FILOSOFIA E A RETÓRICA O nascimento do pensamento racional

FILOSOFIA E A RETÓRICA
O nascimento do pensamento racional, ocorrido no contexto sociopolítico e cultural dos séculos VI e V a.C. está ligado à organização
política então vigente: Cidades – Estado ou Polis Democrática. O que caracteriza essencialmente o universo da Polis Democrática é,
sobretudo, o desenvolvimento de práticas públicas como a discussão, a crítica, o jogo argumentativo; a importância da palavra, enquanto
arma política por excelência; o abandono de um modelo de relação entre os homens, baseado na violência física e na lei do mais forte e a
sua substituição por um modelo baseado na persuasão – PODER DA PALAVRA; igualdade, quanto ao direito de participação de todos os
cidadãos no exercício do poder: livre acesso a intervir nas decisões políticas, de ser parte ouvida e considerada nos debates, discussões e
decisões. Na democracia grega, a discussão e a decisão não estão ainda separadas, cada cidadão tinha o poder que nos nossos dias é
conferido aos deputados ou aos que desempenham cargos políticos, todo o cidadão é considerado um político e, como tal, pode
participar nas assembleias, discutindo, votando, decidindo.
No entanto, este tipo de democracia tinha os seus requisitos e as suas dificuldades: os estrangeiros (metecos), os escravos e as mulheres
não estão incluídos nos cidadãos participativos e apesar de todos os cidadãos poderem exercer funções políticas, só as exercia quem
estivesse preparado para tal. A educação era importante para tornar o cidadão grego competente na agilidade da palavra. É neste
contexto que a democracia e a educação aparecem como indissociáveis, uma vez que a primeira pressupõe competências críticas por
parte dos indivíduos e sem elas o sistema democrático é só aparência. O movimento sofístico vem dar resposta às necessidades de
ampliar e renovar as estruturas sociopolíticas e culturais da época e proporcionar aos jovens uma nova educação, capaz de os tornar
competentes nas práticas públicas.
ESTRATÉGIAS DA SOFÍSTICA:
 Desenvolveram técnicas e métodos apropriados para porem em prática o projecto educativo como técnicas da linguagem, regras da
oratória e do discurso, formas de convencer e de persuadir as assembleias, superiorizando-se aos adversários e impondo as suas ideias
como as únicas verdadeiras. Ensinavam gramática, argumentação lógica e retórica, defendiam que a argumentação lógica das provas era
superior às provas judiciais das testemunhas. Davam mostras de um saber enciclopédico que abarca os mais diferentes conhecimentos
para impressionar as assembleias. O saber é um meio de dominar a vida, procuram portanto habilidades práticas que lhe fornecem
um conhecimento subjectivo. Praticaram o método antilógico ou a antilogia e procuraram formar o cidadão capaz de participar no
processo do desenvolvimento da sociedade na qual está integrado e se deve integrar. A virtude política é a realização do mais alto dos
valores do homem enquanto cidadão político; redefiniram o conceito de verdade.
CRÍTICAS AO MÉTODO SOFÍSTICO:
 Acentuaram sobretudo o ensino da virtude política;
 Cobravam dinheiro pelo ensino;
 Defendiam que o discurso não é um fim em si mesmo, mas um meio para alcançar o poder político;
 Defendiam que a palavra servia mais para convencer os ouvintes do que para dizer a verdade das coisas;
 Eram mestres em ensinar a manipular o sentido do voto dos cidadãos;
 Eram contactados por famílias ricas para que os seus filhos tivessem uma educação e formação política. A política grega acabava por
ser constituída por cidadãos ligados à aristocracia, porque só estes podiam pagar aos sofistas;
 Eram acusados de não procurarem a verdade, mas o falso e de abalarem as fundações da cidade, ao porem em destaque o relativismo
das leis;
 Platão defendia que o saber não é ensinável e comparava os sofistas a mercadores de palavras. Segundo Platão, os sofistas
formavam oportunistas que se aproveitavam da ignorância do povo para alcançarem o poder e o êxito político;
 Eram acusados de ensinar uma verdade utilitarista e pragmática, ou seja, tudo o que ensinavam era determinado pela sua aplicação
prática. Não se preocupavam com a verdade absoluta e universal, mas sim com as opiniões e com a verdade das ‘circunstâncias’;
 Expressões utilizadas pelos filósofos para caraterizar os sofistas: caixeiros-viajantes especializados em todo o género de
habilidades; mercadores de palavras capciosos (enganadores) e corruptos; mestres em ensinar uma arte de viver e de vencer
obstáculos nas comunidades democráticas; comercializavam o saber; eram estrangeiros sem direitos políticos; profissionais sem
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prestígio religioso; ensinam os alunos a serem disputadores; professores da arte de falar e escrever; professores da retórica;
artistas de bem viver; educadores retribuídos; enciclopédia ambulante.
SÓCRATES – MÉTODO SOCRÁTICO
Sócrates defendia a existência de uma verdade universal e absoluta ao contrário dos sofistas. Essa verdade não estava nas coisas, no homem mas
nos conceitos. Toda a pesquisa socrática foi no sentido de encontrar uma definição de Belo, Bem, Justiça que fosse universal e comum a todos os
homens, porque a verdade está para além da verdade particular de cada um. Esta pesquisa devia ser individual, fruto do diálogo, do debate
contínuo com os outros e consigo mesmo. Não concorda com a ideia de que o saber seja ensinável, porque o conhecimento já existe em nós,
apenas está esquecido. A investigação de si próprio é o problema da investigação do saber e da virtude. O homem virtuoso é aq uele que não se
conforma com as regras, mas aquele que se emancipa, que é autónomo e livre.
Método Socrático:
Douta Ignorância: duvidar daquilo que se sabe. Sócrates levava os seus interlocutores através de repetidas perguntas, a
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darem-se conta de tudo o que diziam e sobre o qual tinham uma inabalável certeza. Os interlocutores tomavam consciência que
nada sabiam – ‘Só sei que nada sei’.
Ironia: através do método dialógico: pergunta / resposta, os interlocutores ao responderem a Sócrates, não faziam mais do
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que particularizar ou dar exemplos, e não conseguiam dar a verdadeira definição de um conceito. Apenas repetiam saberes.
Sócrates, através da ironia, convencia assim os seus interlocutores da sua ignorância, e fazia-os cair em constantes
contradições. Tal método tinha como objectivo o auto-reconhecimento que aquilo que sabiam era apenas um falso saber ou
saber aparente.
“A ironia pela dúvida que se instala no pensamento, tem uma função libertadora e purificadora e prepara a alma para a investigação da
verdade.” Alfredo Reis, Do Mito a Descartes.
Maiêutica: Sócrates nada ensina aos seus interlocutores, uma vez que a verdade não é ensinável porque já existe. O que é
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necessário é criar as condições da sua geração. O papel de Sócrates é ajudar cada interlocutor a descobrir a verdade que existe
no seu interior. Sócrates compara o seu papel ao da parteira. Depois do auto-reconhecimento de que nada se sabia, estavam
reunidas as condições para se ascender à verdade.
“ Sócrates: A minha arte de fazer dar à luz é semelhante, no essencial, à das parteiras, mas difere no facto de se aplicar aos homens e
não às mulheres e de relacionar com as suas almas parturientes e não com os seus corpos. Mas a principal vantagem da minha arte é a
seguinte: é capaz de discernir com segurança se o pensamento do jovem vai dar à luz uma quimera ou uma falsidade, ou algo de genuíno e
verdadeiro. “ Platão, Teeteto
Sócrates/Platão – numa reacção ao mau uso da retórica por parte dos sofistas, Sócrates ensina a arte de argumentar em busca da
verdade. Denuncia o recurso aos raciocínios falaciosos e aos sofismas, procurando alertar os interlocutores para a precisão e clareza do
sentido das palavras e para o rigor da definição dos conceitos a utilizar. O filósofo é aquele que procura a verdade, sendo assim, Platão
reconhece um papel purgativo à dialéctica que é uma técnica utilizada por Sócrates para refutar as opiniões e as aparências do
adversário, na medida em que permite evidenciar a sua contradição. Dir-se-ia que Sócrates viu na argumentação, ao serviço da filosofia,
um instrumento privilegiado para a formação de espíritos críticos. Disse ainda que ninguém deve ser convencido da verdade, mas
persuadido na sua busca. Desta forma, a retórica era uma técnica que servia para persuadir, para procurar a adesão do auditório em
relação a teses verdadeiras e não em relação a opiniões. Segundo Platão, os demagogos, pela retórica, tornaram o povo “preguiçoso”no
exercício racional, pois através da manipulação, de jogos persuasivos conduziram-nos aos objectivos pretendidos, alcançar o apoio
popular.
A oposição entre filósofos e sofistas perpetuou-se até ao século XX. A ideia de que a razão é capaz de conhecer o real de uma forma
rigorosa e até mesmo absoluta, assenta num tipo de raciocínio demonstrativo, faz nascer a crença da detenção da verdade, a única e
inquestionável verdade. Para o filósofo, a retórica ensinada pelos sofistas e aliada à vida política do homem concreto, desvirtuava essa
verdade única que a razão é capaz de conhecer, porque propunha uma verdade relativa e susceptível de diferentes leituras. Era utilizada
muitas vezes ao serviço da erudição, esquecendo a racionalidade intrínseca do discurso. Os sofistas, segundo os filósofos, faziam um mau
uso da retórica. O que está na origem da oposição são diferentes concepções acerca da verdade e do ser.