1 – Pedido de suspensão formulado em face de decisão que

Propaganda
Nº 1009/2014 – ASJCIV/SAJ/PGR
Suspensão de Tutela Antecipada 768 – RJ
Relator:
Ministro Presidente
Requerente: Fundação Municipal de Saúde de Niterói
Requerido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Interessada: Regina Nazarete Coelho Meleche
SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. DECISÃO QUE
DETERMINOU AO PODER PÚBLICO QUE ARCASSE COM
O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO APROVADO
PELA ANVISA PARA O TRATAMENTO DE DOENÇA
GRAVE. FÁRMACO QUE SE MOSTRA IMPRESCINDÍVEL
PARA A MELHORA DA SAÚDE E A MANUTENÇÃO DA
VIDA DA PACIENTE.
1 – Pedido de suspensão formulado em face de decisão que
determinou ao Poder Público que arcasse com o fornecimento de fármaco não aprovado pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária – ANVISA.
2 – Há periculum in mora inverso, visto que comprovadas, na
espécie, a necessidade vital e a impossibilidade de a paciente,
portadora de polineuropatia amiloidótica familiar, custear
seu tratamento.
3 – Parecer pelo indeferimento do pedido de suspensão.
A Fundação Municipal de Saúde de Niterói requer a suspensão da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro, que confirmou a antecipação de tutela para determinar
à requerente e ao Estado do Rio de Janeiro que arcassem com o
custeio de medicamento necessário para o tratamento de paciente
portadora de portadora de polineuropatia amiloidótica familiar e
submetida a transplante hepático.
Procuradoria-Geral da República
Suspensão de Tutela Antecipada 768 – RJ
Conforme consta dos autos, Regina Nazarete Coelho Meleche ajuizou ação em face da requerente e do Estado do Rio de Janeiro, com fundamento no dever estatal de garantir o direito à
vida e à saúde, em que se pleiteia o fornecimento do medicamento Tafamidis (Vyndaqel), em virtude de ser portadora de polineuropatia amiloidótica familiar, para assegurar a sua sobrevivência e
evitar a evolução da doença.
Concedida a antecipação de tutela pelo Juiz do Plantão da
Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, foi interposto
agravo de instrumento, desprovido pelo Desembargador Relator, e,
posteriormente, agravo interno, igualmente desprovido pela 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça local, que manteve, assim, a determinação de fornecimento do medicamento à interessada.
Daí o presente pedido de contracautela, em que se sustenta,
em em síntese, grave lesão à ordem, à saúde e à economia públicas.
Afirma a fundação requerente que o fármaco pleiteado não
possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e que, nos termos do art. 12 da Lei 6.360/76, é impossível
deferir judicialmente o fornecimento de medicamento não incluído nas políticas públicas de saúde.
Argumenta não haver evidência científica da eficácia do medicamento pleiteado, sendo desconhecidos seus efeitos colaterais
ou eventuais contraindicações.
2
Procuradoria-Geral da República
Suspensão de Tutela Antecipada 768 – RJ
Ressalta o dano à economia pública em razão do alto custo
da droga, que é de aproximadamente R$ 385.000,00 (trezentos e
oitenta e cinco mil reais) para um período de três meses.
Destaca que foi bloqueada a quantia de quase R$ 400.000,00
(quatrocentos mil reais) no mês de abril deste ano na conta do Estado do Rio de Janeiro; todavia, até a presente data não houve o
levantamento pela interessada, o que deixa evidente, no seu entender, que, ao revés de haver perigo de dano para a sua saúde, há um
real e concreto perigo para as finanças públicas municipais.
Assevera que o elevado gasto para o atendimento de um único indivíduo implicará prejuízos à coletividade fluminense, na medida em que esses recursos seriam destinados ao atendimento da
saúde e de outros direitos fundamentais daqueles que dependem
da assistência do Estado para sobreviver.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro apresentou manifestação, informando que o medicamento é necessário
para a vida da interessada, hipossuficiente e moradora de área não
urbana. Ressalta, ademais, a possibilidade de agravamento do seu
estado de saúde, o que pode ter impedido o seu comparecimento
para os demais atos do processo e para a compra do medicamento.
Vieram os autos à Procuradoria-Geral da República para manifestação no prazo de 72 (setenta e duas) horas.
Preliminarmente, a matéria discutida na ação originária evidencia a competência da Suprema Corte para examinar o presente
pedido de suspensão, uma vez que tem como fundamento a invio-
3
Procuradoria-Geral da República
Suspensão de Tutela Antecipada 768 – RJ
labilidade do direito à vida e à saúde (arts. 5º, 6º e 196, da Constituição).
O deferimento dos pedidos de suspensão de segurança, de liminar e de antecipação de tutela tem caráter sabidamente excepcional, sendo imprescindível perquirir a potencialidade de a decisão
concessiva ocasionar lesão à ordem, segurança, saúde e economia
públicas, não cabendo nesta sede, em princípio, a análise do mérito.
O Supremo Tribunal Federal, entretanto, fixou orientação de
ser possível um juízo mínimo acerca da matéria de fundo analisada
na origem, para concluir-se pela viabilidade ou inviabilidade da
suspensão da decisão concessiva.
A controvérsia em causa – aplicação imediata do direito fundamental à saúde, com fornecimento pelo Poder Público de medicamentos, tratamentos e terapias a pacientes portadores de doenças
raras ou graves quando demonstrada a necessidade vital e a impossibilidade de os beneficiários custearem o tratamento – tem sido
reiteradamente discutida no Supremo, tendo, inclusive, ensejado a
convocação de audiência pública para o debate da matéria por representantes dos diversos setores envolvidos na realização de políticas públicas de saúde.
Com base nas informações colhidas na mencionada audiência
pública, a Presidência da Suprema Corte fixou algumas orientações sobre o tema, concluindo ser necessário redimensionar a
questão da judicialização do direito à saúde no Brasil e destacando
4
Procuradoria-Geral da República
Suspensão de Tutela Antecipada 768 – RJ
pontos fundamentais a serem observados na análise das demandas
de saúde.
O que ficou evidente nos debates e nas conclusões do Supremo Tribunal Federal, como anotou a Procuradoria-Geral da República nos pareceres oferecidos nos muitos pedidos de suspensão
de segurança, de liminar e de antecipação de tutela sobre o tema, é
que são as circunstâncias específicas de cada caso que serão decisivas para a solução da controvérsia.
Haverá casos, pois, em que o atendimento da postulação de
determinado doente, ante as especificidades verificadas nos autos,
poderá significar injustificado embaraço às prestações de saúde devidas a toda a coletividade, diante, evidentemente, do quadro de
notória e permanente escassez de recursos, a recomendar a provisória suspensão dos efeitos da decisão até que se torne definitiva.
Noutras hipóteses, porém, e igualmente em face das particularidades que os autos revelarem, forçoso será concluir que, a despeito da extrema limitação de recursos, não poderá o Poder Público eximir-se, ainda que provisoriamente, da obrigação incontestavelmente sua de tornar efetivas as prestações de saúde em favor de
cidadãos considerados individualmente, sem prejuízo daquelas devidas à comunidade em geral, dando concretude aos comandos
constitucionais pertinentes.
Entendeu, ainda, a Presidência da Suprema Corte, em decisões já confirmadas pelo Plenário, que é vedado à Administração
Pública fornecer medicamentos que não possuam registro na
5
Procuradoria-Geral da República
Suspensão de Tutela Antecipada 768 – RJ
Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, destacando
que o registro do fármaco é uma garantia à saúde pública, mostrando-se como condição necessária para atestar a segurança e a
eficácia do produto. Trata-se de medida de precaução quanto ao
uso de medicamentos ainda não completamente testados.
Neste ponto, entretanto, esclareceu-se que essa regra não é
absoluta, havendo casos excepcionais em que a importação de medicamento não registrado poderá ser autorizada. Necessário, então,
considerar fatores substantivos como a credibilidade científica do
fármaco, o grau de eficiência do medicamento quanto à cura da
doença e a capacidade de reduzir o tempo de tratamento.
Na presente hipótese, a decisão concessiva de antecipação de
tutela poderia, em princípio, evidenciar risco de lesão à ordem pública, na acepção de ordem jurídico-administrativa, uma vez que
determina à requerente e ao Estado do Rio de Janeiro que forneçam medicamento de alto custo não aprovado pela ANVISA.
Tal risco de lesão à ordem pública não se concretiza, entretanto, porque não logrou o requerente demonstrar a existência de
terapias alternativas constantes do protocolo de tratamento da Hepatite C e com regular dispensação pelo SUS capazes de atender às
necessidades da interessada. Fala apenas o requerente, de forma genérica e sem comprovação do alegado, que inexiste evidência científica da eficácia do medicamento pleiteado.
Em contrapartida, ao requerer o tratamento pretendido, a autora da ação principal comprovou que o uso de 2 (dois) compri-
6
Procuradoria-Geral da República
Suspensão de Tutela Antecipada 768 – RJ
midos ao dia do medicamento é indispensável para a sua sobrevivência e para evitar a evolução da doença.
Quanto ao ponto, convém destacar que, antes do ajuizamento
da ação em que deferida a decisão de antecipação de tutela, a interessada já havia se submetido ao transplante hepático, notoriamente reconhecido como a primeira alternativa terapêutica para aumentar a qualidade de vida dos portadores da “doença do pezinho” e evitar o agravamento da doença.
Ao analisar a presença dos indispensáveis requisitos de verossimilhança do direito invocado e do periculum in mora para a concessão da antecipação de tutela, também a decisão questionada evidenciou a necessidade do uso do medicamento para a melhora da
saúde e a manutenção da vida da autora. Afirmou expressamente
ser ela “portadora de Polineuropatia Amiloidótica Familiar, que a
mesma foi submetida a transplante hepático e que o médico que a
assiste indicou o medicamento Tafamidis para fins de manutenção
de sua vida”, que “a aquisição do medicamento é providência urgente e inadiável para a cidadã” e que a alegada ausência de registro na ANVISA “não pode servir de óbice ao pleito da parte ora
agravada em virtude da prevalência do princípio constitucional do
direito à vida e à saúde”.
Por fim, ficou suficiente demonstrada a impossibilidade de a
autora arcar com o custo do tratamento, por ser professora aposentada da rede estadual de ensino do Estado do Rio de Janeiro e re-
7
Procuradoria-Geral da República
Suspensão de Tutela Antecipada 768 – RJ
ceber a quantia bruta de R$ 2.847,67 (dois mil oitocentos e quarenta e sete reais e sessenta e sete centavos).
A ponderação dos valores em conflito, na hipótese, portanto,
leva ao indeferimento do pedido de contracautela, uma vez que,
não obstante a droga pleiteada não conste do protocolo clínico do
Ministério da Saúde, fica evidenciada sua imprescindibilidade no
tratamento da paciente em questão.
Ademais, parece recomendável o excepcional fornecimento
do fármaco requerido, tendo em vista que a sua falta pode ocasionar danos graves e irreparáveis à saúde e à vida da beneficiária,
mostrando-se indubitável, na espécie, o chamado perigo de dano
inverso.
Ante o exposto, opina a Procuradoria-Geral da República
pelo indeferimento do pedido.
Brasília (DF), 21 de outubro de 2014.
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
BIAA/JCCR
8
Download