Cadeira de Biofísica Molecular Teórico-Práticas 1 e 2 Paula Tavares, FCUL (2012-2013) 1 A cartografia funcional do encéfalo humano Identificar a função das áreas encefálicas: • estímulos analisados. • informação processada. fMRI Images In scan 1, a subject is asked to remember a face. Areas at the rear of the brain that process visual information are active during this task, as is an area in the frontal lobe. In scan 2, the subject is asked to "think about this face." Surprisingly, the hippocampus is activated - the first time this has been documented. The hippocampus was already known to be important for memory, but these results show that this part of the brain is specifically active during the time when we are remembering new information. In scans 3 and 4, the subject was asked to compare another face to the remembered face. Some of the same visual areas are activated as during the initial memory task, but other areas, such as part of the frontal lobe, are involved in making a decision about the memory. Credit: Mark D'Esposito and Charan Ranganath Department of Psychology & Helen Wills Neuroscience Institute University of California, Berkeley (2000). http://www.berkeley.edu/news/media/releases/2000/11/20_mri.ht ml 2 Neuroimagem Funcional Detecta variações da actividade neuronal durante a execução de tarefas mentais pré-definidas. O aumento da actividade neuronal numa determinada área encefálica durante um processo mental é interpretado como envolvimento dessa área nesse processo ou noutros que lhe são auxiliares. Aumento actividade eléctrica Activação duma Área Encefálica Aumento fluxo sanguíneo Aumento volume sanguíneo Electroencefalografia (EEG) Magnetoencefalografia (MEG) Aumenta a oxihemoglobina desoxihemoglobina Imagem por Ressonância Magnética Funcional (fMRI) Tomografía de Emissão de Positrões (PET) Tomografía de Emissão de Fotão Único (SPECT) 3 Electroencefalografia Em 1929, Hans Berger reportou um conjunto, na altura controverso de resultados experimentais, nas quais ele mediu a actividade eléctrica do cérebro humano ao colocar um eléctrodo no escalpe, amplificar o sinal, e representá-lo em termos de alteração de potential ao longo do tempo (o electroencefalograma). 4 Electroencefalografia O EEG representa uma mistura de centenas ou milhares de diferentes fontes neuronais de actividade eléctrica – isso complica a identificação dos processos cognitivos individuais que estão na origem dessa actividade. Mede-se a actividade eléctrica dos indíviduos em duas situações: (1) Actividade espontânea – a pessoa pode estar acordada ou a dormir enquanto o EEG está a ser medido. (2) Actividade evocada – nestas circunstâncias são apresentados estímulos ao indivíduo, aos quais tem de prestar atenção e/ou tomar decisões. Os sinais daí resultantes chamamse event-related potentials (potenciais evocados). 5 Electroencefalografia Rossion et al., 1999, Biol Psychol, 50:173-189. 6 Electroencefalografia – Actividade Evocada 50 imagens de cada categoria. Os gráficos apresentados são a média, em cada instante de tempo, do valor de potencial registado no eléctrodo em causa, para as 50 imagens da categoria. As ondas ERP resultantes consistem numa sequência de deflecções do potencial, positivas e negativas a que se chamam picos ou componentes. P e N indicam se o pico é positivo ou negativo. O número pode indicar a posição do pico na onda ERP (1º, 2º, 3º, etc) ou a latência (instante tempo, a partir da apresentação do estímulo, em que o pico atinge a sua amplitude máxima). 7 Electroencefalografia – Actividade Evocada Itier and Taylor, 2004, Cerebral Cortex, 14: 132-142. 8 Electroencefalografia – Actividade Evocada Os picos podem ser exógenos ou endógenos. Os picos exógenos são influenciados pelos parâmetros dos estímulos, como a luminância. Ex. P100. Os picos endógenos são influenciados por factores que dependem completamente da tarefa. Ex. P300. Exemplos de picos associados com estímulos visuais C1 Polaridade variável. Aparentemente gerada em V1. Onset ~50 ms. Peak ~90 ms. P1 Possíveis geradores em MOG and FG. Onset ~75 ms. Peaks ~115 ms. N1 Peaks ~125 ms. Possíveis geradores na parte lateral do córtex occipital e córtex parietal. Influenciada pela atenção espacial. Dependente tarefa. Amplitudes mais elevadas em tarefas discriminatórias por comparação com tarefas de detecção. N170 Peaks ~170 ms. Geradores extraestriados. 9 Electroencefalografia – Actividade Evocada O P300 é o exemplo típico dum pico endógeno. • É sensível à probabilidade de aparecimento do alvo: a amplitude aumenta quando a probabilidade diminui. • É sensível ao contexto local: a amplitude aumenta quando o alvo é precedido por um número maior de não alvos. Vogel et al. (1998) Journal of Experimental Psychology. 24: 1656-1674. • O que interessa é a probabilidade da classe a que pertence o alvo e não a probabilidade do •estímulo físico em si. Por exemplo, se se pedir às pessoas que detectem nomes femininos embebidos em sequências de nomes masculinos, o que é relevante é a probabilidade de aparência da classe e não dum nome em particular. 10 Electroencefalografia – Actividade Espontânea A actividade espontânea do cérebro é medida em várias condições, daí resultando o aparecimento de frequências características no EEG. O EEG de uma pessoa pode ter tipicamente 5 tipos de frequências: •Delta (< 3.5 Hz) Walter (1936) •Teta (entre as 4-7.5 Hz) Walter (1936) •Alfa (entre as 8-13 Hz) Berger (1929) •Beta (entre 14-30 Hz) Berger (1929) •Gama (> 30 Hz) Jasper and Andrew (1938) 11 Ondas delta e teta A classificação actual das fases do sono (Dement and Kleitman, 1957) divide-o nas seguintes fases: • Sonolência (1) – Ondas alfa diminuem, aparecem ondas teta. • Sono leve (2) – Caracterizado pela aparência de complexos K e sleep spindles. • Sono pesado e muito pesado (3 e 4) – Caracterizado pelas ondas delta. • Sono REM (Rapid Eye Movement)– ocorre dessincronização do EEG com o aparecimento de frequências mais rápidas como as ondas alfa. 12 Ondas alfa e beta O ritmo alfa (< 100 µV) é caracterizado por ondas sinusoidais, uma minoria das quais tem um formato aguçado. O ritmo alfa distribui-se na parte posterior do cérebro, nas regiões occipital, parietal e temporal. O ritmo alfa é bloqueado pelo influxo de luz (olhos abertos), estímulos vários e actividade mental. Aparece associado a um estado acordado e relaxado. O ritmo beta (< 30 µV) é encontrado nos eléctrodos frontais e centrais. É comum em praticamente todos os adultos saudáveis, de olhos abertos, submetidos a estímulos externos ou numa actividade mental. Pensa-se que os geradores do ritmo alfa são corticais (embora já tinha sido proposta uma origem talâmica), com máximo envolvimento da área occipital. Existem geradores do ritmo beta no córtex sensorimotor (Jensen et al, 2005, 13 Neuroimage, 26: 347-355). Origem do EEG Existem dois tipos principais de actividade eléctrica associada com os neurónios, potenciais de acção e potenciais pós-sinápticos. Camada molecular Camada granular Os potenciais de acção produzem variações deexterna potencial discretas que viajam do começo do Camada piramidal externa axónio até à sinapse, onde são libertados os NT. Os potenciais pós-sinápticos produzem variações de potencial quando os NT se ligam aos Camada piramidal interna receptores da membrana pós-sináptica, Camada polimorfa provocando a abertura ou fecho de canais iónicos, e conduzindo a uma variação gradual do potencial através da membrana. Camada granular interna Células horizontais de Cajal (Células piramidais) (Células estreladas ou granulares) Célula de Martinotti Célula Fusiforme Os eléctrodos de superfície não conseguem detectar os potenciais de acção devido à sua curta duração e ao arranjo espacial dos axónios. 14 Origem do EEG Quando um potencial de acção é gerado, a corrente flui rapidamente para dentro (Na+) e para fora (K+) num determinado ponto do axónio. Este tipo de fluxo propagase ao longo do axónio de tal maneira que a porção seguinte de axónio se encontrará com uma distribuição iónica diferente da anterior, e assim sucessivamente até o potencial de acção atingir a terminação nervosa. Se dois neurónios enviarem os seus potenciais de acção ao longo de axónios dispostos paralelamente, e se o potencial de acção ocorrer ao mesmo tempo, as variações de potencial de ambos os neurónios sumar-se-ão. Mas se pelo contrário houver um ligeiro desfasamento no disparo dos neurónios, porções adjacentes dos axónios poderão ter cargas externas distintas, uma positiva, outra negativa, que tendem a cancelar-se. É isso que tipicamente acontece, pelo que o 15 sinal de EEG não resulta da combinação dos potenciais de acção. Origem do EEG Os potenciais pós-sinápticos duram de dezenas a centenas de ms. Confinados às dendrites e corpo celular. Estes factores permitem que os potenciais deles resultantes se somem e se consigam medir a grande distância – sobre o escalpe. Se um NT excitatório for libertado nas dendrites da célula piramidal, a corrente flui do espaço extracelular para o espaço intracelular, fazendo com que a parte exterior da célula fique negativa nessa zona comparativamente ao restante espaço extracelular. Isso dá origem a um dipolo. 16 Origem do EEG O dipolo produzido por um único neurónio é demasiado pequeno, pelo que sería impossivel detectá-lo a partir dum eléctrodo colocado sobre o escalpe. Mas em certas condições estes dipolos somamse, e torna-se possível medir o potencial resultante na superfície do escalpe. Para isso as variações de potencial tem de ocorrer simultaneamente e na ordem dos milhares a milhões de dipolos de neurónios individuais, devidamente alinhados espacialmente. Se os neurónios estiverem orientados aleatóriamente uns em relação aos outros, a positividade de um neurónio cancelará a negatividade de outro neurónio. As células mais bem posicionadas para isso não acontecer são as células piramidais, dispostas paralelamente entre si e perpendiculares à superfície do córtex. 17 Origem do EEG A sumação dos neurónios individuais é complicada pelo facto do córtex não ser plano, e enrolar-se sobre si próprio – 2/3 do córtex encontram-se no interior dos sulcos. A soma de muitos dipolos é equivalente a um único dipolo formado pela soma dos vários dipolos (tendo em conta o ângulo que formam uns com os outros). Isso dá origem ao Equivalent Current Dipole. No entanto, quando os dipolos individuais fazem mais do que 90º entre si começam a cancelar-se. Assim, em superfícies corticais extremamente enroladas, os dipolos cancelamse uns aos outros e o potencial à superfície é nulo. Isto acontece com o cerebelo. 40 × http://biology.clc.uc.edu/fankhauser/Labs/Anatomy_&_Physiology/A&P202/CNS_Histology/Brain_Histology.htm 18 Origem do EEG Quando um dipolo se encontra presente num meio condutor tal como o cérebro, a corrente é conduzida através do meio até aos seus limites (neste caso o escalpe). A isto se chama condução de volume. O potencial em cada ponto da superfície do escalpe irá depender da posição do dipolo, da orientação do dipolo e da resistência dos vários componentes da cabeça ao fluxo de corrente. Como se pode ver a corrente espalha-se em círculos à volta do dipolo gerador, e tende a seguir os percursos de menor resistência. Na figura ao lado observase como o mesmo dipolo gera diferentes distribuições de potencial dependendo do meio que atravessa. Volume currents for a thalamic dipole source computed in the finite element volume conductor model and visualized on a coronal cut through the models. Wolters et al, 2006, NeuroImage, 30:81319 826. Localização das fontes do EEG Problema directo (forward problem) Calcular, a partir dum dipolo conhecido (ponto de aplicação, amplitude, direcção e sentido), a distribuição de potencial que se observa à superfície do escalpe. Problema inverso (inverse problem) Calcular, a partir duma distribuição de potencial registada por eléctrodos à superfície do escalpe, o ou os dipolos que a geraram. The 3-layer head model, dipole source, and resulting brain and scalp potentials. The scale of the scalp potential is 1/10th of the scale of the brain potential. http://peili.hut.fi/BEM/e xamples.html O problema inverso é um problema indeterminado. Ou seja, é infinito o número de soluções possíveis para uma dada distribuição de potencial. Portanto, é impossível saber qual é a solução que gerou os resultados experimentais que foram recolhidos (Helmholtz, 1853). 20 Localização das fontes do EEG Se só um dipolo estivesse presente (e não houvesse ruído), ou seja, se a distribuição de potencial registada num instante de tempo X ms após o estímulo, fosse devida à activação duma área cortical limitada, seria possível determinar os pârametros que permitem caracterizar o dipolo. Para isso, comparar-se-ía a distribuição de potencial gerada à superfície por um um dipolo pré-definido com a distribuição de potencial medida experimentalmente, e ajustar-se-ía os parâmetros do dipolo pré-definido até anular a discrepância entre as duas distribuições. 21 Localização das fontes do EEG Equivalent current dipole category O brain electric source analysis (BESA) é um exemplo deste tipo de algoritmos. Assume que a distribuição de potencial pode ser gerada por um número < 10 de dipolos. O algoritmo começa por colocar os dipolos em locais e orientações prédefinidas, mas de amplitude desconhecida. Numa primeira fase, o modelo atribui amplitudes a este conjunto de dipolos de maneira a gerar um distribuição inicial o mais parecida com a experimental. Numa segunda fase, através de várias iteracções, ele ajusta os parâmetros de cada um dos dipolos até optimizar a distribuição final de dipolos. 22 Localização das fontes do EEG Distributed Source Category O método low-resolution electromagnetic tomography (LORETA) é um exemplo deste tipo de algoritmos. Realiza-se uma MRI estrutural ao voluntário, que é utilizada para diferenciar o córtex (onde se encontram as fontes) do restante cérebro. O córtex é depois parcelado em inúmeros voxeis. A cada voxel associam-se três dipolos perpendiculares entre si. O algoritmo calcula o conjunto de amplitudes que melhor se adequam à distribuição experimental de potenciais. Como existem mais vóxeis do que medições de potencial, constrangimentos adicionais são impostos ao algoritmo de maneira a encontrar-se uma solução. No exemplo do LORETA, assume que o potencial varia gradualmente através do cérebro e através da superfície cortical. 23 Localização das fontes do EEG 17 adultos saudáveis Observaram fotografias de casas e de rostos humanos. Duas experiências independentes: fMRI e EEG. • Os cluster de activação obtidos por EEG são maiores que os obtidos por fMRI. • O número de vóxeis sobrepostos é pequeno. 24 Comparação EEG com as outras técnicas 2-3 mm > 2 s fMRI > 1 min PET 1 ms 25 Magnetoencefalografia A magnetoencefalografia permite medir o campo magnético resultante da actividade cerebral. Tal como a EEG, permite medir quer a actividade espontânea, quer a actividade evocada. Foi o físico holandês Christian Ørsted (XIX) que descobriu que correntes eléctricas induzem campos magnéticos. A Lei de Biot-Savart permite calcular campo magnético gerado por uma corrente eléctrica. r µ 0 idsr × rr dB = ⋅ 4π r3 26 Magnetoencefalografia Tal como acontece com a EEG, o sinal de MEG resulta da actividade póssináptica (mais longa, os sinais não se cancelam). Um dipolo eléctrico está sempre rodeado dum campo magnético, e estes campos somam-se da mesma forma que se somam as d.d.p. Ao contrário do que acontece com as d.d.p., o tecido vivo e o crânio são transparentes ao magnetismo, e consequentemente os campos magnéticos não diminuem de amplitude por acção dos componentes do cérebro. Isto faz com que a MEG tenha maior resolução espacial da que é possível com os potenciais eléctricos. Mede-se em MEG o event-related magnetic field (ERMF). 27 Magnetoencefalografia As primeiras medições de MEG foram feitas por David Cohen (1968) na Universidade de Illinois utilizando para isso uma espira de cobre – e feitas no interior dum quarto blindado. Quarto blindado porque os campos magnéticos produzidos pela actividade cerebral (pico Tesla) são muito pequenos em comparação com os campos magnéticos gerados pelos competidores (toda a espécie de aparelhos eléctricos e fios condutores, e ainda o campo magnético terrestre ). 28 Magnetoencefalografia O desenvolvimento do SQUID (superconducting quantum interference device) e a sua aplicação à medição de sinais biológicos (Zimmerman e colegas, década de 70) marcaram o começo da era da MEG tal como hoje a conhecemos. Estes sensores convertem o fluxo de campo magnético numa corrente eléctrica. Comparação de EEG e de MEG: • A MEG não depende de um ponto de referência, como a EEG no qual todas as d.d.p. são medidas por comparação com um eléctrodo de referência. • A MEG só é sensível a dipolos de correntes tangentes à superfície do córtex (devido à orientação dos SQUID em relação ao escalpe), ao contrário de EEG que é sensível a todas as orientações. • Inomogeneidades eléctricas concêntricas são insensiveis para o MEG mas afectam consideravelmente o sinal de EEG. 29 Magnetoencefalografia Medição da actividade cerebral com MEG de 18 participantes saudáveis enquanto eles realizaram três experiências: Pre-feedback: Observar rostos e decidir se as pessoas são flexíveis ou determinadas. Feedback (20 min): Observar rostos e decidir se as pessoas são flexíveis ou determinadas. Após resposta do voluntário era dado um feedback sobre se a resposta tinha sido correcta ou incorrecta (dependendo da distância entre os dois olhos – informação desconhecida para o voluntário). 30 Post-feedback: Observar rostos e decidir se as pessoas são flexíveis ou determinadas. Magnetoencefalografia Em termos comportamentais os voluntários não alteram a suas respostas em função da fase de feedback. Mean ERF (event-related magnetic field ) difference between large and small inter-eye distance faces in pre-feedback (top) and post-feedback (bottom) phases. Lateral temporal Orbitofrontal Pólo temporal Três áreas corticais são sensíveis à categorização inconsciente que foi feita na fase de feedback: Lateral Temporal – Áreas involvidas na identificação de rostos. Pólo Temporal – Conhecimento conceptual de comportamentos sociais. Orbitofrontal – Associa emoções (positivas ou negativas) a estímulos. 31