O GLOBO ● CIÊNCIA ● AZUL MAGENTA AMARELO PRETO PÁGINA 34 - Edição: 2/09/2011 - Impresso: 1/09/2011 — 21: 34 h 34 Sexta-feira, 2 de setembro de 2011 O GLOBO CIÊNCIA . O mapa cerebral do paladar Pesquisadores descobrem onde ficam os neurônios responsáveis por cada gosto C ada sabor, do doce ao salgado, é sentido por um único conjunto de neurônios no cérebro, segundo pesquisa da Universidade de Columbia e dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA feita com camundongos. O estudo demonstra que neurônios que respondem a sabores específicos são dispostos no que os cientistas chamaram de “mapa gustativo”. Este é o primeiro mapeamento sobre a disposição do paladar no cérebro de um mamífero. Não há como confundir a doçura de um pêssego maduro e o gosto salgado de uma batata frita — em parte devido a células altamente especializadas, seletivamente sintonizadas na língua, que detectam cada sabor único. Agora, os pesquisadores desvendaram como são processados, em áreas distintas do cérebro, os quatro gostos básicos — doce, amargo, salgado e umami (monoglutamato de sódio, o sabor do ajinomoto). Suas descobertas foram publicadas na edição de hoje da revista “Science”. — Existe uma lógica básica para a representação no cérebro do paladar, o último dos cinco sentidos clássicos — revela Charles Zuker, professor-adjunto do Departamento de Bioquímica e Biofísica Molecular. Para Nicholas Ryba, colaborador do estudo, o novo trabalho responde a uma das dúvidas mais antigas de nossa espécie. — O modo como percebemos o mundo sensível é algo que fascina a Humanidade por toda a sua existência — ressalta o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Dentária e Craniofacial. — O que é um gosto? É o alerta de um grupo de neurônios no cérebro, e é isso que gostaríamos de entender. Editoria de Arte SAIBA MAIS SOBRE O ESTUDO Os pesquisadores usaram uma técnica com dois fótons de imagem de cálcio, para identificar células do tálamo do camundongo que respondessem ao teste. Depois foram traçadas as conexões neurais no córtex primário, em uma área do cérebro conhecida como ínsula Os pesquisadores também conduziram experimentos em camundongos que não contavam com receptores de um sabor específico em sua língua Juntos, os resultados produziram um retrato sobre como o gosto é representado no cérebro, com cada ponto correspondendo a uma área de qualidade de sabor Os pesquisadores não encontraram a área correspondente ao gosto azedo, provavelmente por ficar fora da área usada na amostra Amargo Cérebro do camundongo Tálamo Salgado Umami Para cada sabor, um grupo de células ● No passado, pesquisadores mediram a atividade elétrica de pequenos grupos de neurônios para ver quais áreas do cérebro de um camundongo eram ativadas por gostos diferentes. Nos experimentos, estas regiões respondiam a diferentes gostos que pareciam se misturar, e cientistas, assim, concluíram que os neurônios processavam todos os gostos conjuntamente. Zuker, Ryba e outros colaboradores já haviam identificado receptores únicos de gosto e células receptoras para cada um deles — descobriram, enfim, o esquema “um gosto, uma classe de células”. Ativar as células receptoras desencadeou comportamentos inatos do camundongo: atração pelo doce, umami e comida pouco salgada; aversão ao amargo, azedo e alimentos com muito sal. Com esta clara ligação entre gosto e comportamento, os pesquisadores se perguntaram por que diferentes gostos seriam processados pelos mesmos neurônios no cérebro. Eles suspeitaram que experimentos anteriores haviam esquecido de algo. Então, a equipe de Zuker, tentou uma nova e poderosa técnica, com dois Doce fótons de imagem de cálcio, para determinar que neurônios respondem quando um animal é exposto a diferentes qualidades de gosto. Quando um neurônio é ativado, ele libera uma onda de cálcio por toda a célula. Portanto, o nível de cálcio pode servir como uma fórmula para medir a ativação de neurônios. Os pesquisadores injetaram corante nos neurônios do camundongo, que fariam essas células iluminarem-se toda vez que o cálcio fosse liberado. Foi observado assim que, quando se dá algo amargo para um camundongo provar — ou quando os receptores na sua língua que Latinstock sentem o amargo são estimulados —, muitos neurônios de uma área pequena e específica no cérebro são acesos. Cada gosto corresponde a uma região diferente no cérebro. Nenhuma das áreas se sobrepõe. Há, na verdade, um espaço entre cada uma delas. Um mapeamento semelhante já havia sido feito com outros sentidos. Diferentes frequências de som ativam diferentes conjuntos de neurônios, por exemplo. Neurônios visuais são encontrados em arranjo que imita o campo detectado pelos olhos. O gosto, no entanto, não oferece um arranjo preexistente até ser atingido pelo cérebro. Além disso, os receptores de todos os sabores estão distribuídos aleatoriamente pela língua. Deste modo, a organização espacial dos neurônios do gosto em um mapa do cérebro torna-se ainda mais surpreendente. Para Zuker, agora que se descobriu um mapa do cérebro para as qualidades do gosto, a próxima etapa é saber “como estes sabores combinam-se com outros sentidos, como tato e olfato, e o estado interno — fome e expectativa, por exemplo. Assim é feita a memória do paladar e o comportamento ligado ao gosto”. ■ Especialistas propõem faxina espacial Número de objetos grandes em órbita já passa de 22 mil, alertam cientistas UMA ILUSTRAÇÃO do lixo espacial que orbita ao redor da Terra ● Uma comissão de especialistas do governo americano divulgou ontem um vasto relatório sobre a questão do lixo espacial e pediu às autoridades que comecem a pensar seriamente na possibilidade de uma faxina espacial. De acordo com o documento, há 22 mil objetos grandes o suficientes em órbita para serem avistados da Terra, além de centenas de milhares de outros menores, mas igualmente capazes de derrubar uma espaçonave tripulada ou um satélite de milhares de dólares. Nos últimos quatro anos, um único teste militar chinês colocou em órbita nada menos que 150 mil novos fragmentos. O alerta veio pouco mais de um mês depois de a corporação aeroespacial russa Energia anunciar que pretende construir uma nave que pode carregar os primeiros "garis espaciais". O principal objetivo da missão russa é a manutenção de satélites, mas a nave poderia ser usada também para recolher detritos ou empurrá-los rumo à atmosfera, onde queimariam sem apresentar riscos. Outras tecnologias, segundo o relatório americano divulgado ontem, poderiam ser desenvolvidas para a solução do problema, como gigantescos aspiradores de pó ou ímãs cósmicos, capazes de recolher — ao menos em parte — os restos de naves, foguetes e satélites que transformam as cercanias do planeta em uma região cada vez mais perigosa. Vale lembrar que uma colisão com um objeto do tamanho de um parafuso, de 10 gramas, é capaz de derrubar uma nave ou satélites responsáveis pelas comunicações internacionais. — Perdemos o controle do ambiente — admite o cientista aposentado da Nasa Donald Kessler, que comandou a elaboração do relatório. Desde o início da era espacial, há 54 anos, a civilização encheu a área logo acima da atmosfera com partes de espaçonaves que soltam-se durante lançamentos, assim como velhos satélites. Quando os cientistas notaram que isso poderia se tornar um problema, criaram acordos para limitar o novo lixo espacial. Estes tratados têm como objetivo garantir que tudo o que for mandado para órbita cairá novamente na Terra e depois será queimado. Teste chinês desafia esforços de redução do lixo Mas dois eventos nos últimos quatro anos — o teste de uma arma anti-satélite chinesa, em 2007, e a colisão em órbita de dois satélites, em 2009 — pôs tantos novos entulhos no espaço que, a partir daí, tudo mudou. O teste chinês, extremamente criticado, usou um míssil para destruir um antigo satélite meteorológico que se rompeu em 150 mil pedaços de cerca de 1 centímetro. Desses, 3.118 podem ser rastreados da Terra. — Esses dois eventos dobraram a quantidade de fragmentos na órbita do planeta e aniquilaram tudo o que foi feito nos 25 anos anteriores — lamenta Kessler. O estudo menciona apenas brevemente algumas maneiras de limpar o espaço, mencionando obstáculos técnicos, legais e diplomáticos. Mas refere-se a um relatório divulgado mais cedo, este ano, pelo Departamento de Defesa, que descreve diversas técnicas insólitas. Entre elas, arpões, redes, cordas, ímãs e até mesmo um dispositivo em forma de guardachuva, que varreria pequenos pedaços de detritos. Kessler gosta da ideia apresentada por uma companhia, de construir um satélite armado com redes que rodeariam o lixo. Ligada à rede ficaria um dispositivo eletromagnético, que poderia puxar o entulho para baixo, onde ele queimaria inofensivamente, ou impulsioná-lo para uma órbita onde não representasse um risco à segurança. Cientistas da Nasa afirmam que estão examinando o estudo. O relatório é da Academia Nacional de Ciências dos EUA, que faz análises para o Congresso sobre assuntos científicos. ■