Machado, Leticia Oening [Dissertação, 2015]

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE FARMÁCIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS APLICADAS A
PRODUTOS PARA SAÚDE
LETICIA OENING MACHADO
ACOMPANHAMENTO FARMACÊUTICO DE PACIENTES
RENAIS CRÔNICOS EM HEMODIÁLISE
NITERÓI
2015
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE FARMÁCIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS APLICADAS A
PRODUTOS PARA SAÚDE
ACOMPANHAMENTO FARMACÊUTICO DE PACIENTES
RENAIS CRÔNICOS EM HEMODIÁLISE
LETICIA OENING MACHADO
Dissertação apresentada ao Programa
de
Pós-graduação
em
Ciências
Aplicadas a Produtos para Saúde, como
requisito parcial para obtenção do grau
de mestre.
Orientadora: Prof. Dra. Selma Rodrigues de
Castilho
Coorientador: Prof. Dr. Jorge Almeida Reis
NITERÓI
2015
LETICIA OENING MACHADO
ACOMPANHAMENTO FARMACÊUTICO DE PACIENTES
RENAIS CRÔNICOS EM HEMODIÁLISE
Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Ciências Aplicadas a Produtos
para Saúde, como requisito parcial para
obtenção do grau de mestre.
Orientadora: Prof. Dra. Selma Rodrigues de
Castilho
Coorientador: Prof. Dr. Jorge Almeida Reis
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Dra. Selma Rodrigues de Castilho (Orientadora)
_____________________________________________
Dra. Elisangela da Costa Lima Dellamora (UFRJ)
_____________________________________________
Dra. Carla Valéria Vieira Guilarducci-Ferraz (UFF)
NITERÓI
2015
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos pacientes renais crônicos, pela oportunidade de vivenciar de
forma estreita suas rotinas e experiências com relação à doença, e pelos ensinamentos
durante os atendimentos.
Dedico ainda, a minha mãe, Dilma, e a minha irmã, Patricia, por todo carinho, amor e
incentivo no caminhar.
AGRADECIMENTOS
A minha família, pelo apoio e incentivo.
Aos meus amigos, pelo acolhimento e momentos de parceria, nas dificuldades e nas
experiências repletas de alegria.
Ao meu companheiro de profissão, Junior André da Rosa, por ter me apresentado à prática
farmacêutica e pela tutoria prestada nesses anos.
Aos professores Selma Rodrigues de Castilho, Jorge Reis Almeida e Luis Guillermo Coca
Velarde pelos ensinamentos e oportunidade de crescimento intelectual.
À clínica Renal Vida pela oportunidade de desenvolvimento do projeto.
Ao Programa de Pós-graduação em Ciências Aplicadas a Produtos para Saúde e a
Universidade Federal Fluminense.
RESUMO
Pacientes acometidos pela doença renal crônica frequentemente têm múltiplas
comorbidades, tanto devido à causa quanto em consequência da doença. Essa população
utiliza, em média, 10 a 12 medicamentos diariamente, levando a regimes terapêuticos
complexos, sendo mais propensos aos problemas relacionados aos medicamentos. O
objetivo desse estudo foi avaliar e documentar a natureza e a extensão dos problemas
relacionados aos medicamentos em pacientes em tratamento hemodialítico. Foi conduzido
um estudo prospectivo com pacientes em tratamento hemodialítico para doença renal
crônica, atendidos em uma unidade de diálise privada no município do Rio de Janeiro,
Brasil. Os pacientes foram entrevistados e os prontuários revisados a fim de identificar os
medicamentos prescritos, suas indicações e os problemas relacionados aos medicamentos.
Foi realizada análise de correlação entre os problemas relacionados aos medicamentos e a
idade do paciente, o tempo de realização da terapia hemodialítica, o nível de conhecimento
sobre o tratamento farmacológico e o número de medicamentos prescritos. Além disso, foi
mensurado o nível de conhecimento sobre o tratamento farmacológico. A classificação dos
problemas relacionados aos medicamentos foi baseada no método Pharmacist`s Workup of
Drug Therapy. Foram identificados 57 problemas relacionados aos medicamentos em 65
pacientes. A incidência desses eventos foi de 0,88 por paciente avaliado. O problema mais
prevalente na população do estudo foi administração incorreta pelo paciente (26,3%),
seguido de frequência do uso ou duração inadequada (17,5%). Sevelamer e carbonato de
cálcio foram os medicamentos mais associados a esses eventos. O nível de conhecimento
sobre o tratamento predominantemente encontrado foi regular (46%). O presente estudo
concluiu que pacientes em hemodiálise sofrem de vários problemas relacionados aos
medicamentos, em sua maioria relativos à baixa adesão e efetividade. Farmacêuticos
clínicos podem, portanto, contribuir substancialmente para o cuidado de pacientes em
hemodiálise através da otimização da terapia medicamentosa e da detecção de problemas
relacionados aos medicamentos.
PALAVRAS-CHAVE: Cuidados farmacêuticos. Diálise renal. Problemas relacionados
aos medicamentos.
ABSTRACT
Patients suffering from crhonic kidney disease often have multiple medical conditions
either as a cause or as a consequence of their renal disease. These patients receive an
average of 10-12 medications daily leading to complex dosing schedules and are more
likely to develop medication-related problems. The objectives of this study were to
determine the nature and extent of medication-related problems in renally compromised
patients undergoing hemodialysis. A prospective study was conduced during six months in
the hemodialysis unit of private practice of Rio de Janeiro, Brasil. Patient were interviewed
and records were reviewed to identify prescribed medications, medication indication and
medication-related problems. Correlations were perfomed to determine whether
associations exist between medication-related problems, patiente age, number of
medications, knowledge about treatment and time of performance of hemodialysis therapy.
Patient's level of knowledge about treatment was also measured. Medication-related
problems were classified based on Pharmacist`s Workup of Drug Therapy. Fifty seven
medication-related problems were identified with 65 patients. The incidence of these
events was found to be 0,88 per patient reviewed. The most common medication-related
problem identified in our study was incorrect administration by the patient (26,3%)
followed by frequency of use or inadequate duration (17,5%). Sevelamer and calcium
carbonate were the most common medications implicated in causing these events. The
level of knowledge about treatment of patients mostly found was regular (46%).The
current study indicated that hemodialysis patients suffer from multiple medication-related
problems mostly related to low adherence and effectiveness. Clinical pharmacists
substantially contributed towards the care of hemodialysis patients through optimizing
therapies and detecting medication-related problems.
KEY WORDS: Pharmaceutical care. Renal dialysis. Medication-related problems.
LISTA DE SIGLAS
IECA – Inibidores da enzima conversora da angiotensina
DRC – Doença renal crônica
DRT – Doença renal terminal
DP - Diálise peritoneal
eTFG – Taxa de filtração glomerular estimada
HD- Hemodiálise
MS – Ministério da Saúde
PNM – Política Nacional de Medicamentos
PRM – Problemas relacionados aos medicamentos
PTH - Paratormônio
SBN - Sociedade Brasileira e Nefrologia
SCR – Creatinina sérica
SUS – Sistema Único de Saúde
TFG – Taxa de filtração glomerular
TRS – Terapias renais substitutivas
LISTA DE SIGLAS – INGLÊS
AER – Taxa de excreção da albumina
CKD-EPI – Chronic kidney disease epidemiology collaboration
ESRD – Doença renal em estágio final
KDOQI – Kidney disease outcomes quality initiative
KDIGO – Kidney disease improving global outcomes
MDRD – Modification of diet in renal disease
NKF - National Kidney Foundation
LISTA DE FIGURAS
Gráfico 1
Número de medicamentos utilizados pelos pacientes do estudo...............
47
Gráfico 2
Nível de conhecimento dos pacientes sobre o tratamento farmacológico
48
Gráfico 3
Correlação entre a ocorrência de problemas relacionados aos
59
medicamentos e a idade..............................................................................
Gráfico 4
Correlação entre a ocorrência de probemas relacionados aos
60
medicamentos e o tempo de realização de hemodiálise..............................
Gráfico 5
Correlação entre a ocorrência de problemas relacionados aos
61
medicamentos e o nível de conhecimento sobre o tratamento....................
Gráfico 6
Correlação entre a ocorrência de problemas relacionados aos
medicamentos e o número de medicamentos utilizados.............................
62
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Equações MDRD e CKD-EPI para estimação da TFG....................................
22
Quadro 2. Classificação da taxa de filtração glomerular segundo a KDIGO (2012)........
24
Quadro 3. Taxa de excreção da albumina segundo a KDIGO (2012)...............................
25
Quadro 4. Fluxo da atenção farmacêutica segundo Cipolle, Strand e Morley (2004).......
41
Quadro 5. Classificação dos PRM, conforme Cipolle, Strand e Morley (2004)...............
42
Quadro 6. Procedimentos para o acompanhamento dos pacientes durante o estudo.........
44
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Distribuição dos pacientes segundo a etiologia da DRC...................................
46
Tabela 2. Medicamentos utilizados pela população do estudo..........................................
50
Tabela 3. Problemas relacionados aos medicamentos relativos à indicação.....................
54
Tabela 4. Problemas relacionados aos medicamentos relativos à efetividade...................
55
Tabela 5. Problemas relacionados aos medicamentos relativos à adesão..........................
57
Tabela 6. Intervenções farmacêuticas no período do estudo.............................................
63
SUMÁRIO
Conteúdo
1
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 15
2
OBJETIVOS ................................................................................................................................ 17
2.1 Objetivo geral ......................................................................................................................... 17
2.2 Objetivos específicos .............................................................................................................. 17
3
FUNDAMENTAÇÃO TEORICA ................................................................................................... 18
3.1 EPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA RENAL CRÔNICA ..................................................................... 18
3.2 HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA RENAL CRÔNICA ................................................................ 18
3.3 DEFINIÇÃO DE DOENÇA RENAL CRÔNICA .............................................................................. 20
3.3.1 Dano Renal ...................................................................................................................... 20
3.3.2 Diminuição da Taxa de Filtração Glomerular .................................................................. 21
3.4 ESTIMAÇÃO DA TAXA DE FITRAÇÃO GLOMERULAR............................................................... 22
3.5 ESTADIAMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA ..................................................................... 24
3.6 MANEJO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA EM ADULTOS ........................................................... 27
3.7 TERAPIAS RENAIS SUBSTITUTIVAS ......................................................................................... 31
3.8 POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA E DOENÇA RENAL CRÔNICA ............................ 34
3.9 SERVIÇOS FARMACÊUTICOS EM NEFROLOGIA ...................................................................... 36
4
MATERIAIS E MÉTODOS ........................................................................................................... 40
4.1 Desenho, local e período do estudo ...................................................................................... 40
4.2 Seleção dos pacientes ............................................................................................................ 40
4.3 Critérios de inclusão ............................................................................................................... 41
4.4 Critérios de exclusão .............................................................................................................. 41
4.5 Procedimentos para coleta dos dados ................................................................................... 41
4.6 Análise estatística ................................................................................................................... 45
4.7 Aspectos éticos ....................................................................................................................... 46
5
RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................................................... 47
6
CONCLUSÃO ............................................................................................................................. 65
7
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 66
8
APENDICES ............................................................................................................................... 72
Apêndice A – Termo de consentimento livre e esclarecido ......................................................... 72
Apêndice B – Instrumento de Coleta de dados............................................................................ 73
Apêndice C - Folder ilustrado para orientação quanto a administração de medicamentos ...... 76
9
ANEXOS .................................................................................................................................... 78
Anexo A – Parecer comitê de ética .............................................................................................. 78
15
1
INTRODUÇÃO
A doença renal crônica (DRC) pode ser definida como o comprometimento
prolongado e irreversível da função renal. No Brasil, censo realizado pela Sociedade
Brasileira de Nefrologia (SBN) estimou que, em 2011, havia mais de noventa e um mil
pacientes em hemodiálise, valor subestimado em função da baixa taxa de resposta ao censo
(SESSO, et al, 2011).
Os pacientes renais crônicos estão, em geral, submetidos a um tratamento
medicamentoso complexo, envolvendo um grande número de medicamentos com várias
administrações diárias. Desta forma, estão também sujeitos a um elevado número de
problemas relacionados aos medicamentos (PRM), entre eles a baixa adesão à terapia
medicamentosa e questões relacionadas à segurança (MANLEY, et al., 2005; PETER,
WAZNY, PATEL, 2013). A doença renal pode, ainda, ocasionar alterações da
biotransformação e da eliminação dos medicamentos. Em caso de necessidade de diálise,
os procedimentos dialíticos podem alterar a farmacocinética de alguns fármacos, exigindo
monitoramento e ajuste de dose (CASTELINO, et al.; 2011).
Mesmo com a disponibilidade de tratamentos efetivos e com os avanços nos
procedimentos dialíticos, a morbidade e a mortalidade de pacientes renais em estágio
avançado da doença continuam elevadas. Para melhorar os resultados e reduzir os custos
do tratamento, programas de manejo têm sido propostos, destinados a reforçar o cuidado a
esse grupo (ABURUZ et al, 2013).
Evidências apontam para a necessidade de melhoria da assistência à saúde aos
pacientes renais crônicos em países em desenvolvimento. Consequentemente, mudanças
nos modelos de atenção têm sido defendidas, incluindo a adoção e implementação de
medidas baseadas em evidências científicas e guias terapêuticos, além do modelo de
esforços colaborativos em equipe multiprofissional (STEMER, LEMMENS-GRUBER,
2011; ABURUZ et al, 2013).
Uma das dificuldades que os profissionais da área assistencial em terapias dialíticas
têm enfrentado, diz respeito à baixa adesão ao tratamento, tanto dialítico, dietético, quanto
medicamentoso. A adesão está associada com habilidades para manter o comportamento
relacionado ao plano de cuidados desenvolvido, envolvendo ações voltadas para utilização
16
dos medicamentos, controle da alimentação, ingestão hídrica e, muitas vezes, mudanças de
conduta (GUERRERO, MUJICA, ALBORNOZ, 2010).
Particularmente em relação à doença renal em estágio avançado, cabe ressaltar que
sua presença não altera somente a condição de saúde do paciente acometido, repercutindo
no estado emocional, econômico e social. Uma vez estabelecido um programa de diálise,
os pacientes se veem obrigados a submeterem-se a um tratamento restrito, receberem
intervenções dolorosas e manifestarem diferentes expectativas em relação à realização do
transplante renal. Estes aspectos afetam o paciente, e podem diminuir sua colaboração em
relação ao tratamento (GUERRERO, MUJICA, ALBORNOZ, 2010).
Uma equipe multiprofissional composta por médicos, enfermeiros, nutricionistas,
psicólogos e farmacêuticos compartilha o objetivo de prevenir a progressão da doença em
estágios iniciais e de fornecer as melhores alternativas para o controle da doença em
estágios avançados. Profissionais farmacêuticos qualificados podem estar envolvidos no
cuidado direto ao paciente, assim como interagirem com outros profissionais de saúde,
abordando necessidades para a melhoria do tratamento (STEMER; LEMMENS-GRUBER,
2011).
No entanto, são escassos os trabalhos que tratam da atuação do profissional
farmacêutico junto a este grupo de pacientes, bem como que documentem os PRM
enfrentados e as estratégias de enfrentamento propostas. Desta forma, o presente trabalho
visou documentar os PRM de um grupo de pacientes em tratamento hemodialítico em uma
clínica privada no município do Rio de Janeiro. Espera-se, desta forma, contribuir com o
desenvolvimento da prática farmacêutica no acompanhamento destes pacientes.
17
2
OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral
Documentar e analisar a natureza e a extensão dos problemas relacionados aos
medicamentos em pacientes em tratamento hemodialítico.
2.2 Objetivos específicos
 Caracterizar o grupo de estudo.
 Mensurar o nível de conhecimento dos pacientes sobre seu tratamento
farmacológico.
 Documentar os problemas relacionados aos medicamentos na população estudada.
 Verificar a associação entre a ocorrência de problemas relacionados aos
medicamentos com a idade, o nível de conhecimento dos pacientes sobre o tratamento, o
número de fármacos utilizados e o tempo de realização de hemodiálise no grupo de estudo.
18
3 FUNDAMENTAÇÃO TEORICA
3.1 EPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA RENAL CRÔNICA
A prevalência da doença renal crônica (DRC), em geral definida como
comprometimento prolongado e irreversível da função renal, é consideravelmente maior
que o número de pacientes com doença renal terminal (DRT).
Esta última acomete
atualmente quinhentas mil pessoas ou mais nos Estados Unidos e cerca de dezesseis por
cento da população adulta do Reino Unido (GANSEVOORT et al., 2011; LONGO et al.,
2013).
No Brasil, a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) realiza um censo nacional
anual dos pacientes com doença renal crônica em programa crônico de diálise a partir de
informações fornecidas pelos centros de diálise cadastrados. Segundo este censo, em 2011,
o número de pacientes em diálise no país atingiu noventa e um mil e trezentos e quatorze.
No entanto, vale ressaltar que das seiscentas e oitenta e sete unidades de diálise
cadastradas, apenas trezentas e cinquenta e três (54,9%) responderam ao questionário
(SESSO, et al, 2011), sendo os casos no Brasil subestimados. Deve-se ainda levar em
consideração que as clínicas de diálise não atendem pacientes nos estágios I a IV da DRC e
a inexistência de dados da totalidade das unidades de atendimento. (SESSO, et al, 2011).
O censo de 2011 aponta ainda para a predominância da modalidade de tratamento
por hemodiálise, correspondendo a 90,6% dos pacientes em terapia dialítica, ao passo que
9,4% realizam diálise peritoneal, com a modalidade automatizada em maior proporção
(SESSO, et al, 2011).
3.2 HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA RENAL CRÔNICA
A doença renal crônica pode ser definida como um grupo heterogêneo de
distúrbios, caracterizados por alterações estruturais e funcionais dos rins, as quais se
manifestam de diversas formas dependendo da doença subjacente e sua severidade. Dentre
os fatores de risco da DRC estão predisposição genética ou sociodemográfica, ou a
presença de doenças que possam iniciar e propagar a DRC. A insuficiência renal em
19
estágio final geralmente refere-se aos casos tratados com diálise ou transplante (LEVEY et
al., 2005).
O curso da doença é habitualmente assintomático nos estágios iniciais. Os
sintomas aparecem em estados tardios, em associação com as complicações. Além das
conhecidas complicações hormonais e metabólicas, como anemia e hiperparatiroidismo, a
doença implica em maior risco para toxicidade por medicamentos, doença cardiovascular,
infecções, comprometimento cognitivo e debilidade física (FINK et al., 2009; WILHELM
et al., 2009).
A injúria renal pode resultar em uma variedade de manifestações clínicas, variando
de hematúria assintomática a falência renal com necessidade de diálise. Alguns quadros
são superados totalmente, como a glomerulonefrite pós-estreptocócica em crianças,
frequentemente associada a prognóstico benéfico em longo prazo. Em paralelo, alguns
pacientes com quadro de nefrite lúpica apresentam insultos repetidos ao parênquima renal,
levando ao dano persistente (ABBOUD; HENRICH, 2010).
Além das variações características das diferentes doenças, as diferentes
manifestações estão relacionadas ainda ao modo como o rim responde à injúria. Os rins se
adaptam ao dano aumentando a taxa de filtração nos néfrons remanescentes, processo
denominado hiperfiltração adaptativa. Por esse motivo, pacientes com insuficiência renal
podem apresentar valores séricos de creatinina próximos aos valores de referência.
Mecanismos
homeostáticos
adicionais
ocorridos
nos
túbulos
renais
permitem
concentrações séricas de sódio, potássio, cálcio, fósforo e quantidade de água corporal
próximos aos valores normais, particularmente em pacientes com insuficiência renal leve a
moderada (ABBOUD; HENRICH, 2010).
A hiperfiltração adaptativa, embora inicialmente benéfica, parece resultar, em longo
prazo, em dano glomerular nos néfrons remanescentes, resultando em proteinúria e doença
renal progressiva. Algumas medidas podem prevenir essa progressão, como a terapia antihipertensiva com inibidores da enzima conversora da angiotensina e antagonistas dos
receptores de angiotensina (STEVENS; LEVIN, 2013).
A diminuição gradual da função renal em pacientes com DRC, inicialmente
assintomática, apresenta diferentes sinais e sintomas conforme a doença evolui, incluindo
hipervolemia, hipercalemia, acidose metabólica, hipertensão, anemia e distúrbios minerais
20
e ósseos. O início do estágio final da doença resulta em variadas manifestações,
denominadas uremia (STEVENS; LEVIN, 2013).
As manifestações clínicas da uremia incluem anorexia, náusea, vômito, pericardite,
neuropatia periférica e anormalidades do sistema nervoso central que variam de letargia,
diminuição da concentração, convulsões, coma e morte. Não há correlação direta entre os
níveis séricos de ureia ou creatinina e o aparecimento desses sintomas. Alguns pacientes
apresentam elevações sutis e se apresentam marcadamente sintomáticos, enquanto outros
possuem valores bem elevados e não apresentam sintomas. Para manutenção da vida,
pacientes urêmicos requerem terapia de substituição renal com hemodiálise, diálise
peritoneal ou transplante renal (LONGO et al., 2013).
3.3 DEFINIÇÃO DE DOENÇA RENAL CRÔNICA
A DRC é definida pela presença de dano renal ou diminuição da função por três
meses ou mais, independente da causa. O fator tempo é essencial para diferenciá-la de um
quadro agudo. O dano renal refere-se a anormalidades patológicas, estabelecidas pela
biópsia renal ou estudos de imagem, ou por marcadores como anormalidades no sedimento
urinário ou aumento das taxas de excreção de albumina na urina. A diminuição da função
reflete-se na taxa de filtração glomerular (TFG), que é usualmente estimada (eTFG),
usando-se o valor da creatinina sérica (GANSEVOORT et al, 2011; NITSCH et al, 2013).
3.3.1 Dano Renal
O dano renal é detectado, na maioria dos casos, pela presença de um dos seguintes
marcadores clínicos:
3.3.1.1 Albuminúria
Na prática clínica é o marcador mais utilizado. Reflete um aumento da
permeabilidade glomerular às macromoléculas. Pode refletir doença primária ou
envolvimento renal em doenças sistêmicas, sendo característica de disfunção endotelial. É
encontrada em hipertensão, diabetes, hipercolesteromia, tabagismo, obesidade entre outras
(MATSUSHITA et al, 2010).
21
Diferentes métodos têm sido utilizados para a determinação da albuminúria,
apresentando a relação albumina/creatinina, ou “spot” urinário algumas vantagens. Os
valores aceitáveis para este marcador são de trinta mg/g.
De acordo com as recomendações da KDIGO (Kidney disease improving global
outcomes), a albuminúria deve fazer parte da definição da DRC. Indivíduos com valores
acima de trinta mg/g têm aumento do risco para todas as causas de mortalidade
cardiovascular, insuficiência renal em estágio terminal, insuficiência renal aguda e
progressão da DRC em comparação com quem possui baixa excreção, mesmo quando a
taxa de filtração glomerular permanece preservada (STEVENS; LEVIN, 2013; NITSCH et
al, 2013).
3.3.1.2 Anormalidades no sedimento urinário
A presença de eritrócitos e leucócitos no sedimento urinário pode indicar presença
de dano glomerular ou inflamação tubular.
3.3.1.3 Exames de imagem
O dano renal pode ser detectado pela presença de anormalidades ao exame, como
rins policísticos, hidronefrose e rins diminuídos.
3.3.1.4 Anormalidades patológicas
Podem ser encontradas pela biópsia renal, evidenciando lesões glomerulares,
vasculares ou túbulo-intersticiais.
3.3.2 Diminuição da Taxa de Filtração Glomerular
A TFG é considerada o melhor indicador da função renal, e seu declínio marca a
progressão da doença. Valores de TFG variam em indivíduos normais de acordo com a
idade, o sexo, a ingestão proteica e a etnia, embora a magnitude das variações entre as
etnias não seja plenamente conhecida. Através da mensuração em indivíduos saudáveis e
acometidos pela doença, convencionou-se que a diminuição é caracterizada por valores
abaixo de sessenta ml/mim/1,73m2, enquanto a falência renal é definida por valores
inferiores a quinze ml/min/1,73m2 ou tratamento dialítico (LEVEY; STEVENS; CORESH,
2009).
22
A TFG pode ser medida diretamente através do clearence de marcadores exógenos,
como a inulina e o iotalamato. Entretanto estes são métodos mais complexos para
implementação nas unidades de saúde. Logo, na prática clínica, a taxa é usualmente
estimada a partir da creatinina sérica, um marcador endógeno (JAIN et al., 2009).
Na rotina, indivíduos que possuem eTFG (taxa de filtração glomerular estimada)
inferior a sessenta ml/mim/1,73m2 são definidos como renais crônicos. Assim, possuem
risco aumentado para todas as causas de mortalidade cardiovascular, insuficiência renal em
estágio terminal, insuficiência renal aguda e progressão da doença em comparação aos que
possuem eTFG superior a sessenta ml/mim/1,73m2, mesmo quando a razão
albumina/ceatinina permanece normal (HEMMELGARN et al., 2010).
3.4 ESTIMAÇÃO DA TAXA DE FITRAÇÃO GLOMERULAR
Diferentes equações utilizam a creatinina sérica em combinação com a idade, etnia e
superfície corporal como substitutos dos determinantes não glomerulares, proporcionando
uma estimação mais precisa do que a creatinina sérica isolada.
A equação Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) é a mais usada nos
Estados Unidos. Entretanto a Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKDEPI) é mais sensível, principalmente para valores inferiores a sessenta ml/mim/1,73m2.
Ambas as equações usam idade, sexo e etnia juntamente com a creatinina sérica,
considerando duas raças: negros e não negros (JAIN et al., 2009) (Quadro 1).
23
Quadro 1. Equações MDRD e CKD-EPI para estimação da TFG
Equação
Fórmula
MDRD (ml/min/1,73m2)
186 x (Scr) -1,154 x (idade) -0,203 x (0,742 se sexo feminino)
x (1,210 se afro-americano)
CKD-EPI (ml/min)
141 x min(Scr/κ,1)α x max(Scr/κ,1)-1.209 x 0.993Age x 1.018
(se sexo feminino) x 1.159 (se afro-americano)
A creatinina sérica (Scr) deve estar em mg/dL; k é 0,7 para indivíduos do sexo feminino e 0,8 para
masculino; α é -0,329 para indivíduos femininos e -0,411 para masculinos; “min” indica o mínimo de
Scr/k ou 1 e “max” indica o máximo de Scr/k ou 1
A cistatina C é um marcador alternativo aos endógenos, com certas vantagens em
relação à creatinina para estimação da TFG, pois determinantes não glomerulares são
menos afetados pela etnia e massa muscular, e pelo maior valor preditivo da doença
cardiovascular subsequente e mortalidade. A utilização da cistatina C e creatinina de forma
conjunta confere maior sensibilidade à estimação da TFG (INKER, et al., 2012).
Como todos os testes diagnósticos, a interpretação da eTFG deve ser avaliada pela
probabilidade do indivíduo estar doente. Uma diminuição isolada em indivíduos saudáveis
é, provavelmente, um falso positivo se comparada à diminuição em indivíduos com outros
marcadores de dano renal ou que possuam fatores de risco conhecidos para a ocorrência da
doença (JAIN et al., 2009).
A confirmação da diminuição da TFG através do clearence de substâncias
exógenas é requerida quando decisões mais precisas são necessárias, como por exemplo,
critérios de elegibilidade para doação de órgão ou ajuste de dose de fármacos tóxicos com
excreção renal. Na maioria dos casos, a mensuração da TFG por metodologias diretas não
é necessária, sendo a eTFG apropriada para o diagnóstico, estadiamento e manejo da DRC
(MATZKE et al., 2011; INKER, et al., 2012).
A creatinina é derivada do metabolismo da creatina na musculatura esquelética e
proveniente da ingestão de carne na dieta. Ela é liberada para a circulação em uma taxa
constante. A creatinina é livremente filtrada pelos glomérulos, e não possui reabsorção
nem metabolismo renal. No entanto, dez a quarenta por cento da creatinina urinária é
24
derivada da secreção tubular pelas vias secretoras de cátions orgânicos no túbulo proximal
(FAN et al., 2014).
Os valores de referência para a creatinina sérica são, em média, 1,13 e 0,93 mg/dl
para homens e mulheres, respectivamente. Os valores médios podem variar com a etnia. Os
valores inferiores em mulheres se devem à menor quantidade de massa muscular, e assim
menor taxa de produção de creatinina (FAN et al., 2014).
Para se estabelecer o diagnóstico de DRC é necessário que o dano renal ou a
diminuição da função seja persistente por pelo menos três meses. Quando houver evidência
de dano renal ou diminuição da função, a confirmação da cronicidade pode ser obtida
através do resgate das estimações prévias da TFG, da albuminúria e proteinúria, das
análises do sedimento urinário, dos achados em exames de imagens ou por medições
repetidas durante os três meses (ANDERSON et al., 2012).
A creatinina pode ser utilizada para estimar a TFG em pacientes com função renal
estável. No curso inicial da insuficiência renal aguda, por exemplo, a TFG é marcadamente
reduzida, porém ainda não houve tempo para a creatinina se acumular e refletir o grau de
disfunção renal (ANDERSON et al., 2012). As principais limitações do uso da creatinina
para estimar a TFG incluem variações na síntese, secreção e excreção extrarenal (INKER,
et al., 2012).
3.5 ESTADIAMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA
O estadiamento da DRC é feito para avaliar o risco da progressão e suas
complicações. Com esta informação é possível estabelecer o tratamento adequado, seu
acompanhamento e quais medidas educativas serão necessárias. A classificação da DRC é
feita de acordo com a causa da doença, o estágio em que se encontra e o grau de
albuminúria (TANGRI et al., 2011) (Quadros 2 e 3).
25
Quadro 2. Classificação da taxa de filtração glomerular segundo a KDIGO (2012)
TFG (ml/min/1,732)
Explicação
G1
≥90
Normal ou aumentada
G2
60-89
Diminuição suave
G3a
45-59
Suave à moderada diminuição
G3b
30-44
Suave à severa diminuição
G4
15-29
Diminuição severa
G5
<15
Falência renal
Categoria
Quadro 3. Taxa de excreção da albumina segundo a KDIGO (2012)
Categoria
AER
mg/24horas
A1
<30
Relação
Relação
Explicação
albumina/creatinina albumina/creatinina
mg/mmol
mg/g
<3
<30
Normal a
aumento
suave
A2
30-300
3-30
30-300
Aumento
moderado
A3
>300
>30
>300
Aumento
severo
A identificação da doença de base, por exemplo, diabetes, hipertensão, toxicidade
por fármacos, doenças autoimunes, obstruções do trato urinário, entre outras, possibilita
terapia específica, com o objetivo de prevenir a progressão da doença renal. Além disso, a
causa da doença renal tem implicações no risco de complicações. Pode ser difícil
determinar a causa das doenças renais e, na prática clínica, busca-se elucidá-las através da
avaliação de outras condições de saúde (TCHEUGUI-ECHOUFFO; KENGNE, 2012).
26
A taxa de filtração glomerular possui seis subdivisões para refletir com mais
precisão a associação entre menor TFG, risco de mortalidade e resultados adversos nos
rins. A adição da albuminúria no estadiamento da DRC é relativamente recente e justificase devido ao risco aumentado para eventos cardiovasculares e sua progressão. O aumento
do risco é significativo para taxas de excreção de albumina superiores a trinta mg/g,
mesmo quando a TFG se mantém superior a sessenta ml/min/1,73m2, revelando assim
dano renal (TANGRI et al., 2011).
O estadiamento pode ajudar a determinar como e com qual frequência os pacientes
com DRC devem ser tratados e acompanhados. A previsão do risco de cada paciente pode
ser feita por instrumentos de predição de risco, contemplando ainda idade, sexo, etnia,
níveis de colesterol e tabagismo (STEVENS; LEVIN, 2013).
A referência ao especialista não se consolidou como prática uniforme, apresentando
variações
dentro
de
um
mesmo
país.
Consequentemente,
existem
numerosas
recomendações para encaminhamento ao nefrologista, embora nenhuma tenha sido
universalmente adotada. Entretanto tem se tornado consenso que pacientes com severa
diminuição da eTFG devem ser referenciados ao nefrologista. Pacientes em estágio quatro
(G4) têm demonstrado um quadro progressivo, com maior risco para doença renal em
estágio final (ESRD). Nesses casos o encaminhamento tardio tem sido associado com
maior mortalidade após o início da diálise (STEVENS; LEVIN, 2013).
Pacientes com diminuição severa da função requerem preparação para o próximo
estágio. Essa etapa envolve a discussão sobre as terapias renais substitutivas (TRS), ou
terapia conservadora para os que não desejam as modalidades de TRS. Tem sido consenso
o encaminhamento ao nefrologista dos pacientes com eTFG inferior a trinta
ml/min/1,73m2, ou que tenha os achados clínicos: relação albumina/creatina na urina igual
ou superior a trezentos mg/g; hematúria não urológica; impossibilidade de estabelecer a
causa; queda da TFG superior a trinta por cento em quatro meses; dificuldade de manejo
das complicações; potássio acima de cinco e meio meq/l; hipertensão resistente;
nefrolitíase recorrente; doença renal hereditária; idade inferior a dezoito anos (TANGRI et
al., 2011).
27
3.6 MANEJO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA EM ADULTOS
O manejo dos pacientes renais crônicos envolve o tratamento das causas reversíveis
da falência renal, a prevenção ou diminuição da progressão, o tratamento das
complicações, o ajuste de doses quando apropriado de acordo com a eTFG, a identificação
e adequada preparação do paciente quando da necessidade de alguma modalidade de TRS
(TCHEUGUI-ECHOUFFO; KENGNE, 2012).
A progressão da DRC está relacionada com fatores secundários, além da atividade
inicial da doença. Os fatores majoritariamente envolvidos estão relacionados com
hipertensão intraglomerular e hipertrofia glomerular, as quais são respostas adaptativas da
hiperfiltração, levando a cicatrizes (glomeruloesclerose). Causas adicionais incluem
hipertensão, hiperlipidemia, acidose metabólica e doença do túbulo intersticial (FINK et
al., 2009; WILHELM et al., 2009).
O achado histológico característico de lesão renal hemodinamicamente mediada
mais comumente encontrado é a glomeruloesclerose focal e segmentar secundária. A
proteinúria é marcadamente presente em pacientes com DRC progressiva (FINK et al.,
2009; WILHELM et al., 2009).
A terapia para diminuir o decaimento da TFG em pacientes crônicos, independente
da doença de base, é focada no controle da pressão arterial e da proteinúria. O controle da
proteinúria é feito com inibidores da ECA ou antagonistas dos receptores da angiotensina,
devido aos seus efeitos renoprotetores. Os efeitos adversos mais comumente encontrados
relacionados à inibição da angiotensina são a redução da TFG e hipercalemia (TEDLA et
al., 2011).
Outras medidas de proteção renal incluem restrição proteica na dieta, terapia com
estatinas, cessação do fumo e tratamento da acidose metabólica com bicarbonato (TEDLA
et al., 2011).
Uma ampla variedade de desordens pode ocorrer como consequência da perda da
função renal, incluindo desequilíbrio hídrico e hidroeletrolítico como hipervolemia,
hipercalemia, acidose metabólica e hiperfosfatemia; além de anormalidades hormonais ou
disfunções sistêmicas, exemplificadas por anorexia, náusea, vomito, fadiga, hipertensão,
28
anemia, desnutrição, hiperlipidemia e doença óssea. Todas estas questões devem ser
avaliadas (CASTELÃO-MARTINEZ et al., 2014).
Uma vez atingida a doença renal em estágio final (eTFG inferior a quinze
ml/min/1,73m2), os sinais e sintomas relacionados a uremia começam a aparecer. A
desnutrição é comum nesse estágio, principalmente pela baixa ingestão devido à anorexia,
além da diminuição da absorção intestinal, digestão e acidose metabólica. A monitorização
nutricional é necessária e baixas concentrações de albumina sérica e baixo peso requerem
controle mensal a trimestral (LONGO et al., 2013).
Avanços na assistência aos pacientes renais em estágio final tem diminuído a
incidência de pericardite, mas esse problema continua sendo associado significativamente
com morbidade e ocasional mortalidade. Febre, dor torácica pleurítica e atrito pericárdico
são as apresentações mais comuns da pericardite. A sua ocorrência é indicativo para
instituir a diálise. A maioria dos pacientes apresenta resposta rápida (WOOD;
MAHNENSMITH; 2001).
A disfunção do sistema nervoso central e periférico, incluindo a encefalopatia
convulsões, coma, polineuropatia e mononeuropatia são complicações importantes. Esses
quadros têm se tornado menos comuns devido à tendência de iniciação da diálise
precocemente (WATANABE; WATANABE; NAKAYAMA; 2014).
Os rins desempenham papel importante no metabolismo, degradação e excreção
dos hormônios tireoidianos. Assim, a DRC altera a fisiologia da tireóide. Entretanto a
sobreposição da sintomatologia entre a síndrome urêmica e hipotiroidismo requer uma
interpretação cautelosa dos testes de função da tireóide (IGLESIAS; DIEZ, 2009).
A habilidade de excreção de potássio é mantida tanto quanto a secreção de
aldosterona. A hipercalemia geralmente se desenvolve em pacientes oligúricos ou aqueles
que possuem problemas adicionais, como alta ingestão de potássio, aumento da degradação
tecidual e hipoaldosterismo. Na DRC avançada, a capacidade de captação do potássio pode
estar comprometida, contribuindo para aumentos séricos (JAIN, et al., 2012).
Algumas medidas podem ajudar a prevenir a hipercalemia, incluindo diminuir a
ingestão na dieta e evitar a utilização de fármacos que aumentam o potássio sérico, como
os anti-inflamatórios não esteroides. Beta bloqueadores podem causar um aumento pósprandial, mas não hipercalemia persistente (RAEBEL, 2012).
29
Pacientes renais crônicos possuem tendência a retenção de hidrogênio, o que pode
progressivamente levar a acidose metabólica, com tendência para estabilização do
bicarbonato entre doze e vinte mEq/L e raramente abaixo de dez mEq/L. A acidose pode
ser tratada com suplementação de bicarbonato, com atenção requerida da volemia, devido
ao sódio em sua composição (DI LORIO et al., 2012).
A hiperfosfatemia é uma complicação relativamente comum. A tendência para
retenção de fosfato começa precocemente com a diminuição da filtração do eletrólito.
Tardiamente
à
diminuição
da
filtração,
pode-se
desenvolver
um
quadro
de
hiperparatiroidismo secundário (MOLONY et al., 2011).
Do ponto de vista do balanço cálcio/fosfato, a hipersecreção do paratormônio
(PTH) consegue corrigir a hiperfosfatemia e a hipocalcemia. Como resultado, o balanço do
fosfato é mantido em pacientes com eTFG superior a trinta ml/min/1,732. A consequência
é o hiperparatiroidismo secundário e a osteodistrofia renal (MOLONY et al., 2011).
A restrição da ingestão de fosfato e o uso de quelantes podem limitar o
desenvolvimento do hiperparatiroidismo secundário. O aumento da ingestão de cálcio pode
acarretar em calcificações nas artérias coronárias e o desenvolvimento de aterosclerose
(MOLONY et al., 2011).
As alterações estruturais no tecido ósseo mais comuns na DRC incluem a osteíte
fibrosa, a osteomalácia e a doença óssea adinâmica. O nível de PTH deve ser mensurado
em pacientes crônicos, pois constituem um marcador de anormalidades minerais e do
metabolismo ósseo (MOLONY et al., 2011).
A prevenção ou tratamento da osteíte fibrosa em pacientes até o estágio quatro é
baseado no controle da ingestão de fosfato, na utilização de quelantes e análogos da
vitamina D para supressão da secreção de PTH (MOLONY et al., 2011).
O calcitriol - o metabólito ativo da vitamina D - é sintetizado principalmente nos
rins. O metabólito começa a diminuir quando a eTFG se torna inferior a quarenta
ml/min/1,73m2 e, é marcadamente menor em pacientes em estágio final da DRC. Isso se
deve à diminuição da massa renal e à retenção de fosfato (PALMER et al., 2009).
Agentes calcimiméticos aumentam alostericamente a sensibilidade dos receptores
de cálcio na paratireoide. Este é o principal fator regulatório para a secreção de PTH e
hiperplasia da glândula. O mecanismo de ação dos calcimiméticos é complementar e
30
potencialmente sinérgico com os análogos da vitamina D. Apesar de aprovação para
tratamento de pacientes em terapia dialítica, esses agentes estão sendo avaliados para
pacientes até o estágio quatro (BALLINGER et al., 2014).
A hipertensão está presente em oitenta a oitenta e cinco por cento dos pacientes
com DRC. O tratamento pode retardar a progressão da proteinúria e reduzir a taxa de
complicações cardiovasculares. O controle da pressão arterial é atingido de forma segura
com terapia combinada, usualmente iniciada com inibidores da ECA ou antagonistas dos
receptores da angiotensina, aliado a um diurético (TEDLA et al., 2011).
A pressão arterial ideal em pacientes hipertensos renais crônicos é incerta. A taxa
de diminuição da eTFG parece aumentada quando a média da pressão arterial permanece
igual ou superior a cem mm de Hg. A diminuição da progressão da DRC depende, em
parte, da diminuição da proteinúria. As metas da pressão arterial devem ser
individualizadas, considerando a presença de comorbidades, idade, risco de progressão da
doença e tolerância ao tratamento (TEDLA et al., 2011).
A anemia na DRC se apresenta, na maioria dos casos, com células normocíticas e
normocrômicas, devendo-se principalmente pela diminuição da produção de eritropoetina
pelos rins – um reflexo da redução da massa renal funcional – e pela redução do tempo de
vida das células vermelhas. A partir da eTFG abaixo de sessenta ml/min/1,732, torna-se
mais frequente (CASTELÃO-MARTINEZ et al., 2014).
Assim, pacientes renais sem anemia devem ser monitorados sempre que
clinicamente indicado ou pelo menos anualmente para indivíduos em estágio III e
semestralmente para estágio IV e V. Pacientes em diálise renal necessitam de controle
trimestral e, aqueles que possuem anemia, mensal (CASTELÃO-MARTINEZ et al., 2014).
Os valores de referência da hemoglobina são maior que doze g/dl para mulheres e
superior a treze g/dl para homens. Se não tratados, pacientes com doença renal avançada
tendem a estabilizar em oito g/dl, na ausência de sangramento e hemodiálise. A anemia
observada na DRC é diagnosticada pela exclusão de causas não renais em pacientes com
diminuição da eTFG, incluindo avaliação de células vermelhas, contagem de reticulócitos,
ferro sérico, capacidade de ligação, saturação da transferrina, ferritina, vitamina B12 e
folato (CASTELÃO-MARTINEZ et al., 2014).
31
Anormalidades
do
metabolismo
lipídico
são
comuns
na
DRC.
A
hipertrigliceridemia costuma ser o primeiro achado, enquanto o colesterol total usualmente
permanece dentro da normalidade. A avaliação inicial do perfil lipídico em pacientes que
não usam estatinas deve ser associada ao risco cardiovascular e possíveis causas
secundárias, como síndrome nefrótica, hipotiroidismo, diabetes, consumo excessivo de
álcool ou doença hepática (WILHELM et al., 2009; TONELLI; WANNER, 2013).
3.7 TERAPIAS RENAIS SUBSTITUTIVAS
A identificação dos pacientes que podem, eventualmente, requerer TRS e sua
preparação pode diminuir a mortalidade. Isso possibilita o início da terapia dialítica com
acesso funcional, a triagem dos familiares para realização do transplante renal antes da
diálise, e um maior período de tempo para aceitação psicológica da necessidade da terapia
de substituição renal e sua modalidade adequada: diálise peritoneal, hemodiálise e
transplante renal (VANHOLDER et al., 2012).
A progressão da DRC é variável conforme o curso da doença de base e com a
adoção de medidas preventivas, particularmente o controle da pressão arterial e a utilização
de inibidores da ECA e antagonistas do receptor de angiotensina. O resultado é a
dificuldade de estabelecer o momento exato para início da TRS. Alguns pacientes aceitam
iniciar a terapia mais precocemente evitando assim as complicações mais severas, como
desnutrição, ao passo que outros preferem esperar o aparecimento dos sintomas
(JOANNIDIS; FORNI, 2011).
Uma vez estipulada a indicação da TRS, o paciente deve ser informado das
vantagens e desvantagens das modalidades existentes. O tratamento conservador é uma
opção para pacientes que não desejam iniciar a TRS. A KDOQI (2012) recomenda que
pacientes com eTFG inferior a trinta ml/min/1,732 devem receber informações sobre essas
questões.
O transplante renal é o tratamento de escolha para a doença renal em estágio final.
Um transplante bem sucedido aumenta a qualidade de vida e diminui o risco de
mortalidade quando comparado à diálise. Para facilitar o transplante, recomenda-se o
32
encaminhamento ao centro transplantador para identificação de potenciais doadores vivos
(BARNETT; MAMEDE, 2011).
Para indivíduos candidatos ao transplante à espera de um doador, a escolha entre
hemodiálise e diálise peritoneal é baseada em características individuais, presença de
comorbidades, sexo, idade, situação social e tolerância a mudanças de volume (JAAR, et
al., 2009).
3.7.1Hemodiálise
A preparação para realização da hemodiálise exige acesso vascular estável, que
permita bom desempenho. O acesso é geralmente colocado na extremidade superior,
devido ao menor risco de infecção e ocorrência de problemas arteriais mais severos, como
fuga venosa. Punções venosas devem ser feitas no braço não escolhido para o acesso.
Existem três principais tipos de acesso vascular para manutenção da hemodiálise:
fístulas arteriovenosas primárias, fístulas sintéticas e cateteres duplo lúmem. Para facilitar
o acesso vascular permanente, pacientes em estágio quatro podem ser referidos para
confecção prévia (VAZQUEZ, 2009).
As fístulas arteriovenosas primárias são preferíveis para o acesso vascular, dadas
suas taxas de maior perviedade e menor ocorrência de complicações. Pelo fato desse tipo
de acesso ser preferencial e levando em consideração os procedimentos para confecção e
maturação, pacientes devem ser encaminhados para confecção um ano antes da
necessidade de hemodiálise (VAZQUEZ, 2009).
O sangue é bombeado por fibras ocas até o dialisador e banhado em uma solução de
composição química favorável, isotônica, livre de ureia e outros compostos nitrogenados e,
em geral, com baixo teor de potássio. A concentração de potássio do dialisado varia de 0 a
4 mM, dependendo do contexto clínico. Em geral, a concentração de cálcio do dialisado é
de 2,5 mg/dL, a de bicarbonato costuma ser de 35 mEq/L e a concentração de sódio é de
140 mM. Esses valores podem ser modificados de acordo com a situação clínica (LONGO
et al., 2013).
Na maioria dos casos, os pacientes são submetidos à diálise três vezes por semana,
por 3 a 4 horas. A eficiência da terapia depende, em grande parte, de sua duração, da taxa
de fluxo sanguíneo, da taxa de fluxo do dialisado e da área de superfície do dialisador
(LONGO et al., 2013).
33
As complicações mais comuns da hemodiálise são hipotensão, doença vascular
acelerada, perda rápida da função residual, trombose do acesso vascular, sepse da via de
acesso ou cateter, hemorragia, desnutrição proteico-calórica e reação anafilactoide
(LONGO et al., 2013).
3.7.2 Diálise Peritoneal
Quando a modalidade de TRS for a diálise peritoneal, o cateter será inserido na
cavidade abdominal, podendo ser utilizado imediatamente após a implantação. Entretanto,
para minimizar o risco de vazamento é preferível esperar entre 10 e 14 dias. Caso a diálise
seja requerida antes desse período, trocas realizadas na posição reclinada para diminuir o
risco de vazamento são recomendadas (VAZQUEZ, 2009).
O cateter possibilita a infusão de uma solução de dialisado na cavidade abdominal,
permitindo a transferência de solutos como ureia, potássio e outras moléculas urêmicas por
meio da membrana peritoneal, que atua como “rim artificial”. A solução se assemelha à
utilizada na hemodiálise, exceto pelo fato de que precisa ser estéril e utiliza lactato em vez
de bicarbonato, para fornecer equivalentes alcalinos (LONGO et al., 2013).
Em termos de eficiência, a diálise peritoneal é inferior na depuração da corrente
sanguínea e, por conseguinte, exige um tratamento de duração maior. Geralmente os
pacientes têm a opção de efetuar suas próprias trocas (2 a 3 litros de dialisado, 4 a 5 vezes
durante o dia) ou de utilizar um dispositivo automático à noite. As vantagens da diálise
peritoneal em relação à hemodiálise são maior independência e flexibilidade e perfil
hemodinâmico mais suave (LONGO et al., 2013).
A peritonite constitui a complicação mais importante. A apresentação clínica
consiste em dor abdominal e dialisado turvo; a contagem de leucócitos do líquido
peritoneal costuma ser maior que 100 uL, com 50% de neutrófilos. Quando grave ou
prolongado, o episódio de peritonite pode exigir a remoção do cateter peritoneal ou a
interrupção do método (VAZQUEZ, 2009).
34
3.7.3 Transplante renal
Com o advento de esquemas imunossupressores mais potentes e bem tolerados, e os
progressos na sobrevida do enxerto em curto prazo, o transplante renal continua sendo o
tratamento de escolha para a maioria dos pacientes com doença renal terminal. Os
melhores resultados são obtidos com transplante de doadores vivos aparentados, com a
vantagem da realização do procedimento sem atraso, permitindo o transplante preempivo,
ou seja, antes que o paciente tenha realizado diálise. Além disso, a compatibilidade
tecidual é otimizada (JOANNIDIS; FORNI, 2011).
Em geral, o padrão atual de cuidados é de que o paciente deve ter expectativa de
vida maior que cinco anos para que seja elegível para transplante renal, pois seus
benefícios são observados após um período perioperatório no qual a taxa de mortalidade é
maior do que pacientes comparáveis em diálise (LONGO et al., 2013).
Entretanto, nem todos os pacientes são candidatos ao transplante renal devido a
contraindicações ao procedimento ou aos medicamentos requeridos para o tratamento. A
referência para o serviço de transplante deve ser feita quando a programação para sua
realização for para o período de um ano (BARNETT; MAMEDE, 2011).
3.8 POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA E DOENÇA RENAL
CRÔNICA
O Sistema Único de Saúde, criado em 1988 pela Constituição Federal, tem como
diretrizes a universalização do acesso com equidade e a integralidade das ações e dos
serviços de saúde. O direito à assistência farmacêutica é previsto no SUS, mas a política de
assistência farmacêutica foi definida apenas dez anos depois, com a publicação da Política
Nacional de Medicamentos (PNM).
De acordo com a Resolução nº 338, de 6 de maio de 2004, do Conselho Nacional
de Saúde, que aprovou a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (BRASIL, 2004), a
assistência farmacêutica pode ser definida como o conjunto de ações voltadas à promoção,
proteção e recuperação da saúde, tanto individual como coletiva, tendo o medicamento
como insumo essencial e visando ao acesso e ao seu uso racional (BRASIL, 2004). A
35
assistência farmacêutica deve apoiar as ações de saúde, promovendo o acesso da população
aos medicamentos e seu uso racional (BRASIL, 2006).
O financiamento da assistência farmacêutica é de responsabilidade das três esferas
de gestão do SUS: União, estados e municípios. O repasse de recursos federais, conforme
regulamentado pela Portaria GM/MS no 2.048, de 3 de setembro de 2009, é efetuado na
forma de blocos de financiamento (BRASIL, 2009). Estes blocos são constituídos por
cinco componentes: atenção básica; média e alta complexidade hospitalar e ambulatorial;
vigilância em saúde; assistência farmacêutica; e gestão do SUS.
No Brasil, o SUS, por meio dos componentes básico e especializado da assistência
farmacêutica, disponibiliza aos pacientes renais crônicos medicamentos necessários tanto
nos estágios iniciais quanto mais avançados. Atualmente, os medicamentos padronizados
pelo componente especializado são: sacarato de hidróxido de ferro, alfapoetina,
alfacalcidiol, calcitriol e sevelamer. O carbonato de cálcio, amplamente utilizado por esta
população, pertence ao componente básico, assim como medicamentos para hipertensão e
diabetes (BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010b; BRASIL, 2010c).
O componente básico da assistência farmacêutica é destinado ao custeio de
medicamentos e insumos no âmbito da atenção básica em saúde e daqueles relacionados a
agravos e programas de saúde específicos, também no âmbito da atenção básica. O elenco
de referência dos medicamentos e dos insumos do componente básico da assistência
farmacêutica é definido por portarias do Ministério da Saúde (MS) e é frequentemente
atualizado. Os medicamentos que compõem esse elenco são integrantes da Relação
Nacional de Medicamentos Essenciais vigente (BRASIL, 2011).
Em 26 de novembro de 2009, foi publicada a Portaria GM/MS nº 2.981, que
aprovou o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, em substituição ao
Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional. O componente especializado
foi criado para disponibilizar o tratamento de doenças específicas, realizado com
medicamentos ditos de alto custo, incluindo a anemia na DRC; a osteodistrofia renal e a
hiperfosfatemia, fornecendo assim medicamentos necessários aos renais crônicos conforme
critérios de inclusão para o recebimento (BRASIL, 2009b; BRASIL, 2010a; BRASIL,
2010b; BRASIL, 2010c).
36
De acordo com Silva et al. (2011) o custo do programa destinado aos doentes renais
crônicos tem aumentado de forma progressiva com o passar dos anos, assim como a
incidência da doença, sendo responsável por, em média, 16% dos gastos com os
medicamentos cobertos pelo componente especializado. A tendência de crescimento dos
gastos com os medicamentos usualmente denominados de alto custo é confirmada pela
tendência de aumento nas taxas de incidência e prevalência da DRC em todo o mundo
(SILVA, et al., 2011). Carias et al. (2011) estimou que, em 2007, o financiamento de
medicamentos do componente especializado, especificamente para DRC foi de
97.249.500,59 reais em todo território nacional.
3.9 SERVIÇOS FARMACÊUTICOS EM NEFROLOGIA
Pacientes com DRC são uma população complexa do ponto de vista terapêutico. A
literatura aponta que pacientes em diálise utilizam em média 11 a 12 medicamentos
diariamente, totalizando entre 17 e 25 doses diárias (PAI, et al., 2013). Esses regimes
complexos frequentemente resultam em PRM, definidos como eventos indesejáveis
experimentados pelo paciente, que envolvem a terapia medicamentosa e seus resultados
(HEPLER, STRAND, 1990; STEMER, LEMMENS-GRUBER, 2011).
Os problemas relacionados aos medicamentos incluem reações adversas, doses
elevadas ou muito baixas, baixa adesão, entre outros. Pacientes em diálise apresentam risco
aumentado para ocorrência desses eventos. Além do elevado número de medicamentos,
outros fatores podem contribuir para ocorrência de PRM, dentre eles, prescrições
provenientes de diferentes especialidades e lacunas relacionadas às informações sobre o
tratamento. Ademais, a gestão eficaz dos medicamentos depende do adequado
funcionamento dos processos e do sistema de saúde (PAI, et al., 2013).
A ocorrência de PRM não tratados pode significar morbidade e mortalidade para o
paciente e custos excessivos para o sistema de saúde. Devido a este impacto, pesquisadores
têm estudado os fatores relacionados a esses eventos. Além de um sistema de saúde bem
estruturado, existem fatores ligados ao paciente e aos profissionais (PETER, WAZNY,
PATEL, 2013).
37
Diversos fatores intencionais e não intencionais ligados ao indivíduo afetam o
regime terapêutico, como habilidades e recursos disponíveis – falta de informação, fatores
emocionais, nível de alfabetização, custos -; não adesão intencional relacionada a
motivações e crenças pessoais – outras prioridades, omissão no momento de decisão,
preocupações com a eficácia e reações adversas (PETER, WAZNY, PATEL, 2013).
Essas barreiras podem ser modificadas com intervenções apropriadas, visto que
profissionais podem contribuir para ocorrência de PRM prescrevendo regimes terapêuticos
complexos, desenvolvendo pouca habilidade de comunicação, encaminhando formulários
incompletos para recebimento de medicamentos e fornecendo rasa informação sobre
benefícios e reações (PAI, et al., 2013).
Guerrero, Mujica e Albornoz (2010) destacam que as deficiências de conhecimento
sobre o tratamento são um problema importante nessa população. Apesar dessa lacuna,
esforços têm sido feitos para melhorar o nível de informação dos pacientes, porém, o
aumento do conhecimento não necessariamente aumenta a adesão. Para que isso aconteça,
são necessários recursos e motivação.
A perspectiva de cada indivíduo sobre a doença envolve a avaliação e reavaliação
da gravidade e significados dos sintomas em diferentes situações. O comportamento em
relação à doença envolve a sensibilidade para os sintomas e como lidar com eles. A
avaliação e o enfrentamento da doença e as decisões resultantes desse processo podem ser
limitadas pelo entendimento social, cultural ou por questões individuais (RANTUCCI,
2007).
O farmacêutico atuante no cuidado à saúde deve ter o raciocínio voltado para a
percepção da doença pelo paciente. A percepção pode afetar as atitudes e comportamentos
em relação ao uso de medicamentos. Dessa forma, a abordagem respeitosa do profissional
para com os sentimentos do paciente em relação a sua doença e tratamento é importante
para o aconselhamento e desenvolvimento de uma relação terapêutica (RANTUCCI,
2007).
Os medicamentos são administrados com o objetivo de alcançar resultados que
melhorem a qualidade de vida do paciente. Esses resultados incluem cura; redução ou
eliminação dos sintomas; adiamento da progressão e prevenção de sintomas. Entretanto, a
utilização não racional de medicamentos pode diminuir a qualidade de vida. De acordo
38
com Hepler e Strand (1990) as possíveis causas para a utilização ineficiente são prescrição
inadequada, acesso ao medicamento comprometido, fatores comportamentais e
monitorização ineficiente.
Serviços de gestão da terapia medicamentosa para os pacientes incluem a
identificação e resolução de reais ou potenciais PRM (MANLEY, et al., 2005). Os PRM
são sete e dividem-se em: necessidade (1.Necessita de tratamento farmacológico adicional
ou 2.Tratamento farmacológico desnecessário); efetividade (3.Medicamento inadequado
ou 4.Dose do medicamento inferior à necessitada); segurança (5.Dose do medicamento
superior à necessitada ou 6.Reação Adversa aos Medicamentos) e adesão (7.Aderência
inapropriada ao tratamento farmacológico) (CIPOLLE, STRAND, MORLEY, 2012).
Stemer e Lemmens-Gruber (2011) contemplam em seu estudo algumas lacunas
relacionadas ao cuidado aos pacientes renais crônicos, destacando a baixa adesão ao
controle da pressão arterial, perfil lipídico e hiperfosfatemia. Segundo os autores, a revisão
regular dos medicamentos utilizados, o ajuste de dose e a detecção de reações adversas e
interações medicamentosas são necessidades importantes desse grupo, merecendo atenção
durante a avaliação clínica.
Karamanidou et al. (2008) citam a mortalidade por eventos cardiovasculares como
um problema de alta incidência, chegando a quase metade das causas de óbito em
pacientes renais em estágio avançado. A alta incidência de doença cardiovascular está
relacionada com as elevações de fósforo e do produto cálcio x fósforo, colocando o
controle desses parâmetros como um dos objetivos centrais do tratamento. A baixa adesão
ao controle pode estar relacionada à ausência de sintomas.
Apesar de existirem poucos estudos sobre a atuação do farmacêutico em serviços de
nefrologia, Pai et al. (2013) destacam que o início da diálise seria um momento oportuno
para o desenvolvimento de serviços de gestão da terapia medicamentosa, uma vez que o
paciente se encontra em processo de transição. Essa gestão deve ser focada na resolução
dos PRM. Estima-se que, para cada dólar investido na prevenção e resolução desses
eventos, economizem-se quatro para o sistema de saúde.
Dessa forma, farmacêuticos especialistas em farmacoterapia devem estar
envolvidos no cuidado ao paciente e na interação com outros profissionais, abordando
múltiplas questões e insatisfações, necessárias à otimização do regime terapêutico. A
atuação deve ser preferencialmente preventiva, buscando demonstrar melhorias nos
39
resultados do tratamento e na redução dos custos (STEMER, LEMMENS-GRUBER,
2011).
40
4
MATERIAL E MÉTODOS
4.1 Desenho, local e período do estudo
Trata-se de um estudo longitudinal e prospectivo com pacientes em tratamento
hemodialítico para doença renal crônica, atendidos na unidade de diálise Renal Vida,
situada no município do Rio de Janeiro, entre os meses de janeiro e agosto de 2014.
O serviço é uma clínica privada conveniada ao SUS e a planos privados de saúde, e
atende em média a duzentos pacientes por semana. Dispõe de equipe multiprofissional para
assistência, composta por médico assistente, psicóloga, nutricionista, enfermeira e
assistente social.
4.2 Seleção dos pacientes
Foi obtida amostra por conveniência, composta por 65 pacientes. O cálculo do
tamanho da amostra foi feito com nível de confiança de 95%, erro amostral de 10%,
probabilidade de que os PRM ocorram em, pelo menos, 50% dos pacientes, e
considerando-se a população total da clínica de 190 pacientes (Formula 1) (Santos, 2013).
Formula 1
Onde:
n - amostra calculada
N – população
Z - variável normal padronizada associada ao nível de confiança
p - verdadeira probabilidade do evento
e - erro amostral
41
4.3 Critérios de inclusão

Indivíduos acometidos pela insuficiência renal crônica em terapia renal dialítica na
modalidade hemodiálise.

Idade superior a 18 anos por serem legalmente capazes de assinar o termo de
consentimento livre e esclarecido.

Não há limite superior de idade, devido à suscetibilidade dos idosos aos problemas
relacionados aos medicamentos.
4.4 Critérios de exclusão

Transferência do paciente para outra unidade de hemodiálise.

Comprometimento cognitivo que inviabilizasse a realização da entrevista.
4.5 Procedimentos para coleta dos dados
Os atendimentos foram baseados no método Pharmacotherapy Workup,
(CIPOLLE, STRAND, MORLEY, 2004) que consiste no raciocínio clínico desenvolvido
pelo profissional na identificação das necessidades e problemas farmacoterapêuticos do
paciente, enquanto o processo de atenção consiste nas etapas percebidas pelo paciente
enquanto ele recebe atenção farmacêutica (CORRER, OTUKI, SOLER, 2011).
Este processo tem por base o relacionamento entre farmacêutico e paciente e,
divide-se em: 1) avaliação, 2) desenvolvimento de um plano de cuidado e 3) o
acompanhamento da evolução do paciente. O fluxo do método está exposto no quadro 4.
42
Quadro 4. Fluxo da atenção farmacêutica segundo Cipolle, Strand e Morley (2004)
Passos
Atividades
Farmacêuticas
Responsabilidades do
Farmacêutico
Avaliação
- Conhecer o paciente
- Estabelecer relação
terapêutica
- Extrair informações
relevantes
- Efetuar consultas sobre a
terapia medicamentosa
Identificação dos PRM
- Realizar análise racional
- Explorar razões para os
encontros baseando-se nas
experiências com os
medicamentos e informações
clínicas
- Determinar se existem PRM a
serem resolvidos
- Identificá-los
Desenvolvimento de plano de
cuidado
Acompanhamento
- Estabelecer as metas da
terapia
- Determinar prazos para
alcançar os objetivos
- Selecionar intervenções
adequadas para resolver os
PRM, alcançar as metas
estabelecidas, programar
próximas avaliações
- Considerar alternativas
terapêuticas
- Documentar evidências
clínicas dos resultados do
paciente, incluindo efeito
do tratamento e reações
adversas
- Avaliar a efetividade e
segurança da farmacoterapia
- Educar o paciente
- Estabelecer os objetivos
apropriados para o paciente
- Determinar a adesão do
paciente
- Avaliar a possibilidade de - Fornecer cuidado continuado
novos PRM
- Programar nova avaliação
Em relação à classificação de Problemas Relacionados aos Medicamentos, Cipolle,
Strand e Morley (2004) os classificam em sete tipos, agrupando-os em quatro categorias,
conforme o quadro 5:
43
Quadro 5. Classificação dos PRM, conforme Cipolle, Strand e Morley (2004)
Indicação
PRM 1 - O paciente apresenta um problema de saúde que requer a instauração de um
tratamento farmacológico ou o emprego de um tratamento adicional
PRM 2 – O paciente está sendo submetido a tratamento farmacológico desnecessário
Efetividade
PRM 3 – O paciente apresenta um problema de saúde para o qual está tomando um
medicamento inadequado
PRM 4 – O paciente apresenta um problema de saúde para o qual está tomando uma
quantidade muito pequena do medicamento correto
Segurança
PRM 5 – O paciente apresenta um problema de saúde devido a uma reação adversa a um
medicamento
PRM 6 – O paciente apresenta um problema de saúde para o qual está tomando uma
quantidade muito alta do medicamento correto
Adesão
PRM 7 – O paciente apresenta um problema de saúde para o qual não toma o medicamento
de maneira apropriada
Fonte adaptado de: CIPOLLE, R.J.; STRAND, L.M.; MORLEY, P.C. Pharmaceutical care
practice: the clinicians guide, New York: McGraw-Hill, 2004, Capítulo 7.
Cada paciente foi entrevistado inicialmente baseando-se no instrumento de coleta,
desenvolvido para este trabalho através da adaptação do proposto por Cipolle, Strand e
Morley (2004), avaliando-se dados pessoais e clínicos. Após esse encontro, realizou-se a
consulta ao prontuário, checando-se informações fornecidas pelo paciente e sua história
clínica. Os dados laboratoriais também foram transcritos do prontuário. Após essa etapa,
foi realizada a comparação entre os dados da entrevista e do prontuário, identificando-se os
medicamentos que não haviam sido mencionados e diferenças de dosagens.
Essa etapa permitiu a identificação de discrepâncias a serem investigadas nos
atendimentos posteriores e a elucidação de questões já observadas e documentadas pela
equipe assistente, através das evoluções clínicas. A partir disso, os atendimentos
abordaram essas questões de forma respeitosa, com cordialidade e empatia, no sentido de
44
motivar o paciente e resolver suas necessidades. Em caso de ausência de discrepâncias, as
próximas abordagens foram feitas com o objetivo de acolher a demanda do paciente de
forma espontânea. Os medicamentos utilizados foram classificados de acordo com a
metodologia Anatomical Therapeutic Chemical Code (ATC), recomendada pela
Organização Mundial de Saúde (WHO, 2014).
O nível de conhecimento dos pacientes sobre o tratamento prescrito foi mensurado
de forma adaptada ao proposto por Silva, Schenkel e Mengue (2000). Para tanto, foram
realizadas perguntas sobre o nome do medicamento prescrito, a indicação, a dose, a
frequência de administração, a duração do tratamento, suas precauções e reações adversas.
A atribuição de pontuação para as respostas, totalizando em escore de dez, foi obtida da
seguinte maneira: dois pontos para nome do medicamento, dose e frequência de
administração e um ponto para duração do tratamento, indicação terapêutica, efeitos
adversos e precauções.
Pacientes que somaram menos de seis pontos foram classificados como
apresentando nível de informação insuficiente; aqueles com seis a oito pontos foram
classificados como tendo nível de informação regular; e os com mais de oito pontos como
tendo nível de informação bom (SILVA, SCHENKEL, MENGUE, 2000).
O fluxograma para atendimento dos pacientes nesse estudo está representado no
quadro 6:
45
Quadro 6. Procedimentos para o acompanhamento dos pacientes durante o estudo
Primeiro encontro
1. Orientação sobre a finalidade do estudo
2. Assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
3. Preenchimento da Ficha Farmacoterapêutica
4. Mensuração do nível de conhecimento sobre o tratamento farmacológico
5. Orientação sobre os fármacos utilizados mencionados pelo paciente
6. Consulta ao prontuário e coleta dos dados
7. Identificação de reais ou potenciais PRM
Segundo e Terceiro encontro
1. Plano de cuidado individualizado
2. Atualização dos dados clínicos e laboratoriais
3. Intervenção farmacêutica, quando necessária
4. Monitorização
4.6 Análise estatística
Os dados foram descritos por número de ocorrências e percentagens, quando
variáveis categóricas e por média e desvio padrão, quando variáveis quantitativas. As
variáveis categóricas do estudo foram: sexo, financiamento do tratamento, faixa etária,
etiologia da DRC, nível de informação sobre o tratamento e problemas relacionados aos
medicamentos. As variáveis quantitativas foram: tempo de hemodiálise, idade, taxa de
hospitalização, fósforo sérico, paratormônio, hemoglobina, número de medicamentos
utilizados e número de doses diárias.
Para o teste de hipóteses foram definidos os parâmetros de interesse (PRM) e as
hipóteses, fixado-se o intervalo de confiança de 0,05. A estatística do teste foi definida de
acordo com a distribuição dos dados. As hipóteses foram elaboradas baseadas no
46
quantitativo de PRM e sua relação com a idade, o tempo de hemodiálise, o nível de
conhecimento sobre o tratamento e o número de medicamentos utilizados.
A significância estatística foi definida como p<0,05. Os dados foram tabulados
no banco de dados Microsoft Office Excel 2003 e analisados com auxílio de programa
estatístico S-Plus 8.0. As associações foram analisadas pela correlação de Pearson e teste t
de Student.
4.7 Aspectos éticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa do Hospital
Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense, sob protocolo CAAE
23143713.1.0000.5243 (Anexo A), e seguiu as normas de conduta previstas na resolução
466/12 do Conselho Nacional de Pesquisa.
As entrevistas foram realizadas após manifestação de consentimento do paciente
através da assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice A). Os
dados apresentados encontram-se consolidados, não envolvendo a identificação de nenhum
dos pacientes ou profissionais de saúde.
47
5
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram avaliados 65 pacientes no período do estudo, sendo 52,3% do sexo
masculino. O tempo médio de tratamento hemodialítico foi de 4,4 ± 4,3 anos. A idade
média dos pacientes foi 55,2 ± 14,3 anos. Com relação ao financiamento do tratamento,
55% possuiam convênio privado de saúde, enquanto 45% eram atendidos via Sistema
Único de Saúde. No ano de 2013, o censo da SBN analisou dados de 50.961pacientes em
334 unidades de saúde participantes. Dessa totalidade, 84% dos atendimentos foram via
reembolso pelo SUS e 16% pelos planos privados. No mesmo documento, 58% eram do
sexo masculino, percentual um pouco superior ao encontrado nesse estudo (52,3%).
(SESSO, et al., 2014).
Em relação à faixa etária, foram encontradas as percentagens: 72,3% entre 19 e 64
anos; 23,1% entre 65 e 80 anos e 4,6% com idade superior a 80. Os dados do censo
apontam para 62,6%, 26,7% e 4,7% respectivamente (SESSO, et al., 2014).
A nefropatia hipertensiva foi a etiologia mais prevalente, correspondendo a 43%
dos casos, seguida pela nefropatia diabética (28%) e doença pelo HIV (9%) (Tabela 1). No
Brasil, em 2013, os diagnósticos mais frequentes foram: hipertensão arterial (35%) e
diabetes (30%), seguidos por glomerulonefrite crônica (12%) e rins policísticos (4%);
outros diagnósticos foram feitos em 12% (SESSO, et al., 2014).
Tabela 1. Distribuição dos pacientes segundo a etiologia da DRC
Doença de base
Nefropatia hipertensiva
Nefropatia diabética
Doença pelo HIV
Doença renal policística
Outras
Freq. Abs.
28
18
6
4
9
Freq. Rel.
43%
28%
9%
6%
14%
A taxa de hospitalização mensal encontrada nos pacientes foi de 7%, um pouco
superior aos dados do censo da SBN (5,8%). No que se refere aos índices laboratoriais
35,4% dos pacientes apresentaram fósforo sérico > que 5,5 mg/dl, valor levemente inferior
aos dados do inquérito (36%). Ainda nesse documento, valores superiores a 600 pg/ml de
PTH foram encontrados em 17% dos pacientes, enquanto 15% tinham valores inferiores a
48
100 pg/ml (SESSO, et al., 2014). Estas percentagens corresponderam a 18,5% e 24,6% na
população estudada.
No tocante à hemoglobina, valores inferiores a 11 g/dl foram observados em 31%
dos pacientes acompanhados e valores menores que 10 g/dl em 28% deles. Já os dados do
censo da SBN mostram que 33% possuíam valores inferiores a 11 g/dl e 23% menores que
10 g/dl, o que indica um melhor controle da hemoglobina e PTH do que o fósforo sérico
(SESSO, et al., 2014). Desta forma, pode-se considerar que também houve melhor controle
do PTH e anemia em relação ao fósforo sérico.
Com relação à utilização de medicamentos, a média de fármacos por paciente foi
7,7 ± 2,3 (4 a 13) (Gráfico 1) e a média de doses orais diárias foi de 14,9 ± 5,6 (4 a 31). Ao
se avaliar o nível de conhecimento sobre o tratamento, a maioria dos pacientes apresentou
nível de informação regular (46%) (Gráfico 2).
Número de pacientes
25
20
15
10
5
0
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
Número de fármacos
Gráfico 1. Distribuição do número total de fármacos utilizados pela população do
estudo (n=65)
49
Gráfico 2. Nível de conhecimento sobre o tratamento farmacológico (n=65)
Sgnaolin, Prado e Figueiredo (2012) avaliaram 65 pacientes em hemodiálise em
relação à utilização de medicamentos e, observaram, em média, o uso de 6,2 ± 3,0
fármacos, quando considerados os dados encontrados na prescrição médica do prontuário
eletrônico, mesma metodologia utilizada nesse estudo.
De acordo com Manley et al. (2005), pacientes em hemodiálise requerem
tratamento para 5 a 6 comorbidades. Devido a esses problemas de saúde, 12 medicamentos
são necessários diariamente, dos quais 10 são utilizados no ambiente domiciliar e 2 no
centro dialisador.
É importante destacar que a prescrição de medicamentos em pacientes em
hemodiálise apresenta diferenças em relação ao quantitativo administrado nos dias de
realização da terapia dialítica e nos demais dias, pois os medicamentos injetáveis são feitos
no centro dialisador, e, para fins de quantificação do número de medicamentos,
considerou-se o dia em que o paciente os utiliza em maior número. Outra classe que pode
apresentar variações quanto aos dias de uso são os anti-hipertensivos, ora recomendados
diariamente, ora somente nos dias em que não se realiza o procedimento. O esquema de
administração do calcitriol geralmente não é diário, e costuma ser utilizado após a
realização da hemodiálise, sendo, portanto, utilizado três vezes por semana.
50
O nível médio de conhecimento dos pacientes sobre o tratamento farmacológico foi
de 6,0 ± 2,9 pontos. Os medicamentos selecionados para mensuração foram os
pertencentes ao componente especializado da assistência farmacêutica, justamente por
estarem presentes na maioria dos regimes terapêuticos. Isso não significa que o paciente
tenha conhecimento da totalidade do seu tratamento farmacológico.
Moreira et al. (2008) estimaram o nível de conhecimento sobre o tratamento
farmacológico em pacientes com DRC até o estágio IV. Após a entrevista com 130
pacientes, o escore médio obtido foi de 7,8 ± 1,7 pontos. Para a avaliação do nível de
conhecimento, o paciente deveria ter prescrição contendo medicamentos para o sistema
cardiovascular, corticosteróides ou imunossupressores.
Ao se analisar a prescrição de medicamentos para esse grupo, nota-se uma grande
variedade de fármacos e classes farmacológicas (Tabela 2). O complexo B e a vitamina C,
estavam presentes em 83,1% das prescrições, correspondendo aos medicamentos mais
prescritos do componente básico da assistência farmacêutica, seguidos por carbonato de
cálcio (72,3%), cefazolina (23,1%); omeprazol (22,1%); anlodipina, atenolol e losartana
(16,9% cada).
51
Tabela 2. Medicamentos utilizados pela população do estudo (n=65)
Grupo Farmacologico (Classificação ATC)
B - Sangue e órgãos hematopoiéticos
A - Trato alimentar e metabolismo
H – Preparações hormonais sistêmicas
V – Vários
C – Sistema cardiovascular
N – Sistema nervoso
J – Anti-infectivos para uso sistêmico
Fármaco
Código ATC
Ácido acetil salicílico
Ácido fólico
Cilostazol
Clopidogrel
Eritropoetina
Sacarato férrico
Sulfato ferroso
Varfarina
Bromoprida
Complexo B
Carbonato de cálcio
Calcitriol
Insulina NPH
Omeprazol
Vitamina C
Cinacalcet
Sevelamer
Amiodarona
Anlodipino
Atorvastatina
Atenelol
Carvedilol
Captopril
Clonidina
Diltiazem
Enalapril
Furosemida
Hidralazina
Isossorbida
Losartana
Metildopa
Metoprolol
Nifedipina
Propranolol
Sinvastatina
Alprazolam
Bromazepam
Clonazepam
Fenitoína
Fluoxetina
Oxcarbazepina
Amicacina
Cefazolina
Vancomicina
B01AC06
B03BB01
B01AC23
B01AC04
B03XA01
B03AC
B03AA07
B01AA03
A03FA04
A11EX
A12AA04
A11CC04
A10AC01
A02BC01
A11GA01
H05BX01
V03AE02
C01BD01
C08CA01
C10AA05
C07AB03
C07AG02
C09AA01
C02AC01
C08DB01
C09AA02
C03CA01
C02DB01
C01DA14
C09CA01
C02AB01
C07AB02
C08CA05
C07AA05
C10AA01
N05BA12
N05BA08
N03AE01
N03AB02
N06AB03
N03AF02
J01EB06
J01DB04
J01XA01
Frequência
(%)
7.7
6.1
1.5
3.1
90.8
49.2
4.6
3.1
3.1
83.1
72.3
33.8
10.8
23.1
83.1
10.8
32.3
1.5
16.9
3.0
16.9
10.7
4.6
9.2
1.5
7.7
7.7
6.2
3.1
16.9
3.1
1.5
6.1
1.5
13.9
1.5
1.5
5.6
3.1
3.1
1.5
6.1
23.1
10.8
52
A DRC é um estado inflamatório e os níveis de proteína C reativa aumentam à
medida que os pacientes perdem função renal. Este estado inflamatório está associado com
a presença de anemia, uma vez que a interleucina e o fator de necrose tumoral atuam nas
células progenitoras hematopoiéticas de maneira antagônica à eritropoetina, estimulando a
apoptose. Esse estado inflamatório provoca resistência à ação medular da eritropoetina. Há
ainda a produção hepática de hepcidina, um peptídeo que inibe a absorção de ferro no
duodeno, justificando a reposição de ferro nesses pacientes, preferencialmente por via
endovenosa, presente em 47,2% das prescrições (ABENSUR, 2010).
A terapêutica adjuvante para o tratamento da anemia é definida como um
tratamento complementar à resposta do paciente à eritropoetina e ao ferro, incluindo-se:
vitamina do complexo B, ácido fólico, vitamina C e E. Os tratamentos adjuvantes visam
diminuir o uso ou reduzir a dose dos estimulates da eritropoiese (FIGUEIREDO,
BARROS, 2014).
As restrições alimentares e a perda de apetite inerente à doença levam,
frequentemente, a deficiências de vitaminas do complexo B e ácido fólico, contribuindo
para anemia. Assim, a reposição deve ser feita quando constatada a deficiência dessas
substâncias. Com relação à vitamina C, sua utilização aumenta a hemoglobina e pode
diminuir o emprego de estimuladores da eritropoiese, mas sua indicação precisa ser mais
bem elucidada (FIGUEIREDO, BARROS, 2014).
Medicamentos específicos para doença renal crônica, contemplados no componente
especializado da assistência farmacêutica, aparecem em maior proporção de utilização,
destacando-se a eritropoetina, presente em 90,8% das prescrições; o sevelamer,
correspondendo 32,3%; e o calcitriol, presente em 33,8% das prescrições. Cabe ainda
ressaltar a elevada proporção de utilização de sacarato férrico para manejo da anemia,
presente em 49,2% dos tratamentos.
Os dados do censo da SBN de 2013 demonstram as seguintes taxas de utilização
dos medicamentos específicos para DRC: 79% usavam eritropoietina, 53% ferro
endovenoso, 31% calcitriol, 2% paricalcitol, 2% cinacalcete e 38% sevelamer (SESSO, et
al., 2014). Nesse sentido, um maior percentual de pacientes (90,8%) estava em uso do
hormônio eritropoetina no presente estudo. Em comparação, menor proporção de pacientes
estava em uso de sevelamer (32,3%). As utilizações de ferro endovenoso e calcitriol foram
similares.
53
Belaiche et al. (2012) desenvolveu um estudo retrospectivo com 287 pacientes em
diferentes estágios da DRC em um hospital universitário na França, e constatou que os
medicamentos para o sistema cardiovascular eram utilizados por 33,1%; 61,3% faziam uso
de eritropoetina e 29% de ferro endovenoso.
Dashti-Khavidaki et al. (2012) executaram um estudo prospectivo no Irã,
acompanhando 86 pacientes em hemodiálise por 6 meses. As taxas de utilização dos
medicamentos predominantes foram: 86% eritopoetina, 74,4% ferro endovenoso, 77,9%
inibidores da ECA e antagonistas da angiotensina, 80,2% carbonato de cálcio, 73,3%
calcitriol, 36% sevelamer, 29,1% estatinas e 14% insulinas.
O percentual de utilização de eritropoetina encontrado foi similar ao observado por
Dashti-Khavidaki et al. (2012), diferindo do estudo de Belaiche et al. (2012), onde a taxa
de utilização correspondeu a 61,3%. Essa diferença pode ser explicada pelo fato da
utilização do hormônio ser mais frequente quanto mais avançada a DRC.
A utilização dos inibidores da ECA e dos antagonistas da angiotensina (29,2%) se
mostrou inferior ao observado por Dashti-Khavidaki et al. (2012) (77,9%). Também foi
observada diferença entre o percentual de uso do calcitriol, usado por 33,8 % dos pacientes
acompanhados e por 73,3% dos pacientes do estudo Iraniano; e para o ferro venoso, usado
por 33,8 e 49,2% dos pacientes nos dois estudos, respectivamente. O uso do carbonato de
cálcio (72,3%), das estatinas (16,9%) e insulinas (10,8%) foi levemente inferior ao
observado no estudo iraniano (80,2%, 29,1% e 14%, respectivamente). Vale ressaltar que
os dois estudos trabalharam com pacientes em estágio V da DRC.
Foram identificados 57 problemas relacionados aos medicamentos, assim
distribuídos: 10,6% referentes à indicação, 45,6% relacionados à efetividade, 10,5% à
segurança e 33,3% à adesão (Tabelas 3-5). A proporção de ocorrência foi de 0,88 PRM por
paciente.
Ao se analisar a distribuição dos PRM em relação ao sexo, não houve diferença no
estudo, pois a taxa de ocorrência em mulheres foi de 0,83 enquanto nos homens 0,91(p =
0,684).
Castelino et al. (2011) desenvolveram estudo prospectivo em pacientes em
hemodiálise por um período de nove meses, avaliando 308 pacientes. Foram encontrados
327 PRM, 33,6% relacionados aos medicamentos para o sistema cardiovascular e 26,3% a
54
agentes anti-infecciosos. Os PRM mais prevalentes foram dose acima do recomendado,
correspondendo a 19,3%, seguidos de potenciais reações adversas, responsáveis por 19%
dos eventos.
Belaiche et al. (2012) avaliaram 90 pacientes, em estágios variados da DRC durante
15meses. Nesse período, 263 PRM foram identificados. Os três tipos mais prevalentes
foram: problemas de saúde não tratados (30%), dose reduzida (25,9%) e dose elevada
(18,3%). Os tratamentos que necessitaram de maiores intervenções para resolução dos
PRM foram: sistema digestório, hematopoiético e cardiovascular, correspondendo a
28,6%, 21,6% e 33,1%, respectivamente.
Leung et al. (2009) entrevistaram 93 pacientes em um período de quatro meses.
Nesse período foram detectados 135 PRM. Destes, 51 (38%) foram relacionados à
segurança (utilização de doses superiores à necessidade) e 24 (18%) ligados à adesão ao
tratamento.
Os problemas majoritariamente encontrados na categoria indicação (Tabela 3)
estavam associados ao tratamento do hiperparatiroidismo com o cinacalcet e da
hiperfosfatemia através da utilização do sevelamer (5,3%), considerando-se pacientes com
necessidade do tratamento com esses medicamentos sem condições de utilização no
momento do estudo, pois o acesso ao cinacalcet pode ser lento devido ao processo judicial
para seu recebimento. Apesar de o sevelamer ser contemplado no componente
especializado da assistência farmacêutica, pode haver um hiato entre o cadastro do
paciente e o recebimento do medicamento, devido a questões administrativas.
55
Tabela 3. Problemas relacionados aos medicamentos relativos à indicação
Indicação
Problemas de saúde não tratados
Frequência
N= 57(%)
5,3
Dificuldade de acesso (não utiliza)
Necessárias medidas não
farmacológicas
Medicamento
associado
Cinacalcet
Sevelamer
Doença associada
Hiperparatiroidismo
Hiperfosfatemia
Carbonato de
cálcio
Hiperfosfatemia
3,5
1,8
O cinacalcet é um agente calcimimético que age estimulando os receptores de
cálcio
na
paratiróide,
indicado
para
pacientes
em
diálise
com
quadro
de
hiperparatiroidismo que estejam com elevação de cálcio sérico. No entanto, esse
medicamento não é padronizado pelo SUS. Assim, seu fornecimento aos pacientes é feito
somente por via judicial, processo que pode levar meses.
Essa diferença entre os percentuais dos PRM relacionados à indicação em
comparação aos outros estudos pode ser devido aos esforços do SUS em fornecer os
medicamentos aos pacientes renais crônicos por meio do componente especializado.
O sevelamer é fornecido aos pacientes via componente especializado, sendo a
alternativa para hiperfosfatemia quando há a elevação de cálcio. No entanto, para
recebimento do tratamento é necessário o cadastramento do processo administrativo, etapa
em que a participação do paciente é fundamental. Nesse sentido, em alguns casos, a equipe
encaminha a documentação, mas o paciente demora a efetuar o cadastro, o que acarreta em
um tempo prolongado sem o tratamento.
Além do uso de quelantes de fósforo, o controle da ingestão proteica recomendado
pelo nutricionista é parte integrante do tratamento para hiperfosfatemia. Pacientes com
dificuldade de seguir essas recomendações foram caracterizados como PRM relacionado à
necessidade de medidas não farmacológicas.
Com relação à efetividade (Tabela 4), 12,3% dos PRM encontrados foram
relacionados à refratariedade ao tratamento com a eritropoetina, utilizada para controle da
anemia. A hiperfosfatemia novamente aparece associada à ocorrência desses eventos,
sendo que 14% dos pacientes reduziram a dose do fármaco, contrariando as
56
recomendações do nefrologista e, na maioria das vezes, não informando esse fato ao
médico assistente. Ao se avaliar a frequência da utilização e sua duração, foram
identificados 17,5% de PRM relacionados, principalmente ao quelantes de fósforo e a
insulina NPH.
Tabela 4. Problemas relacionados aos medicamentos relativos à efetividade
Efetividade
Refratário ao tratamento
Dose reduzida
Dificuldade de acesso
Frequência do uso ou
duração inadequada
Frequência
N=57(%)
12,3
14,0
1,8
17,5
Medicamento
associado
Eritropoetina
Sevelamer
Carbonato de
Cálcio
Cinacalcet
Sevelamer
Insulina NPH
Carbonato de
Cálcio
Doença associada
Anemia
Hiperfosfatemia
Hiperparatiroidismo
Diabetes
Segundo Badve et al. (2013) os agentes estimulantes da eritropoiese são
administrados frequentemente em pacientes em estágio final da DRC, com o objetivo de
manutenção da hemoglobina e minimização da necessidade de hemotransfusão. Entretanto,
cerca de 5 a 10% desses pacientes demonstram resistência aos agentes estimulantes,
necessitando de doses maiores, caracterizando resposta hematológica subótima.
As possíveis causas conhecidas para essa resposta são deficiência de ferro, vitamina
B12, e folato; infecções, estado inflamatório crônico, neoplasia, hiperparatiroidismo
severo, diálise inadequada, hemoglobinopatias, mielodisplasia e aplasia da série vermelha
mediada por anticorpos. Entretanto, mesmo excluindo essas condições, cerca de 10% dos
pacientes ainda apresentam resistência aos agentes estimulantes da eritropoiese,
acarretando em maior risco de morbidade e mortalidade (BADVE, et al., 2013).
Não existe um consenso em relação à resistência aos agentes estimulantes da
eritropoiese. Szczech et al. (2008) destaca que, doses superiores a 20.000 UI/semana foram
associadas ao aumento do risco de morte, insuficiência cardíaca congestiva, acidente
vascular cerebral e infarto do miocárdio.
57
A recomendação posológica para a utilização de alfapoetina em pacientes em
hemodiálise no Brasil é de 50-100UI/Kg, via subcutânea, dividida em 1 a 3 aplicações por
semana (BRASIL, 2010b). Nesse sentido, pacientes que receberam doses superiores foram
classificados como refratários ao tratamento, correspondendo a 12,3% dos PRM.
Os quelantes de fósforo e a insulina NPH representaram os medicamentos mais
frequentemente envolvidos nos PRM de dose reduzida (14%) e frequência do uso ou
duração inadequada (17,5%). As classificações de dose reduzida podem ser exemplificadas
pelos casos em que o paciente deveria utilizar o medicamento durante as três principais
refeições, mas, por conta própria, não ingere no jantar. Já o PRM frequência do uso ou
duração inadequada foi classificado para os casos mais complexos, nos quais ora o
paciente usa a dose correta, ora não, dificultando a mensuração da posologia realizada no
mês.
A avaliação da segurança dos tratamentos demonstrou a ocorrência de 10,5% de
potenciais reações adversas na população do estudo. Os fármacos relatados e suas
possíveis reações foram: carbonato de cálcio associado à constipação e polidipsia;
calcitriol e constipação; cinacalcet e mal-estar, diarreia, desconforto gástrico e êmese;
sevalamer e constipação; sacarato férrico e mal-estar.
De acordo com a base de dados Micromedex, a constipação e o edema abdominal
são reações adversas comuns ao carbonato de cálcio. Não foram achadas evidências de
polidipsia. Com relação ao calcitriol, a reação adversa mais comum é a hipercalcemia e
como manifestações gastrointestinais estão constipação, gosto metálico, xerostomia, êmese
e náuseas. O cinacalcet apresenta inúmeras reações consideradas comuns, dentre elas:
hipotensão, hipercalcemia, dor abdominal, constipação, diarreia, diminuição do apetite,
náuseas, êmese, anemia, artralgia, dor nas costas, mialgia, astenia, tontura, dor de cabeça,
depressão, tosse, dispneia e desidratação. O sevelamer apresenta como reações
dermatológicas comuns o prurido e rash; e as reações gastrointestinais: dor abdominal,
constipação, diarreia, flatulência, indigestão, náusea e êmese. Em relação ao ferro
endovenoso, as reações consideradas mais comuns são: hipotensão, febre, tremores,
sensação de calor e reações no local da punção.
A identificação dos problemas relacionados à adesão (Tabela 5) aponta para alta
ocorrência de administração incorreta dos medicamentos (26,3%). Os fármacos mais
comumente associados foram: sevelamer, insulina NPH, carbonato de cálcio e calcitriol.
58
Tabela 5. Problemas relacionados aos medicamentos relativos à adesão
Adesão
Paciente não entendeu as
orientações
Administração incorreta
pelo paciente
Prefere não tomar
Frequência
N=57(%)
Medicamento
associado
Doença
associada
3,5
26,3
3,5
Sevelamer
Insulina NPH
Carbonato de
Cálcio
Calcitriol
Sevelamer
Osteodistrofia
Covic e Rastogi (2013) corroboram com Guerrero, Mujica e Albornoz (2010) e
Karamanidou et al. (2008) no sentido da susceptibilidade de pacientes reais crônicos em
estágio final a baixa adesão ao tratamento, destacando a abstenção a terapia dialítica e a
dificuldade em controlar os níveis de fosfato sérico. Dados coletados de 165 pacientes
demonstraram que, pelo menos, 40% não aderem plenamente ao regime terapêutico, sendo
21% desses problemas relacionados aos quelantes de fosfato (COVIC, RASTOGI, 2013).
Mesmo que comprovada a eficácia dos quelantes de fosfato em ensaios clínicos, na
prática clínica se verificam elevações dos níveis séricos do eletrólito, ainda que a
prescrição do medicamento tenha sido feita pelo nefrologista. Isso pode estar relacionado
com a resposta individual ao tratamento farmacológico e com diferenças de adesão entre os
estudos clínicos controlados e a utilização dos quelantes em condições reais (COVIC,
RASTOGI, 2013).
Reddy et al. (2014) destaca que a falta de conhecimento sobre as manifestações
assintomáticas da hiperfosfatemia, o elevado número de comprimidos quelantes
necessários diariamente, dificuldades de conduta dietética adequada e a falta de
investimentos nessa área contribuem para esse quadro. Por fim, as experiências do paciente
com relação ao seu tratamento e estudos voltados para o entendimento das razões para a
baixa adesão podem melhorar a assistência à saúde a esse grupo. Nessa perspectiva, podese observar a falta de conhecimento do paciente sobre seu tratamento, conforme
depoimentos coletados:
59
Parei de tomar o cálcio por conta própria há dois anos. Não sabia pra
que servia, perdi o interesse e parei [entrevistada 38, 42 anos].
Eu não sei pra que servem esses remédios, sou novo aqui, eu mal sei
ler. Se a senhora estudou pra me explicar, então quero aprender
[entrevistado 55, 45 anos].
Esse mês não tomei o cálcio por uns oito dias. O da diabetes eu não
tomo porque minha diabetes sempre foi leve [entrevistado 17, 61
anos].
Eu tomava, de vez em quando, os remédios da pressão. Não sabia o
que aconteceria se não tomasse. Se eu soubesse que ia perder os rins
tinha tomado [entrevistada 29, 35 anos].
Conforme Cipolle, Strand e Morley (2004), as experiências do paciente
relacionadas ao tratamento medicamentoso e seus sentimentos são questões a serem
levadas em consideração pelo farmacêutico. A experiência pessoal, suas atitudes, crenças e
preferências em relação ao tratamento influenciarão em seu comportamento. Nesse sentido,
ao questionar como o paciente estaria se sentindo em relação ao tratamento, surgiram
alguns relatos:
Sou renal há 14 anos. No começo não tomava nada direito, eu tava
muito revoltado, fiquei assim uns três anos. Depois, nasceu a minha
filha e eu quis viver novamente, pra ver ela crescer. Hoje tomo tudo
certinho, me cuido, tirando o cinacalcet, que tomei e tive muita
reação [entrevistado 20, 44 anos].
Olha, pra falar a verdade, eu não tomo não. Nunca fui muito fiel a
remédio, toma aqui, estraga ali. Eu estou bem [entrevistado 36, 66
anos].
Como eu estou? Eu queria saber como eu estou. Aqui ninguém diz
nada, eu me sinto perdido [entrevistado 31, 64 anos].
Eu tomo tudo certinho. Antes não tomava. Sou renal há muitos anos,
acompanho meus exames [entrevistado 60, 53 anos].
Eu não tomo todos esses remédios e só venho à diálise duas vezes por
semana. Mais que isso eu não aguento. Passo muito mal com a diálise
e sinto muita coceira [entrevistada 8, 59 anos].
Após a avaliação dos PRM, foi realizada a análise da correlação entre a ocorrência
desses eventos e a idade, o tempo de hemodiálise, o nível de conhecimento sobre o
tratamento e o número de medicamentos utilizados, através do coeficiente de correlação de
Pearson (Gráficos 3-6). O resultado das análises aponta para correlação significativa entre
a ocorrência de PRM e a idade (r = -0,298, p = 0,0171), sugerindo que pacientes mais
jovens são mais suscetíveis aos PRM. Esse resultado faz sentido ao se avaliar os
60
depoimentos dos pacientes, que trazem em suas experiências um início mais difícil, vindo
a desenvolver maior motivação para seguir o tratamento após o período inicial.
Não houve correlação entre tempo de hemodiálise (r =0,188, p = 0,137), nível de
conhecimento sobre o tratamento (r = -0,083, p = 0,506) e número de fármacos utilizados
(r = -0,152, p = 0,222) e a ocorrência de PRM no presente estudo.
Gráfico 3. Correlação entre a ocorrência de Problemas relacionados aos medicamentos e a
idade
61
Gráfico 4. Correlação entre a ocorrência de Problemas relacionados aos medicamentos e o
tempo de hemodiálise (anos)
62
Gráfico 5. Correlação entre a ocorrência de Problemas relacionados aos medicamentos e o
nível de conhecimento sobre o tratamento
63
Gráfico 6. Correlação entre a ocorrência de Problemas relacionados aos medicamentos e o
número de medicamentos utilizados
Manley et al. (2003) executou a análise da correlação entre os PRM e o número de
medicamentos, número de doses diárias, número de comorbidades, idade e tempo de
hemodiálise pelo coeficiente de correlação de Pearson. Seus resultados ratificam os
encontrados nesse estudo, visto que foi encontrada associação significativa entre a
ocorrência de PRM e a idade (r=-0,36; p < 0,01). As outras variáveis, no entanto, não
foram preditoras para a ocorrência desses eventos.
Foram realizadas 52 intervenções durante o estudo (tabela 6), majoritariamente
relacionadas à orientação sobre a administração dos medicamentos (30,8%), assim como
alerta para administração de dose inferior à recomendada (21,1%) e alerta para
inadequação
da
administração
que
leva
à
alteração
de
farmacocinético/farmacodinâmico (17,3%), dentre outras em menor prevalência.
parametro
64
Tabela 6. Intervenções farmacêuticas no período do estudo
Intervenção
Sugerido aumento da posologia do
medicamento prescrito
Frequência relativa
(n = 52)
15,4%
Orientação de administração
30,8%
Alerta para omissão na administração do
medicamento prescrito
9,6%
Alerta para administração de dose inferior
ao medicamento
21,1%
Alerta para inadequação da administração
que leva a alteração de parâmetro
farmacocinético/farmacodinâmico
17,3%
Orientação sobre aquisição de
Medicamentos
3,8%
Alerta para identificação de RAM
2%
Com o objetivo de auxiliar a orientação quanto a administração de medicamentos e
sua importância para a prevenção de novos agravos, foi elaborado um folder ilustrado
(Apêndice C). O material foi apresentado a equipe clínica, para aprimoramento da
linguagem e formato. Após essa etapa, o folder foi entregue aos pacientes no último
encontro com o farmacêutico.
Sánchez-Gili et al. (2010) salienta que, para que o farmacêutico possa elaborar
intervenções de educação em saúde de acordo com as necessidades do paciente, é essencial
avaliar o conhecimento do mesmo sobre sua enfermidade e seu tratamento. Contudo, as
intervenções devem ter enfoque multiprofissional, incluindo informações sobre a doença,
exposição da necessidade de tratamento adequado, reações adversas ao tratamento e
prevenção de possíveis barreiras para consolidação do plano terapêutico.
65
6
CONCLUSÃO
A metodologia empregada permitiu o estabelecimento do padrão de consumo de
medicamentos e a identificação dos PRM na população estudada. Os PRM mais frequentes
foram a administração incorreta pelo paciente (26,3%) e a frequência do uso ou duração
inadequada (17,5%). Em ambos, o acompanhamento e a orientação farmacêutica podem
ser uma alternativa para a resolução destes problemas.
A avaliação do nível de conhecimento dos pacientes revelou que 46% deles
apresentam nível regular, 39% insuficiente e 15% bom, novamente sugerindo a potencial
contribuição do farmacêutico no sentido de promover o aprofundamento dessas
informações.
A análise de correlação das variáveis preditoras para ocorrência de problemas
relacionados aos medicamentos revelou que, pacientes mais jovens são mais susceptíveis a
esses eventos. Este resultado enseja atenção especial a este grupo de pacientes, visando
otimizar a resposta terapêutica.
O reduzido número de pacientes e de tempo de acompanhamento são os principais
fatores limitantes do estudo. No entanto, a escassez de trabalhos envolvendo a atuação do
farmacêutico junto a estes pacientes reforça a oportunidade do estudo e aponta para a
necessidade de continuidade do trabalho.
Evidências de lacunas no cuidado aos pacientes renais crônicos em hemodiálise, como
baixo controle do fosfato sérico, refratariedade aos agentes estimulantes da eritropoiese,
elevado número de medicamentos e mudanças posológicas frequentes justificam a inserção
do farmacêutico na equipe multidisciplinar de saúde, auxiliando no estabelecimento dos
objetivos do tratamento, aumentando o nível de conhecimento sobre o mesmo e fornecendo
informações à equipe de saúde.
66
7
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72
8
APENDICES
Apêndice A – Termo de consentimento livre e esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
(De acordo com a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Pesquisa)
Você está sendo convidado (a) a participar de um estudo chamado “Estudo de utilização de
medicamentos em pacientes em hemodiálise”. O objetivo é determinar o impacto do trabalho do
farmacêutico através de prevenção e/ou resolução de problemas relacionados a medicamentos em pacientes
renais crônicos submetidos a tratamento de hemodiálise.
Este estudo será realizado por uma farmacêutica que avaliará o consumo de medicamentos e os
problemas relacionados aos mesmos, que podem estar relacionados à dose, formas de utilização, ocorrência
de efeitos indesejáveis. Informamos que esta pesquisa não oferecerá riscos previsíveis à sua saúde, no
entanto, pode ocorrer algum constrangimento em decorrência da entrevista. Para minimizar este risco, todas
as avaliações serão realizadas individualmente e em local reservado no próprio setor de tratamento. Como
benefício, esta pesquisa trará informações importantes para os profissionais de saúde e pacientes, melhorando
o planejamento e as ações relacionadas à saúde dos pacientes que realizam hemodiálise. Ao final da
entrevista serão realizadas orientações sobre os medicamentos que utiliza para a prevenção dos possíveis
problemas relacionados ao uso dos medicamentos.
Informo ainda que a sua participação é voluntária, que não receberá pagamento para isto, e que não
será prejudicado de forma alguma caso não queira participar do estudo, sendo também garantido ao (a) Sr(a)
o direito de desistir da pesquisa, em qualquer tempo, sem que essa decisão o prejudique.
Caso o (a) Sr(a) aceite, será necessário assinar este termo como é exigido na Resolução nº. 196, de 10
de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que regulamenta as pesquisas envolvendo seres
humanos.
Solicitamos o seu consentimento também para a publicação e divulgação dos resultados, garantindo o
seu anonimato nos veículos científicos e/ou de divulgação (jornais, revistas, congressos, dentre outros), que
os pesquisadores acharem convenientes. Informo também, que as informações coletadas neste estudo, ficarão
sob a guarda da pesquisadora responsável por um período de cinco anos após a conclusão do estudo e serão
incinerados (queimados) após este período.
“Declaro que li e entendi as informações que me foram transmitidas e concordo em participar do
estudo, ou permitir que o paciente pelo qual seja responsável participe”.
Niterói, ___/___/____
_____________________________________________________
Assinatura do voluntário (ou responsável)
Pesquisador Responsável:
Eu, ____________________________________, responsável pela pesquisa “IMPACTO DA ATENÇÃO
FARMACÊUTICA EM PACIENTES COM INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM TRATAMENTO
HEMODIALÍTICO” declaro que obtive espontaneamente o consentimento para realizar este estudo.
_____________________________________
Assinatura da pesquisadora responsável
Pesquisadora Responsável: Leticia Oening Machado – Mestranda do Programa de Ciências Aplicadas a
Produtos para Saúde Fone:(21)8034-9552 E-mail:[email protected]
Endereço: Rua Mário Viana, 523 - Santa Rosa, Niterói, RJ CEP: 24241-000. Telefone: (21) 2629-9561
Contato Comitê de ética: Rua Marquês do Paraná 303, 4° andar, prédio anexo ao HUAP. Fone: (21) 26299189
___________________________
Testemunha
___________________________
Testemunha
73
Apêndice B – Instrumento de Coleta de dados
Plano de Cuidado Farmacêutico – Paciente Nefropata em Hemodiálise
Iniciais:
Idade:
Sexo:
Doença de base
História Clínica
Fatores de risco/História familiar
Alergia
Tempo de Hemodiálise
Co-morbidades
Fármacos
Fármaco
Dose/Frequência
Indicação
Análise racional
74
Conhecimento sobre a prescrição
Conhece
Nome do medicamento
Indicação
Dose
Frequência de administração
Duração do tratamento
Precauções
Reações adversas
Anamnese
Problemas Relacionados a Medicamentos
Indicação
PRM 1
PRM 2
Efetividade
PRM 3
PRM 4
Segurança
PRM 5
PRM 6
Cumprimento
PRM 7
Desconhece
75
Intervenções Farmacêuticas
Intervenção
farmacêutica
Data
Dados Laboratoriais
Data
HB
HT
Transferrina
Ferritina
Potássio
Sódio
Fósforo
Cálcio
Creatinina
PTH
Evolução
Aceita
Impacto
Desfecho
Meio
Comunicação
Comunicado
Problema
saúde
resolvido
76
Apêndice C - Folder ilustrado para orientação quanto a administração de medicamentos
77
78
9
ANEXOS
Anexo A – Parecer comitê de ética
79
80
81
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