Diretrizes SBD 2014-2015 Doença arterial obstrutiva periférica no paciente diabético: avaliação e conduta Impacto da doen­ça arterial obstrutiva periférica no paciente diabético A doen­ça arterial obstrutiva periférica (DAOP) caracteriza-se pela obstrução aterosclerótica progressiva das artérias dos membros inferiores, afetando gradualmente e de maneira adversa a qualidade de vida dos pacientes. Muitos in­ di­ví­duos são assintomáticos e cerca de um terço desenvolve claudicação intermitente (CI). Ao longo de cinco anos apenas 5% a 10% dos casos evoluem com isquemia crítica do membro e risco de amputação (A).1 O mais importante é que a DAOP constitui um marcador essencial da aterosclerose sistêmica e do risco de complicações cardiovasculares e cerebrovasculares, como o infarto agudo do miocárdio (IAM) e o acidente ­vascular cerebral (AVC), em especial nos pacientes diabéticos. A aterosclerose é a maior causa de morte e invalidez em diabéticos, especialmente do tipo 2 (B).2 Em estudo ainda em andamento com pacientes claudicantes verificouse que cerca de 43% dos in­di­ví­duos são diabéticos.3 A prevalência de DAOP é maior em pacientes diabéticos do que na população não diabética. Estima-se que 20% a 30% dos in­di­ví­duos diabéticos sejam portadores de DAOP, ainda que a prevalência real desta associação seja difícil de ser avaliada. Esta dificuldade se deve à ausência de sintomas, mascarados pela neuropatia periférica 296 em boa parte dos pacientes, e aos diferentes indicadores utilizados nas pesquisas epidemiológicas (A).4 A despeito do reconhecimento da DAOP como preditora de eventos is­ quêmicos, esta expressão da aterosclerose acessível à história e ao exame físico é pouco pesquisada pelos clínicos. O diagnóstico precoce da DAOP oferece uma oportunidade única de atuação sobre os principais fatores de risco e modificação do perfil cardiovascular, melhorando, assim, a mortalidade e a qualidade de vida dos pacientes (C).5 Diferenças da doença arterial obstrutiva periférica entre pacientes diabéticos e não diabéticos O processo aterosclerótico que atinge o paciente diabético é semelhante ao do in­di­ví­duo não diabético. Várias alterações no metabolismo do diabético aumentam o risco de aterogênese. A elevação da atividade pró-aterogênica nas células m ­ uscula­res lisas da parede ­vascular e da agregação plaquetária, além do aumento de fatores pró-coa­ gulantes, da viscosidade sanguí­nea e da produção de fibrinogênio, são alguns desses mecanismos. Essas anormalidades vascula­res podem ser evidentes antes mesmo do diagnóstico de diabetes e ainda aumentar com a duração da doen­ça e com a piora do controle glicêmico. Todas essas alterações possuem ação deletéria sobre a parede do vaso e sua reologia, ativando o processo aterosclerótico, desestabilizando a placa de ateroma e precipitando eventos clínicos. As artérias de diabéticos apresentam mais calcificação de parede e maior número de células inflamatórias (B).6 As obstruções arteriais apresentam com mais fre­quência uma distribuição infrapatelar, acometendo vasos da perna (B).7 Estes fatos, associados a outras diferenças na fisiopatologia das lesões do pé diabético, implicam pior prognóstico desses pacientes, com maio­res taxas de morbidade e mortalidade associadas à DAOP. Avaliação do diabético com DAOP Apresentação Anamnese e exame físico, em geral, são suficientes para o diagnóstico de DAOP. Dor habitual em panturrilhas, desen­ca­dea­da pela deambulação, que alivia após poucos minutos de repouso e que recorre ao se percorrer novamente a mesma distância, é característica de CI. A ausência ou redução dos pulsos arteriais periféricos, no contexto de fatores de risco para doen­ça aterosclerótica e na presença de CI, é suficiente para fazer o diagnóstico de DAOP (C).8 Em fases mais precoces da DAOP, o paciente costuma ser assintomático ou apresentar CI. Em estágios mais avançados, o quadro clínico mais evidente 2014-2015 pode ser o de dor em repouso ou uma ferida que não cicatriza. Ainda assim, muitos diabéticos que se apresentam com isquemia crítica dos membros não relatam história ­vascular prévia de DAOP (C).8 O quadro é aberto com ulcerações, feridas infectadas e gangrenas nos pés desen­ca­ dea­das por trauma local ou infecções fúngicas interdigitais. A macroangiopatia da DAOP é apenas um dos fatores envolvidos na síndrome do pé diabético e, curiosamente, a isquemia é o fator determinante da lesão trófica podálica em menos de 10% destas urgências (C).8 Infelizmente, a avaliação criteriosa do pé diabético infectado é negligenciada com fre­quência nos hospitais de emergência, retardando o tratamento adequado e reduzindo as chances de salvamento do membro. A intervenção precoce sobre pequenas lesões infectadas de origem neuropática por meio de medidas relativamente simples, como desbridamento cirúrgico, antibioticoterapia e suporte clínico adequado, é suficiente para a resolução dessas lesões e evitar amputações maiores. Um paciente capaz de caminhar sem queixas e que tenha pelo menos um dos pulsos podais facilmente palpáveis torna improvável a doen­ça is­ quêmica clinicamente significativa e permite, portanto, uma intervenção mais simples e imediata, em geral no próprio local do atendimento inicial. Ao contrário, lesões predominantemente is­quêmicas necessitam de abordagens mais complexas, nem sempre disponíveis em hospitais gerais de pronto-atendimento, devendo ser encaminhadas para centros de referência de cirurgia v­ ascular para revascularização do membro. Apenas um esforço mantido e coordenado é capaz de reduzir as amputações de diabéticos nas emergências, que, além de serem limitantes para os pacientes, têm sido associadas a maior risco de evolução para óbito.9 Diretrizes SBD quenas, em pacientes com isquemia moderada do membro e que não seriam candidatos à revascularização do membro se não houvesse o comprometimento infeccioso associado (C).10 Avaliação funcional A avaliação funcional do paciente com DAOP é ba­sea­da em classificações clínicas utilizadas na prática diá­ria para definir o grau de comprometimento do membro afetado e também a conduta a ser seguida. A mais conhecida é a classificação de Fontaine, que define quatro níveis de comprometimento: I – assintomático; II – claudicação; III – dor em repouso; e IV – lesão trófica. A classificação de Fontaine traduz a história natural da DAOP desde suas fases iniciais até a isquemia crítica. Mediante esta classificação é possível definir a conduta (cirúrgica ou clínica) no tratamento da DAOP. Os estágios I e II são considerados para tratamento clínico, e os estágios III e IV representam isquemia crítica e devem ser tratados, de preferência, por meio de intervenção cirúrgica (Quadro 1). Em pacientes diabéticos com DAOP, esta avaliação pode estar prejudicada pela ausência de sintomas devido à neuropatia periférica, mascarando estágios avançados da DAOP. Da mesma maneira, a presença de infecção pode agravar lesões tróficas, inicialmente pe- Medidas de pressão segmentar O índice tornozelo-braço (ITB) é um teste não invasivo, reprodutível e razoavelmente acurado para a identifica­ ção e determinação da gravidade da DAOP.11 O ITB é a razão entre a pressão sistólica do tornozelo (numerador) e a pressão sistólica braquial (denominador). Por meio de um Doppler portátil e um manguito de pressão é possível rea­li­zar o teste ambulatorialmente ou à beira do leito. São considerados normais valores entre 0,9 e 1,3. O ITB deve ser rea­ li­ zado em qualquer paciente com sintomas de DAOP. O consenso da Associação Americana de Diabetes (ADA) recomenda que o ITB seja rea­li­ zado em todos os in­di­ví­duos diabéticos com mais de 50 anos (Quadro 2). Quanto menor o ITB, mais significativa é a obstrução arterial. Um índice < 0,5 é fortemente sugestivo de sintomas. O exercício aumenta a sensibilidade do teste e a medida do ITB pós-exercício ajuda no diagnóstico diferencial entre outros tipos de dores nas pernas.12 Quadro 1 Classificação de Fontaine: recomendações de tratamento Classificação de Fontaine Conduta I – Assintomático Tratamento clínico: controle dos fatores de risco II – Claudicação Tratamento clínico: exercícios sob supervisão e farmacoterapia. A cirurgia pode ser considerada em caso de falha do tratamento clínico e/ou lesões arteriais focais. Indicada, eventualmente, também em casos de claudicação incapacitante III – Dor em repouso IV – Lesão trófica Isquemia crítica (risco de perda iminente do membro), intervenção essencial e imediata 297 Diretrizes SBD 2014-2015 Quadro 2 Índice tornozelo-braço: recomendações para rea­li­zação do teste Grau de recomendação Recomendação Qualquer paciente diabético com sintomas sugestivos B Qualquer paciente entre 50 e 69 anos com diabetes ou outro fator de risco cardiovascular B Qualquer paciente > 70 anos B Qualquer paciente diabético > 50 anos C O ITB tem valor limitado em artérias calcificadas, que se tornam incompressíveis e determinam índices falsamente elevados (> 1,4). Ainda assim, um ITB aumentado também é preditivo de risco de eventos cardiovasculares e, neste caso, outros testes não invasivos devem ser considerados para definir o diagnóstico de DAOP (B).13 Uma alternativa à calcificação arterial é a medida da pressão sistólica do hálux (PSH). As artérias digitais costumam ser poupadas pela calcificação de Monckeberg, que acomete a camada média das artérias de maior calibre.14 Pressões < 40 mmHg estão associadas à progressão da DAOP para gangrena, ulceração e necessidade de amputação (A).15 A pressão parcial transcutânea de oxigênio (TcPO2) é outro método não invasivo de avaliação da perfusão periférica em DAOP que pode substituir o ITB no caso de artérias calcificadas, embora não seja utilizado com fre­quência na prática clínica. Valores < 30 mmHg estão associados a dificuldade de cicatrização de lesões e amputações (D).4 Estudos de imagem Os estudos de imagem não devem ser utilizados como exames diagnósticos, mas devem ser indicados quando a revascularização é considerada uma provável opção terapêutica (D).10 EcoDop- 298 pler (ou duplex-scan) é uma técnica não invasiva que fornece informações anatômicas e hemodinâmicas do vaso estudado. Por meio da ecografia ­vascular é possível avaliar velocidades de fluxo, identificar e graduar estenoses, além de medir a espessura da parede arterial e analisar a morfologia da placa de ateroma. É um exame relativamente barato e pode ser repetido inúmeras vezes, sendo muito utilizado no acompanhamento pós-operatório de diversos tipos de revascularização. Sua principal desvantagem é o fato de depender do operador. A presença de grandes placas cal­ cificadas também pode prejudicar a acurácia do exame. A arteriografia convencional ou por subtração digital é considerada o padrão-ouro dos estudos de imagem ­vascular. Como mencionado anteriormente, não deve ser utilizada como método diagnóstico, mas pode ser indicada pelo cirurgião quando se vislumbra a necessidade de revascularização do membro, mesmo sem a rea­li­zação de nenhum outro teste não invasivo previamente. É um método que acarreta riscos inerentes à punção arterial e ao uso de cateteres angiográficos, além da possibilidade de nefrotoxicidade pelo contraste iodado. Com a evolução da angiorressonância magnética e da angiotomografia (angio-TC), a arteriografia convencional vem sendo amplamente subs­ti­tuí­da como método de imagem v­ ascular pré- operatório em razão do caráter ambulatorial e menos invasivo destes dois métodos. Outra razão é que, com o advento da cirurgia endovascular, a angiografia tornou-se um exame peroperatório associado ao procedimento terapêutico, procurando-se, assim, evitar punções arteriais repetidas e o incremento do risco do contraste iodado. Neste quesito, a ressonância magnética (RM) ainda leva vantagem sobre a angio-TC. Conduta na DAOP em pacientes diabéticos A DAOP, tanto em pacientes diabéticos quanto em não diabéticos, é um poderoso marcador do processo aterosclerótico sistêmico. Menos de 5% dos portadores de claudicação serão submetidos à amputação do membro ou à cirurgia de revascularização ao final de cinco anos. No entanto, um terço desta mesma população apresentará AVC ou IAM. Estudos epidemiológicos prévios demonstraram pior sobrevida de pacientes com DAOP quando em comparação com a população geral. Pacientes diabéticos com DAOP apresentam mor­talidade ainda mais alta e mais precoce do que os não diabéticos. Além da modificação do perfil cardiovascular destes pacientes, é necessário intervir nos sintomas is­quêmicos nos membros. Apenas uma avaliação in­di­vi­dualizada de cada paciente é capaz de identificar o grau de comprometimento ­vascular e definir a melhor abordagem terapêutica. A intervenção cirúrgica está restrita a situações de perda iminente do membro por isquemia crítica ou, excepcionalmente, em pacientes com claudicação incapacitante. Portanto, a conduta na DAOP é ba­sea­da em dois pilares: o controle dos fatores de risco e o tratamento dos sintomas is­quêmicos periféricos. 2014-2015 Controle dos fatores de risco DAOP e diabetes estão associados a aumento significativo no risco de eventos cardiovasculares, e a modificação agressiva destes fatores está associada a maior sobrevida destes in­di­ví­duos. Menos da metade dos in­di­ví­duos diabéticos portadores de DAOP oferece atenção adequada a este aspecto da doen­ça aterosclerótica, embora provavelmente esta seja a opção mais fácil e mais efetiva para melhorar a qualidade de vida e o prognóstico da doen­ça. Além dos fatores de risco cardiovasculares, o próprio pé diabético deve ser considerado um fator de risco. Este “pé de risco” neuropático e is­ quêmico é mais suscetível ao aparecimento de lesões e infecções fúngicas mediante portas de entrada, as quais podem colocar em perigo a viabilidade de todo o membro (Quadro 3). • Tabagismo: o fumo é o fator de risco mais importante para o desenvolvimento e a progressão da DAOP. A quantidade e a duração do tabagismo se correlacionam diretamente com a progressão da DAOP (A).16 A interrupção do fumo aumenta a sobrevida de pacientes com DAOP (A).17 • Controle glicêmico: vários estudos têm demonstrado que o controle agressivo da glicemia é capaz de reduzir a incidência de complicações microvasculares, mas não aquelas relacionadas com a DAOP. As diretrizes atuais da ADA recomendam uma hemoglobina glicada (HbA1c) < 7% como meta de tratamento do diabetes, mas su­ gerem níveis in­di­vi­dualizados o mais próximo dos valores normais (< 6%); porém é incerto que esse controle tenha in­fluên­cia sobre a evolução da DAOP (D).18 • Hipertensão: o tratamento da hipertensão reduz o risco cardiovascular, embora o efeito do controle pressórico intensivo em pacientes com diabetes e DAOP ainda não esteja definido. O United King­ dom Prospective Diabetes Study (UKPDS) mostrou que não há efeito sobre o risco de amputação. Neste grupo de alto risco cardiovascular, recomenda-se o controle pressórico agressivo (< 130/80 mmHg) a pacientes diabéticos e com DAOP como maneira de reduzir o risco cardiovascular (A).19 • Dislipidemia: vários estudos têm demonstrado que a terapia antilipídica reduz de modo significativo o número de eventos cardiovasculares em pacientes sabidamente portadores de doen­ça coronaria- Quadro 3 Fatores de risco e alvo de tratamento em DAOP Fator de risco Dislipidemia Hipertensão Diabetes Alvo do tratamento grau de recomendação DAOP sintomática LDL < 100 mg/dl A DAOP + história de AEO em outros territórios LDL < 70 mg/dl B Níveis pressóricos < 130/80 mmHg A Betabloqueadores não são contraindicados A HbA1c < 7% ou o mais próximo possível de 6% C DAOP: doença arterial obstrutiva periférica; LDL: lipoproteína de baixa densidade; HbA1c: hemoglobina glicada ou glicosilada. Diretrizes SBD na. Embora não haja estatísticas específicas de pacientes diabéticos com DAOP, recomenda-se um alvo para LDL < 70 mg/dl a este grupo de alto risco (B).20 O consenso de ADA estabelece uma LDL alvo < 100 mg/dl (A).21 • Antiagregação plaquetária: uma metanálise com 145 séries controladas de terapia antiagregante (a maioria com uso de ácido acetilsalicílico) mostrou redução de 27% no número de IAM, AVC e mortes vascula­res (A).22 Outro estudo, com quase 20 mil pacientes, o Clopidogrel versus Aspirin in Patients At Risk of Ischaemic Events (CAPRIE), mostrou redução de 8,7% para a ocorrência de IAM, AVC ou morte ­vascular. Em um subgrupo de 6 mil pacientes com DAOP, sendo um terço de in­di­ví­duos diabéticos, a redução do risco foi ainda maior com o clopidogrel: 24%, quando em comparação com o ácido acetilsalicílico (A).23 Com base nesses resultados, o clopidogrel foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para a redução de eventos vascula­ res em todos os pacientes com DAOP. • Cuidados com o pé diabético: o cuidado adequado com o pé é fundamental na redução do risco de complicações e perda do membro. A neuropatia influencia fortemente a apresentação clínica e a evolução das lesões no pé diabético, já que a dor causada pela isquemia crônica pode ser mascarada pelas alterações neuropáticas nos pés (C).4 O pé neurois­quêmico é mais suscetível a ulcerações traumáticas, infecção e gangrena. Por conta desses fatores, diabéticos com DAOP e neuropatia são mais propensos a lesões avançadas quando em comparação com os não diabéticos. 299 Diretrizes SBD 2014-2015 Além da neuropatia, a distribuição mais distal da DAOP (preferencialmente artérias infrapatelares) favorece a evolução silenciosa do quadro is­ quêmico crônico, que costuma ser subestimado até que lesões avançadas aconteçam (B).6 A utilização criteriosa e multi­ dis­ciplinar de práticas como a utili­ zação de palmilhas e órteses es­ peciais, calçados confortáveis e per­sonalizados, curativos apro­pria­ dos, repouso, antibioticoterapia e desbridamentos, associados ou não à revascularização, tem impacto significativo na evolução das feridas e não deve ser negligenciada como terapêutica dessas lesões multifatoriais (B).24 A educação con­ ti­nuada de todos profissionais de saú­de envolvidos, pacientes e familiares (B)25 e a implementação de programas governamentais de prevenção do pé diabético (B)26 são fundamentais na redução dos riscos de amputação do diabético. Tratamento dos sintomas da doença arterial obstrutiva periférica O sintoma mais frequente da DAOP é a CI. Dificilmente, pacientes claudicantes evoluem para isquemia crítica do membro. Apesar da evolução benigna, a CI impõe uma restrição real ao estilo de vida, com a limitação da velocidade e da distância de marcha, atrofia e disfunção progressiva dos membros inferiores. O tratamento da CI se apoia na prática de exercícios e na farmacoterapia específica. Em estágios mais avançados da DAOP, a isquemia crítica coloca em risco a viabilidade do membro afetado. Nesses casos, o tratamento visa a restabelecer de imediato a perfusão distal, com o objetivo de controlar a dor is­quêmica em repouso, cicatrizar 300 as lesões tróficas e manter o membro funcional. • Exercícios de reabilitação: a prática de exercícios regulares é a principal medida terapêutica para a CI. Já está bem estabelecido que estes programas de reabilitação devem incluir caminhadas diá­rias, com intervalos de repouso e distâncias progressivamente crescentes (A).27 É muito importante que sejam rea­li­ zados sob supervisão e tenham uma duração mínima de três meses antes de se obterem resultados significativos. A aderência ao tratamento físico tem como vantagem adicional estimular outras mudanças no estilo de vida e melhorar o perfil do risco cardiovascular do paciente (A).28 • Terapia medicamentosa da CI: duas drogas foram aprovadas pela FDA para o tratamento da CI: pentoxifilina e cilostazol. Apesar de alguns trabalhos iniciais terem demonstrado incremento da distância de marcha de claudicantes, outros mais recentes afirmam que a pentoxifilina não é mais efetiva que o placebo (A).29 Uma revisão recente concluiu que o cilostazol é a melhor opção, com base em evidências para o tratamento da CI. Em pacientes diabéticos com CI, o cilostazol não mostrou diferenças significativas nos efeitos quando em comparação com in­di­ví­duos não diabéticos (A).30 O cilostazol é contraindicado a pacientes portadores de insuficiên­ cia cardía­ ca congestiva e disfunção hepática ou renal graves (Quadro 4). • Revascularização do membro: a presença de lesão trófica ou dor em repouso caracteriza a isquemia crítica e o risco de perda iminente do membro. Nesta situação, a revascularização está indicada para salvamento do membro is­quêmico e a intervenção, seja ela por cirurgia aberta (convencional) ou por via endovascular, não deve ser postergada. A claudicação incapacitante é caracterizada pela forte interferência no estilo de vida de alguns pacientes, limitando atividades laborativas ou, em especial, as relacionadas com o lazer. Nesses casos, a revascularização do membro deve ser considerada quando ocorre falha no manejo clínico, geralmente após um perío­do mínimo de três a seis meses de Quadro 4 Principais drogas utilizadas para tratamento da claudicação intermitente Evidência suficiente ou provável Evidência insuficiente Cilostazol Pentoxifilina Naftidrofurila Antiagregantes plaquetários Carnitina Vasodilatadores Propionil-L-carnitina L-Arginina Estatinas Prostaglandinas Buflomedil Ginkgo-biloba Vitamina E Quelação 2014-2015 tratamento. Por outro lado, em pacientes que apresentam obstruções focais localizadas em segmentos arteriais proximais, em que se antecipa baixo risco e bons resultados a longo prazo, a cirurgia pode ser considerada sem a necessidade do tratamento clínico inicial. Portanto a presença de claudicação incapacitante é uma indicação relativa de revascularização do membro com DAOP, requerendo bom senso e esclarecimento ao paciente e a seus familiares quanto aos riscos inerentes ao procedimento indicado e seus resultados ao longo do tempo. A revascularização mediante cirurgia de bypass oferece excelentes resultados no tratamento da DAOP com isquemia crítica e não há diferenças nas taxas de funcionamento do enxerto entre diabéticos e não diabéticos (A).7 O bypass com veia safena tem sido o procedimento de escolha para pacientes com diabetes e doen­ça arterial infrapatelar, pois é o método mais previsível e durável de revascularização do membro (B).10 A revascularização por cirurgia aberta apresenta excelentes resultados, com taxas de salvamento de membro em torno de 80% em cinco anos (A).31 No entanto, os procedimentos endovasculares são rea­ li­ zados com fre­ quência cada vez maior (A)32,33 e atualmente já representam a primeira escolha no tratamento de obstruções em algumas re­giões anatômicas. É o caso do território aortoilía­co, onde as taxas de funcionamento em médio e longo prazos são comparáveis às da cirurgia aberta, mas com morbimortalidade menor (B).10 O sucesso da técnica endovascular está mudando rapidamente o conceito de revascularização, cujo alvo principal tornou-se a cicatrização das lesões tróficas. Embora o sucesso técnico imediato seja alto, o funcionamento a longo prazo com a angioplastia ainda é baixo, em especial no território infrainguinal e nas artérias infrapatelares de pacientes diabéticos. O curioso é que, embora as reestenoses sejam frequentes, o impacto sobre a viabilidade do membro parece pequeno. O provável é que isso ocorra porque as artérias tratadas permanecem abertas tempo suficiente para possibilitar a cicatrização das lesões Diretrizes SBD tróficas do pé is­quêmico temporariamente revascularizado (C).8 Os dois tipos de procedimentos não são excludentes entre si e podem de fato ser associados para atingir melhores resultados na revascularização do membro afetado. A escolha entre as duas técnicas é uma decisão complexa, que deve ser ba­sea­da caso a caso, levando-se em conta o benefício esperado e o risco associado a cada procedimento. Vários fatores podem impossibilitar a revascularização do membro: falta de condições clínicas do paciente por sepse e/ou outras comorbidades, membro disfuncional por anciloses ou destruição avançada do pé pela gangrena, ausência de veia adequada para o procedimento e doen­ça arterial difusa sem possibilidade de revascularização. Estas são algumas situações em que a revascularização não é possível. Nestes casos, a amputação do membro pode ser a única opção de intervenção, em especial quando se antevê uma evolução arrastada de curativos e antibioticoterapia prolongada com poucas chances de cicatrização e de melhora efetiva da qualidade de vida do paciente (C).5 Quadro 5 Recomendações e conclusões finais RECOMENDAÇÃO OU CONCLUSÃO Grau de recomendação A aterosclerose é a maior causa de morte e invalidez em diabéticos, especialmente do tipo 2 B Ao longo de cinco anos apenas 5% a 10% dos casos de pacientes com DAOP evoluem com isquemia crítica do membro e risco de amputação A A interrupção do fumo aumenta a sobrevida de pacientes com DAOP A A prática de exercícios regulares é a principal medida terapêutica para a CI. Programas de reabilitação devem incluir caminhadas diá­rias, com intervalos de repouso e distâncias progressivamente crescentes A Recomenda-se controle pressórico agressivo (< 130/80 mmHg) a pacientes diabéticos e com DAOP para reduzir o risco cardiovascular A Betabloqueadores não são contraindicados no controle da hipertensão arterial A Recomenda-se um alvo terapêutico de LDL < 70 mg/dl para pacientes diabéticos com DAOP B Os procedimentos endovasculares são rea­li­zados com fre­quência cada vez maior e atualmente já representam a primeira escolha no tratamento de obstruções em algumas re­giões anatômicas A (A) Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência; (B) Estudos experimentais e observacionais de menor consistência; (C) Relatos de casos – estudos não controlados; (D) Opinião desprovida de avaliação crítica, ba­sea­da em consenso, estudos fisiológicos ou modelos animais. 301 Diretrizes SBD 2014-2015 referências 1. 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