Universidade Federal de Ouro Preto Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas Bruna Trindade de Carvalho Fermentação Consorciada Leveduras/Bactérias Láticas Aplicada à Produção de Cachaça como Possibilidade de Melhoria do Padrão de Qualidade Ouro Preto 2011 Bruna Trindade de Carvalho Fermentação Consorciada Leveduras/Bactérias Láticas Aplicada à Produção de Cachaça como Possibilidade de Melhoria do Padrão de Qualidade Dissertação de Mestrado ORIENTADOR: PROF. DR. ROGELIO LOPES BRANDÃO CO-ORIENTADORA: PROF.ª DR.ª LEONEIDE ÉRICA MADURO BOUILLET Dissertação apresentada ao programa de pósgraduação do Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Ouro Preto, como parte integrante dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Biotecnologia, área de concentração Biotecnologia aplicada a processos e ao tratamento de doenças. Ouro Preto, Junho de 2011. ii 1. 2. C331f Carvalho, Bruna Trindade de Fermentação consorciada leveduras/bactérias láticas aplicada à produção de cachaça como possibilidade de melhoria do padrão de qualidade [manuscrito] / Bruna Trindade de Carvalho. - 2011. xiii, 78f.: il., color; graf.; tabs. Orientador: Prof. Dr. Rogélio Lopes Brandão Co-orientadora: Profª Drª Leoneide Érica Maduro Bouillet Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Exatas e Biológicas. Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas. Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia. Área de concentração: Biotecnologia Aplicada a Processos e Catalogação: [email protected] ao Tratamento de Doenças. 1. Bebidas fermentadas - Teses. 2. Compostos orgânicos voláteis - Teses. 3. Cromatografia de gás - Espectrometria de massa - GC-MS - Teses. 4. Fermentação - Teses. I. Universidade Federal de Ouro Preto. II. Título. Dedicatória Dedico ao meu falecido pai, que me ensinou que o conhecimento é o nosso maior patrimônio. À minha querida mãe e queridos irmãos, que sempre me apoiaram, incentivaram e se esforçaram para que hoje eu estivesse aqui. Amo muito todos vocês. iii Agradecimentos Ao meu orientador, Prof. Dr. Rogelio Brandão, pela oportunidade do mestrado, por todo o aprendizado e principalmente pela confiança depositada em meu trabalho. À minha co-orientadora, Prof.ª Dr.ª Leoneide Bouillet, mais que uma co-orientadora, uma amiga, sempre com uma palavra carinhosa nos momentos difíceis, e conselhos preciosos. Ao Prof. Dr. Ieso Castro, por toda a sua disponibilidade e auxílio. À Zezé Trópia, por toda a sua paciência, alegria, ensinamentos e preocupação com todos no laboratório. Aos professores do Laboratório Caracterização Molecular/Espectrometria de Massas da UFOP, Dr. Maurício Coutrim e Dr. Robson Afonso, colaboradores deste projeto, pelo imenso auxílio, valorosas ideias, disponibilização do laboratório, confiança e pela maravilhosa convivência. Aos demais membros do laboratório, especialmente os mestres Júlio e Gustavo, as mestrandas Keila, Fernanda e Ananda, e a aluna de iniciação científica Regiane, por todo o auxílio. Às alunas de iniciação científica envolvidas neste trabalho, Mariana e Gabriella, por toda a dedicação e comprometimento com o trabalho, e principalmente, pela amizade. Aos amigos do LBCM, Anderson, Aninha, Érica, Érica Milena, Fernando, Filippe, Max, Laura, Soraya, Simone, Priscila e Taís, pela maravilhosa convivência no laboratório e fora dele! Aos amigos de mestrado e laboratório, Cris, Pep, Rê e Carol, pelas animadas discussões sobre papers, projetos e seminários, mas principalmente pelo companheirismo e momentos maravilhosos de uma amizade verdadeira. Aos colegas do mestrado, pela boa convivência, especialmente Fran, Val, David, Dani, Rodrigo, Bruno, Iara. Com vocês o mestrado ficou bem mais divertido! Aos amigos de Salinas, Magal, Andreia, Dani, Rose, Oscar e principalmente Thiago e Edilene, pela amizade e experiências compartilhadas. Aos professores do NUPEB, pelo ensino, base para o desenvolvimento acadêmico. Cida e Josino, por toda a prestatividade. À UFOP pelo excelente ensino na graduação e pós-graduação. iv RESUMO Fermentação Consorciada Leveduras/Bactérias Láticas Aplicada à Produção de Cachaça como Possibilidade de Melhoria do Padrão de Qualidade Cachaça é a bebida destilada mais consumida no Brasil, e a terceira mais consumida no mundo. O Brasil exporta este produto para 45 países, porém estas vendas não atingem 1% da produção nacional. Para incrementar a exportação é necessário que se atinja um novo patamar de qualidade. Tal qualidade pode ser alcançada pela utilização de leveduras selecionadas, que permitem a obtenção de estabilidade físico-química e sensorial, além de incremento do “flavour” devido à maior produção de compostos voláteis, especialmente álcoois superiores e ésteres. Um importante éster, o lactato de etila, é descrito como tendo caráter frutado e habilidade de mascarar o sabor vegetal residual da cachaça. Ele é formado pela esterificação do etanol com ácido lático, produzido por bactérias láticas (LABs), que por sua vez são consideradas contaminantes do processo. O objetivo deste trabalho é investigar se é possível a utilização de bactérias láticas em fermentação mista, para a produção de cachaça de alto padrão de qualidade, devido ao incremento nos teores do éster lactato de etila. Este trabalho utiliza uma cepa de levedura Saccharomyces cerevisiae selecionada, a LBCM606, em associação a cada uma das quatro cepas bacterianas descritas entre os contaminantes mais comuns da fermentação da cachaça: Bacillus coagulans, Bacillus stearothermophilus, Lactobacillus plantarum e Lactobacillus fermentum, além da cepa isolada de Yakult® Lactobacillus casei Shirota, utilizada como controle industrial, e duas cepas isoladas de dorna, bLBCM680-2 e bLBCM680-3. As fermentações mistas foram comparadas à fermentação tradicional. Alíquotas da fermentação foram retiradas nos tempos de 0, 2, 4, 6, 8, 24 e 48h e analisadas quanto ao pH e consumo de sacarose, e nos tempos 0, 24 e 48h quanto à população de células. Tais análises não forneceram evidências de que bactérias até a concentração de 10 6 UFC/ml possam prejudicar o processo produtivo da cachaça devido ao consumo de açúcares e queda da viabilidade de leveduras provocada por acidificação do meio. A dosagem de lactato de etila foi realizada por CG-MS nos tempos de 8, 24 e 48h de fermentação, e revelam um desempenho superior das cepas isoladas de dorna e, principalmente, do controle industrial, L. casei. Estas três cepas testadas sob a condição de reciclo de células, mantém a viabilidade de células bacterianas apenas ao longo dos três primeiros ciclos, sendo que no décimo ciclo, a contagem de células viáveis é menor que 0,5% da contagem do primeiro ciclo. A cepa bLBCM680-2 v por possuir uma produção de lactato de etila mais estável ao longo dos ciclos, é a mais promissora para a utilização em dornas de produção de cachaça. Palavras chave: Bebidas Fermentadas, Compostos Voláteis, Flavour, Lactato de Etila, Fermentação Mista, GC-MS. vi ABSTRACT Consortium Fermentation Yeast/Lactic Bacteria Applied to Cachaça Production as Quality Improvement Possibility Cachaça is the most consumed distilled beverage in Brazil and the third one in the world. Brazil exports this product to 45 countries, but it is less than 1% of the national production. To increase external selling, quality enhancement of the product is necessary. The quality can be achieved using selected yeast, as starters, to obtain physical-chemistry and sensorial stability, besides sensorial improvement by volatile compounds production, especially high alcohols and esters. An important ester, ethyl lactate, seems to contribute with a fruity flavor and ability to mask green flavor. It is formed from lactic acid, produced by lactic acid bacteria (LAB), that are considered until now, contaminants of the fermentative process involved in cachaça production. The goal of the present study is to investigate if it is possible to use bacteria in a mixed fermentation process to produce high quality cachaça, by increase of ethyl lactate levels. This study uses starter cultures of selected Saccharomyces cerevisiae, LBCM606c, combined with common cachaça‟s contaminants: Bacillus coagulans, Bacillus stearothermophilus, Lactobacillus plantarum, and Lactobacillus fermentum, besides a strain isolated from Yakult®, the Lactobacillus casei Shirota, used as industrial control, and two strains isolated from cachaça vats, bLBCM6802 and bLBCM680-3. The mixed fermentation was compared to the traditional fermentation. Samples were analyzed at 0, 2, 4, 6, 8, 24, and 48 hours for pH and sucrose consumption, and at 0, 24 and 48h for cell population. These analyses do not give evidences that bacteria until 106 CFU/mL can damage the production process by nutritional competition and medium acidification. The ethyl lactate analysis was performed by GCMS at 8, 24 and 48 hours of fermentation. This analysis demonstrates the superior performance of the strains isolated from vats, and especially, the industrial control, L. casei. These three strains tested with recycling cells, maintain the viability just over three cycles. At the tenth cycle, the viable count is less than 0,5% of the first cycle count. The strain bLBCM680-2 has the most stable production of ethyl lactate and seems to be the most promising strain to be used in cachaça production. Keywords: Fermented beverage, Brazilian spirit, volatile compounds, flavor, ethyl lactate, mixed fermentation, GC-MS. vii LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Principais países de destino (volume) da cachaça e caninha brasileiras exportadas no ano de 2010.. .................................................................................................................................3 Figura 2 - Participação dos estados brasileiros (em volume) nas exportações de cachaça e caninha no ano de 2010. .............................................................................................................................4 Figura 3 - Esquema simplificado das vias do metabolismo homofermentativo e heterofermentativo em bactérias láticas do gênero Lactobacillus. Fonte: Gomes, 2009. .............16 Figura 4 - Delineamento Experimental .........................................................................................20 Figura 5 - Esquema para a fermentação mista, em escala laboratorial. .........................................26 Figura 6 - Esquema para a fermentação mista com reciclo de células, em escala laboratorial. ......27 Figura 7 - Padronização do número de células de leveduras em suspensão (YPD2%) pela medida da absorbância 600nm e pela contagem de células em Câmara de Neubauer. .............................32 Figura 8 - Avaliação dos parâmetros fermentativos na fermentação mista com 10 4 UFC/mL de bactérias láticas. ..........................................................................................................................39 Figura 9 - Avaliação da interferência do tamanho do inóculo bacteriano com relação aos parâmetros fermentativos. ..........................................................................................................42 Figura 10 - Avaliação dos parâmetros fermentativos com relação à presença das bactérias láticas L. plantarum, L. casei, bLBCM680-2 e bLBCM680-3 inoculadas na concentração de 106 UFC/mL. .45 Figura 11 - Viabilidade das bactérias láticas inoculadas na concentração de 1e6 UFC/ml em cultivo misto com S. cerevisiae por 48h. ..................................................................................................46 Figura 12 - Cromatogramas obtidos por GC-MS............................................................................48 Figura 13 - Avaliação da presença das bactérias selecionadas com relação aos parâmetros fermentativos. .............................................................................................................................51 Figura 14 - Avaliação da viabilidade das bactérias selecionadas nos tempos 0, 24 e 48h da fermentação mista. ......................................................................................................................52 Figura 15 - Dosagens de lactato de etila em amostras de mosto fermentado extraídas com acetato de etila.........................................................................................................................................55 Figura 16 - Avaliação da interferência das bactérias láticas L. casei, bLBCM680-2 e bLBCM680-3 com relação aos parâmetros fermentativos ao longo de 10 ciclos fermentativos. ( ......................58 Figura 17 - Desempenho das bactérias láticas L. casei, bLBCM680-2 e bLBCM680-3 no reciclo fermentativo com relação a (a) sobrevivência bacteriana e (b) teores de lactato de etila. As medidas foram realizadas ao final de cada ciclo fermentativo (24h). ............................................60 Figura 18 - Curva de calibração de lactato de etila obtida.. ...........................................................71 Figura 19 - Linearidade e análise de regressão obtidos para o lactato de etila. .............................72 Figura 20 - Linearidade e análise de regressão obtidos para o ácido lático....................................77 Figura 21 - Pico do ácido lático obtido por HPLC (UV-Vis). ............................................................78 viii LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Quantidade de cachaça e caninha exportadas pelo Brasil e pelo estado de Minas Gerais, no período de 2000-2010 em volume (litros) e em valor (U$FOB). .................................................4 Tabela 2 - Micro-organismos utilizados no presente trabalho.......................................................21 Tabela 3 - Íons monitorados (m/z) para a análise de lactato de etila no modo SIM .......................29 Tabela 4 - Medida da concentração de células em suspensões bacterianas. .................................33 Tabela 5 - Porcentagem de recuperação de ácido lático e lactato de etila por extração com solventes orgânicos......................................................................................................................35 Tabela 6 – Viabilidade de leveduras (%) ao longo da fermentação, frente a diferentes bactérias na concentração de 104 UFC/mL, quando comparadas ao tempo 0h. ................................................38 Tabela 7 - Viabilidade de leveduras (%) ao longo da fermentação, frente a diferentes concentrações de L. plantarum, quando comparadas ao tempo 0h. .............................................41 Tabela 8 - Viabilidade de L. plantarum (%) inoculado em diferentes concentrações, ao longo da fermentação, quando comparado ao tempo 0h. ..........................................................................41 Tabela 9 - Viabilidade de leveduras (%) ao longo da fermentação, frente a diferentes bactérias na concentração de 106 UFC/mL, quando comparadas ao tempo 0h. ................................................44 Tabela 10 - Viabilidade das diferentes bactérias (%) quando inoculadas na concentração de 106 UFC/mL ao longo da fermentação, quando comparadas ao tempo 0h. .........................................46 Tabela 11 - Viabilidade de leveduras (%) ao longo da fermentação, frente a diferentes bactérias na concentração de105 e 106 UFC/mL, quando comparadas ao tempo 0h. ........................................50 Tabela 12 - Viabilidade das diferentes bactérias (%) quando inoculadas na concentração de10 5 e 106 UFC/mL ao longo da fermentação, quando comparadas ao tempo 0h. ...................................52 Tabela 13 - Viabilidade de leveduras (%) ao longo de 10 ciclos fermentativos, frente a diferentes bactérias na concentração de 106 UFC/mL, quando comparadas à quantidade de células adicionadas no ciclo 1. .................................................................................................................57 Tabela 14 - Viabilidade das diferentes bactérias (%) quando inoculadas na concentração de 10 6 UFC/mL ao longo de 10 ciclos fermentativos, quando comparadas à quantidade de células adicionadas no ciclo1. ..................................................................................................................61 Tabela 15 – Porcentagem de produção de lactato de etila em relação às quantidades produzidas no ciclo 1 pelas diferentes bactérias quando inoculadas na concentração de 10 6 UFC/mL . ..........62 Tabela 16 - Resultado da busca no banco de dados Saccharomyces Genome Database por lactate dehydrogenase. ...........................................................................................................................70 Tabela 17 - Valores aceitáveis de desvio padrão relativo (DPR) em função da concentração do analito. ........................................................................................................................................73 Tabela 18 - Dados de concentração de lactato de etila para a matriz isenta de padrão de lactato de etila para avaliação da precisão do método de extração. .............................................................73 ix Tabela 19 - Dados de concentração de lactato de etila para a matriz adicionada de 7,0 ppm de padrão de lactato de etila para avaliação da precisão do método de extração. ............................74 Tabela 20 – Recuperação do analito em função da concentração .................................................75 Tabela 21 - Dados de concentração de lactato de etila de uma mesma amostra injetada 7 vezes. 75 x LISTA DE ABREVIATURAS ATP Adenosina Trifosfato D.O.600nm Densidade Ótica medida a 600 nanômetros FENACA Federação Nacional das Associações de Produtores de Cachaça de Alambique GC Gas Chromatography/Cromatografia Gasosa GC-MS Gas chromatography-mass spectrometry / cromatografia gasosa hifenada à espectrometria de massas HPLC High Performance Liquid Chromatography / Cromatografia liquida de alta eficiência LAB Lactic Acid Bacteria / Bactéria ácido-lática MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. MLF Mallolactic Fermentation / Fermentação Malolática PBDAC Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Aguardente, Caninha e Cachaça. SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SIM Selected íon monitoring TFL 5,5´, 5´´-trifluoro-DL-leucina v/v Volume por volume UFC Unidade Formadora de Colônia xi Índice RESUMO ........................................................................................................................................ v ABSTRACT .................................................................................................................................... vii LISTA DE FIGURAS ....................................................................................................................... viii LISTA DE TABELAS ......................................................................................................................... ix 1. INTRODUÇÃO .........................................................................................................................1 1.1 A cachaça .............................................................................................................................1 1.2 Legislação.............................................................................................................................1 1.3 O mercado da cachaça .........................................................................................................2 1.4 A cachaça de alambique .......................................................................................................5 1.5 Leveduras selecionadas ........................................................................................................6 1.6 Ésteres e sua importância para o “flavour” da bebida. ..........................................................8 1.7 Fermentação Malolática .......................................................................................................9 1.8 Bactérias como contaminantes da cachaça .........................................................................11 1.9 Metabolismo das bactérias láticas ......................................................................................14 1.10 Interações entre leveduras e bactérias .............................................................................16 2. JUSTIFICATIVA ......................................................................................................................18 3. OBJETIVOS ...........................................................................................................................19 3.1 Objetivo geral.....................................................................................................................19 3.2 Objetivos específicos ..........................................................................................................19 4. MATERIAIS E MÉTODOS........................................................................................................20 4.2 Cepas de micro-organismos utilizadas ................................................................................21 4.3 Meios de cultura ...............................................................................................................22 4.3.1 Meio YPD2% ...............................................................................................................22 4.3.2 Meio mínimo (YNB Sac8%) ..........................................................................................22 4.3.3 Meio PCB (Plate Count Broth) ......................................................................................22 4.3.4 Meio MRS (de Man, Rogosa and Sharpe) .....................................................................22 4.4 Padronização das cepas de levedura e bactérias para uso na fermentação mista................22 4.4.1 S. cerevisiae LBCM606c................................................................................................22 4.4.2 Bactérias......................................................................................................................23 4.5 Adaptação das bactérias ao meio de cultivo misto..............................................................24 xii 4.6 Fermentação Mista de 48h .................................................................................................25 4.7 Fermentação Mista com reciclo de células..........................................................................26 4.8 Análises químicas e microbiológicas ...................................................................................27 4.8.1 Análise de Voláteis.......................................................................................................28 4.9 Análise estatística...............................................................................................................30 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO...................................................................................................32 5.1 Padronizações de micro-organismos ..................................................................................32 5.1.1 Padronização da suspensão de leveduras.....................................................................32 5.1.2 Padronização da suspensão de bactérias .....................................................................33 5.2 Avaliação do melhor solvente para extração de lactato de etila. .........................................34 5.3 Fermentações Mistas .........................................................................................................36 5.3.1 Fermentação mista utilizando-se 104 UFC/mL das bactérias Bacillus coagulans, Bacillus stearothermophilus, Lactobacillus plantarum, Lactobacillus fermentum ...............................36 5.3.2 Fermentação mista utilizando-se Lactobacillus plantarum nas concentrações de 104, 105 e 106 UFC/mL .......................................................................................................................40 5.3.3 Fermentação mista utilizando-se 106 UFC/mL de bactérias. .........................................43 5.3.4 Padronização de uma metodologia cromatográfica (GC-MS) para análise de lactato de etila e ácido lático. ...............................................................................................................47 5.3.5 Fermentações mistas de 48h com as cepas selecionadas nas concentrações de 10 5 e 106 UFC/mL para dosagem de lactato de etila e ácido lático. ......................................................49 5.3.6 Dosagem de lactato de etila e ácido lático. ..................................................................53 5.3.7 Fermentações mistas utilizando-se reciclos de células. ................................................56 6. CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS...............................................................................................63 7. CONCLUSÕES .......................................................................................................................64 8. PERSPECTIVAS ......................................................................................................................65 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................................66 ANEXO 1 – Resultado da busca no banco de dados SGD por lactate dehydrogenase.....................70 ANEXO 2 – Validação do método de dosagem de lactato de etila .................................................71 ANEXO 3 – Dosagens de ácido lático ............................................................................................77 xiii Introdução 1. INTRODUÇÃO 1.1 A cachaça Cachaça é o destilado obtido da fermentação do caldo de cana pela Saccharomyces cerevisiae. É caracterizada pela presença de componentes minoritários (congêneres), que apesar de representarem menos de 1% do total, são responsáveis por suas características organolépticas. Tais compostos são alcoóis superiores, etil ésteres, aldeídos, cetonas e ácidos orgânicos, sendo os alcoóis superiores os de maior abundância (BOSCOLO et al., 2000; NONATO et al., 2001; OLIVEIRA, 2001; NASCIMENTO, 2007). Segundo a legislação brasileira, cachaça é a denominação típica e exclusiva da Aguardente de Cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38 % vol. (trinta e oito por cento em volume) a 48% vol. (quarenta e oito por cento em volume) a 20ºC (vinte graus Celsius), obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar, com características sensoriais peculiares, podendo ser adicionada de açúcares até 6g/L (seis gramas por litro), expressos em sacarose (BRASIL, 2005). Já a aguardente de cana é a bebida com graduação alcoólica de 38% vol. (trinta e oito por cento em volume) a 54% vol. (cinquenta e quatro por cento em volume) a 20ºC (vinte graus Celsius), obtida do destilado alcoólico simples de cana-de-açúcar ou pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar, podendo ser adicionada de açúcares até 6g/L (seis gramas por litro), expressos em sacarose (BRASIL, 2005). 1.2 Legislação Os decretos 4062/01 e 4072/02 estabelecem a denominação “cachaça” como oficial e exclusiva para a aguardente de cana produzida no Brasil, protegendo a propriedade do nome “cachaça” e contribuindo para a sua divulgação no mercado internacional. (SEBRAE/NA, 2008). Em junho de 2005 foi publicada pelo MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) a Instrução Normativa n°13 que tem como objetivo fixar a identidade e as características de qualidade que a Cachaça e a Aguardente de Cana devem obedecer. Esta 1 Introdução Instrução Normativa define a composição química e requisitos de qualidade, fixando os ingredientes básicos e opcionais da cachaça, além do coeficiente de congêneres (limites permitidos para os componentes voláteis, “não álcool”) que são a soma de acidez volátil (expressa em ácido acético); aldeídos (expressos em acetaldeído); ésteres totais (expressos em acetato de etila); álcoois superiores (expressos pela soma do álcool n-propílico, álcool isobutílico e álcoois isoamílicos); furfural + hidroximetilfurfural. Em junho de 2009 passa a vigorar o Decreto no 6.871 regulamentando a Lei nº 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas. 1.3 O mercado da cachaça A cachaça é a segunda bebida alcoólica mais consumida no Brasil, perdendo apenas para a cerveja; e é a bebida destilada de maior consumo. Seu consumo anual é quase 5 vezes maior do que o do whisky (438 milhões de litros) e da vodca (270 milhões de litros). No cenário mundial, a cachaça é a terceira bebida destilada mais consumida, ficando atrás apenas da vodca e do soju (GOMES, 2004). Estima-se que no Brasil existam mais de 5mil marcas de cachaça, gerando mais de 400 mil empregos diretos e um faturamento anual de mais de U$600 milhões. Porém, apenas cerca de 1% da produção total nacional é exportada (GOMES, 2004; SEBRAE/NA, 2008). A Figura 1 mostra os principais países de destino da cachaça e caninha exportadas no ano de 2010. Entre 2004 e 2005 o volume exportado cresceu cerca de 20%, e entre 2005 e 2006 o crescimento ficou na casa de 10%. Já o valor médio por litro obtido no mercado externo, atingiu US$1,27, com um crescimento de mais de 53% entre 2001 e 2006 (VERDI, 2006; SEBRAE/NA, 2008). Segundo VERDI, (2006), tal crescimento se deve à criação do PBDAC (Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Aguardente, Caninha e Cachaça) e das ações da FENACA (Federação Nacional das Associações de Produtores de Cachaça de Alambique), e SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Além da criação da Câmara Setorial da Cachaça pelo MAPA, em setembro de 2004, reunindo a cadeia produtiva do setor. 2 Introdução Figura 1 - Principais países de destino (volume) da cachaça e caninha brasileiras exportadas no ano de 2010. O Brasil exportou um total de 10.441.107 litros de cachaça/caninha no ano de 2010, sendo Alemanha e Paraguai os principais países consumidores, representando 27% e 12% do destino, respectivamente. Em Minas Gerais, os estabelecimentos produtores de cachaça registrados são apenas 15% do total de estabelecimentos produtores. 43% das cachaças comercializadas vêm de estabelecimentos registrados e 57% de clandestinos. São aproximadamente 8.500 estabelecimentos produtores no estado, gerando um total de 182 milhões de litros de cachaça. No país, são cerca de 25.000 estabelecimentos, sendo que aproximadamente 90% deles operam na informalidade. A produção total de cachaça no Brasil é de 500 milhões de litros, e destes, cerca de 36% provém dos estabelecimentos clandestinos. Quando se consideram os dois processos de produção, cachaça de alambique e cachaça de coluna (descritos na próxima seção), a produção nacional ultrapassa 1,5 bilhão de litros (SEBRAE/NA, 2005; 2008). De acordo com o SEBRAE, em Minas Gerais, a produção de aguardentes (cachaça e caninha, ver definição no item 1.4) é de cerca de 230 milhões de litros/safra, o que representa 18% da produção nacional. Quanto ao mercado externo, pode-se observar um crescente aumento na participação de Minas, sendo que em 2010, 5% do total de cachaça e caninha exportadas eram provenientes deste estado (Tabela 1 e Figura 2). Como o preço médio de exportação de cachaça de Minas Gerais é maior que o valor médio brasileiro, a 3 Introdução participação percentual mineira na arrecadação é maior do que aquela obtida em volume exportado (Tabela 1). Tabela 1 - Quantidade de cachaça e caninha exportadas pelo Brasil e pelo estado de Minas Gerais, no período de 2000-2010 em volume (litros) e em valor (U$FOB). Valor Volume (L) Preço Médio /L (U$FOB*) Ano MG Brasil % MG/ Brasil MG Brasil % MG/ Brasil MG Brasil 2010 503.420 10.441.107 4,82 1.621.519 15.954.447 10,16 US$ 3 US$ 1 2009 376.386 10.831.805 3,47 1.197.108 15.585.578 7,68 US$ 3 US$ 1 2008 193.644 11.092.088 1,75 806.511 16.418.978 4,91 US$ 4 US$ 1 2007 332.074 9.052.453 3,67 1.065.897 13.838.276 7,70 US$ 3 US$ 1 2006 238.981 11.322.568 2,11 860.289 14.415.033 5,97 US$ 3 US$ 1 2005 202.891 10.343.146 1,96 625.288 12.528.158 4,99 US$ 3 US$ 1 2004 112.308 8.607.150 1,30 398.144 11.087.500 3,59 US$ 3 US$ 1 2003 77.649 8.663.912 0,90 320.251 9.016.444 3,55 US$ 4 US$ 1 2002 262.847 14.535.046 1,81 314.266 8.733.811 3,60 US$ 1 US$ 1 2001 34.658 10.150.312 0,34 83.305 8.452.635 0,99 US$ 2 US$ 1 2000 73.809 13.429.284 0,55 160.060 8.146.524 1,96 US$ 2 US$ 1 * FOB: Free On Board Fonte: Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio – MDIC / Aliceweb NCM 2208.40.00. Figura 2 - Participação dos estados brasileiros (em volume) nas exportações de cachaça e caninha no ano de 2010. Fonte: Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio – MDIC / Aliceweb NCM 2208.40.00. 4 Introdução 1.4 A cachaça de alambique A cachaça de alambique é a cachaça destilada em alambique de cobre, sem a adição de açúcar, corante ou outros ingredientes (GOMES, 2004). O destilado é separado em três frações, “cabeça”, “coração” e “cauda”, sendo que os pontos de corte entre as frações podem variar de acordo com a geometria do alambique e o grau alcoólico inicial do mosto fermentado. Já na caninha industrial ou cachaça de coluna, o mosto fermentado é destilado em coluna de destilação contínua, e hidratado para obtenção do teor alcoólico estabelecido por lei (SEBRAE, 2001). Em geral, os alambiques utilizam a fermentação espontânea, onde o “pé-de-cuba” é formado pelos micro-organismos naturalmente presentes nos substratos, assim como aqueles presentes no ambiente e nas superfícies dos utensílios utilizados no seu preparo. Neste caso, o “pé-de-cuba” consiste em uma mistura de caldo de cana não diluído, farelos de milho ou arroz, biscoitos, adicionados de caldo de laranja ou limão para diminuição do pH (SCHWAN et al., 2001; SOUSA, 2005; VICENTE, 2007). Este processo é conduzido predominantemente por leveduras, notadamente Saccharomyces cerevisiae. O “pé-de-cuba” quando sedimentado corresponde a cerca de 20% do volume útil da dorna de fermentação, e é em média, composto por 3,6 x 109 UFC/mL(unidade formadora de colônias por mililitro) de leveduras e de 3,6 x 10 4 UFC/mL de bactérias (SCHWAN et al., 2001). Segundo VICENTE (2007), uma das maneiras de se preparar o “pé-de-cuba” consiste em formar uma pasta com os ingredientes e deixá-la em repouso por 12 à 24h; adicionar o caldo de cana diluído (1:1) em quantidade suficiente para se cobrir a pasta, deixar em repouso por mais 24h, e por último, repetir este procedimento até que ocupe o volume correspondente a 20% do volume de trabalho na dorna de fermentação. Atingindose tal volume, pode-se então dar início aos ciclos de fermentação do mosto que podem durar até 24h. Após a fermentação do mosto e decantação do fermento, o sobrenadante, ou vinho, é então encaminhado para a destilação e o fermento reaproveitado, caracterizando o processo semicontínuo. A fermentação espontânea, por ser conduzida pelos micro-organismos presentes nos substratos e ambiente, tem sua composição sujeita a variação constante. Além disso, por se tratar de um processo semicontínuo e aberto, novos micro-organismos são 5 Introdução constantemente inseridos. Sabendo-se que os compostos minoritários produzidos pelas leveduras durante a fermentação são responsáveis pelas características organolépticas das bebidas, pode-se inferir que, a composição química e consequentemente suas características sensoriais podem variar ao longo da produção, devido à variação dos organismos presentes na dorna. Logo, não é possível uma padronização do produto ao longo de diferentes safras e nem mesmo dentro de uma mesma safra, uma vez que cada ciclo fermentativo possui a sua própria população de células (PATARO, 1998 apud VICENTE, 2007). 1.5 Leveduras selecionadas A matéria-prima, a fermentação, a destilação e o envelhecimento são fatores que interferem na qualidade das bebidas alcoólicas destiladas, porém as leveduras e as condições de fermentação são os fatores que mais influenciam o sabor das bebidas (OLIVEIRA, 2001). Uma alternativa para a padronização das características sensoriais da cachaça é o uso de cepas de leveduras selecionadas. O Laboratório de Biologia Celular e Molecular – LBCM – da Universidade Federal de Ouro Preto, coordenado pelo prof. Rogelio Lopes Brandão, desenvolveu uma metodologia para seleção de leveduras bem adaptadas ao processo de produção de cachaça e potencialmente produtoras de maiores níveis de compostos voláteis, importantes para o “bouquet” da bebida. Esta metodologia gerou uma patente de invenção que encontra-se depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI (PI0304436-0 A2) e combina a seleção de cepas capazes de resistir ao estresse provocado por altas temperaturas, elevados teores de etanol e resistência a variações osmóticas, pois são as condições de produção da cachaça; com capacidade de floculante, que facilita a decantação do fermento após o ciclo fermentativo, consequentemente, a sua separação do mosto fermentado; incapacidade de produção de ácido sulfídrico, considerado um “off flavour”, ou seja, uma substância que confere características sensoriais desagradáveis à bebida; e alta atividade invertásica, o que propicia ciclos fermentativos mais curtos, reduzindo as chances de contaminação. Além disto, são utilizados testes de resistência às drogas cerulenina e 5,5´,5´´-trifluoro-DLleucina (TFL), que selecionam cepas com alto potencial de produção de álcoois superiores 6 Introdução e seus ésteres (VICENTE et al., 2003; VICENTE et al., 2006). Segundo os autores, a metodologia pode ser validada, pois nas cachaças produzidas em escala piloto com tais cepas, foram realmente encontrados teores mais elevados de alguns dos compostos flavorizantes analisados. Acredita-se que o uso de leveduras localmente selecionadas seja mais eficaz, pois tais leveduras já estão melhores adaptadas às condições ambientais da região. As leveduras devem apresentar características desejáveis como: serem viáveis para a produção industrial, além de possuírem capacidade de baixa produção de acidez volátil e alta tolerância a etanol, capacidade de fermentarem totalmente os açúcares do meio, boa velocidade de fermentação para minimizar riscos de contaminação, baixa produção de sulfeto de hidrogênio, produzir a melhor concentração e balanço de compostos secundários desejáveis (REGODON et al., 1997; OLIVEIRA, 2001). O uso de cepas localmente selecionadas também já foi utilizado para o vinho. Em muitos países a maior parte da produção de vinho, utiliza leveduras selecionadas, e em alguns casos bactérias láticas selecionadas, obtendo-se assim um produto de melhor qualidade (FLEET et al., 1984). VILANOVA & SIEIRO (2006) concluíram que o uso de cepas de leveduras selecionadas para a produção do vinho contribui para a sua qualidade, já que o aroma é um dos mais importantes determinantes da qualidade. RUSSEL et al., 1987 (citados por OLIVEIRA, 2001), afirmam também que as leveduras devem apresentar estabilidade genética e ao fim da fermentação devem ser facilmente removidas do meio de fermentação por floculação ou centrifugação. Em um modelo de processo fermentativo com S. cerevisiae, partindo-se de um inóculo com 22 a 24% de açúcar, 95% deste açúcar é convertido a etanol e dióxido de carbono, 1% é convertido em material celular e o restante é convertido em outros produtos como glicerol, álcoois superiores e ésteres (LAMBRECHTS & PRETORIUS, 2000). BOSCOLO et al., (2000) investigaram o conteúdo de álcoois superiores e ésteres de diversas regiões produtoras de cachaça e demonstraram que os seus níveis em cachaça foram menores do que em rum, uísque e vinho. Acetato de etila foi o principal éster encontrado nas bebidas alcoólicas e sua concentração na cachaça foi aproximadamente metade daquela encontrada no rum e no uísque. Os níveis encontrados de alcoóis superiores estavam próximos aos limites estabelecidos por lei, enquanto os de ésteres 7 Introdução foram 10 vezes menores que o limite permitido pela legislação brasileira. Este fato corrobora com a ideia do projeto, permitindo uma ampla margem para incremento do nível de ésteres e consequentemente, do flavour da bebida. O fato da quantidade de ésteres na cachaça ser baixa em relação a outras bebidas pode influenciar no aroma e na qualidade, uma vez que o teor destes compostos está ligado a essas características (NONATO et al., 2001; NÓBREGA, 2003). Segundo NÓBREGA (2003), o limiar de odor ou limiar de detecção de um composto pode ser definido como a concentração mínima para a qual um composto pode ser detectado pelo sentido do olfato. Ainda segundo este autor, o componente volátil majoritário das bebidas alcoólicas é o álcool etílico, porém, devido ao seu alto limiar de odor e característica de aroma pouco marcante, ele é provavelmente um dos compostos de menor destaque no “bouquet” da bebida. Já os ésteres, alcoóis superiores, aldeídos e outros, possuem limiar de odor relativamente baixo, e aromas mais marcantes. 1.6 Ésteres e sua importância para o “flavour” da bebida. Os ésteres, juntamente com os alcoóis superiores, são os maiores grupos de compostos voláteis das bebidas alcoólicas (NÓBREGA, 2003). Os ésteres são produzidos durante a fermentação em decorrência do metabolismo secundário dos açúcares (LAMBRECHTS & PRETORIUS, 2000; NÓBREGA, 2003). Os ésteres mais abundantes tendem a ser aqueles derivados dos ácidos e dos alcoóis mais abundantes (NÓBREGA, 2003). Segundo NASCIMENTO (2007), os ésteres etílicos derivados dos ácidos graxos são os compostos presentes em maior concentração seguidos pelos acetatos, e são descritos como os responsáveis pelo aroma frutado do vinho. No entanto, acetato de etila não contribui para o sabor em níveis abaixo de 75mg/L e quando presente em teores acima de 200mg/L promove um efeito desagradável. Os ésteres etílicos de ácidos graxos e ésteres de acetato são considerados os mais importantes em bebidas por possuírem aroma agradável, limiares de percepção relativamente baixos e concentrações relativamente elevadas (NÓBREGA, 2003). Entretanto, segundo VAN ROOYEN et al., 1978 (citados por (LAMBRECHTS & PRETORIUS, 2000) um aroma particular raramente pode ser associado a um éster especifico. 8 Introdução NASCIMENTO (2007), estudando amostras de cachaça de diferentes produtores de São Paulo, amostras de rum e de uísque, verificou que o acetato de etila foi o principal éster presente nas bebidas destiladas seguido do lactato de etila. Porém a presença deste último está relacionada à contaminação do mosto por bactérias. Características sensoriais diferenciadas são alcançadas em outras bebidas, particularmente o vinho, em função da existência de uma fermentação secundária efetuada por bactérias lácticas, denominada fermentação malolática. A principal reação envolvida é a descarboxilação do ácido málico a ácido lático com liberação de gás carbônico através da enzima malolática, contribuindo para o “flavour” da bebida. As bactérias responsáveis por este processo são pertencentes aos gêneros Lactobacillus, Leuconostoc, Oenococcus e Pediococcus (LONVAUD-FUNEL, 1995; LONVAUD-FUNEL, 1999; FLEET, 2003). Destiladores de uísque também utilizam a fermentação lática buscando uma melhoria das características sensoriais da bebida, devido à formação de ácido lático, ácido acético e outros metabólitos que podem contribuir para o flavour (SOUSA, 2005). 1.7 Fermentação Malolática A fermentação malolática (MLF) é uma fermentação secundária que ocorre na fabricação do vinho, em geral ao final da fermentação alcoólica, podendo em alguns casos ocorrer antes. A fermentação alcoólica em geral precede a MLF já que as leveduras são melhores adaptadas ao mosto, que possui alta concentração de açucares (>210g/L) e baixo pH (3,0 a 3,3). A MLF não é realmente um processo fermentativo, mas sim uma reação de descarboxilação, pois neste processo o ácido málico, um ácido dicarboxílico, é convertido a dióxido de carbono e ácido lático, um ácido monocarboxílico. É realizada por bactérias ácido láticas (LABs), preferencialmente Oenococcus oeni (LONVAUD-FUNEL, 1999; NIELSEN & RICHELIEU, 1999; LIU, 2002; RUIZ et al., 2010). Oenococcus oeni é descrito como a bactéria mais tolerante às condições da produção do vinho, isto é, baixo pH e alta concentração de etanol, por isso, a preferência em sua utilização. Cepas de Lactobacillus plantarum também são capazes de sobreviver e se proliferar por possuírem mecanismos de resistência a estas condições de produção do vinho (POZO-BAYON et al., 2005). 9 Introdução A metabolização do ácido málico a ácido lático é o evento mais importante da MLF, e resulta em diminuição da acidez titulável, pequeno aumento do pH, e mudanças no sabor da bebida devido à troca do forte sabor vegetal do ácido málico pelo paladar mais suave do ácido lático. Além disso, outras mudanças ocorrem como aumento da complexidade de aromas do vinho e aumento da estabilidade microbiana, devido à remoção de nutrientes residuais e produção de bacteriocinas (LONVAUD-FUNEL, 1999; NIELSEN&RICHELIEU, 1999; LIU, 2002; FLEET, 2003; POZO-BAYON et al., 2005; RUIZ et al., 2010). O aroma do vinho se deve a variedade da uva, a fermentação pela levedura, a MLF e ao envelhecimento, que por reações químicas ou enzimáticas produz compostos importantes para o aroma (MAICAS et al., 1999; LAMBRECHTS & PRETORIUS, 2000). Segundo LIU (2002), a complexidade e diversidade da atividade metabólica das bactérias láticas sugerem que a fermentação malolática pode afetar a qualidade do vinho tanto positiva quanto negativamente. DAVIS et al., 1985 (citados por MAICAS et al., 1999) estudaram o uso de diferentes cepas de bactérias láticas na produção de vinho e encontraram diferenças no efeito sensorial causado por elas, sendo que algumas produziram compostos voláteis que contribuíram para o aroma do vinho, enquanto outras não contribuíram para o “flavour” da bebida. Em trabalho realizado por NIELSEN & RICHELIEU (1999) constatou-se que as cepas usadas de Oenococcus oeni degradaram quase todo o ácido málico presente no mosto, enquanto quantidades residuais consideráveis foram encontradas quando em presença de Lactobacillus. A utilização de cepas comerciais de LABs permite um maior controle sobre a fermentação malolática (MAICAS et al., 1999; NIELSEN & RICHELIEU, 1999). HENICK-KLING, 1985 (citado por MAICAS et al., 1999) analisando por cromatografia gasosa vinhos produzidos com e sem MLF, encontra que vinhos produzidos com cepas selecionadas de bactérias láticas possuem “flavour” melhores do que aqueles produzidos por fermentação espontânea. Porém, poucas cepas comerciais de bactérias láticas obtiveram sucesso ao serem utilizadas como culturas iniciadoras no processo de MLF (POZO-BAYON et al., 2005). Segundo VAILIANT et al., (1995) a atividade malolática depende de fatores como pH, 10 Introdução etanol, teor de SO, e temperatura, sendo que outros fatores como aminoácidos, açucares, ácidos orgânicos também interferem nesta atividade. Bactérias láticas são utilizadas com sucesso para a produção de vinhos de melhor qualidade sensorial, porém, no que se refere à produção de cachaça, as bactérias são ainda consideradas contaminantes do processo produtivo. 1.8 Bactérias como contaminantes da cachaça A contaminação das matérias-primas aliadas à deficiência do tratamento de descontaminação do caldo leva grande número de bactérias para a fermentação. A contaminação do mosto por bactérias pode ocorrer devido ao local de produção da bebida ou devido às matérias-primas, já que tanto o caldo de cana quanto o mosto são ótimos substratos para o crescimento de micro-organismos devido aos teores de nutrientes orgânicos e inorgânicos, alta atividade de água, pH além da temperatura (OLIVEIRAFREGUGLIA & HORII, 1998; CHERUBIN, 2003; NASCIMENTO, 2007). Em experimento realizado por GALLO, 1992 (citado por NOBRE, 2005; SOUSA, 2005) verificou-se que na microbiota bacteriana isolada de mosto e dornas de fermentação alcoólica, houve predomínio de bactérias Gram-positivas (98,52%), bastonete (87,76%) e não esporuladas (73,95%). O gênero Lactobacillus foi o contaminante mais frequente (59,75%), seguido de Bacillus (26,58%). As espécies isoladas com maior frequência foram: Bacillus coagulans (15,09%), Lactobacillus fermentum (15,04%), Lactobacillus helveticus (14,08%), Bacillus stearothermophilus (6,91%) e Lactobacillus plantarum (5,69%). Os micro-organismos do ambiente que se aderem à cana-de-açúcar constituem carga microbiana contaminante do processo, podendo atingir níveis que são prejudiciais à produção de álcool (NOBRE, 2005). A redução da produção de etanol devido à contaminação bacteriana pode ocorrer tanto por competição pelo consumo de açúcares, quanto por diminuição da viabilidade das leveduras, devido à produção de toxinas e/ou acidificação do meio. O consumo de sacarose pelas bactérias também ocasiona formação de ácidos orgânicos, especialmente acido lático e acido acético, que causam a acidificação. (LUDWIG et al., 2001; NOBRE, 2005; SOUSA, 2005; CARVALHO-NETTO et al., 2008). 11 Introdução Além disso, a contaminação também pode causar a floculação do fermento, que reduziria a produtividade da fermentação, devido ao menor contato entre células e mosto (LUDWIG et al., 2001; NOBRE, 2005; SOUSA, 2005). GALLO, 1991 (citado por GOMES, 2009) afirma que bactérias como Lactobacillus e Bacillus podem causar a floculação de leveduras devido à composição gelatinosa de sua capa proteica, constituída majoritariamente de floculinas, que possibilita a fixação mecânica das células de leveduras. (GOMES, 2009) afirma ainda que a floculação provoca aumento no tempo de fermentação tanto por causa da decantação das células quanto pela redução da superfície de contato entre as células de leveduras e o mosto. Apesar da floculação ser desfavorável no processo fermentativo, alguns estudos mostram que a floculação pode ser desejável por facilitar a decantação do fermento após o ciclo fermentativo, consequentemente, a sua separação do mosto fermentado. (VICENTE et al., 2003; VICENTE et al., 2006). A literatura é ainda muito controversa no que diz respeito a teores de contaminação bacteriana capazes de prejudicar o processo produtivo de cachaça/etanol. GOMES, (2009) cita que segundo ALCARDE et al., (2003), para as indústrias de etanol contaminações bacterianas de até 105 UFC/mL são aceitáveis, não sendo economicamente viável diminuir este nível. O autor cita ainda que segundo AMORIM (1981) contaminações acima de 1.107 UFC/mL causam queda significativa no rendimento alcoólico na produção de etanol. ALTERTHUM et al., 1984 (citados por OLIVA NETO, 1995) relataram quedas de 14 a 90% no rendimento alcoólico quando a concentração de bactérias atingiu 10 8 a 109 células/mL. Corroborando com este resultado, MAKANJOULA et al., 1992 (citados por SOUSA, 2005) constataram redução de 17% no rendimento de etanol em cultivo de 30h com bactérias em concentrações acima de 4,5.10 8 UFC/mL. OLIVEIRA-FREGUGLIA & HORII, (1998) verificou a redução de 96% na viabilidade de leveduras em 12 horas de cultivo misto com bactérias ativas. Já THOMAS et al., (2001), encontram que bactérias e leveduras quando inoculadas ao mesmo tempo e na concentração de 1.107 células/mL, acarretam a redução da população bacteriana em 94%, enquanto o crescimento de leveduras não sofre alterações. Quando as bactérias foram inoculadas 24h antes das bactérias, houve rápida diminuição da viabilidade das leveduras após a exaustão dos açucares fermentáveis, porém ainda assim, leveduras foram capazes de reduzir a população de bactérias a uma concentração cujo efeito sobre a taxa de fermentação é insignificante. Consequentemente, a produção de ácido lático e ácido acético foi baixa (THOMAS et al., 2001). 12 Introdução OLIVA-NETO & YOKOYA, (1994) descrevem uma influência negativa de L. fermentum na fermentação alcoólica de leveduras do fermento Fleishmann pelo processo de batelada alimentada com reciclo de células. A eficiência alcoólica foi notadamente inibida a partir do 15º ciclo, onde as bactérias alcançaram níveis da ordem de 10 9 células/mL e a acidez maior que 6g/l expressos em ácido lático. OLIVA NETO, (1995) cita que o crescimento da população bacteriana parece não ser dependente do tamanho da população, mas sim das condições nutricionais do meio. Outra observação feita pelo autor é que ciclos longos (20h) favorecem o crescimento de bactérias, o que não ocorre em ciclos de 12 horas de fermentação, onde é menor a competição das bactérias. CHIN & INGLEDEW, 1984 (citados por CHERUBIN, 2003), ao contrário de (OLIVA-NETO & YOKOYA, 1994; OLIVA NETO, 1995), encontraram que L. fermentum quando inoculado na concentração de 1.10 8 UFC/mL não afetou a produção de etanol em fermentação de mosto de trigo, não encontrando correlação entre a contaminação bacteriana e a viabilidade de leveduras/ rendimento fermentativo. Porém, neste experimento o reciclo de células não foi utilizado. SOUSA, (2005), conclui que a cepa de Lactobacillus fermentum utilizada em seu trabalho quando inoculada na concentração de 10 7 UFC/mL, teve seu crescimento reprimido após 12 horas de co-incubaçao com Saccharomyces cerevisiae inoculada na concentração de 109 UFC/mL. Além disso, a bactéria não contribuiu para redução do pH e nem influenciou o crescimento da S. cerevisiae. SCHWAN et al., (2001) afirmam que contaminações bacterianas são um problema em potencial especialmente em dornas antigas de madeira, onde a relação levedura: bactéria pode ser de 10:1 ou ainda menor. Em um estudo realizado em 15 destilarias do Sul de Minas, os autores encontraram que a população microbiológica se manteve estável por até 4 meses, apesar do influxo de leveduras da natureza, sugerindo uma pressão fisiológica e ecológica para esta manutenção. A população encontrada foi de: 4.10 8 UFC/mL de leveduras, 4.105 UFC/mL de bactérias láticas, e 5.104 UFC/mL de bacilos. Os autores ainda afirmam que apesar das bactérias láticas serem as bactérias mais comuns, elas não se propagam durante a fermentação. A correlação entre contaminação bacteriana e perda alcoólica ainda precisa ser determinada, apesar de ser obvio que cada molécula de açúcar desviada para a produção de ácido lático resulta em perda de duas moléculas de etanol que poderiam ser produzidas pelas leveduras. Porém, tal análise é complicada pelo fato da bactéria heterofermentativa 13 Introdução produzir ácido lático, CO2 , etanol, além de quantidades menores de glicerol e ácido acético (NARENDRANATH et al., 1997). Segundo NASCIMENTO, (2007), durante a fermentação lática, as bactérias láticas utilizam substratos que não são fermentados pelas leveduras, como dextranas residuais e pentoses, sendo que tal fermentação não afeta o rendimento do destilado. 1.9 Metabolismo das bactérias láticas Muitos são os micro-organismos contaminantes presentes na cana-de-açúcar, porém poucos são os gêneros capazes de contaminar a fermentação alcoólica, isto porque os efeitos de pH, temperatura, condições atmosféricas e produtos inibidores presentes no substrato, influem diretamente na seleção de micro-organismos que melhor se adaptarão. Apenas os micro-organismos resistentes ao etanol e baixo pH são capazes de contaminar o processo. (OLIVA NETO, 1995). Bactérias láticas são os contaminantes mais comuns e podem ser definidas como: micro-organismos gram-positivos, não esporulantes, aeróbios a anaeróbios facultativos, formato de bacilos e cocos, são oxidase, catalase e benzidina negativas, não possuem citocromos, não reduzem nitrato a nitrito, exigentes quanto a fatores nutricionais, tolerantes ao ácido, estritamente fermentativos, incapazes de utilizar lactato e cujo produto majoritário da fermentação de carboidratos é o lactato (KANDLER, 1983; GOMES, 2009; SANADA, 2009). Os principais gêneros incluem Aerococcus, Carnobacterium, Enterococcus, Lactococcus, Lactobacillus, Leuconostoc, Oenococcus, Pediococcus, Streptococcus, Tetragenococcus, Weissella e Vagococcus (SANADA, 2009). Segundo OLIVA NETO, (1995), o gênero Leuconostoc, apesar de ser contaminante comum do caldo de cana, raramente causa grandes contaminações no mosto, isto porque possui resistência ao etanol relativamente baixa. O autor cita ainda que em experimento realizado por KAJI (1989) seu crescimento foi reduzido em 50% quando 3% de etanol foi utilizado e interrompido em concentrações maiores que 6% de etanol. As bactérias láticas não possuem o ciclo de Krebs e a cadeia respiratória clássica, o que as limita à ambientes de ausência ou baixa concentração de oxigênio. São acidófilas, limitando-se a ambientes de pH relativamente baixos, crescendo numa faixa ótima de pH 5,5 a 6,2, mas também a valores menores do que 5,0. Possuem requerimentos nutricionais 14 Introdução complexos, dentre eles aminoácidos, peptídeos, derivados de ácidos nucleicos, vitaminas, sais, ácidos graxos ou ésteres de ácidos graxos e carboidratos fermentáveis. Lactobacilos requerem as vitaminas pantotenato de cálcio e niacina para crescer e os heterofermentativos, como cepas de L. plantarum, L. fermentum e L. brevis, necessitam de tiamina (OLIVA NETO, 1995). Quanto ao metabolismo fermentativo, as bactérias láticas se dividem em 3 grupos: homofermentativos obrigatórios, heterofermentativos facultativos e heterofermentativos obrigatórios. Os homofermentativos obrigatórios fermentam hexoses quase exclusivamente a ácido lático pela via Embdem-Meyerhof, e as pentoses e gluconato não são fermentados. Neste grupo, 1 mol de hexose leva à formação de 2 moles de ácido lático e 2 moles de ATP. Os heterofermentativos facultativos fermentam as hexoses como os homofermentativos obrigatórios, exceção a poucas espécies que produzem ácido lático, ácido acético e/ou etanol em condições limitadas de glicose. Pentoses são fermentadas produzindo ácido acético e ácido lático via fosfocetolase induzível. Já os heterofermentativos obrigatórios fermentam hexoses pela via 6-fosfogluconato. Muitos carboidratos podem ser fermentados variando entre as espécies. Em condições de anaerobiose, as hexoses são convertidas em quantidade equimolares de ácido lático, etanol e/ou ácido acético, gás carbônico e ATP (KANDLER, 1983; OLIVA NETO, 1995; GOMES, 2009). Os tipos de metabolismo podem ser determinados com base nos produtos finais, sendo que, de um modo geral, fermentações que resultam na formação do ácido lático como produto majoritário são conduzidos pelas bactérias homofermentativas. Já as que apresentam como produtos principais ao lado do ácido lático, etanol e/ou ácido acético, são realizadas por bactérias do tipo heterofermentativas (KANDLER, 1983). Um esquema simplificado destes metabolismos pode ser verificado na Figura 3. 15 Introdução Figura 3 - Esquema simplificado das vias do metabolismo homofermentativo e heterofermentativo em bactérias láticas do gênero Lactobacillus. Fonte: Gomes, 2009. 1.10 Interações entre leveduras e bactérias Como já descrito, os ácidos orgânicos produzidos pelas bactérias podem afetar a viabilidade das leveduras, porém esta inibição é dependente de outros fatores, como tipo e concentração do ácido, tipo de leveduras, sinergismo com outros produtos e pressão osmótica do meio (OLIVA NETO, 1995). Segundo BASSO et al., 1997 (citados por SOUSA, 2005), a fermentação pode causar uma ação antibacteriana, pela ação sinérgica do ácido succínico e etanol, ambos produzidos pela S. cerevisiae. Quanto ao tipo de ácido, o ácido acético, pode causar mais danos às leveduras do que o ácido lático. Isto porque, o acetato é solúvel nos lipídeos da membrana celular, e o seu ácido correspondente (ácido acético) ou seus sais, inibem o crescimento da levedura devido à interferência com o transporte de fosfato. Isto resulta em aumento da quantidade de ATP necessária para manutenção da função celular. Já o ácido lático, é bem menos solúvel em lipídeos devido à presença da hidroxila, portanto, a inibição somente se dá em concentrações bem mais elevadas. Além disso, ácido lático não inibe o transporte de fosfato, logo, o mecanismo pelo qual ele inibe as leveduras é provavelmente diferente do mecanismo do ácido acético. Concentrações de 0,5 a 9,0g/L de ácido acético inibiram o 16 Introdução crescimento de S. cerevisiae, sendo que para o ácido lático a concentração necessária para a inibição foi e de 10 a 40g/L. Uma redução de 80% na massa celular de leveduras foi observada para as concentrações de 1,5g/L de ácido acético e 38g/L de ácido lático. (MAIORELLA et al., 1983). ALCARDE et al., 2002 (citados por SOUSA, 2005) afirmam que a queda no rendimento fermentativo quando em presença de bactérias se deve à redução da viabilidade celular de leveduras devido ao aumento da acidez no mosto após 8h de cultivo associado com bactérias do gênero Bacilllus e Lactobacillus. As bactérias láticas exercem um efeito inibidor sobre o crescimento da levedura devido à função osmótica causada pela presença do ácido lático. Porém, as leveduras produzem ácido succínico, que exerce uma pressão sobre o crescimento bacteriano e, consequentemente reduz os níveis de ácido lático. Além disso, leveduras com caráter “killer” secretam compostos que são capazes de inibir o crescimento de diversas bactérias, tanto Gram-positivas quanto Gram-negativas. (CHERUBIN, 2003; GOMES, 2009). Em algumas situações a fermentação é considerada um ótimo inibidor da multiplicação bacteriana, seja pela presença de etanol, de ácidos orgânicos ou pela rápida assimilação de substrato; em outras a presença da levedura favorece o desenvolvimento bacteriano (GOMES, 2009). OLIVA-NETO & YOKOYA em 1996 (citados por SOUSA, 2005) afirmam que aminoácidos oriundos da levedura morta são importantes para a nutrição e desenvolvimento de lactobacilos. Segundo (GOMES, 2009), diversas interrelações entre leveduras e Lactobacillus foram observadas, e em cada uma delas a levedura parece ser o organismo ativo, ou seja, aquele que sintetiza a substância ausente essencial para o crescimento da bactéria. Portanto, este trabalho tem como objetivo investigar se é possível a utilização de bactérias láticas em fermentação mista, para a produção de cachaça de alto padrão de qualidade, devido ao incremento nos teores do éster lactato de etila. Os desafios deste projeto são a obtenção de níveis adequados deste éster e manutenção da viabilidade dos micro-organismos. 17 Justificativa 2. JUSTIFICATIVA “O aumento do consumo interno e a busca por espaço no mercado internacional são fatores que reforçam a necessidade de se melhorar e ou de se garantir a qualidade da cachaça produzida. Entretanto, em função de reduzido número de trabalhos publicados e/ou literatura especializada disponível é difícil estabelecer um padrão de qualidade para a cachaça” (VICENTE, 2007) p. 27 Estudos desenvolvidos no Laboratório de Biologia Celular e Molecular (LBCM) do Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas (NUPEB) da UFOP permitiram o desenvolvimento de uma estratégia de isolamento de cepas de Saccharomyces cerevisiae com propriedades adequadas a produção de cachaça de alambique. Esta metodologia combina a seleção de cepas com características como a alta resistência a diferentes tipos de estresse (temperatura; alta osmolaridade; presença de etanol), a capacidade de flocular, a incapacidade de produzir ácido sulfídrico (e a alta atividade invertásica). Além disto, são utilizados testes de resistência a drogas específicas (TFL e cerulenina) para propiciar a seleção de cepas com alta capacidade de produção de álcoois superiores e seus ésteres (VICENTE et al., 2006). Esta linha de trabalho tem resultado em aplicações no setor produtivo, através da empresa Cerlev que tem como cliente uma empresa americana que adquire cachaça em Minas Gerais para a formulação de um “blend” registrado como cachaça Leblon. Esta empresa tem fornecido ao nosso grupo de trabalho um “feedback” sobre as carências do mercado da cachaça. São escolhidas cachaças que apresentem estabilidade físico-química e sensorial e que não evidenciem sabores vegetais residuais, e que apresentem um paladar frutado. Temos observado que cachaças com teores mais elevados do éster lactato de etila têm sido preferidas nos processos de compra dos produtos que compõem este “blend”. Observamos ainda que os teores deste composto variam entre 30 e 250 mg/litro. O lactato de etila pode então, contribuir para o aumento da qualidade sensorial da bebida devido ao incremento do paladar frutado. Com isso, visa-se não só o ganho de qualidade como também a agregação de valor ao produto, incrementando lucros e volume de venda, no mercado interno e externo, contribuindo para a economia do estado/país. 18 Objetivos 3. OBJETIVOS 3.1 Objetivo geral Estudar a possibilidade de utilização de bactérias láticas, em um processo de fermentação mista, para melhoria das características sensoriais da cachaça devido à produção do éster lactato de etila. 3.2 Objetivos específicos 3.2.1 Avaliar a influência das bactérias láticas na viabilidade de leveduras através de análises de pH, consumo de sacarose e contagem de células viáveis de leveduras. 3.2.2 Comparar as cepas de bactérias laboratoriais e isoladas de dornas de fermentação de cachaça quanto ao desempenho na produção de ácido lático/lactato de etila. 3.2.3 Verificar a correlação entre o a população de bactérias e a produção de substâncias aromatizantes específicas (lactato de etila) em processos produtivos. 3.2.4 Verificar a possibilidade de utilização da fermentação mista com reciclo de células. 19 Materiais e Métodos 4. MATERIAIS E MÉTODOS 4.1 Delineamento Experimental Figura 4 – Delineamento Experimental 20 Materiais e Métodos 4.2 Cepas de micro-organismos utilizadas Tabela 2 - Micro-organismos utilizados no presente trabalho Espécie Origem Saccharomyces cerevisiae LBCM 606c Coleção do LBCM Lactobacillus plantarum UFMG Lactobacillus fermentum UFMG Bacillus coagulans UFV Bacillus stearothermophilus UFV Lactobacillus casei Shirota Isolado do Yakult® bLBCM 680-2 (L. casei) Coleção do LBCM bLBCM680-3 (L. casei) Coleção do LBCM A cepa de S. cerevisiae utilizada nesse trabalho é originária da coleção do Laboratório de Biologia Celular e Molecular/UFOP, selecionada de dorna de fermentação com características desejáveis para a produção de cachaça. As cepas de Lactobacillus plantarum e Lactobacillus fermentum foram gentilmente cedidas pelo Dr. Jacques Nicoli da Universidade Federal de Minas Gerais. As cepas de Bacillus foram gentilmente cedidas pelo Dra. Flávia Passos da Universidade Federal de Viçosa. A cepa Lactobacillus casei Shirota foi isolada do Yakult® e utilizada como um controle industrial. As cepas bLBCM680-2 e bLBCM680-3, foram isoladas de dorna de fermentação de cachaça pelo doutorando Thiago Moreira dos Santos. Tais bactérias foram posteriormente submetidas ao processo de identificação molecular e identificadas como Lactobacillus casei. Todos os micro-organismos foram mantidos a -80°C em seus meios de cultura apropriados adicionados de 30% de glicerol. A levedura foi mantida em YPD2%, os bacilos em PCA/PCB e os lactobacilos em MRS. As fermentações mistas foram realizadas em meio mínimo. 21 Materiais e Métodos 4.3 Meios de cultura 4.3.1 Meio YPD2% O meio YPD2% (Yeast Extract Peptone Dextrose 2%) é composto por extrato de levedura 1% (p/v), peptona 2% (p/v), glicose 2% (p/v) como fonte de carbono, e água destilada. Para o meio sólido Agar 2% (p/v) foi utilizado. 4.3.2 Meio mínimo (YNB Sac8%) O meio mínimo é composto de base nitrogenada sem aminoácidos e sem sulfato de amônio 0,2% (p/v), pH 5,5. A fonte de nitrogênio utilizada foi peptona de carne (Himedia) na quantidade de 0,3% (p/v). A fonte de carbono utilizada durante a fermentação foi Sacarose 8% (p/v). 4.3.3 Meio PCB (Plate Count Broth) O meio PCB é composto por peptona 0,5% (p/v), extrato de levedura 1,0% (p/v), glicose 0,1% (p/v) como fonte de carbono e água destilada. Para o meio sólido (PCA Plate Count Agar) Agar 1,5% (p/v) foi utilizado. 4.3.4 Meio MRS (de Man, Rogosa and Sharpe) Meio MRS (Himedia) foi utilizado conforme recomendado pelo fabricante (5,515% p/v do meio MRS e água destilada). Para o meio sólido Agar 1,5% (p/v) foi utilizado. Todos os meios de cultura foram autoclavados por 20min a 121°C antes de serem utilizados e as fontes de carbono e nitrogênio foram autoclavadas separadamente. 4.4 Padronização das cepas de levedura e bactérias para uso na fermentação mista 4.4.1 S. cerevisiae LBCM606c Padronização da contagem: A cepa foi crescida em YPD2%, e de tempos em tempos, alíquotas foram retiradas. De tais alíquotas realizou-se a leitura de absorbância (600nm) e a contagem de células em Câmara de Neubauer. Os valores de absorbância (D.O. 600nm) foram plotados em gráfico 22 Materiais e Métodos contra os valores de contagem em Câmara de Neubauer. As contagens foram feitas em triplicata, e o experimento realizado em dois dias, sendo que as amostras com valores de absorbância superior a 0,35 a 600nm foram diluídas para a leitura de densidade ótica. Amostras com contagem superior a 50 células por campo na Câmara de Neubauer também foram diluídas. 4.4.2 Bactérias Para a realização dos inóculos de bactérias no meio de fermentação mista de modo a obter concentrações adequadas de células (10 4, 105 ou 106 UFC/mL), desejou-se padronizar a suspensão de células de acordo com a absorbância a 600nm. Deste modo, conhecendo-se a relação referente à quantidade de células presentes em uma suspensão de determinada D.O. 600nm, é possível a adição da quantidade de bactérias adequadas variando-se o volume do pré-inoculo. Para a padronização do número de células presentes na suspensão de micro-organismos, as suspensões tiveram sua absorbância 600nm ajustada segundo o tubo 2 da Escala de McFarland, correspondendo a 60.107 UFC/mL. A confirmação da concentração de células foi realizada por contagem em placa das diluições adequadas, utilizando-se a técnica de “pour plate” ou plaqueamento em microgotas, como descrito no decorrer desta seção. As padronizações foram realizadas em 3 dias diferentes, e em cada um deles, foram realizadas 4 replicatas da contagem em placa, totalizando 12 contagens. Para a padronização foram plaqueadas três diluições seriadas: a diluição de interesse, a imediatamente anterior e a imediatamente posterior. Para a técnica de pour plate, estas diluições foram: 10-6, 10-7 e 10-8 e para a técnica de microgotas, 10-4, 10-5 e 106 . Tal procedimento foi adotado para a avaliação da proporcionalidade entre as diluições, que deve ter razão <2. A diluição de interesse é aquela onde o número de colônias esperado é o ideal para a contagem (entre 20 e 200 colônias por placa). A) Lactobacilos: Foram crescidos em placa de MRS-agar, incubados a 30°C por 48h, e colônias foram dispersas em salina peptonada (0,1% de peptona) até a obtenção de uma suspensão com absorbância a 600nm igual à solução do tubo dois da Escala de McFarland. Realizouse a diluição seriada em salina. Plaqueou-se, em MRS-agar, 1mL das diluições 10-6, 10-7 e 10-8 em triplicata utilizando-se a técnica de pour plate,, e para a técnica de microgotas 23 Materiais e Métodos 10µL das diluições 10-4, 10-5 e 10-6 em triplicata. Incubou-se a 30°c por 2 a 3 dias. O resultado foi expresso como unidades formadoras de colônias por mL. B) Bacilos: As células foram crescidas em caldo e ajuste de absorbância de acordo com o tubo 2 da escala de McFarland no próprio meio de cultura. Realizou-se a diluição seriada em salina. Plaqueou-se, em PCA, 1mL das diluições 10-6, 10-7 e 10-8 em triplicata utilizando-se a técnica de pour plate,, e para a técnica de microgotas 10µL das diluições 10-4, 10-5 e 10-6 em triplicata. Após a secagem das placas, adicionou-se mais 8mL de PCA com o objetivo de impedir o crescimento de colônias da superfície do agar. Incubou-se a 30°c por 24 a 48 horas. O resultado foi expresso como unidades formadoras de colônias por mL. Plaqueamento por Microgota Antes do plaqueamento, as placas foram colocadas em estufa a 80°C por 5 minutos e posteriormente expostas abertas à luz UV por 10 minutos, propiciando a retirada do excesso de umidade da superfície da placa, evitando assim o espalhamento da gota. As culturas, nas diluições de interesse, foram plaqueadas em triplicata. O volume plaqueado foi de 10µL ou 20 µL, e as gotas foram colocadas na placa de modo equidistante. As placas foram incubadas invertidas em estufa a 30ºC por 24h. 4.5 Adaptação das bactérias ao meio de cultivo misto As cepas de bactérias láticas mantidas sob congelamento (-80°C) foram reativadas transferindo-se 20µL das suspensões de células para 4mL de caldo de cultivo apropriado (MRS para lactobacilos e PCB para bacilos), e incubadas a 30°C por 24 horas. Em seguida, 200µL da cultura foram transferidos para o meio YNBSac8% pH 5,5 incubadas a 30°C para adaptação das bactérias às condições utilizadas no processo de fermentação mista. 24 Materiais e Métodos 4.6 Fermentação Mista de 48h As fermentações foram realizadas em erlemmeyers contendo 200mL de meio YNB sem aminoácidos e sem sulfato de amônio adicionado de 8% de sacarose (YNB Sac8%). Inicialmente, seguiu-se a proporção da literatura: 3,6.109 UFC/mL de leveduras e 3,6.104 UFC/mL de bactérias no pé-de-cuba, que corresponde a 20% do volume útil da dorna de fermentação. Para os 200mL de fermentação, isto corresponde a um total de 1,44.1011 células de leveduras (7,2.10 8 células/mL) e 1,44.106 células de bactérias (7,2.10 3 células/mL). Posteriormente as quantidades de bactérias foram aumentadas. As leveduras foram crescidas em YPD2% até a D.O. necessária para obter 1,44.10 11 células (3,6.109 UFC/mL nos 200mL da fermentação mista), que foram então centrifugadas, lavadas com água destilada estéril, e vertidas no meio da fermentação mista (YNB Sac8%). As bactérias foram inoculadas overnight em meio próprio para cultivo (MRS para lactobacilos e PCB para bacilos) e então inoculadas em YNB Sac8% overnight ou até alcançarem o valor de absorbância correspondente ao tubo 2 da escala de Mcfarland. Tal passo foi necessário para adaptação das bactérias ao meio da fermentação mista. Este inóculo foi então padronizado segundo o tubo 2 da escala de McFarland e então volume necessário para as concentrações desejadas foi transferido para o meio da fermentação mista. O momento da adição das células de leveduras e bactérias foi chamado de tempo 0h. O esquema da fermentação mista é demonstrado na Figura 6. 25 Materiais e Métodos Figura 5 - Esquema para a fermentação mista, em escala laboratorial. 4.7 Fermentação Mista com reciclo de células As fermentações foram realizadas em erlenmeyers estéreis de 125mL contendo 30mL de meio mínimo YNB Sac8%. Cada ciclo fermentativo ocorreu em estufa a 30°C e teve duração de 24 horas. Para o primeiro ciclo, leveduras e bactérias foram crescidas separadamente. Volumes adequados, determinados pela padronização descrita acima, foram centrifugados por 12 minutos a 2885g, e lavados com água destilada estéril, para obter concentrações de 3,6 109 UFC/mL de leveduras e 106 UFC/mL de bactérias. Para os demais ciclos, as células do ciclo anterior foram centrifugadas por 12 minutos a 2885g, o sobrenadante foi estocado em freezer (-20°C) para análises químicas posteriores (pH, °Brix, teor de etanol, dosagem de ácido lático e lactato de etila). As células foram então lavadas com água destilada estéril, novamente centrifugadas a 2885g por 12 minutos e então resuspensas em 30mL de YNB Sac8%. Plaqueamentos em microgota foram realizados no inicio e no fim de cada ciclo para acompanhamento da população de células e para verificação de perda das mesmas durante a centrifugação. 26 Materiais e Métodos Os experimentos foram realizados em triplicatas, em dias diferentes. O esquema da fermentação mista com reciclo de células é representado na Figura 7. Figura 6 - Esquema para a fermentação mista com reciclo de células, em escala laboratorial. 4.8 Análises químicas e microbiológicas Para a análise de ácido lático e lactato de etila, alíquotas foram coletadas e extraídas com solvente orgânico conforme descrito no item 4.8.1. Os experimentos de fermentação de 48h tiveram suas alíquotas retiradas nos tempos 8, 24 e 48h, e os experimentos com reciclo de células, ao final de cada ciclo fermentativo. Foram feitas coletas de amostras nos tempos 0, 2, 4, 6, 8, 12, 24 e 48 horas para análises de pH, medido em pHametro (Orion) e consumo de sacarose (°Brix) medido em refratômetro de bancada tipo ABBE Pró-Análise (BK Equipamentos). Para os experimentos com reciclo de células, tais análises foram realizadas ao final de cada ciclo fermentativo. 27 Materiais e Métodos Para a análise de ácido lático e lactato de etila, alíquotas foram coletadas e extraídas com solvente orgânico nos tempos 8, 24 e 48h, para os experimentos de fermentação de 48h, e ao final de cada ciclo fermentativo para os experimentos com reciclo de células. A dinâmica populacional foi analisada nos experimentos de fermentação de 48h nos tempos 0, 24 e 48h. Já nos experimentos com reciclo de células, tal análise foi realizada ao início e ao fim de cada ciclo fermentativo para verificação de perda de células durante a centrifugação. Para a avaliação da dinâmica populacional, foram realizados plaqueamentos em microgota (10µL) das culturas em diluições adequadas nos seguintes meios de cultura: A dinâmica populacional foi analisada nos tempos 0, 24 e 48h. Para isto, foram realizados plaqueamentos em microgota (10µL) das culturas em diluições adequadas nos seguintes meios de cultura: - Contagem de leveduras: Meio YPD2% Agar + cloranfenicol 10 mg/L - Contagem de lactobacilos: Meio MRS Agar + cicloheximida 7mg/L - Contagem de bacilos: Meio PCA + cicloheximida 7mg/L 4.8.1 Análise de Voláteis A) Extrações Alíquotas de 25mL foram coletadas nos tempos de 8h, 24h e 48h dos experimentos de fermentação de 48h, e ao final de cada ciclo fermentativo nos experimentos com reciclo de células. Após centrifugação a 2885g por 8 minutos, 20mL do sobrenadante foi coletado para a extração de ácido acético e lactato de etila para análise cromatográfica. Os 20mL do sobreandante foram transferidos para tubos de centrífuga de vidro com capacidade para 50mL, foram adicionados 5g de NaCl e 5mL de acetato de etila e então agitados em vortex por 1 minuto. As amostras foram então centrifugadas a 2885g por 3 minutos. Para a análise lactato de etila, 1mL da fase orgânica foi coletado e analisado por CG-MS. Para a análise de ácido lático, 1mL da fase orgânica foi coletado, transferido para vials de 1,5mL de capacidade, secos sob N2 e então ressuspensos em 1mL de água Milli-Q. As amostras foram então analisadas por HPLC UV/Vis. 28 Materiais e Métodos B) Análises Cromatográficas O solvente utilizado foi o acetato de etila Mallinckrodt grau cromatográfico; os padrões lactato de etila e ácido lático, 98 e 85% de pureza, respectivamente, ambos da sigma. B.1) Lactato de etila As dosagens de lactato de etila foram realizadas em um cromatógrafo Shimadzu GCMS – QP2010 plus, equipado com um detector de massas quadrupolo, operando no modo de impacto eletrônico com 70 eV, escaneamento e monitoramento de íon seletivo (SIM), A tabela 3 mostra os íons monitorados neste trabalho. Tabela 3 - Íons monitorados (m/z) para a análise de lactato de etila no modo SIM Janela Tempo de aquisição (min.) Modo de Aquisição Íon (m/z *) Composto 4,5 – 12,5 SCAN - - 12,5-14,0 SIM 45, 56 e 75 Lactato de Etila 14,0-35,0 SCAN - - * m/z: razão massa-carga A rampa de aquecimento utilizada permite a separação de outros voláteis de interesse para a cachaça, como ésteres (hexanoato, octanoato e decanoato de etila), alcoóis superiores (álcool isobutílico e álcool isoamílico) além de ácido acético, compostos não quantificados neste trabalho. A coluna cromatográfica empregada foi uma coluna capilar EliteWax (30m x 0,25mm x 0,5µm, fase estacionária de polietilenoglicol). Injetor, detector e interface a 240°C e a seguinte programação de temperatura de forno: temperatura inicial de 35°C, elevada a 120°C numa taxa de 3°C /min., e então elevada até 240°C a 20°C/min. e mantida por 15 min. O volume injetado foi de 1,0µL no modo “splitless” por 0,75 minutos, e então ativado o modo “split” com taxa de 1:50 utilizando gás hélio como gás de arraste, com fluxo de 1,24mL/min. 29 Materiais e Métodos A confirmação dos picos foi realizada por comparação do tempo de retenção e do espectro de massas obtido para padrão e amostras. Para análise quantitativa empregou-se o método de calibração externa. A repetibilidade do método foi verificada através de 7 extrações de uma amostra de mosto fermentado e 7 extrações da mesma amostra adicionada de lactato de etila. A precisão foi determinada pelo cálculo do desvio-padrão relativo (DPR). (Ver Anexo) B.2) Ácido lático A análise de cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) foi feita em cromatógrafo Shimadzu utilizando-se coluna de troca iônica Aminex HPX-87H(Bio-Rad). A fase móvel empregada foi ácido sulfúrico 0,01 mol/L, com uma vazão de 0,6mL/min. A temperatura da coluna foi mantida a 40°C e o volume de injeção empregado foi de 10 µL. A detecção foi realizada a 210nm. (MESQUITA, 2009) C) Teste do melhor solvente para extração simultânea de ácido lático e lactato de etila. Testes qualitativos foram realizados em GC-FID na busca de um solvente extrator para ácido lático e lactato de etila. Para tanto, partiu-se de uma matriz aquosa complexa (sobrenadante do mosto fermentado de S. cerevisiae após 24h de cultivo em YNB Sac8%) adicionada de 200 ppm de ácido lático e 7,0 ppm de lactato de etila. Procedeu-se a extração conforme descrito anteriormente e analisou-se a fase orgânica em cromatógrafo à gás acoplado a detector de ionização por chama (GC-FID). Para a determinação da recuperação de lactato de etila, as análises foram feitas em triplicatas e as amostras quantificadas através de cromatografia gasosa hifenada à espectrometria de massas. 4.9 Análise estatística Considerou-se uma replicata a repetição de todo o experimento, ou seja, desde o crescimento das cepas e adição nas concentrações desejadas, com coletas de amostra nos tempos desejados para a realização das analises de interesse. Para a contagem de viáveis de 30 Materiais e Métodos cada experimento, considerou-se a média de 3 plaqueamentos para cada tempo/concentração desejada. O pH e o consumo de sacarose foram analisados pelo teste de Kruskal-Walllis (oneway ANOVA) pelo programa GraphPad Prism. A viabilidade de leveduras e bactérias foram analisadas quanto à porcentagem de viabilidade em relação ao tempo 0h. considerou-se como significativa, variações de 5% ou mais. 31 Resultados e Discussão 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 Padronizações de micro-organismos Segundo a literatura, o “pé-de-cuba” é composto, em média, por 3,6 x 109 UFC/mL de leveduras e de 3,6 x 10 4 UFC/mL de bactérias. Para que esta concentração de células fosse adicionada ao meio fermentativo, fez-se necessária a padronização da contagem de células, tanto de leveduras, quanto de bactérias. Tal padronização permitiu a correta adição da concentração de células descrita na literatura, assim como variações propostas no decorrer do presente trabalho. 5.1.1 Padronização da suspensão de leveduras A cepa de levedura S. cerevisiae LBCM606c teve sua suspensão padronizada com relação ao número de células por comparação entre absorbância e contagem de células em câmara de Neubauer (Figura 7). O experimento foi realizado em três diferentes dias, e a reta obtida ofereceu um bom coeficiente de correlação (0,9855). Desta forma utilizamos a equação da reta para o cálculo do número de células presentes em uma suspensão de absorbância conhecida, assim como foi possível correlacionar que D.O. deveria ser alcançada para se obter o número de células desejado. Figura 7: Padronização do número de células de leveduras em suspensão (YPD2%) pela medida da absorbância 600nm e pela contagem de células em Câmara de Neubauer. 32 Resultados e Discussão 5.1.2 Padronização da suspensão de bactérias Foi constatada a proporcionalidade entre as diluições seriadas testadas para cada cepa de micro-organismo, já que a razão entre elas foi < 2, o que valida os resultados encontrados. As suspensões foram padronizadas, pois segundo o Teste T, os valores de contagem de uma mesma cepa não diferiram entre si, nos 3 diferentes dias ao nível de significância de 5%. Esperava-se obter 60x107 UFC/mL, porém não obtivemos 100% de recuperação da cultura bacteriana em meio de cultura. Apesar deste fato, o método pode ser utilizado uma vez que apresentou proporcionalidade entre as diluições, repetibilidade (replicatas em um mesmo dia) e reprodutibilidade (análise em dias diferentes), mesmo quando sujeito a variações como diluição em salina peptonada ou não-peptonada, ou quando se partia de colônias crescidas em placa ou cultura em caldo. A tabela 4 mostra a concentração de células em suspensões bacterianas padronizadas para este estudo. Tabela 4 - Medida da concentração de células em suspensões bacterianas. Bactéria Contagem (UFC/mL)* Lactobacillus plantarum 256x106 Lactobacillus fermentum 299x106 Bacillus. Coagulans 14,6x106 Bacillus stearothermophilus 53,5x106 Lactobacillus casei shirota 265x106 bLBCM680-2 (L. casei) 296x106 bLBCM680-3 (L. casei) 288x106 *Corresponde a média de 12 plaqueamentos 33 Resultados e Discussão 5.2 Avaliação do melhor solvente para extração de lactato de etila. Foi inicialmente testada a extração de voláteis utilizando-se como solvente extrator a mistura hexano:éter etílico (1:1) conforme descrito por MAMEDE & PASTORE, (2006). Os autores descrevem que o solvente utilizado permitiu a detecção de lactato de etila e ácido lático, não detectados pelo método de Purge and Trap também testado para as mesmas amostras de mosto fermentado de uva. Porém, em nossos experimentos tal mistura de solventes apesar de permitir a detecção de lactato de etila, apresentou uma baixa recuperação (43%, conforme demonstrado na Tabela 5), e não permitiu a detecção de ácido lático na condição testada (mosto fermentado de cana adicionado de ácido lático 200 ppm e lactato de etila 7,0 ppm detectados por HPLC UV/Vis e GC-MS respectivamente). Variando-se a proporção dos solventes para hexano:éter etílico (1:3), nem ácido lático e nem lactato de etila foram detectados. Foram então testados outros solventes e misturas de solventes visando não só a recuperação do lactato de etila como também do ácido lático. O solvente álcool isoamílico assim como as misturas éter etílico:álcool isoamílico (1:1); clorofórmio: álcool isoamílico (1:1); clorofórmio: álcool isoamílico (1:2) clorofórmio: álcool isoamílico (2:1) não permitiram a detecção de ácido lático e nem lactato de etila nas mesmas condições testadas (Tabela 5). Em trabalho realizado por PEREIRA, (1991), o álcool isoamílico foi escolhido como o melhor solvente para a extração de ácido lático obtido por via fermentativa. É importante ressaltar que o autor buscava um método para purificação de ácido lático com fins comerciais. Para tanto foram considerados aspectos como seletividade, baixa solubilidade em água, facilidade de separação entre as fases, viscosidade, densidade, toxidez, inflamabilidade, custo e disponibilidade. Segundo o autor, o álcool isoamílico eliminou efetivamente a lactose residual e a maior parte dos ácidos contaminantes. O autor descreve ainda que a purificação do ácido lático obtido por via fermentativa é complexa, devido à baixa pressão de vapor, tendência a interesterificação, elevada solubilidade em água e presença de impurezas de difícil separação. Conforme demonstrado na Tabela 5, os solventes clorofórmio e acetato de etila e foram os melhores solventes extratores de lactato de etila, com porcentagem de recuperação próxima a 100%. Diclorometano também apresenta uma boa recuperação de lactato de etila, aproximadamente 75%. A análise qualitativa da extração de ácido lático realizada com estes mesmos solventes revelou o acetato de etila como a melhor opção. 34 Resultados e Discussão Tabela 5 - Porcentagem de recuperação de ácido lático e lactato de etila por extração com solventes orgânicos Solvente % Recuperação Éter etílico: Álcool isoamílico (1:1) ND* Hexano : Éter Etílico (1:1) 43,29 Hexano : Éter Etílico (1:3) ND* Diclorometano 74,81 Clorofórmio 99,45 Clorofórmio : Álcool Isoamílico (1:1) ND* Clorofórmio : Álcool Isoamílico (2:1) ND* Clorofórmio : Álcool Isoamílico (1:2) ND* Álcool Isoamílico ND* Acetato de etila 100,41 * ND: não detectado 35 Resultados e Discussão 5.3 Fermentações Mistas As bactérias são descritas na literatura como contaminantes do processo produtivo da cachaça porque podem competir por nutrientes e diminuir a viabilidade de leveduras principalmente por acidificaçao do meio (LUDWIG et al., 2001; NOBRE, 2005; SOUSA, 2005; CARVALHO-NETTO et al., 2008). Portanto é necessário saber até qual concentração as bactérias podem ser usadas em fermentação mista sem prejuízos ao processo. Para isso, alíquotas da fermentaçao mista foram coletadas e o pH e a sacarose (°Brix) foram medidos, e a dinâmica populacional acompanhada por plaqueamento. Como controle, foram utilizadas fermentações com a cepa de S. cerevisiae LBCM606c isoladamente. 5.3.1 Fermentação mista utilizando-se 104 UFC/mL das bactérias Bacillus coagulans, Bacillus stearothermophilus, Lactobacillus plantarum, Lactobacillus fermentum Utilizou-se inicialmente, a proporção descrita na literatura como sendo a composição média encontrada no “pé-de-cuba”, de 3,6 x 109 UFC/mL de leveduras e de 3,6 x 104 UFC/mL de bactérias (SCHWAN et al., 2001). Tal proporção foi adotada utilizando-se inicialmente as bactérias Lactobacillus fermentum, Lactobacillus plantarum, Bacillus coagulans e Bacillus steaarothermophilus, descritos entre as bactérias mais comumente associadas à contaminação do mosto (GALLO, 1992 apud NOBRE, 2005; SOUSA, 2005). A variação de pH observada de 5,5 para 3,0 está de acordo com o descrito por BARNES, 1974 (citado por SCHWAN et al., 2001) que cita que quedas de pH de 5,5 para 3,0 são frequentemente observadas em fermentações etanólicas devido à produção de ácidos pela bactéria e algumas espécies de leveduras assim como pela expulsão de prótons. Em nossos experimentos, pode-se observar as culturas mistas promovem uma queda de pH mais acentuada no inicio da fermentação (tempo 4h), porém no tempo 24h não há diferença entre controle e fermentações mistas. Isto pode ser devido ao fato das bactérias já não estarem mais viáveis nos tempo finas da fermentação (24 e 48h). Logo, as bactérias não seriam capazes de alterar o pH, à exceção do L. plantarum, que foi a única bactéria a sobreviver nesta condição, e apresenta, no tempo 48h, pH semelhante ao controle, 36 Resultados e Discussão enquanto as demais bactérias apresentam valores aparentemente mais elevados (Figura 8a). Porém, segundo o teste Kruskal-Wallis, não há diferença estatística entre controle e fermentações mistas. Este resultado contrasta com aquele obtido por (NOBRE, 2005) que ao trabalhar com estas mesmas cepas mais a cepa de Bacillus subtilis encontra que L. fermentum e B. subtilis se destacam na produção de ácidos, apresentando maiores concentrações de acidez total e volátil e menores valores de pH. Tal diferença pode ser devido ao tamanho do inóculo utilizado (da ordem de 10 6 – 108 UFC/mL dependendo da cepa). É possível ainda que tal diferença seja devido à utilização de linhagens diferentes. Neste experimento realizado por NOBRE, (2005) as cepas de bactéria pouco variaram sua contagem após 72h de cultivo misto. Para a análise do consumo de sacarose utilizou-se a medida do teor de sólidos solúveis totais (°Brix). No caldo de cana, este teor corresponde às concentrações de açucares, majoritariamente, a sacarose (AQUARONE, 2001 apud SOUSA, 2005). Observou-se que houve consumo de sacarose até 24h de cultivo, após este período o teor de sólidos solúveis residuais no meio se manteve estável. Não se pode afirmar se tal fato se deve aos açucares residuais ou a outros componentes, já que a medida se refere ao teor de sólidos solúveis totais, e não especificamente sacarose (Figura 8b). Segundo o teste Kruskal-Wallis, não há diferença estatística entre controle (fermentação tradicional) e fermentações mistas. Com relação à viabilidade de leveduras, podemos observar que cocultura com L. fermentum 104 UFC/mL, apresenta aumento da quantidade de células nos tempo 24 e 48h, 156% e 227%, respectivamente, quando comparado ao tempo 0h da fermentação mista, e redução no tempo final (72h) com 90% da contagem de células do tempo 0h. Já as fermentações com B. coagulans e B. sterothermophilus apresentam grande redução de viabilidade no tempo final, 65,4 e 51,5% da contagem de células no tempo 0h, respectivamente. (Tabela 6 e Figura 8c). A redução na viabilidade é descrita por competição por nutrientes e acidificação do meio, porém neste caso, não houve diferença estatística na acidificação (pH) e consumo de sacarose. Além disso, nesta condição experimental, somente o Lactobacillus plantarum foi capaz de sobreviver, logo, as demais bactérias não poderiam consumir sacarose ou acidificar o meio por não estarem viáveis (dados não demonstrados). É possível então que produtos oriundos das bactérias mortas tenham causado a redução da viabilidade, porém experimentos realizados NOBRE, 2005 indicam que à exceção da bactéria B. subtilis inativada por radiação, as demais bactérias 37 Resultados e Discussão tratadas por calor, radiação, ou antimicrobiano não causaram diminuição da população de leveduras, indicando que a presença isolada dos metabolitos celulares destas bactérias não foi suficiente para reduzir a contagem de leveduras nas condições testadas. Na concentração de 10 4 UFC/mL, frente a 109 UFC/mL de leveduras, somente L. plantarum foi capaz de sobreviver. Portanto, decidiu-se aumentar o inóculo bacteriano, trabalhando-se inicialmente com o L. plantarum que foi o único sobrevivente do primeiro experimento. Tabela 6 – Viabilidade de leveduras (%) ao longo da fermentação, frente a diferentes bactérias na concentração de 104 UFC/mL, quando comparadas ao tempo 0h. Lactobacillus Lactobacillus Bacillus Bacillus plantarum fermentum coagulans stearothermophilus 100,2 102,4 156,2 84,6 106,8 48h 101,6 103,0 227,5 97,1 109,7 72h 99,7 100,6 91,3 65,4 51,5 Tempo Controle 24h 38 Resultados e Discussão 4 Figura 8 - Avaliação dos parâmetros fermentativos na fermentação mista com 10 UFC/mL de bactérias láticas. Foram realizadas fermentações mistas com as bactérias láticas Lactobacillus plantarum, Lactobacillus fermentum, Bacillus coagulans, e Bacillus stearothermophilus na concentração de 104 UFC/mL e avaliadas com relação aos parâmetros fermentativos nos tempos 0, 24 e 48h. (a) pH, (b) consumo de sacarose e (c) contagem de leveduras. 39 Resultados e Discussão 5.3.2 Fermentação mista utilizando-se Lactobacillus plantarum nas concentrações de 104, 105 e 106 UFC/mL Para avaliar o efeito do tamanho do inóculo inicial nos parâmetros fermentativos, inoculou-se a bactéria L. plantarum nas concentrações de 104, 105 e 106 UFC/mL no volume total de fermentação mista, e não mais nos 20% do volume de fermentação. As leveduras continuaram sendo inoculadas na concentração de 3,6.10 9 UFC/mL nos 20% do volume de fermentação, o que corresponde a 7,2.10 8 UFC/mL quando se avalia o volume total. Assim como descrito por NOBRE, (2005) neste experimento também foi observada a queda nos valores de pH para as primeiras 24h de cultivo, com posterior aumento até o fim do cultivo (72h). Tal comportamento foi observado tanto para o controle quanto para os cultivos mistos, e não foram observadas diferenças entre controle e cultivos mistos, ou seja, não houve acidificação adicional do meio promovida por bactérias. (Figura 9a) A viabilidade de leveduras apenas sofreu uma pequena redução na quantidade de células, no tempo final (72h) quando L. plantarum foi inoculado na concentração de 106 UFC/mL, apresentando 88,5% da quantidade de células presentes no tempo 0h. E um pequeno aumento na quantidade de células de leveduras foi observado no tempo 48h da fermentação mista com 105 UFC/mL, 114% da contagem de células inicial (tempo 0h). (Tabela 7 e Figura 9b). Logo, não foram constatadas evidências de que o cultivo misto de S. cerevisiae e L. plantarum até a concentração de 10 6 UFC/mL de bactérias pudesse afetar significativamente/negativamente o processo fermentativo. Quanto à sobrevivência bacteriana, a concentração de células no tempo 72h da fermentação mista, foi maior para as fermentações com um inóculo inicial de 10 4 e 106 UFC/mL, e permaneceu o mesmo quando o inóculo foi de 10 5 UFC/mL. (Tabela 8 e Figura 9c). 40 Resultados e Discussão Tabela 7 - Viabilidade de leveduras (%) ao longo da fermentação, frente a diferentes concentrações de L. plantarum, quando comparadas ao tempo 0h. L. plantarum L. plantarum L. plantarum 104 UFC/mL 105 UFC/mL 106 UFC/mL 100,2 102,4 91,3 109,2 48 101,6 103,0 114,1 109,2 72 99,7 100,6 96,7 88,5 Tempo Controle 24 Tabela 8 - Viabilidade de L. plantarum (%) inoculado em diferentes concentrações, ao longo da fermentação, quando comparado ao tempo 0h. L. plantarum L. plantarum L. plantarum 104 UFC/mL 105 UFC/mL 106 UFC/mL 24 61,3 95,8 95,9 48 101,5 38,2 150,3 72 139,8 92,7 155,8 Tempo 41 Resultados e Discussão Figura 9 - Avaliação da interferência do tamanho do inóculo bacteriano com relação aos parâmetros fermentativos. A cepa de L. plantarum foi inoculada nas concentrações de 104, 105 e 106 UFC/mL e a fermentação mista analisada nos tempos 24, 48 e 72h com relação a (a)pH, (b) viabilidade de leveduras e (c) viabilidade de bactérias. 42 Resultados e Discussão 5.3.3 Fermentação mista utilizando-se 106 UFC/mL de bactérias. Como o L. plantarum inoculado até a concentração de 10 6 UFC/mL não afetou o pH, o consumo de sacarose e nem a viabilidade das leveduras, decidiu -se trabalhar com esta concentração de células, porém utilizando-se também um controle industrial e bactérias isoladas de dornas de produção de cachaça. Isolou-se do Yakult® a bactéria Lactobacillus casei Shirota, que será daqui para frente chamada apenas de Lactobacillus casei, ou L. casei. Esta cepa foi escolhida para servir como um controle industrial, pois trata-se de uma bactéria lática empregada industrialmente em um alimento fermentado. Espera-se então que tal cepa apresente boas propriedades tecnológicas. Segundo OLIVEIRA et al., (2002) culturas probióticas com boas propriedades tecnológicas devem apresentar boa multiplicação, e devem promover propriedades sensoriais adequadas no produto. Porém, como a cepa foi selecionada para fermentação de produto lácteo, apresenta boa capacidade de multiplicação em leite. Desejou-se então verificar se a cepa também apresenta bom desempenho nas condições empregadas para a fermentação com vistas à produção de cachaça. Em paralelo, trabalhou-se com duas cepas de bactérias isoladas de dornas de produção de cachaça, as cepas bLBCM680-2 e bLBCM680-3. É importante lembrar, que as condições de cultivo empregadas são as condições ótimas para leveduras, visando seu melhor desempenho, e não são as condições mais apropriadas para o cultivo de bactérias. Isto porque o micro-organismo principal do processo de produção de cachaça é a levedura, fermentador primário, responsável pela presença do etanol no meio. A mudança destas condições pode acarretar em prejuízos à produção devido à queda no teor de etanol produzido. Por terem sido isoladas de dornas, espera-se que sejam cepas mais robustas, capazes de resistir a este ambiente fermentativo. Aparentemente nos tempos iniciais (até 8h) as fermentações mistas causaram uma maior acidificação do meio do que a fermentação de S. cerevisiae isoladamente, sendo que no tempo de 48h, a fermentação associada a L. casei apresenta mesmo valor de pH que a fermentação controle, e as demais cepas, apresentam valores aparentemente inferiores (Figura 10a). Porém a aplicação do teste estatístico ANOVA (teste de Kruskal-Wallis) revela que não há diferença estatística entre as fermentações mistas e a fermentação controle com 95% de confiança. 43 Resultados e Discussão Esta mesma análise estatística revela que não há diferença significativa entre controle e fermentações mistas com relação ao consumo de sacarose, com 95% de confiança (Figura 10b). A presença das bactérias láticas não causou maior redução da população de bactérias quando comparada com o tempo inicial da fermentação do que aquela apresentada pelo controle. (Tabela 9 e Figura 10c). Este resultado contrasta com aquele observado por OLIVEIRA-FREGUGLIA & HORII, (1998) que verificaram uma redução de 96% na viabilidade de leveduras em 12 horas de cultivo misto com bactérias ativas. Porém, no experimento citado, bactérias e leveduras foram crescidas separadamente, e então volumes adequados dos seus meios de cultura foram misturados. Já no presente trabalho, os micro-organismos foram crescidos separadamente, centrifugados, lavados com água destilada estéril e então adicionados simultaneamente a um meio de cultivo novo. Este pode ser o motivo da diferença encontrada, já que no tempo 0h, não havia a presença dos metabólitos anteriormente secretados no meio pelas culturas de células. Quanto à sobrevivência das bactérias, L. plantarum e bLBCM680-2 foram as cepas que melhor mantiveram a população de células inoculada, apresentando uma contagem de células de quase 90% da quantidade adicionada no tempo 0h. Já as cepas L. casei e bLBCM680-3 apresentaram forte queda da população bacteriana ao final da fermentação mista (48h), com contagem de células de 59 e 42% respectivamente, da quantidade inoculada no tempo 0h. (Tabela 10 e Figura 11). Tabela 9 - Viabilidade de leveduras (%) ao longo da fermentação, frente a diferentes bactérias na 6 concentração de 10 UFC/mL, quando comparadas ao tempo 0h. Lactobacillus Lactobacillus plantarum casei 86,9 91,0 79,5 72,5 Tempo Controle 24 48 bLBCM680-2 bLBCM680-3 107,4 163,7 117,4 111,3 88,2 108,2 44 Resultados e Discussão Figura 10 - Avaliação dos parâmetros fermentativos com relação à presença das bactérias láticas L. plantarum, L. casei, bLBCM680-2 e bLBCM680-3 inoculadas na concentração de 106 UFC/mL. (a) pH, (b) consumo de sacarose e (c) contagem de leveduras. 45 Resultados e Discussão Figura 11 - Viabilidade das bactérias láticas inoculadas na concentração de 1e6 UFC/ml em cultivo misto com S. cerevisiae por 48h. Tabela 10 - Viabilidade das diferentes bactérias (%) quando inoculadas na concentração de 10 6 UFC/mL ao longo da fermentação, quando comparadas ao tempo 0h. Lactobacillus Lactobacillus plantarum casei 24 117,73 48 89,9 Tempo bLBCM680-2 bLBCM680-3 82,4 91,6 65,4 59,1 89,7 42,4 46 Resultados e Discussão 5.3.4 Padronização de uma metodologia cromatográfica (GC-MS) para análise de lactato de etila e ácido lático. Apesar do objetivo deste trabalho ser a quantificação apenas de lactato de etila e ácido lático, optou-se por fazê-lo através de metodologia cromatográfica, para que fosse possível em um único método quantificar além destes dois componentes os demais compostos voláteis importantes para o “flavour” da cachaça. Apesar da metodologia descrita pelo MAPA, utilizando-se CG-FID, não visar à quantificação do lactato de etila, sua análise é possível, como demonstra NASCIMENTO (2007). Em nossos testes, nem lactato de etila nem ácido lático foram detectados nas amostras através de GC-FID, embora soluções padrão de concentração mais elevada (5 mg/L e 15 mg/L respectivamente) tenham sido detectadas. Porém é importante ressaltar que NASCIMENTO, (2007) trabalhou com a cachaça, enquanto as análises deste trabalho foram realizadas em mosto fermentado, antes da etapa de destilação. Como o teor de etanol produzido em cada ciclo fermentativo fica em torno de 7 a 8%, e a cachaça apresenta teores entre 38 e 48%, o mosto é então concentrado pelo processo de destilação. SILVA et al., (2009) descrevem que ao final das fermentações, o mosto fermentado foi destilado, e para cada 10L de alimentação do alambique, retirou-se 1,6L de destilado total. BOZA & HORII, (1998) citam que a destilação além de separar e concentrar os componentes do vinho ainda promove algumas reações químicas induzidas pelo calor. Assim os componentes voláteis podem aumentar, diminuir e ainda originar novos componentes. A dosagem de lactato de etila foi realizada por GC-MS, e para a sua quantificação foi utilizado o fragmento 45, escolhido com base no espectro obtido no modo SCAN (Figura 12a). O fragmento 45 é o mais intenso do espectro do lactato de etila, e apesar de apresentar interferência com outros compostos, este fato não foi relevante, dado que os compostos foram separados, não havendo co-eluição. O fragmento 75 também pode ser utilizado para a quantificação assim como realizado por NASCIMENTO (2007), porém, como o íon 45 é o mais intenso, não houve problema de co-eluição de compostos e apresentou um melhor coeficiente de correlação linear, foi o fragmento escolhido (Figura 12). 47 Resultados e Discussão Figura 12 - Cromatogramas obtidos por GC-MS. (a) extração com acetato de etila do mosto após 48h de fermentação de S. cerevisiae isoladamente e análise por CG-MS no modo SCAN, (b) padrão de lactato de etila 1,5ppm e (c) pico de lactato de etila na amostra após 8h de fermentação mista com L. casei 1e6UFC/mL, extraída com acetato de etila. 48 Resultados e Discussão 5.3.5 Fermentações mistas de 48h com as cepas selecionadas nas concentrações de 10 5 e 106 UFC/mL para dosagem de lactato de etila e ácido lático. Para a análise de lactato de etila e de ácido lático foram selecionadas as cepas bLBCM680-2, bLBCM680-3 e L. casei nas concentrações de 10 5 e 106 UFC/mL, com base nos resultados obtidos anteriormente. Além disso, foi também utilizada a cepa laboratorial L. plantarum, inoculada na proporção de 10 6 UFC/mL no meio de fermentação. Novamente, nos tempos finais da fermentação (24 e 48h), aparentemente L. casei 105 e L. casei 106 UFC/mL apresentam valores de pH semelhantes ao grupo controle, e ligeiramente mais elevados que as demais fermentações mistas. Porém, como ocorrido no item 5.3.1, Figura 8, a análise estatística revela que não há diferença significativa entre nenhum dos grupos (Figura 13a). Do mesmo modo, nenhuma das cepas bacterianas testadas nestas condições alterou significativamente o consumo de sacarose. Assim sendo, não se espera grandes diferenças no teor de etanol produzido, uma vez que aparentemente, as leveduras não foram prejudicadas na captação de sacarose (Figura 13b). E como já descrito por (NARENDRANATH et al., 1997) cada molécula de sacarose consumida pela bactéria resulta em perda de duas moléculas de etanol que poderiam ser produzidas pelas leveduras, já que a fermentação das bactérias láticas é a fermentação lática e não a fermentação alcoólica. É importante lembrar que uma ligeira redução do teor alcoólico, pode ser aceitável, pois apesar de representar uma diminuição do rendimento, não acarretaria em prejuízo econômico, ao contrário, haveria o aumento do valor agregado do produto devido ao ganho em qualidade sensorial. Com relação à viabilidade celular, as cepas bLBCM680-2 e L. casei, quando inoculadas na concentração de 105 UFC/mL, reduziram a quantidade de leveduras no tempo 48h da fermentação mista (58,3 e 57,0% respectivamente), mas contrariamente ao esperado, quando inoculadas na concentração de 10 6 UFC/mL nenhuma redução foi observada. L. plantarum quando inoculado a 10 6 UFC/mL também causa uma ligeira redução na contagem de leveduras no tempo final, 72% da concentração de células inoculadas no tempo 0h. Já as demais cepas não causaram redução da contagem de leveduras ao longo da fermentação mista. (Tabela 11 e Figura 13c). 49 Resultados e Discussão Com relação à sobrevivência da bactéria, a cepa bLBCM680-2, quando inoculada na concentração de 106 UFC/mL, é quem melhor apresenta a manutenção do número de células inoculados durante a fermentação mista, já quando inoculada na concentração de 105 UFC/mL, apresenta um aumento inicial (135,7%) com posterior queda do número de células (61,7%) quando comparada à quantidade inoculada no tempo 0h. L. casei apresenta forte queda da população bacteriana no tempo final (48h) quando inoculado na concentração de 10 5 UFC/mL (27% da quantidade inicial) mas queda bem menor quando inoculado na concentração de 10 6 UFC/mL (59% da quantidade inicial). Já a cepa bLBCM680-3 apresenta o comportamento mais intrigante, aumentando expressivamente a população de células quando inoculadas na concentração de 105 UFC/mL (aumento de 517 e 417% nos tempos 24 e 48h respectivamente, quando comparados ao tempo 0h), e queda no número de células ao longo da fermentação quando um inóculo maior é testado, 10 6 UFC/mL (Figura 14 e Tabela 12). Tabela 11 - Viabilidade de leveduras (%) ao longo da fermentação, frente a diferentes bactérias na concentração de105 e 106 UFC/mL, quando comparadas ao tempo 0h. Cepa 24h 48h 94,3 113,5 91,0 72,5 116,6 91,5 bLBCM680-2 105 UFC/mL 154,3 58,3 bLBCM680-3 105 UFC/mL 167,6 119,6 L. casei 105 UFC/mL 90,7 57,0 L. casei 106 UFC/mL 107,4 111,3 bLBCM680-2 106 UFC/mL 138,0 94,4 bLBCM680-3 106 UFC/mL 117,4 108,2 Controle L. plantarum 106 UFC/mL B. coagulans 105 UFC/mL 50 Resultados e Discussão Figura 13 - Avaliação da presença das bactérias selecionadas com relação aos parâmetros fermentativos. (a) pH, (b) consumo de sacarose e (c) viabilidade de levedura. 51 Resultados e Discussão Figura 14 - Avaliação da viabilidade das bactérias selecionadas nos tempos 0, 24 e 48h da fermentação mista. Tabela 12 - Viabilidade das diferentes bactérias (%) quando inoculadas na concentração de10 5 e 106 UFC/mL ao longo da fermentação, quando comparadas ao tempo 0h. Cepa 24h 48h B. coagulans 105 UFC/mL 11,2 4,7 bLBCM680-2 105 UFC/mL 135,7 61,7 bLBCM680-3 105 UFC/mL 516,6 479,1 L. casei 105 UFC/mL 90,2 27,0 L. casei 106 UFC/mL 82,4 59,1 bLBCm680-2 106 UFC/mL 91,6 89,8 bLBCM680-3 106 UFC/mL 65,4 42,4 52 Resultados e Discussão 5.3.6 Dosagem de lactato de etila e ácido lático. Os sobrenadantes das fermentações nos tempos de 8, 24 e 48h foram extraídos com o solvente acetato de etila para a análise de ácido lático e lactato de etila. Esperava-se que a levedura S. cerevisiae não produzisse lactato de etila, pois como não possui a enzima lactato desidrogenase (apenas a enzima mitocondrial, envolvida no balanço redox) o lactato de etila não é produto de sua fermentação (ver Anexo 1). Porém este éster foi também detectado no experimento controle (fermentação contendo apenas leveduras). Como lactato de etila não foi detectado como sendo um dos componentes do meio de cultura é possível que sua presença no mosto fermentado seja devido à existência de outros compostos metabolizáveis a lactato de etila, e não como produto de fermentação. Foram observadas variações no teor de lactato de etila presente nos controles realizados nos diferentes dias. É possível que tal diferença decorra da variação da quantidade de leveduras adicionadas em cada um deles. Na tentativa de eliminar este interferente, o teor de lactato de etila presente nas amostras de fermentação mista foi subtraído da quantidade deste éster detectada no experimento controle de cada dia. Isto porque, para um mesmo dia, as células de leveduras adicionadas partiram de um mesmo inóculo, logo, espera-se que a quantidade de células adicionadas, assim como sua viabilidade e atividade metabólica seja a mesma ou muito próxima. Deste modo, os valores de lactato de etila plotados em gráfico são referentes ao teor efetivamente produzido devido à presença das bactérias láticas no meio (Figura 15a e Figura 15b). Foi constatado o desempenho superior com relação ao aparecimento do éster lactato de etila no mosto fermentado das cepas de bactérias isoladas de dorna de produção de cachaça e, principalmente, da cepa de L. casei utilizada industrialmente. Logo, o teor de lactato de etila no mosto está relacionado ao tipo de bactéria lática e parece estar também associado à quantidade de bactérias presentes no meio, pois concentrações maiores de uma mesma cepa de bactéria resultam em teores mais elevados de lactato de etila no mosto fermentado. Com relação aos teores de ácido lático, as dosagens foram realizadas por HPLC/UV-Vis, porém ácido lático não foi encontrado, exceto nas seguintes amostras de L. casei: 105 UFC/mL no tempo de 8h; 10 6 UFC/mL no tempo de 24h e no ciclo 3 do experimento com reciclo de células (este último descrito na próxima seção). Nestas 53 Resultados e Discussão amostras os teores encontrados foram de 136,79 ppm; 56,55 ppm e 59,79 ppm respectivamente. A curva padrão foi construída no intervalo de 10 a 400 ppm, porém, ao contrário do que foi feito para a construção da curva de calibração de lactato de etila, os padrões foram diretamente adicionados ao solvente orgânico, e não à matriz de mosto fermentado para serem então extraídos pelo solvente (ver Anexos 2 e 3). Portanto, a não detecção deste composto pode ser devido à baixa recuperação de ácido lático pelo acetato de etila, apesar deste ter sido o melhor solvente testado. Logo, ácido lático pode estar presente nas amostras, mas não ter sido recuperado em concentração suficiente para ser detectado. É também possível, que o método de detecção não seja o mais adequado. GOMES, (2009) utiliza metodologia muito semelhante para a dosagem de ácido lático, porém, a detecção é realizada por detector de índice, e não detector UV-Visível. Deve-se também considerar a possibilidade do ácido lático produzido pelas bactérias já ter sido captado pelas leveduras e esterificado a lactato de etila nos momentos das coletas. 54 Resultados e Discussão Figura 15 - Dosagens de lactato de etila em amostras de mosto fermentado extraídas com acetato de etila. (a) dosagem do lactato de etila total presente em um grupo de análise, (b) teores de lactato de etila referentes à presença de bactérias no mesmo grupo de análise anterior, (c) teores de lactato de etila referentes à presença de bactérias em todas as amostras testadas. Um grupo de análise é constituído por controle e amostras de fermentação realizados em um mesmo dia a partir de um mesmo pré-inóculo de leveduras. 55 Resultados e Discussão 5.3.7 Fermentações mistas utilizando-se reciclos de células. Sabe-se que na produção de cachaça é comum o reaproveitamento do pé-de-cuba em um processo conhecido como batelada alimentada, descrito na introdução do presente trabalho. Portanto, é desejável que a proporção de células de leveduras e bactérias se mantenha estável ao longo dos ciclos fermentativos. A manutenção da proporção é importante para que se obtenha a padronização do produto final, ou seja, que suas características sensoriais se mantenham ao longo do processo. Tal manutenção pode ser difícil de ser alcançada, pois é possível que, as bactérias devido ao seu tempo de geração mais curto que o das leveduras se multipliquem rapidamente, alcançando teores elevados. Tal fato, como já mencionado, além de proporcionar teores muito elevados de acidez na cachaça, fato sensorialmente indesejado, pode comprometer excessivamente o rendimento alcoólico da fermentação pelo consumo de açúcares, e em casos mais extremos, comprometer a viabilidade das leveduras devido à acidez do meio. Porém, a fermentação pode causar uma ação antibacteriana, pela ação sinérgica de ácidos orgânicos, especialmente ácido succínico e etanol, além da rápida assimilação de substrato (OLIVA NETO, 1995; SOUSA, 2005; GOMES, 2009). Para a realização deste teste foram descartadas as cepas bacterianas L. fermentum, B. stearothermophilus e B. coagulans por não sobreviverem mesmo quando inoculadas na concentração de 106 UFC/mL e/ou reduzirem a viabilidade das leveduras como demonstrado nos experimentos anteriores. Foi escolhida a concentração inicial de bactérias de 106 UFC/mL já que apresentam maior produção de lactato de etila. O pH, o Brix e a contagem de células foi realizada ao final de cada ciclo fermentativo. Pode-se observar a presença das bactérias não afetou o pH final da fermentação quando comparada ao controle segundo o teste de Kruskal-Wallis (Figura 16a). Segundo este mesmo teste, não há diferença entre controle e L. casei com relação ao Brix final da fermentação, porém bLBCM680-2 e bLBCM680-3 foram capazes de alterar o Brix residual ao longo dos ciclos (Figura 16b). Assim, é possível que apenas a cepa bLBCM680-3 tenha provocado redução do teor de etanol produzido. A presença de todas as bactérias testadas parece contribuir para a viabilidade das leveduras ao longo dos 10 ciclos fermentativos. Em todos os ciclos, a porcentagem de leveduras presente quando comparadas aos seus respectivos ciclo 1 é igual ou superior à 56 Resultados e Discussão porcentagem apresentada pelo controle. Logo estas cepas não foram capazes de prejudicar o processo fermentativo mesmo quando utilizado o processo de reciclo de células, ao longo de 10 ciclos (Tabela 13 e Figura 16c). Importante ressaltar que tanto as contagens de bactérias quanto de leveduras, foram realizadas ao final de cada ciclo e inicio do próximo para a avaliação de possível perda devido à centrifugação. Não foram constatadas diferenças entre as duas medições (dados não representados), não evidenciando erros inerentes ao processo. Foram representados em gráfico apenas os valores referentes ao final de cada ciclo fermentativo. Tabela 13 - Viabilidade de leveduras (%) ao longo de 10 ciclos fermentativos, frente a diferentes bactérias 6 na concentração de 10 UFC/mL, quando comparadas à quantidade de células adicionadas no ciclo 1. Tempo Controle Lactobacillus Casei bLBCM680-2 bLBCM680-3 2 115,1 98,0 138,7 169,1 3 112,8 117,7 144,3 144,7 4 121,9 125,5 146,4 174,4 5 100,2 153,0 111,0 140,3 6 133,6 162,0 141, 4 193,3 7 133,5 165,3 111,4 149,4 8 59,4 143,4 63, 8 81,6 9 66,5 150,3 110,7 95,5 10 82,5 174,1 79,8 98,3 57 Resultados e Discussão Figura 16 - Avaliação da interferência das bactérias láticas L. casei, bLBCM680-2 e bLBCM680-3 com relação aos parâmetros fermentativos ao longo de 10 ciclos fermentativos. (a) pH, (b) consumo de sacarose e (c) viabilidade de leveduras. As medidas foram realizadas ao final de cada ciclo fermentativo (24h). 58 Resultados e Discussão As três cepas testadas só mantiveram a contagem de bactérias inicial ao longo dos 3 primeiros ciclos. No 4º ciclo, as contagens de bactérias para L. casei, bLBCM680-2 e bLBCM680-3 foram respectivamente 29, 36 e 17% da quantidade de bactérias inoculadas no tempo 0h do primeiro ciclo fermentativo. No 10º e último ciclo testado, as contagens de bactérias foram menores do que 0,5% da quantidade inoculada no ciclo 1 para todas as cepas testadas. (Tabela 14 e Figura 17a). Como a viabilidade das bactérias só se manteve durante os três primeiros ciclos, era já era de se esperar que a produção de lactato de etila também sofresse uma forte queda, o que de fato ocorreu ( Figura 18b e Tabela 15). Na Figura 18b, estão representados os teores de lactato referente apenas à presença da bactéria, isto é, o incremento do éster lactato de etila possivelmente devido à produção de ácido lático pelas bactérias. Para isto, os valores de lactato de etila de cada ciclo foram subtraídos dos valores obtidos para o controle no mesmo ciclo. A bactéria bLBCM680-2 manteve a produção de lactato de etila até o ciclo 7, sendo que nos ciclos 2, 3 e 4 a produção foi ainda maior que no ciclo 1 (aumento de 100, 180 e 50% respectivamente quando comparadas ao ciclo1). Já nos ciclos finais (8, 9 e 10), a produção caiu pela metade quando comparada ao primeiro ciclo. A bactéria bLBCM680-3 apresenta oscilações no teor do éster ao longo dos ciclos. No ciclo 10, a redução do teor de lactato quando comparada ao primeiro ciclo foi de 63%. A bactéria L. casei só manteve o teor de lactato no segundo ciclo. No terceiro ciclo o teor foi de apenas 26% quando comparado ao ciclo 1; o ciclo 9 foi de 8% e o último ciclo apenas 3% do teor obtido no ciclo 1. (Tabela 15) Vale ressaltar que o lactato de etila é o objeto de interesse neste trabalho, e não o ácido lático, já que é o éster que contribui para a qualidade sensorial da bebida devido ao seu caráter frutado. Assim, a variação de seu teor é de grande importância para este trabalho. Porém, é importante lembrar que sua variação também pode estar relacionada à variação da capacidade da levedura em metabolizar o ácido lático à lactato de etila, e não somente às variações do teor de ácido lático, este sim, diretamente ligado à presença, quantidade, viabilidade e tipo de bactéria presente. 59 Resultados e Discussão Figura 17 - Desempenho das bactérias láticas L. casei, bLBCM680-2 e bLBCM680-3 no reciclo fermentativo com relação a (a) sobrevivência bacteriana e (b) teores de lactato de etila. As medidas foram realizadas ao final de cada ciclo fermentativo (24h). 60 Resultados e Discussão Tabela 14 - Viabilidade das diferentes bactérias (%) quando inoculadas na concentração de 10 6 UFC/mL ao longo de 10 ciclos fermentativos, quando comparadas à quantidade de células adicionadas no ciclo1. Ciclo Lactobacillus Casei bLBCM680-2 bLBCM680-3 2 342,2 127,6 103,6 3 142,0 74,3 82,2 4 29,3 35, 7 16, 8 5 36,4 55,5 25,3 6 8,8 45,0 9,9 7 5,7 2,0 2,9 8 2,8 2,0 1,7 9 1,8 1,1 0,7 10 0,2 0,5 0,4 61 Resultados e Discussão Tabela 15 – Porcentagem de produção de lactato de etila em relação às quantidades produzidas no ciclo 1 6 pelas diferentes bactérias quando inoculadas na concentração de 10 UFC/mL . Ciclo Lactobacillus Casei bLBCM680-2 bLBCM680-3 2 95,5 203,9 177,8 3 10,1 276,3 55,9 4 26,1 146,4 88,9 5 30,3 105,9 38,7 6 14,7 124,4 55,3 7 20,1 93,1 81,1 8 12,5 50,3 104,4 9 8,4 39,3 49,9 10 3,1 51,4 37,4 62 Considerações Adicionais 6. CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS A metodologia de padronização das suspensões de micro-organismos se mostrou adequada para a adição de células de leveduras e bactérias nas quantidades desejadas para o processo de fermentação. Dentre os solventes testados, acetato de etila foi o mais adequado para a extração de lactato de etila e ácido lático. A metodologia cromatográfica (GC-MS) se mostrou adequada para a dosagem de lactato de etila em amostras de mosto fermentado, e permite ainda a detecção de outros compostos voláteis importantes para as características sensoriais da cachaça, mas que não foram foco deste trabalho. Algumas cepas apresentaram problemas na viabilidade, como por exemplo, o B. coagulans. Foi observado em alguns experimentos que a contagem de células viáveis em placas não correspondeu ao esperado, e anteriormente obtido, pela inoculação de volume adequado da suspensão padronizada. É possível que a reativação em apenas 1 passagem pelo caldo MRS de cepas mantidas congeladas a -80°C não seja o suficiente para garantir a completa reativação das cepas. Uma reativação com mais passagens pelo caldo MRS, como sugerem alguns autores, pode garantir este fato assim como minimizar a variabilidade dos teores de lactato produzidos nos experimentos realizados em diferentes dias. É necessária a realização de mais experimentos de fermentação mista com o L. casei, pois os resultados aqui expressos são preliminares (sem replicatas). As amostras de sobrenadantes dos tempos 0, 2, 4, 6, 8, 24 e 48h das fermentações sem reciclo de células e as amostras do final de cada ciclo fermentativo estão armazenadas para dosagens futuras. Estas dosagens serão importantes para a seleção da melhor cepa em sua melhor concentração e condição ideal de fermentação (duração do ciclo fermentativo, e número de ciclos em que pode ser usada) para incremento da produção de voláteis e com baixa redução do rendimento alcoólico. 63 Conclusões 7. CONCLUSÕES Nenhuma das cepas utilizadas neste trabalho foi capaz de reduzir a viabilidade da cepa de S. cerevisiae, LBCM606c, nas condições testadas. Não foram constatadas diferenças quanto ao consumo de sacarose e da viabilidade de células, verificada por contagem em placa, também não houve acidificação adicional do meio causada pela presença das bactérias. As cepas utilizadas como controle industrial (L. casei) e isoladas de dorna (bLBCM680-2 e bLBCM680-3) apresentaram desempenho superior às linhagens laboratoriais das cepas descritas como contaminantes comuns da fermentação alcoólica, apresentando maior sobrevivência e possibilitando aparecimento de teores mais elevados de lactato de etila no mosto fermentado. L. casei foi a cepa com maior produção de lactato de etila, porém no experimento utilizando reciclo de células, apresenta rápida queda de viabilidade e dos teores de lactato produzidos. Por possuir uma produção de lactato de etila mais estável ao longo dos ciclos, a bactéria bLBCM680-2, é uma boa candidata para a utilização de fermentações mistas em dornas de produção de cachaça. Porém é possível que a quantidade de células inoculadas não seja a ideal. Outras concentrações devem também ser testadas. 64 8. PERSPECTIVAS Do mesmo modo que as leveduras isoladas de dorna passam por teste de seleção das melhores cepas para serem utilizadas na produção de cachaça, é interessante que um teste seja utilizado também para seleção de bactérias láticas isoladas de dornas e adaptadas às condições utilizadas. Para isto, a produção de ácido lático e a manutenção da dinâmica populacional leveduras/bactérias devem ser consideradas. As diferenças observadas quanto aos teores de lactato de etila não necessariamente serão perceptíveis ao paladar/olfato humano, logo, testes sensoriais com provadores treinados devem ainda ser realizados. 65 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOSCOLO, M., BEZERRA, C.W.B., CARDOSO, D.R., LIMA NETO, B.S. e FRANCO, D.W. Identification and dosage by HRGC of minor alcohols and esters in Brazilian sugar-cane spirit. 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J Ind Microbiol Biotechnol, v.33, n.11, Nov, p.929-33. 2006. 69 ANEXO 1 - Resultado da busca no banco de dados SGD por lactate dehydrogenase Molecular Function GO terms GO synonyms (R)-4hydroxyphenyllactate dehydrogenase activity (R)-aromatic lactate dehydrogenase activity ; (R)-3-(4-hydroxyphenyl)lactate:NAD(P)+ 2-oxidoreductase activity ; D-hydrogenase, D-aryllactate 3-(imidazol-5yl)lactate dehydrogenase activity (S)-3-(imidazol-5-yl)lactate:NAD(P)+ oxidoreductase activity ; imidazol-5-yl lactate dehydrogenase activity L-lactate dehydrogenase (cytochrome) activity lactic acid dehydrogenase activity ; cytochrome b2 ; L-lactate ferricytochrome c oxidoreductase activity ; (S)-lactate:ferricytochrome-c 2-oxidoreductase activity ; cytochrome b2 (flavin-free derivative of flavocytochrome b2) ; dehydrogenase, lactate (cytochrome) ; flavocytochrome b2 ; L(+)-lactate:cytochrome c oxidoreductase activity ; L-lactate cytochrome c oxidoreductase activity ; L-lactate cytochrome c reductase activity ; lactate dehydrogenase (cytochrome) ; lactic cytochrome c reductase activity Associate d Gene(s) CYB2 lactate dehydrogenase activity Tabela 16 - Resultado da busca no banco de dados Saccharomyces Genome Database por lactate dehydrogenase. http://www.yeastgenome.org/ 70 ANEXO 2 – Validação do método de dosagem de lactato de etila Linearidade “A linearidade corresponde à capacidade do método em fornecer resultados diretamente proporcionais à concentração da substância em exame, dentro de uma determinada faixa de aplicação.” (RIBANI et al., 2004) “É a resposta obtida em função da concentração do analito, a qual deve ser estudada em um intervalo de concentração apropriado. Na prática, a linearidade é determinada por intermédio de gráficos de calibração, seguidos de um tratamento estatístico, o qual deve envolver, no mínimo, a equação da função, a análise da regressão e dados de correlação.” (LANÇAS, 2004 apud (MESQUITA, 2009). Para a determinação da linearidade, foram injetados 7 concentrações de padrão para cada um dos compostos de interesse: lactato de etila (0,03; 0,150; 0,300; 0,750; 1,500; 3,000 e 7,500 mg/L). Area(x1,000,000) 7 7.5 5.0 6 2.5 5 4 23 0.01 0.0 2.5 5.0 Conc. Figura 18 – Curva de calibração de lactato de etila obtida. Curva obtida pela extração por acetato de etila de amostras de mosto fermentado pela S. cerevisiae LBCM606c adicionadas de 0,030; 0,150; 0,300; 0,750; 1,500; 3,000 e 7,500 mg/L de padrão de lactato de etila. Análises realizadas em GC-MS. Gráfico gerado pelo programa GCMSsolutions. 71 A curva de calibração foi realizada adicionando-se padrão de lactato de etila a um pool de sobrenadante da fermentação controle (realizada apenas com leveduras). Esperavase que esta matriz fosse isenta do analito, o que não ocorreu. Preparou-se em balões volumétricos soluções nas concentrações de 0,03; 0,15; 0,30; 0,75 e 1,50 ppm de lactato de etila. tais soluções foram então extraídas com acetato de etila, utilizando-se o mesmo protocolo estabelecido para as amostras. Os extratos orgânicos foram então injetados no cromatógrafo (GC-MS). Para a construção da curva de calibração, os valores de área obtidos foram subtraídos do valor de área encontrado para a matriz sem adição do padrão. Deste modo, a curva obtida é referente aos teores de lactato presente no mosto, e não no extrato orgânico. Sendo assim, não há a necessidade de correção dos valores pela eficiência de extração do solvente. Figura 19 – Linearidade e análise de regressão obtidos para o lactato de etila. Precisão “A repetibilidade expressa a fidelidade ao resultado quando as condições são mantidas constantes, com o mesmo analista, reagentes, equipamentos e instrumentos, e aplicadas em um curto intervalo de tempo. Usualmente, refere-se ao desvio padrão de replicatas.” AOAC 72 Para a análise da precisão da metodologia de extração, foram realizadas 7 extrações de uma mesma matriz. Tabela 17 - Valores aceitáveis de desvio padrão relativo (DPR) em função da concentração do analito. Concentração DPR 100% 1% 10% 1,5% 1% 2% 0,1% 3% 0,01% 4% 10ppm 6% 1ppm 8% 10ppb 15% Precisão do método de extração 1- Matriz isenta de adição de padrão Tabela 18 - Dados de concentração de lactato de etila para a matriz isenta de padrão de lactato de etila para avaliação da precisão do método de extração. Replicata Lactato de Etila 1 0,9083 2 0,8602 3 0,8471 4 0,8763 5 0,9203 6 0,8490 7 0,8524 DP 0,02980 Média 0,8734 CV 3.41% *Valores calculados pelo programa GraphPad Prisma (ANOVA) 73 2- Matriz adicionada de padrão Tabela 19 - Dados de concentração de lactato de etila para a matriz adicionada de 7,0 ppm de padrão de lactato de etila para avaliação da precisão do método de extração. Replicata Lactato de Etila 1 7,509827 2 7,05842 3 7,09929 4 7,12944 5 6,998766 6 7,333383 7 7,114705 DP 0,1795 Média 7,178 CV 2.50% Exatidão (Fortificação) Segundo o INMETRO, a exatidão refere-se ao grau de concordância entre o resultado de uma medição e um valor verdadeiro do analito. Exatidão em procedimentos analíticos refere-se à concordância entre o valor real (valor de referencia) da concentração de um analito em uma amostra e o estimado pelo processo analítico. Uma baixa exatidão resulta em erros sistemáticos que contribuem para desvios ou tendências (bias) nos resultados. A exatidão representa o grau de concordância entre os resultados individuais encontrados em um determinado ensaio e um valor de referencia aceito como verdadeiro. Valor obtido: 7,178 – 0,8734 = 6,3046 Valor real: 7,0 ppm (0,007%) Matriz isenta de adição de padrão: 0,8734 ppm (0,000087%) Podemos observar que as amostras se encontram dentro do intervalo de recuperação aceito para a sua concentração, segundo a Tabela 11. 74 Tabela 20 – Recuperação do analito em função da concentração Concentração do analito (%) Intervalo de Recuperação Aceito (%) > 10 % 98 - 102 >1% 97 - 103 > 0,1 % 95 – 105 > 0,01 % 90 – 107 > 0,001 - > 0,00001 % 80 - 110 > 0,000001 % 60 – 115 > 0,0000001 % 40 - 120 Fonte: (BRITO et al., 2003) Precisão de injeção / Controle de injeção É aceitável um limite de variação de 1 a 2% para alturas ou áreas de pico em resposta a repetidas injeções do analito. Tais controles são eficientes para verificar a estabilidade do aparelho. (AOAC) Tabela 21 - Dados de concentração de lactato de etila de uma mesma amostra injetada 7 vezes. Replicata Lactato de Etila 1 0,3817 2 0,3881 3 0,3935 4 0,3955 5 0,3966 6 0,3980 7 0,3819 DP 0,02980 Média 0,8734 CV 3.41% 75 Seletividade A seletividade é a capacidade com que um método consegue quantificar um analito em presença de outros analitos, matriz ou materiais potencialmente interferentes. É usualmente obtida por extração com solventes seletivos, separação de fase cromatográfica ou outra, ou por aplicação de técnicas analito-específicas como reações bioquímicas (enzimas, anticorpos) ou instrumental (NMR, infravermelho, espectrometria de massas). AOAC. A Figura 12 demonstra a seletividade do método. 76 ANEXO 3 – Dosagens de ácido lático A curva analítica foi realizada com o padrão de ácido lático da Sigma, 85% de pureza na faixa de concentração de 10 a 400 ppm. Para a construção da curva de calibração, foram preparadas soluções padrão de ácido lático em acetato de etila nas concentrações de 10; 25; 50; 100; 200 e 400 ppm. Os padrões foram então submetidos às mesmas condições sofridas pelas amostras. Foram coletados 1 mL de cada uma destas soluções e passados para vial de 1,5 mL, que foram então submetidos à secagem por N2 . Depois de alcançada a secura, os padrões foram ressuspensos em água MilliQ. Deste modo espera-se corrigir erros inerentes ao processo, como, por exemplo, a perda de ácido lático no processo de secagem. Vale ressaltar que ácido lático tem baixa volatilidade, por isso este processo de secagem foi possível. Figura 20 - Linearidade e análise de regressão obtidos para o ácido lático. 77 mAU 1.75 210nm,4nm (1.00) 1.50 1.25 1.00 0.75 0.50 0.25 0.00 -0.25 0.0 5.0 10.0 15.0 20.0 25.0 30.0 35.0 min Figura 21 – Pico do ácido lático obtido por HPLC (UV-Vis). 78