Quarta-feira, 14 dezembro de 2005 edições anteriores VIDA& ÍNDICE GERAL | ÍNDICE DA EDITORIA | ANTERIOR | PRÓXIMA Um gene que determina a preferência sexual Fernando Reinach* Todos concordam que os genes determinam o sexo dos animais. O assunto fica polêmico quando se tenta atribuir aos genes a preferência sexual de indivíduos. No homem nunca foi demonstrado que há um gene que aumenta a propensão ao homossexualismo, mas isso não é verdade no caso das moscas de fruta, nas quais um gene desse tipo já vem sendo estudado há anos. Os machos das Drosophylas têm uma maneira muito especial de fazer a corte, não muito diferente dos humanos - dançam em volta das fêmeas, balançam as asas e tentam copular. Faz alguns anos os cientistas descobriram uma linhagem de drosófila em que o macho, em vez de executar o ritual de corte para as fêmeas, prefere executar a dança e arrastar suas asas para outro macho, com o qual tenta copular. O gene que estava destruído nessa linhagem de moscas foi denominado de Fru e a linhagem mutante de "fruitless" (infrutífero ou sem fruta). Com o gene Fru intacto os machos cortejam fêmeas, com o gene Fru destruído os machos cortejam machos. Você vai se perguntar como é possível manter essa linhagem de moscas se os machos só tentam fazer sexo com outros machos? Acontece que é necessário que as duas cópias do gene Fru estejam destruídas para a mosca perder a discriminação sexual. Assim é possível manter a linhagem fruitless utilizando machos com somente uma cópia do gene Fru destruído. A maneira como o gene Fru determina a preferência sexual era um mistério. Agora um grupo de cientistas japoneses desenvolveu um método que permite mapear no cérebro das moscas os neurônios em que o gene Fru se expressa. Usando esse método eles descobriram que o gene está ativo em grande número de neurônios. Entretanto, nas moscas macho existe um pequeno agrupamento de neurônios que não existe nas fêmeas. O passo seguinte foi descobrir quando, durante a embriologia das moscas, as fêmeas perdem esses neurônios. Durante os estágios larvais, machos e fêmeas têm cérebros idênticos. Nessa fase surge um agrupamento de neurônios em uma região específica do cérebro. Nas fêmeas, parte das células desse grupo está programada para morrer e acaba morrendo, o que faz que os machos adultos tenham mais células no cérebro. O papel do gene Fru é evitar que essas células morram nos machos. Quando o gene Fru está destruído, como no caso da linhagem fruitless, essas células morrem tanto nos machos como nas fêmeas. Nesse caso, o cérebro do macho fica idêntico ao das fêmeas e ele deixa de ser capaz de discriminar machos de fêmeas. Esse resultado é a primeira demonstração de que um único gene é capaz de determinar não só as diferenças morfológicas no cérebro de machos e fêmeas, mas também o comportamento sexual. Parece que os genes que definem o sexo do animal influenciam a ação do gene Fru, que por sua vez afeta a estrutura do cérebro e, conseqüentemente, o comportamento sexual. Para uma drosófila atuar como macho ela precisa ter não só a genitália de macho, mas o cérebro de macho. Mas cuidado com as generalizações: moscas têm cérebros rudimentares e são muito diferentes de seres humanos. Mais informações em: Nature, vol. 438, pág. 229, 2005. *[email protected] biólogo