CONTROLE DO CICLO CELULAR As imagens de uma célula em divisão mostram a sincronia do afastamento dos cromossomos na anáfase, o estrangulamento que separa as células-filhas e a recomposição do envoltório nuclear. Essa seqüência de eventos não se restringe à mitose, ela é característica de todo o ciclo celular: o DNA só vai se duplicar após a fase de síntese e crescimento celular, e a mitose só se inicia se o DNA estiver duplicado e a célula tiver o tamanho correto. Concluindo: o disparo de cada etapa do ciclo celular é feito durante a etapa anterior. Mas quais são os sensores que liberam a etapa seguinte? Esse mistério começou a ser elucidado a partir de experimentos com ovócitos de sapo (Xenopus). O zigoto dos animais normalmente é uma célula grande, e no caso do Xenopus mede mais de 1mm! Foto: O ovócito de Xenopus mede mais de 1mm. (Foto de Tony Mills, publicada em Molecular Biology of the Cell, Garland Pub. Co.) CONTROLE INTERNO DO CICLO Acreditava-se que o controle do ciclo celular estava no núcleo, mas um experimento demonstrou que é exercido por moléculas do citoplasma. O experimento consistia em retirar uma porção do citoplasma de um ovócito fecundado e injetar o conteúdo em um ovócito não fecundado. A célula que recebia esse extrato de citoplasma entrava em mitose (embora fosse haplóide!). Injetando-se o extrato citoplasmático de uma célula na fase G2, não produzia nenhum efeito no ovócito. Concluiu-se, então, que no citoplasma do zigoto havia um fator promotor de mitose ou MPF (de M-phase promoting factor). Quando o MPF foi purificado, constatou-se que ele continha uma única enzima: uma proteína quinase. Quinases são enzimas que catalisam uma reação em que uma outra proteína é fosforilada, isto é, um fosfato vindo do ATP ligase a um de seus aminoácidos. Essa reação pode ser rapidamente revertida pela ação de um outro tipo de enzima – as fosfatases. A adição ou remoção de grupos fosfato é uma das maneiras mais freqüentes de ativação e inativação de moléculas. Ao fosforilar proteínas-chave, eventos típicos da mitose como a condensação dos cromossomos, desagregação do envoltório nuclear e outros eram disparados. Essas quinases estavam presentes no ovo de Xenopus em todas as fases do ciclo celular, enquanto a ativação do MPF era cíclica. Como poderiam essas quinases estarem ativadas apenas em um momento? Essa pergunta foi respondida através de experimentos feitos com ovos de mariscos. Nesses seres, foram detectadas proteínas cuja concentração crescia durante a fase S, caindo abruptamente quando a célula entrava na fase M. Essas proteínas foram batizadas de ciclinas. Concluiu-se assim que o MPF é, na verdade, um complexo proteico: uma ciclina e uma quinase dependente dela, ou Cdk (cyclin dependent kinase). Após a descoberta da ciclina e da Cdk disparadoras da mitose – M-ciclina e M-Cdk – foram identificadas outras ciclinas (e respectivas Cdks) disparadoras de outros eventos do ciclo celular. Assim, embora as Cdks estejam presentes o tempo todo, sua atividade é regulada pela presença, ou não, da ciclina que a ativa. Também ficou mais clara a dinâmica de ativação das Cdks: as ciclinas da mitose, por exemplo, começam a ser sintetizadas no início da fase G1. Sua concentração citoplasmática vai aumentando até atingir a concentração reativa. Isso ocorre imediatamente antes de a célula entrar na fase M. Nesse intervalo, a célula estará cumprindo o roteiro de atividades das fases G1, S e G2, sempre pela ativação de Cdks específicas dessas etapas, que vão sendo ativadas por ciclinas cuja concentração reativa é alcançada primeiro. CONTROLE EXTERNO DO CICLO: A ORDEM DOS FATORES ALTERA O PRODUTO Um ponto fundamental para o ciclo celular dar certo é que cada evento só seja iniciado quando for concluída a fase anterior. Não é difícil prever as conseqüências desastrosas de entrar em mitose antes de concluída a duplicação do DNA, ou da entrada na fase S sem que a célula tenha crescido o suficiente. Por isso, ao longo do ciclo celular existem diversos pontos de checagem. Para passar à etapa seguinte, cada item da etapa anterior é checado e, se não estiver cumprido, o ciclo celular não avança. Veja quais são esses pontos de checagem. Ao longo do ciclo celular existem três pontos de checagem: em G1, G2 e em M. Em cada um desses pontos, são checados os itens correspondentes às perguntas contidas nas caixas. Se todos estiverem corretos, a célula passa à etapa seguinte, cumprindo a “ordem” inserida na caixa sombreada. Uma célula pode ficar muito tempo em G1 se não houver nutrientes suficientes para manter um número maior de células. Do mesmo modo, a disponibilidade de espaço também limita a proliferação celular. Além disso, mesmo com nutrientes e espaço suficientes, as células não se dividem se não receberem de outras a informação de que devem se dividir. Esta informação vem na forma de moléculas sinalizadoras chamadas fatores de crescimento, detectadas por receptores de superfície. O somatório de sinais, que engloba os nutrientes, o espaço disponível e os fatores de crescimento, constitui a resposta para a pergunta “O ambiente é favorável?” feita na checagem de G1. Em G1 a célula precisa crescer para recuperar o volume perdido ao ter o citoplasma dividido entre as células-filhas. Esse crescimento depende de um ambiente favorável para a obtenção de nutrientes, de temperatura e pH adequados à realização dos processos metabólicos. Não se sabe como a célula consegue calcular que o volume do citoplasma em relação ao núcleo atingiu a proporção correta, mas quando isso acontece a célula fica liberada para entrar na fase S, de síntese do DNA. A decisão de entrar na fase S da interfase é conhecida como ponto de Start, pois inicia um processo que é irreversível a partir desse ponto. Depois que uma célula inicia a duplicação do genoma, terá de se dividir ou morrer. O segundo ponto de checagem está em G2. Aí o tamanho e o ambiente são novamente conferidos. Embora o maior crescimento ocorra em G1, a célula pode crescer mais um pouco em G2. Entretanto, o ponto mais importante a ser conferido é se o DNA está total e corretamente duplicado. Nesse ponto, várias anomalias genéticas, como mutações e deleções, podem ser detectadas e corrigidas, ou as células defeituosas podem ser eliminadas. Uma falha nesse ponto pode levar ao desenvolvimento de tumores malignos. A última chance de eliminar uma célula defeituosa é no ponto de checagem que antecede a saída da fase M. Enquanto todos os cromossomos não estiverem alinhados na placa metafásica, a divisão celular não prossegue para a anáfase e para a citocinese (separação das células-filhas). Isso visa a garantir que cada célula-filha receberá uma cópia exata do genoma da célula-mãe. CICLINAS E CDKS: É PRECISO ALGO MAIS Já sabemos que a célula entrará na fase M quando a M-Cdk formar um complexo com a M-ciclina, cuja concentração citoplasmática cresce a partir de G1. Para garantir que a M-Cdk não comece a fosforilar as proteínas da fase M antes da hora, o complexo M-ciclina-M-Cdk é inicialmente inativo. Para que a Cdk se torne ativa, precisa ser fosforilada. Duas quinases fosforilam a M-Cdk. Uma fosforila um sítio que inibe a atividade da M-Cdk, a outra fosforila o sítio de ativação da enzima. Assim, o complexo só se tornará ativo depois de ter um desses fosfatos (o inibidor) removido pela ação de uma fosfatase. A partir daí, o complexo ciclina-Cdk (ou MPF) se torna ativo sendo capaz de catalisar inclusive a ativação dos complexos ainda inativos. Afinal, o que as Cdks fosforilam? As Cdks de cada etapa do ciclo celular catalisam a fosforilação de diferentes proteínas com diferentes resultados. A M-Cdk, por exemplo, atua, entre outras, sobre as seguintes proteínas (que são, claro, seus substratos): • Catalisa a fosforilação das laminas, filamentos intermediários que formam uma rede que reveste o envoltório nuclear. As laminas fosforiladas despolimerizam, provocando a fragmentação da lâmina nuclear e a vesiculação (e desaparecimento) do envoltório nuclear. • A fosforilação de uma outra proteína, a condensina, promoverá a condensação dos cromossomos observada na mitose. • A fosforilação de proteínas associadas aos microtúbulos também promoverá sua reorganização para formar o fuso mitótico. Cada etapa do ciclo depende de ciclinas diferentes O disparo de cada etapa do ciclo celular depende da ativação de complexos ciclina-Cdk específicos daquela etapa. Em contrapartida, uma vez encerrada aquela etapa, como é interrompida a atividade dessas quinases? Ao fim de cada etapa as ciclinas são ubiquitinadas e direcionadas para rápida destruição nos proteassomas. Os substratos do MPF, como as laminas, as condensinas, as proteínas associadas a microtúbulos etc., que tinham sido fosforilados no início da fase M, serão defosforilados no final dessa fase por fosfatases que são ativadas ainda pelo próprio MPF, imediatamente antes da degradação das ciclinas. Obs: Existem enzimas proteolíticas citossólicas que não estão dispersas, mas sim arranjadas em conjuntos enzimáticos chamados proteassomas. Esse arranjo de enzimas parece um pequeno triturador de papel, ou um apontador de lápis automático, que tem as lâminas voltadas para dentro. Proteassomas vistos por contrastação negativa no microscópio eletrônico (A). Em B, a imagem de um proteassoma trabalhada em computador, mostrando que cada proteassoma possui uma região mediana, que é o sítio de degradação onde estão as proteases com o sítio ativo voltado para dentro e, em cada extremidade, um sítio de reconhecimento. Em C, um desenho esquemático de um proteassoma onde se vê o seu interior. Fonte: Molecular Biology of the Cell, 3-ª ed. O proteassoma só vai digerir as proteínas que entrarem nele, chegando ao alcance do sítio ativo das enzimas. E uma proteína não entra no proteassoma por acaso. Ela precisa ser reconhecida nas bordas do proteassoma. O que será que o proteassoma reconhece? As seqüências hidrofóbicas expostas em proteínas mal enoveladas. No entanto, descobriu-se que os proteassomas também degradam proteínas em perfeito estado, se elas estiverem sobrando na célula. Proteínas em excesso devem mesmo ser degradadas, para que seu armazenamento não “ocupe espaço” e os aminoácidos resultantes da degradação sejam reaproveitados. O sistema de degradação citossólica em proteassomas está acoplado a um sistema de marcação de quem deve ser degradado. É como se a proteína que vai ser destruída recebesse uma etiqueta que pudesse ser lida pelo proteassoma, que, mediante a identificação, vai puxá-la para dentro. Essa “etiqueta” é uma pequena proteína que recebeu o nome de ubiquitina. Proteínas destinadas à degradação recebem várias ubiquitinas. O sítio de reconhecimento do proteassoma tem receptores para ubiquitina. Ubiquitina, a proteína que está em toda parte. Ao identificar uma nova proteína, os cientistas procuram batizá-la com um nome que evidencie uma característica marcante, facilitando o seu reconhecimento. Assim, a ubiquitina recebeu este nome por ser uma proteína ubíqua (onipresente), isto é, ser encontrada em todas as células; afinal, qual é a célula que não precisa estar constantemente controlando a qualidade das proteínas que produz?