Nefrologia

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Ponto de Vista Histórico
Marli Cavalheiro Gregório
Nefrologia. Uma disciplina que se firmou no campo profissional
Desde o início dos anos 50 que o rim vem suscitando e estimulando o
desenvolvimento de pesquisas. Entretanto, somente a partir da reforma universitária
no início dos anos 70, que a Nefrologia passou a ser uma disciplina do Depto. de
Clínica da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). A nova matéria do curso de
Medicina teve como primeiro titular o prof. José de Barros Magaldi que, de acordo
com o prof. Marcello Marcondes Machado, diretor da FMUSP, foi o “mais notável
amante do rim”.
Formado pela FMUSP em 1958, o prof. Marcondes obteve a titularidade da disciplina
de Nefrologia no final da década de 70, sucedendo ao prof. Magaldi. Ele lembra que
“no sentido do saber”, aqui em nosso País, a especialidade vinha sendo estudada
desde os anos 50. Para ele, além do Prof. Magaldi, outro nome notável foi o do prof.
Sylvio Soares de Almeida. “Todos os professores da disciplina eram estimulados
pelos mestres Antonio Barros de Ulhôa Cintra e Luiz Décourt, para que continuassem
a promover o rim”. O Prof. Marcondes acrescenta outros dois nomes que devem ser
lembrados, o do prof. Tito Ribeiro de Almeida, que foi o pioneiro no processo de
diálise, juntamente com o prof. Israel Nussenzveig.
Algum tempo depois esse departamento passou a se chamar Departamento. de
Clínica Médica. Os dois primeiros titulares foram os professores Ulhôa Cintra e
Décourt. Depois foram chegando os titulares de outras áreas, como o Prof. Magaldi,
na nefrologia; o prof. Michel Abul Jamra; na hematologia; o prof. Emílio Mattar, na
endocrinologia e na cardiologia, o prof. Fulvio Pillegi.
“No início, um grupo de médicos tinha interesse em estudar o que acontecia no
organismo e que atingia os rins. Outro grupo pesquisava o que ocorria no rim que
afetava o organismo”, assinala o prof. Marcondes. Esse quadro durou algum tempo,
até que os dois grupos entenderam que os interesses eram coincidentes. “O tempo
passou, a medicina evoluiu e hoje podemos dizer que a Nefrologia se compõe de
algumas áreas. Uma delas é a nefrologia molecular científica experimental, que
abarca os cientistas da área básica. Um outro campo de estudo é da nefrologia da
falência renal aguda. Uma terceira área, nefrologia das doenças crônicas e seus
mecanismos. Outra é a nefrologia que trata do rim já em sua fase terminal; além de
outras três áreas: da diálise, do transplante renal, e da hipertensão arterial”.
Transformações e progresso da área
O professor conta que desde a época em que a disciplina foi criada, a maioria dos
temas abordados durante as aulas continuam atuais. O de transplante renal é um
deles. “É preciso lembrar que o 1O transplante no Brasil foi feito no início dos anos 60.
Vários especialistas foram estudar em outros países, como os Estados Unidos, por
exemplo e, alguns anos mais tarde, esses profissionais estabeleceram essa área de
atuação definitivamente”, assinala ele.
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Neste campo, o prof. Marcondes afirma que um dos profissionais que foi estudar e se
aperfeiçoar num outro país foi o prof. Emil Sabbaga, que “trabalhou e batalhou muito”
para que o transplante renal se firmasse, propiciando dessa forma a realização do 1 O
transplante, em 1965. No âmbito do Hospital das Clínicas da FMUSP, um grupo de
professores influenciou o desenvolvimento da Nefrologia experimental e dele
destacam-se os nomes do prof. Antonino Rocha, além do próprio prof. Marcondes.
Este grupo deu base para o progresso de outras áreas da Nefrologia.
Em seus 40 anos de atividades científica e acadêmica, o Prof. Marcondes vivenciou e
presenciou uma série de transformações, tanto no ensino da Nefrologia como no
desenvolvimento e avanço da área. Ele conta que o ensino da especialidade era
muito diferente quando ainda era estudante. “Na minha época uma aula de Nefrologia
ensinava quais eram os sinais e os sintomas que um doente renal podia apresentar e
quais eram as queixas do paciente. Esse quadro compunha o conhecimento para se
diagnosticar se o paciente tinha uma doença renal ou não. Paralelamente existiam
outras aulas que eram dadas em decorrência do rim ser o principal órgão que cuida
da composição dos eletrolitos”. Porém com a implantação da disciplina de Nefrologia
a abordagem passou a envolver diálise, pacientes transplantados e as várias
manifestações e apresentações das doenças renais.
Lembrando de uma época, em que ele e outros colegas precisavam sair às ruas para
buscar os cães que seriam utilizados nos laboratórios, o professor acentua que os
seus alunos, mesmo os futuros nefrologistas naqueles anos da década de 70, já não
precisaram recorrer a esse expediente, pois já contavam com o biotério.
O professor acrescenta que à medida que o conhecimento sobre o rim e as doenças
renais foram sendo expandidos, o vocabulário também expandiu e foi sendo
atualizado levando os docentes a tratar de temas como transplante renal, diálise e
hipertensão arterial no sentido terapêutico. Ele lembra que antigamente se falava em
hipertensão como um fenômeno muito ruim que acometia o ser humano. “O
tratamento era precário, e não se contava para o paciente que ele tinha a doença.
Isso porque não existia um tratamento efetivo”. Ainda, segundo ele, a hipertensão
podia ser comparada a um câncer.
Distante desse tempo em que falar sobre hipertensão arterial deixava o paciente mais
assustado, o professor Marcondes considera que essa é uma das áreas da Nefrologia
que mais foi desenvolvida nos últimos anos. Ele ressalta que um grupo de
profissionais vem se interessando muito por essa área. O Dr. Décio Mion Jr. é um
deles, além do próprio professor e de vários especialistas que atuam no Incor e na
Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina. Outro campo é a da
biologia molecular. Nestas duas linhas de atuação existem vários centros brasileiros
que vêm realizando pesquisas. “Para a criação de novos conhecimentos há
necessidade de termos uma massa crítica muito maior. Apesar de o País contar com
pesquisadores abnegados e atraídos pela criação e pelas novas descobertas, ainda é
necessário que eles sejam em maior número, senão ficam como ilhas isoladas que
nunca formam um arquipélago e, tampouco, um continente”, acentua o professor.
Maior campo profissional
Segundo o professor Marcondes, quando a disciplina foi implantada o interesse pela
Nefrologia era um pouco restrito. “O rim era um órgão que suscitava interesse
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científico e acadêmico. Com o advento do conhecimento mais aprofundado do que
era falência renal, ao lado da criação de uma máquina que permitia substituir o rim até
que ele se recuperasse da agressão aguda, a Nefrologia foi mais um campo de
estudo e menos um campo profissional”. Com o passar dos anos, a pesquisa e a
parte clínica deram à especialidade um caráter profissional. Depois os médicos
começaram a se interessar mais, porque viram nessa nova área uma maneira de
atuar como médico especialista em rim, com a possibilidade de salvar, através da
diálise, um paciente com insuficiência renal aguda, ou evitar a morte de pacientes
com insuficiência renal crônica.
Se há cerca de 30 anos a Nefrologia despertava menor interesse no campo
profissional, os novos conhecimentos aliados ao avanço tecnológico proporcionaram
uma alteração nesse quadro. Para o professor Marcondes, “um passo importante que
foi dado no sentido de maior profissionalização nesta área foi a possibilidade de
substituir o rim, com o transplante. Por outro lado, passaram a produzir medicamentos
cada vez mais abrangentes e potentes para o tratamento da hipertensão arterial”. Um
conjunto de procedimentos e técnicas permitiram posicionar o nefrologista no
mercado de trabalho. Nos últimos anos um maior número de médicos vem se
direcionando para esta área porque esse especialista tem capacidade para
“diagnosticar, tratar, evitar a morte, enfim tudo o que um médico deseja saber e fazer.
Tudo isso deu novo impulso à Nefrologia profissional”, assinala o professor.
Desde a época em que a disciplina foi implantada e no decorrer dos anos, a
Nefrologia brasileira foi chegando mais próxima da especialidade de países do
Primeiro Mundo, seja em número de pesquisadores, de produção científica e de
profissionais. Segundo o professor Marcondes, a primeira geração de nefrologistas –
Gerhard Malnic, Oswaldo Ramos, Horácio Ajzen e ele próprio – buscaram em outros
países conhecimentos, desenvolvendo projetos comuns. Depois sucederam-se outras
gerações que prosseguiram relacionando-se com aqueles centros. “A participação
cada vez mais ampla de pós-graduandos em congressos internacionais nos aproxima
mais do Primeiro Mundo. A diferença não está no desempenho profissional, que pode
ser comparado à atuação dos nefrologistas estrangeiros, pois trata-se de uma
questão quantitativa e não qualitativa”.
Na opinião dele, mesmo com a Nefrologia brasileira podendo ser comparada a de
países mais desenvolvidos, nesta década, o progresso da área não ocorreu na
mesma velocidade de há 20 anos atrás. O maior avanço aconteceu na década de 70.
Os anos 80 foram menos brilhantes e a década de 90 ainda continua uma
interrogação. Porém isso não aconteceu apenas com a Nefrologia, mas com as
especialidades não cirúrgicas, de modo geral, acentua. O professor acrescenta que
nos últimos anos os médicos se encaminharam mais para os setores da medicina
onde os procedimentos são mais numerosos e com maior tecnologia disponível, como
é o caso da cardiologia e da radiologia. Este último campo atualmente conta com
equipamentos muito sofisticados como a tomografia, a ressonância magnética, o
ultrassom e outros aparelhos.
Para o professor Marcondes, a tecnologia trouxe um grande impulso a todas as áreas
da medicina, mas está afastando o médico do paciente. Enquanto há 30 anos atrás o
médico tinha tempo de conhecer o histórico do doente, hoje ele trabalha contra o
relógio. Na opinião dele, a sociedade teme que a máquina passe a dominar o médico.
“O paciente gosta do tipo de atendimento em que o especialista tenha tempo de ouvir
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a sua história. Os médicos também gostariam de ter esse contato mais prolongado,
porém há vários fatores que impedem essa aproximação”. O professor ressalta que
os currículos médicos abrem espaço para esse contato mais amplo com o doente.
Porém o que atrapalha é o mercado competitivo, as máquinas e o dinheiro, na opinião
dele.
Mas se, por um lado, a sofisticada tecnologia está distanciando o médico do doente,
por outro tem possibilitado diagnósticos mais precisos, e portanto, uma terapêutica
eficiente. “Isso é inegável”, diz o professor Marcondes. Contundente, ele conclui que
“o importante é que o médico não solicite uma ressonância magnética por causa de
um resfriado”.
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