo de ser e de interagir passível de ser predicado de razoável. Embora essa noção remeta ao tema da racionalidade, não se trata aqui de referência a qualquer modo específico de como se estabeleceu sua compreensão ao longo dos séculos, mas de uma referência antropológica, ou seja, como indicativo de um modo especificamente humano de ser X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.5 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel enquanto necessitado de fazer‐se, já que não de todo determinado pela sua constituição biológica. Ainda no que se refere à busca de um modo razoável de ser e interagir, a segunda coisa que nos pareceu evidente até aqui, pode‐se visualizar, sob esse âmbito, uma espécie de “divisor de águas”: ou essa busca se faz na perspectiva de se encontrar uma resposta em definitivo e que permitiria, por assim dizer, encerrar essa busca; ou essa busca se vislumbra e se entende ao modo de uma proposição que resulta de um determinado modo de compreensão do humano, necessitando, por sua vez, de justificação na perspectiva de que se torne reconhecida como válida. Grosso modo, esse divisor de águas se refere ao que podemos entender por pensamento metafísico e pensamento não mais metafísico. Enquanto que no primeiro modo a solução é entendida como dada “de vez”, seja como revelação ou como descoberta, no segundo modo a solução é entendida como construída no tempo histórico e passível de revisão. Enquanto que a primeira, em função do seu estatuto metafísico, permitiria uma aplicação à revelia dos sujeitos históricos, a segunda, em função do seu estatuto de mera proposição, depende sempre da consideração das perspectivas dos sujeitos envolvidos em sua aplicação. Tendo chegado a esse ponto somos obrigados a dizer que o caráter das considerações relativas aos vínculos entre a filosofia e a formação humana, com implicações para a formação escolar, depende de que lado nos pomos ante o “divisor de águas” acima referido. Mesmo que possamos dizer que o conjunto da filosofia se ocupa da condição humana, a indicação de suas possíveis contribuições na formação das novas gerações, pela mediação da docência em espaços de ensino formal, dependerá da percepção do seu estatuto. E nesse sentido podemos dizer que no tempo histórico atual, e no que se expressa através das produções e pelos autores mais reconhecidos, a filosofia hoje se compreende como não mais metafísica, isto é, como proposição. Trata‐se do reconhecimento de que estamos todos num mesmo barco, como que à deriva, sem que ninguém saiba melhor, e antes de todos, para qual direção seguir. Diante dessa percepção assume‐se, então, o desafio de um acerto de perspectivas com todos os envolvidos. Nesse pensar não mais metafísico reconhece‐se a nossa condição de seres que vivem num mundo finito, em que X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.6 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel os padrões de verdade devem ser construídos em perspectiva imanente, o que os torna precários e sempre provisórios (STEIN, 1996, p. 32). E para podermos viver em sociedade, bem como para educarmos as novas gerações, precisamos definir, por nossa conta e risco, em quais verdades vamos acreditar e sob quais regras pretendemos assentar nossas relações de reciprocidade. Contrapõe‐se a perspectiva não mais metafísica a todo e qualquer tipo de tematização filosófica que pressupõe sentidos previamente postos, ou fins que se impusessem à revelia dos sujeitos históricos e de suas percepções, dos quais algum princípio de razoabilidade ou de “razão do mundo” pudesse emanar. Um possível modelo de racionalidade passível de acolhimento, nessa perspectiva não mais metafísica, deverá assentar‐se nas condições do processo em que se fazem as escolhas relativas à configuração do mundo humano. Em outros termos, a razão admissível já não poderá ser teleológica, e, sim, processual. É em função de todas essas questões até aqui refletidas que entendemos fecundo pensar o ensino de filosofia no currículo da Educação Básica na ótica do que se tem chamado de paradigma da racionalidade comunicativa, enquanto modo de filosofar que busca seus critérios de razoabilidade nos processos de entendimento linguístico de que lançam mão os homens ao construírem seu mundo humano comum. Figura de destaque desse paradigma filosófico é Jürgen Habermas1. A racionalidade comunicativa como paradigma de pensamento filosófico Habermas propõe um novo critério de orientação para os modos humanos de ser, de agir e de interagir (com os outros e com a natureza) ao interpretar a razão humana como capacidade de construir entendimentos compartilhados, construídos e legitimados em processos intersubjetivos de argumentação. Trata‐se da racionalidade comunicativa que, na perspectiva do seu projeto filosófico, resulta em parâmetro que permite 1 Jürgen Habermas (1929), filósofo e sociólogo alemão, filiado à tradição da teoria crítica, é autor da Teoria da Ação Comunicativa, obra em que apresenta a concepção de racionalidade comunicativa sustentada na ação orientada ao entendimento e ao consenso, configurando um modelo de razão que, segundo o autor, é capaz de resgatar o potencial emancipatória do agir humano, esgotado no modelo moderno de racionalidade instrumental. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.7 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel sustentar uma teoria crítica da sociedade, capaz de identificar as patologias do mundo humano contemporâneo2. Seja como reflexão crítica ou como modo de orientação pautado na construção de entendimentos, a racionalidade comunicativa pode inspirar, a nosso ver, modos de abordagem da filosofia em contextos de ensino. Para avançar nessa direção, porém, é preciso sustentar com mais detalhes a perspectiva da racionalidade comunicativa como modo de situar a filosofia e o seu quefazer. A razão comunicativa é elaborada por Jürgen Habermas em sua obra Teoria da Ação Comunicativa (1987), em que dialoga com pensadores das mais diferentes correntes de pensamento filosófico, sociológico, psicológico, entre outras. Esse exercício de interlocução denota, por si só, uma disposição dialógica com pretensões de ampliação dos horizontes daquilo que consideramos como racional, resultando em nova perspectiva de se situar diante do saber e do exercício filosófico. A concepção de uma racionalidade pautada na comunicação e no discurso argumentativo é apresentada como alternativa frente ao esgotamento da razão cognitivo‐instrumental e de sua incapacidade de levar adiante o projeto moderno de esclarecer e emancipar os homens. Enquanto que no modelo da razão cognitivo‐ instrumental o paradigmático é “a relação de um sujeito solitário com algo no mundo objetivo, que pode ser representado e manipulado”, no modelo de uma racionalidade comunicativa o paradigmático é “a relação intersubjetiva que estabelecem os sujeitos capazes de linguagem e ação quando se entendem entre si sobre algo” (HABERMAS, 1987, v. 1, p. 499). Habermas visualiza na racionalidade comunicativa um modo de coordenação dessas interações capaz de preservar a condição de autonomia dos sujeitos na configuração de sua vida coletiva. Uma autonomia já não pautada no solipsismo ou na autorreferência dos próprios sujeitos, como proposto pela moderna filosofia da 2 É importante observar que a noção de crítica adquire sentidos distintos no pensar metafísico e no pensar pós‐metafísico. Para o primeiro sempre significa a sinalização de algo que tenha se desviado do padrão original ou essencial, enquanto que para o segundo aparece como identificação de traços resultantes das opções ou proposições feitas ou assumidas. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.8 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel consciência, mas nos laços intersubjetivos que articulam os sujeitos no processo de constituição desse mundo humano. Conforme Habermas, O conceito de ação comunicativa se refere à interação de pelo menos dois sujeitos capazes de linguagem e de ação que (seja com meios verbais ou extraverbais) estabeleçam uma relação interpessoal. Os atores buscam entender‐se sobre uma situação de ação para poder assim coordenar de comum acordo seus planos de ação e com isso suas ações (1987, v. 1, p. 124). Dessa forma, sob o pressuposto de um pensar já não mais metafísico, a racionalidade comunicativa é proposta como possível parâmetro para a coordenação das interações que constituem o mundo humano comum. Parâmetro esse que emerge do próprio modo de a linguagem estruturar‐se com vistas ao entendimento, qualificando‐se, assim, como “fato da razão” (HABERMAS, 1989a, p. 418). Assim, consideram‐se racionais aqueles que são capazes de fazer afirmações fundamentadas e justificar tais proposições perante o crivo da argumentação crítica. “Ser racional significa ser capaz de apresentar justificativas razoáveis, agregar argumentos aceitáveis, que se configurem em motivos suficientemente fortes, enquanto boas razões, para suportar a crítica que se faz presente no embate argumentativo” (BOLZAN, 2005, p. 85). O projeto habermasiano tem como uma de suas bases a guinada linguístico‐ pragmática no âmbito da filosofia, que permite a visualização da linguagem não como instrumento de que lançam mão os comunicantes, mas como médium em que esses se constituem e se revelam em suas motivações que podemos chamar de racionais. Revela‐ se, assim, a dimensão de uma razão que já não se identifica com o operar de um sujeito monológico, mas com o operar intersubjetivo que se expressa pelo diálogo argumentativo, permitindo pensar a coordenação das ações sociais em suas possíveis motivações intersubjetivas ou como resultado de acordos estabelecidos entre as partes envolvidas. Habermas considera a linguagem o lócus em que os homens expressam níveis de maior ou menor racionalidade (razoabilidade) no enfrentamento de sua condição de espécie sem sentido posto. Isso significa compreender a linguagem como “marca antropológica por excelência” (ARAGÃO, 1992, p. 51), acontecimento humano primeiro e fundante de tudo o que possa ser considerado humano. Em termos filosóficos isso X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.9 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel significa subscrever uma compreensão de “filosofia primeira” em que a linguagem efetivamente assume a preponderância na constituição do modo especificamente humano de ser3. Essa tomada de consciência acerca do papel fundamental da linguagem na constituição da vida humana vem ocorrendo não só no campo da filosofia, mas também em outras frentes de reflexão que se ocupam com os fenômenos da cultura, da sociedade e das formas de subjetivação. Tais fenômenos passam a ser compreendidos, então, a partir do pressuposto de que em sua lógica estruturante se encontram indivíduos cuja espécie desenvolveu uma competência linguística. Para todos os efeitos, “é preciso considerar que somos seres linguísticos e comunicativos, que nos movemos na linguagem. Não temos a possibilidade, segundo Habermas, de saltar fora do círculo mágico da linguagem” (NEITZEL, 2009, p. 29). É a virada linguística no campo da filosofia que permite, por sua vez, a sustentação de um conceito de racionalidade comunicativa nos termos propostos por Habermas. A potencialidade estruturante da linguagem, tanto ao nível dos indivíduos como ao nível da coletividade humana, só é possível de ser verificada a partir das teorias pragmáticas, que consideram a linguagem sob o ponto de vista de seu emprego em contextos comunicativos e não apenas sob o ponto de vista linguístico e semântico. Isso porque na perspectiva das teorias pragmáticas já não interessam apenas as relações entre linguagem e mundo, mas, e especialmente, as relações que se estabelecem entre os sujeitos quando a linguagem é usada para referir‐se ao mundo, o que equivale ao uso comunicativo da linguagem, presente em contextos de diálogo. Numa comunidade de agir comunicativo Habermas identifica diferentes tipos de argumentação e discursos em que os sujeitos se comportam de modo racional ao se expressarem sobre saberes ao mesmo tempo em que vão justificando suas motivações implícitas. Esses discursos podem se ocupar de configurações diferentes do mundo. 3 É exatamente o estabelecimento de um parâmetro de razoabilidade no interior do operar da linguagem que indica a assunção de um pensar pós‐metafísico, considerando que a metafísica se caracteriza exatamente pela crença de que as questões do mundo humano possam ser resolvidas em algum âmbito fora da linguagem, do que advém, também, a crença de que o homem pudesse ter emergido por força de algum dinamismo fora da linguagem. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.10 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel Assim, no discurso teórico, que se ocupa do mundo objetivo dos fatos constatáveis que podem ser verdadeiros ou não, revelam‐se racionais as pessoas que no âmbito cognitivo‐ instrumental expressam opiniões fundamentadas e agem eficientemente. Já no discurso prático, que se ocupa do mundo social das normas e solidariedades, e que podem ser predicadas de justas ou não, revelam‐se racionais as pessoas capazes de justificar suas proposições recorrendo às normas consensuais vigentes. Por fim, o próprio discurso explicativo liga‐se a argumentações com pretensões de manifestação linguística de acordo com as regras gramaticais vigentes no contexto da interação, sendo, portanto, considerado racional quem se dispõe a refletir sobre as regras linguísticas diante de perturbações comunicativas. Essa relação que se estabelece no encontro discursivo ou comunicativo precisa seguir critérios de argumentação, de verdade proposicional, de justeza normativa e de veracidade subjetiva. Isso significa que os sujeitos envolvidos na argumentação devem se orientar a partir dessas pretensões para que as suas argumentações sejam passíveis de crítica e reformulação. Em outros termos, é necessário que os sujeitos pretendam que suas manifestações em relação ao mundo objetivo sejam verdadeiras, que se proponham a assumir a normatividade socialmente acordada, além de se expressarem de modo sincero sobre suas percepções individuais e subjetivas. A partir disso podemos afirmar que a racionalidade comunicativa, que se apoia na linguagem, como competência argumentativa, sem uso da força ou de uma ação estratégica, gera consensos por intermédio do entendimento recíproco entre os sujeitos envolvidos no processo argumentativo. A razão comunicativa, portanto, orienta‐se por ações e movimentos que buscam alcançar o consenso, alterar algo no mundo ou mudar um estado de coisas, orientando‐se em ações coordenadas e gerenciados pelo uso do entendimento comunicativo. Ao falar o sujeito se abre às possibilidades de ter sua manifestação corroborada ou recusada. Nesse sentido, a atitude dialógica é sempre arriscada e, ao mesmo tempo, reconhecedora da própria insuficiência. Para todos os efeitos, o que distingue o homem é o “entendimento compartilhado”, “o fato de que podemos dialogar uns com os outros”, ou seja, “precisamente o entendimento” (TUGENDHAT, 2007, p. 187). Isso sugere que a X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.11 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel razão não constitui um feito “meu”, como se fosse uma dinâmica a ocorrer no interior de minha subjetividade, mas um feito “nosso”, intersubjetivo e social. Não se trata, portanto, de “uma capacidade desligada e, de alguma maneira, sobrenatural [...], mas consiste simplesmente em poder perguntar por razões” (p. 190). Assim, mais do que algo que eu tenha, a razão é uma dimensão que o outro me confere. Entende‐se, aí, que a dimensão do “saber que se sabe” só é alcançável pela mediação do outro, por algo como uma aprovação ou desaprovação diante de alguma manifestação que fazemos. Essa certificação que o outro nos confere, e que tendemos a buscar nos demais indivíduos com quem estamos ou interagimos, pode ser entendida como o princípio de tudo o que temos como conhecimento. É também esse outro, com seu “sim” ou “não”, que nos motiva e impulsiona na direção do incremento do conhecimento, o que buscamos através de novas aprendizagens. Diferentemente dos pressupostos da metafísica e da filosofia da consciência, no diálogo argumentativo se pode contar apenas com a opinião do outro, com a sua manifestação de concordância ou não, para a validação do que se acredita ser uma percepção adequada de alguma realidade do mundo. Enuncia‐se aqui, obviamente, um procedimento que advém da interpretação hermenêutica, em que os participantes de um diálogo... Ao tomarem parte em ações comunicativas, aceitam por princípio o mesmo status daqueles cujos proferimentos querem compreender. Eles não estão mais imunes às tomadas de posição por sim/não dos sujeitos de experiência ou dos leigos, mas empenham‐se num processo de crítica recíproca (HABERMAS, 1989b, p. 43). O aspecto importante a ser destacado é o fato de que o mundo humano, como fenômeno de cultura e de sociedade, resulta dessa possibilidade criadora, de aprendizagem propriamente dita, que emerge da comunicação. É sempre a mediação do outro, sob a forma de assentimento ou de recusa ao que é enunciado, que permite percepções e modos de agir que se modificam e se incrementam, ensejando uma interação inteligente e, possivelmente, razoável com o entorno natural e social. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.12 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel Perspectivas para a filosofia no processo de formação Em assumindo a pretensão de contribuir na qualificação da formação no Ensino Médio, a filosofia precisa estar atenta às motivações que sustentam o seu trabalho e ciente do modelo de razão que toma por referência. Para Habermas, mesmo quando a filosofia não se apresenta como indicadora do lugar das ciências e como juiz da razão (perspectivas kantianas),4 ela pode e deve manter sua pretensão de razão (concordando com Kant) nas funções mais modestas de intérprete e de guardador do lugar da razão, resguardando a racionalidade do discurso orientado para o mundo da vida (HABERMAS, 1989b, p. 17‐36). Esse propósito da filosofia pode ser reafirmado sob o modelo da razão comunicativa que, segundo Habermas, carrega em si o potencial de emancipar os sujeitos ao permitir a interpretação reflexiva e ampliada das situações em pauta. Segundo Habermas, a racionalidade comunicativa se sustenta na... [...] experiência central da capacidade de reunir sem coação e de gerar consenso que tem uma fala argumentativa em que diversos participantes superam a subjetividade inicial dos seus respectivos pontos de vista e perante uma comunidade de convicções racionalmente motivadas se asseguram por sua vez da unidade do mundo objetivo e da intersubjetividade do contexto em que se desenvolvem suas vidas (HABERMAS, 1987, v. 1, p. 27). No que se refere ao seu potencial emancipador, se tomarmos como referência as reflexões que a filosofia construiu em seu percurso histórico e do qual, de certo modo, os professores de filosofia são testemunhas, vemos que o que põe os homens em busca do saber, que alimenta sua curiosidade, que instiga o desejo de entendimento das coisas, levando‐os à constituição de um mundo próprio através da produção da cultura e da organização de sociedades políticas é, em última instância, a pretensão de se libertar da opressão. Opressão que se impõe, primeiramente, por sua condição de existência, depois pelo trabalho e, por último, pelas restrições que tem sua origem no próprio homem (ARENDT, 2007, p. 8‐13). O que se percebe, portanto, é que o sonho de emancipar o ser humano e torná‐lo independente dos determinismos de toda espécie perpassa, de alguma forma, a história da filosofia. 4 Sob essa perspectiva, caberia à filosofia um papel prévio de indicação das condições de possibilidade de toda e qualquer ciência, com o que ela assumiria o lugar de juiz supremo de toda a cultura científica. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.13 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel Em diferentes momentos da história humana se bradou o ideal de emancipação dos homens. Este projeto tem seu momento mais fulgurante no período da ilustração. Tal projeto ainda não se consolidou, como alerta Adorno e Horkheimer, denunciando a razão moderna como esgotada e incapaz de tal tarefa. Um dos que retoma essa perspectiva é Habermas ao propor um novo modelo de razão, a racionalidade comunicativa (BOLZAN, 2005, p. 89‐94). Ao assumir que a filosofia é a guardadora do lugar da razão e que a razão comunicativa possui o potencial de emancipar os sujeitos, podemos delinear uma perspectiva para a sua ação no processo de formação das novas gerações. Nesse sentido, podemos atribuir‐lhe uma tarefa interdisciplinar em meio ao conjunto dos saberes curriculares, bem como a tarefa de trazer, pelo conhecimento representado pelo professor, a especificidade da reflexão filosófica constituída na história do pensamento humano. Como reflexão interdisciplinar a filosofia dirige um olhar crítico à base racional que sustenta todo o currículo da instituição e dos programas de ensino. Segundo Bolzan, “Habermas diria que a escola deveria ser efetivamente um espaço público de acesso ao saber, capaz de interagir comunicativamente com os diversos setores que compõem a estrutura de uma sociedade” (2005, p. 60). Já como saber específico a filosofia procura contribuir na formação de sujeitos racionais com competências com vistas à inserção no mundo da vida. Essas competências são as que garantem aos sujeitos o atributo de racionais, já que “racional, segundo Habermas, é aquele que é capaz de fazer afirmações fundadas e justificar tais proposições perante o crivo da argumentação crítica” (BOLZAN, 2005, p. 85). Trata‐se, em outros termos, de desenvolver nos sujeitos as competências necessárias para que esses tomem parte na comunidade de ação comunicativa. É através das estruturas simbólicas do mundo da vida que ocorrem os processos de aprendizagem que compõem a práxis educativa. “Desde a mais tenra idade outras pessoas, nossos pais e educadores, irmãos e companheiros, interagem conosco estabelecendo entendimentos sobre ‘aspectos do mundo’, a fim de que possamos nos desenvolver como indivíduos socializados” (BOUFLEUER, 1997, p. 21). Pela tematização e explicitação do mundo vivido a filosofia se orienta para a identificação daquilo que nos X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.14 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel governa de modo nem sempre consciente. Trata‐se, na verdade, de um exercício que parte do pressuposto de que a vida, os pensamentos, as convicções, as atitudes, os valores, enfim, o que consideramos ser o real e o seu significado é resultante de uma história que se condensa no tempo atual. O filosofar, nessa perspectiva, consiste no esforço em trazer elementos da cultura, como conceitos, interpretações, referências etc., que possam contribuir para a compreensão da vida e o seu entorno. Ao buscar desvendar a historicidade da vida humana, a filosofia esforça‐se em compreender os saberes e as práticas existentes a partir das intencionalidades que os produziram. Em outros termos, ela busca compreender como os modos de pensar, de ser e de agir se sedimentaram ao longo dos tempos, percebendo como os sentidos foram postos, se mantêm e se modificam. Nesse sentido, o trabalho filosófico se coloca na perspectiva da concriatividade histórica, em que o passado e o presente se encontram em constante mediação. Por isso as respostas dadas em outros contextos históricos precisam ser reavaliadas a partir das circunstâncias do presente. Assim sendo, o filosofar constitui, por um lado, um trabalho permanente de reinterpretação do passado à luz do presente e, de outro, uma contínua reinterpretação do presente à luz do legado do passado. O exercício do filosofar no âmbito da educação poderá, assim, contribuir na identificação das concepções que atravessam os sentidos postos no âmbito de uma sala de aula. Concepções estas que, não poucas vezes, se articulam com conceitos e referenciais implicitamente assumidos e que, por isso, necessitam de tematização. Oferecer elementos que ajudem na explicitação de conceitos e propor reflexões a partir do significado das palavras que são utilizadas certamente é um bom começo para o exercício do filosofar. Se assumirmos e pressuposto de que a realidade é simbolicamente construída, o esforço assim orientado contribuirá, sem dúvida, para uma melhor apreensão do mundo e da vida. Diante dessas perspectivas, a aula de filosofia pressupõe um ambiente de liberdade em que professores e alunos se relacionam e se intercomunicam, considerando também a experiência que cada um tem com a realidade. Ensinar filosofia, ou educar mediante o exercício do filosofar, é oportunizar aos educandos uma melhor percepção de X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.15 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel si pela tematização e explicitação de componentes da tradição filosófica que de modo decisivo contribuem na articulação da teia de interações simbólicas em que se funda a vida humana em sociedade. Ao buscar a explicitação dos pressupostos do pensar e do agir, o ensino de filosofia pressupõe uma dinâmica que vai muito além de uma simples troca de opiniões, ou de uma conversa que se coloca em sentido simétrico entre educador e educando. Do professor, na sua condição de anterioridade pedagógica, se espera um preparo que o habilite a tematizar o sentido do humano historicamente produzido, especialmente sob o ponto de vista das elaborações mais diretamente vinculadas ao campo de estudos da filosofia. Isso exigirá, por óbvio, uma boa inserção na história do pensamento humano e um consequente domínio dos conceitos fundamentais que a atravessam. Trata‐se, enfim, da competência para trazer, de modo pertinente, os elementos da tradição filosófica capazes de contribuir na compreensão das temáticas propostas ou dos problemas suscitados. Enfim... A esperança que nos move é a de que uma nova concepção de formação humana perpasse o currículo de formação a partir da inserção da filosofia, com destaque para o desenvolvimento das competências cognitivas e sociais necessárias aos adolescentes na constituição de suas identidades comprometidas com a busca da verdade (MENDES, 2006, p. 23). O papel fundamental da filosofia na educação começa a se cumprir na medida em que tenta integrar e incluir os educandos na sociedade, garantindo‐lhes as competências necessárias para que construam um entendimento dos processos pelos quais se tornam cidadãos atuantes e participantes. Esse papel é intrínseco à filosofia desde sua emergência, já que “em sua origem a filosofia e a educação se encontram voltadas para a formação do cidadão; e têm como função prepará‐lo para a vida ética e política em sociedade” (GUIMARÃES, 2001, p. 5). Mesmo reconhecendo, com Habermas, o papel relativamente modesto da filosofia no conjunto dos saberes, podemos apostar na importância de sua presença na X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.16 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel formação básica das novas gerações. Tal aposta considera suas significativas contribuições na integração das diferentes dimensões do currículo a partir da sua tradição reflexiva, que precisa vir ancorada no engajamento e no comprometimento dos docentes representantes desta tradição, bem como de toda a equipe pedagógica (SEVERINO, 2010, p. 58). Para os docentes é confiada uma missão de apresentar e testemunhar o saber filosófico. Mas o operar pedagógico, que envolve o processo de ensinar e aprender, é um constante processo de estranhamento inevitável no âmbito da sala da aula. É preciso, por isso, ter consciência que quando se pisa em uma sala de aula se está pisando em um terreno que precisa ser entendido e explicado. Cada situação implica um novo desafio, obrigando o educador a pensar sobre sua situação, a respeito da filosofia e dos estudantes que aí estão como seus interlocutores, reagindo, fazendo objeções, apresentando suas inquietações. Por fim, dentre os desafios que se põem para o professor de filosofia está o de “ganhar” a atenção de seu aluno para o saber filosófico que busca apresentar. Suas habilidades e competências devem auxiliá‐lo a transformar sua aula em um espaço de interação, de interlocução, que permita que seus estudantes construam entendimentos desse universo simbólico que compõe o mundo da vida. Referências ARAGÃO, Lucia Maria de Carvalho. Razão comunicativa e teoria social crítica em Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992. ARENDT, Hannah. A condição Humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. BOLZAN, José. Habermas: razão e racionalização. Ijuí: Unijuí, 2005. BOUFLEUER, José Pedro. Pedagogia da ação comunicativa: uma leitura de Habermas. Ijuí: Unijuí, 1997. GUIMARÃES, Alissa. A. Filosofia e educação na formação contemporânea. Princípios, Natal, v.8 n.9, p. 5‐17, jan./jun. 2001. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.17 X Anped Sul O ENSINO DA FILOSOFIA: Um possível modo de situá‐lo no currículo da educação básica José Pedro Boufleuer ‐ Odair Neitzel HABERMAS, Jürgen. Teoria de la ación comunicativa. Madrid: Taurus, v. 1 e 2, 1987. ___. Teoria de la acción comunicativa: complementos y estúdios prévios. Madrid: Cátedra, 1989a. ___. Consciência moral e agir comunicativo. São Paulo: Brasiliense, 1989b. MENDES, Nadelmir M. A filosofia no ensino fundamental na perspectiva das pesquisas discentes. UFPR. Curitiba, 2006. 156p. Dissertação (Mestrado) ‐ Programa de Pós‐ Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006. Disponível em: http://www.ppge.ufpr.br/teses/M06_mendes.pdf NEITZEL, Odair. Educação na contemporaneidade: reflexões a partir de uma racionalidade comunicativa. Ijuí: UNIJUÍ, 2009. 83p. Dissertação (Mestrado) ‐ Programa de Pós‐ Graduação em Educação nas Ciências, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, 2009. Disponível em: http://www.unijui.edu.br/cursos/mestrado‐e‐ doutorado/educacao‐nas‐ciencias SEVERINO, Antônio Joaquim. Formação política do adolescente no Ensino Médio: a contribuição da Filosofia. Pro‐posições, Campinas, v. 21, n. 1 (61), p. 57‐74, jan./abr. 2010. STEIN, Ernildo. Aproximações sobre Hermenêutica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. TUGENDHAT, Ernst. Antropologia como Filosofia Primeira. In: POMMER, Arnildo; FRAGA, Paulo Denisar; SCHNEIDER, Paulo Rudi (orgs.). Filosofia e crítica: festschrift dos 50 anos do Curso de Filosofia da UNIJUÍ. Ijuí: Editora Unijuí, 2007, p. 183‐199. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.18