Nº 1791 /2014 – ASJCIV/SAJ/PGR Suspensão de Tutela Antecipada 741-RO Relator: Ministro Presidente Requerente: Estado de Rondônia Requerido: Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia Suspensão de Tutela Antecipada. Decisão que determinou ao Estado de Rondônia que arcasse com o fornecimento de medicamento não comercializado no Brasil para o tratamento de paciente portadora de doença grave e rara. Comprovadas na espécie a necessidade vital e a impossibilidade de a beneficiária custear o tratamento. Periculum in mora inverso. Parecer pelo indeferimento do pedido de suspensão. O Estado de Rondônia requer a suspensão de decisão proferida pelo respectivo Tribunal de Justiça, nos autos do Agravo de Instrumento 0008284-57.2013.8.22.0000, em que determinado ao requerente que arcasse com o custeio de medicamento não comercializado no país para o tratamento de paciente portadora de doença grave e rara. Procuradoria-Geral da República STA 741-RO Conforme consta dos autos, Elizabete Grangeiro Lima Alves ajuizou ação em face do requerente, com fundamento no dever estatal de garantir o direito à vida e à saúde, em que se pleiteia o fornecimento de medicamento para o tratamento de doença rara e grave, denominada Hemoglobinúria Paroxística Noturna – HPN, afirmando que o fármaco pleiteado é de alto custo e imprescindível para o tratamento da enfermidade em causa. O requerente sustenta, em síntese, grave lesão à ordem, à saúde e à economia públicas, além de afirmar a impossibilidade de se deferir judicialmente o fornecimento de medicamento não incluído nas políticas públicas de saúde, asseverando que o fármaco não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Ressalta o dano à economia pública em razão do alto custo da droga, argumentando não haver evidência científica da eficácia do fármaco pleiteado, bem como a existência de tratamentos alternativos oferecidos pelo SUS. Intimada, manifestou-se a autora da ação principal, juntando laudos médicos que comprovam seu grave estado de saúde e a indicação de uso do fármaco requerido. Vieram os autos à Procuradoria-Geral da República para parecer. Preliminarmente, a matéria discutida na ação originária evidencia a competência dessa Suprema Corte para examinar o presente pedido de suspensão, uma vez que tem como fundamento a 2 Procuradoria-Geral da República STA 741-RO inviolabilidade do direito à vida e à saúde (arts. 5º, 6º e 196, da Constituição Federal). O deferimento dos pedidos de suspensão de segurança, de liminar e de antecipação de tutela tem caráter sabidamente excepcional, sendo imprescindível perquirir a potencialidade de a decisão concessiva ocasionar lesão à ordem, segurança, saúde e economia públicas, não cabendo nesta sede, em princípio, a análise do mérito. Essa Suprema Corte, entretanto, fixou orientação no sentido de ser possível um juízo mínimo acerca da matéria de fundo analisada na origem, para concluir-se pela viabilidade ou inviabilidade da suspensão da decisão concessiva. A controvérsia em causa – aplicação imediata do direito fundamental à saúde, com fornecimento pelo poder público de medicamentos, tratamentos e terapias a pacientes portadores de doenças raras ou graves quando demonstrada a necessidade vital e a impossibilidade de os beneficiários custearem o tratamento – tem sido reiteradamente discutida no âmbito desse Supremo Tribunal Federal, tendo, inclusive, ensejado a convocação de audiência pública para o debate da matéria por representantes dos diversos setores envolvidos na realização de políticas públicas de saúde. Com base nas informações colhidas na mencionada audiência 3 Procuradoria-Geral da República STA 741-RO pública, a Presidência dessa Suprema Corte fixou algumas orientações sobre a questão, concluindo ser necessário redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil, destacando pontos fundamentais a serem observados na análise das demandas de saúde. O que ficou evidente nos debates e nas conclusões do Supremo Tribunal Federal, como anotou a Procuradoria-Geral da República nos pareceres oferecidos nos muitos pedidos de suspensão de segurança, de liminar e de antecipação de tutela sobre o tema, é que são as circunstâncias específicas de cada caso que serão decisivas para a solução da controvérsia. Haverá casos, pois, em que o atendimento da postulação de determinado doente, ante as especificidades verificadas nos autos, poderá significar injustificado embaraço às prestações de saúde devidas a toda a coletividade, diante, evidentemente, do quadro de notória e permanente escassez de recursos, a recomendar a provisória suspensão dos efeitos da decisão até que se torne definitiva. Noutras hipóteses, porém, e igualmente em face das particularidades que os autos revelarem, forçoso será concluir que, a despeito da extrema limitação de recursos, não poderá o poder público eximir-se, ainda que provisoriamente, da obrigação incontestavelmente sua de tornar efetivas as prestações de saúde em favor de cidadãos considerados individualmente, sem prejuízo daquelas devidas à comunidade em geral, dando concretude aos comandos constitucionais pertinentes. 4 Procuradoria-Geral da República STA 741-RO Entendeu, ainda, a Presidência da Suprema Corte, em decisões já confirmadas pelo Plenário, que é vedado à Administração Pública fornecer medicamentos que não possuam registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, destacando que o registro do fármaco é uma garantia à saúde pública, mostrando-se como condição necessária para atestar a segurança e a eficácia do produto. Neste ponto, entretanto, esclareceu-se que essa regra não é absoluta, havendo casos excepcionais em que a importação de medicamento não registrado poderá ser autorizada. Na presente hipótese, a autora da ação originária é portadora de doença grave e rara, denominada Hemoglobinúria Paroxística Noturna – HPN, patologia que ataca o sangue, causando decomposição acentuada dos glóbulos vermelhos (hemólise), principalmente no período noturno. A falta de tratamento pode desencadear outras enfermidades, como anemia, trombose, insuficiência renal crônica, hipertensão pulmonar, insuficiência hepática e AVC – acidente vascular cerebral, possuindo alto risco de letalidade. O tratamento paliativo é feito por meio de transfusão sanguínea, o que traz outros riscos e não controla o agravamento da doença e o comprometimento dos órgãos vitais. O fármaco “Eculizumab – Soliris”, droga somente encontrada no exterior, com elevado custo, não registrada na ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária e sem distribuição pelo 5 Procuradoria-Geral da República STA 741-RO SUS – Sistema Único de Saúde, impede que ocorra a hemólise (perda dos glóbulos vermelhos), mostrando-se eficaz para evitar o agravamento da enfermidade e afastar o risco de morte dos doentes. Apesar de não comercializado no país e não incluído na política de dispensação de medicamentos do SUS, a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, nos autos da SS 4.316, precedente em que se pretendia sustar a determinação de fornecimento do medicamento aqui pleiteado, salientou a eficácia da droga, ressaltando sua aprovação pelos notoriamente exigentes critérios da FDA (Food and Drug Administration), órgão responsável pelo controle de alimentos e medicamentos nos Estados Unidos da América. Fica clara, assim, a imprescindibilidade do tratamento, bem como recomendável a excepcional determinação de importação do fármaco. Além disso, apesar de mencionar a existência de tratamentos alternativos, o requerente não demonstra a eficácia das terapias e disponibilização à paciente beneficiada pela ação principal. A ponderação dos valores em conflito, neste caso, portanto, leva ao indeferimento do pedido de contracautela, uma vez que a suspensão dos efeitos da decisão impugnada pode ocasionar danos graves e irreparáveis à saúde e à vida da paciente, parecendo indubitável, na espécie, o chamado perigo de dano inverso. 6 Procuradoria-Geral da República STA 741-RO Ante o exposto, opina a PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA pelo indeferimento do pedido de contracautela. Brasília (DF), 17 de fevereiro de 2014. Rodrigo Janot Monteiro de Barros Procurador-Geral da República VCM 7