Universidade de Lisboa Faculdade de Ciências Departamento de Biologia Vegetal Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong Cátia Maria de Jesus Nunes Mestrado em Biologia Celular e Biotecnologia 2007 Universidade de Lisboa Faculdade de Ciências Departamento de Biologia Vegetal Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong Dissertação orientada pela Professora Doutora Anabela Bernardes da Silva1,2 e pelo Professor Doutor Pedro Fevereiro1,3 1 Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências Centro de Engenharia Biológica, Universidade de Lisboa 3 Instituto de Tecnologia Química e Biológica, Universidade Nova de Lisboa 2 Cátia Maria de Jesus Nunes Mestrado em Biologia Celular e Biotecnologia 2007 Agradecimentos O trabalho de investigação que se apresenta nesta tese de Mestrado foi desenvolvido no Centro de Engenharia Biológica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e também no Laboratório de Biotecnologia de Células Vegetais do Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade Nova de Lisboa sob a co-orientação dos Professores Doutores Anabela Bernardes da Silva e Pedro Fevereiro. À Professora Doutora Anabela Bernardes da Silva agradeço ter aceite ser minha orientadora neste trabalho científico. Agradeço profundamente um sem número de ensinamentos (académicos e não só) e a simpatia de todos os dias recheada de sugestões e optimismo. O seu rigor científico e a dedicação ao trabalho foram para mim uma inspiração constante. Ao Professor Pedro Fevereiro agradeço também ter aceite ser meu orientador de mestrado. Mais que qualquer outra coisa agradeço a sua disponibilidade e encorajamento nos momentos em que a ciência me fez duvidar do meu caminho. O seu empenho e entusiasmo pelo trabalho e o sucesso conseguido são um grande exemplo para mim. Ao Professor Jorge Marques da Silva agradeço a disponibilidade sempre que precisei de ajuda na discussão de resultados, especialmente no que diz respeito à “complicada fluorescência”. Os seus comentários e correcções trouxeram sempre melhoramentos fundamentais ao meu trabalho. É bom saber que posso contar com a sua ajuda. À Professora Doutora Maria Celeste Arrabaça agradeço a simpatia e a calma que transmite. Agradeço também a disponibilidade sempre que careci de uma opinião sensata na resolução questões simples que o cansaço e a falta de experiência transformam em dilemas. Ao Professor Doutor João Arrabaça agradeço o “Bom dia jovens cientistas” de todas as manhãs que me fez sentir parte duma equipa que sempre admirei. À Sra. D. Manuela Lucas agradeço a energia contagiante com que enfrenta todos os dias, as opiniões e lições de vida com que brinda os mais novos e que me ajudaram tanto nos momentos confusos. Obrigada também pela disponibilidade sempre que precisei de uma bússola amiga no laboratório. Aos meus colegas do Centro de Engenharia Biológica agradeço o excelente ambiente de trabalho que me proporcionaram. À quase Doutora Sofia Soares, a mais organizada de nós, agradeço a pronta disponibilidade para me ajudar no laboratório, na estatística e nas dúvidas que surgiram durante a escrita do trabalho que agora apresento. Admiro-te pela seriedade e determinação com que enfrentas a vida e agradeço-te pelas conversas e opiniões que partilhaste comigo quando o pessimismo se apoderava de mim. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Ttransgénicas de Medicago Truncatula cv. Jemalong i À quase Doutora Elisabete Carmo da Silva, a mais internacional de nós, agradeço o grande sorriso e as conversas que não hesitou em partilhar comigo no pouco tempo que passámos juntas. A tua ajuda na bibliografia foi preciosa. Desejo-te toda a coragem para conquistares mais mundo e para jamais desistires. Não te esqueças, nunca, que estou no mail! Ao Ricardo, o mais tranquilo de nós, agradeço a simpatia de todos os dias e a imprescindível ajuda informática, sempre fundamental no nosso trabalho. À Doutora Rita Matos, Anabela Vicente, Teresa Mendes e André Nogueira Costa agradeço o ambiente leve e divertido na “nossa secção”. Aos meus colegas temporários do Laboratório de Biotecnologia de Células Vegetais agradeço a simpatia com que me receberam e a pronta disponibilidade para me ajudarem a encontrar o que num laboratório estranho jamais se consegue encontrar sozinho. Em particular, agradeço à já Doutora Susana Araújo a simpatia contagiante, os conselhos, as dicas, as opiniões e o optimismo que só ela consegue ter. A tua ajuda na minha breve incursão pela biologia molecular foi preciosa, não teria conseguido obter as “teias de aranha” por desesperar primeiro com as varetas esmeriladas. Aos meus Amigos distantes do mundo da ciência agradeço, aos que ficaram, a sua constante presença na minha vida mesmo que por e-mail ou sms. Não posso deixar de vos pedir desculpa pelas minhas constantes ausências e de admitir que são os melhores amigos do mundo. A ti Jorge, agradeço-te por manteres sempre viva esta amizade tão longa que muitas vezes tenho de colocar em segundo plano. Agradeço-te por partilhares a tua vida comigo, os teus sonhos e realidades, os teus delírios e decisões, os teus medos e confianças. Ajudas-me a “descomplicar” a vida que eu tantas vezes tendo a baralhar. Adoro-te. A ti Luís, agradeço-te por espalhares alegria sempre que estás por perto. Quem me dera poder mostrar-te que o importante é escolhermos um dos caminhos possíveis e fazer-te entender que não tem de ser o melhor, basta um que nos faça feliz… talvez um dia, tenhamos a sorte de olhar para trás, e ver que afinal, fomos tão felizes quanto sonhámos. A todos os outros, meus amigos, agradeço as conversas descontraídas, os risos, a partilha de experiências, os incentivos nos momentos de dúvida e as críticas que me ajudam a crescer. A ti Pedro, agradeço-te por estares sempre comigo e por me dares certezas que nunca tive. Aos meus pais… não consigo pôr em palavras justas o quanto lhes agradeço e os amo. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Ttransgénicas de Medicago Truncatula cv. Jemalong ii Abstract Transformation for enhanced drought resistance is a main goal of plant genetic engineering. Besides legume recalcitrant behaviour towards in vitro regeneration, two different transgenic lines constitutively overexpressing the transgenes were obtained from the highly embryogenic line (M9-10a) of the model legume Medicago truncatula cv. Jemalong. The Dsp22 gene coding for an ELIP-like protein and the Adc gene coding for an enzyme of the polyamine metabolic pathway were chosen for their involvement in desiccation tolerance processes. The aim of this work is to evaluate and compare physiologically the drought resistance of the two transgenic lines and the highly embryogenic plants. Assays were performed during the vegetative phase of plants grown under controlled conditions with abundant water supply, under water deficit imposed by suppression of soil irrigation and also after re-watering. Water parameter analyses show that all three lines perform osmotic adjustment. Gas exchange analyses reveal that transgenic plants have lower photosynthetic rates both under well hydrated and water deficit conditions when compared to the non transformed line. The A/Cc and A/I curves reveal that both stomatal and non-stomatal limitations reduce photosynthesis rates under drought stress in all three lines. Fluorescence analysis showed a slight decrease in the quantum yield of PSII in the nontransformed line suggesting higher resistance of transgenic plants chloroplasts to drought. These results are in some extent corroborated by the slight increase of non-photochemical quenching values in these last plants, especially at higher light intensity, indicating better energy dissipation processes diminishing photo-damage risk. Pigment quantification reveals a higher chlorophyll a/b ratio, due to a decrease in chlorophyll b, in transgenic lines under control conditions, related with lower Fv/Fm values. During the recovery process no differences were found between lines neither in water relations or photosynthetic parameters. The results suggest that under control conditions, transgenic lines have altered metabolism probably due to the constitutive expression of the transforming genes. During drought stress both transgenic lines present slight improvements at the chloroplast protection level, but these do not benefit the plants overall photosynthetic capacity. Keywords: Chlorophyll a Fluorescence, Gas exchange parameters, Medicago truncatula, Model legume, Water deficit, Water relations. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Ttransgénicas de Medicago Truncatula cv. Jemalong iii Resumo A transformação de plantas para uma maior resistência ao deficit hídrico é um objectivo importante da engenharia genética. Apesar do comportamento recalcitrante das Leguminosae à regeneração in vitro, duas linhas distintas de plantas transgénicas foram obtidas a partir da linha altamente embriogénica (M9-10a) do legume modelo Medicago truncatula cv. Jemalong. Foram escolhidos dois genes envolvidos em processos de resistência ao deficit hídrico, o Dsp22, que codifica uma proteína tipo ELIP, e o gene Adc, que codifica uma enzima envolvida no metabolismo das poliaminas. O trabalho apresentado pretende avaliar e comparar por parâmetros fisiológicos a resistência ao deficit hídrico das duas linhas transgénicas e a linha altamente embriogénica. Os ensaios foram realizados durante a fase vegetativa de plantas crescidas em condições controladas sujeitas a diferentes regimes de rega, ou bem irrigadas, ou em deficit hídrico imposto por supressão de rega ou após nova rega. A análise dos parâmetros hídricos mostra que as três linhas de plantas efectuam ajuste osmótico. Pelos ensaios de trocas gasosas verificou-se que as plantas transgénicas têm menores taxas fotossintéticas do que a linha não transformada, tanto em condições controlo como em deficit hídrico. As curvas A/Cc e A/I revelam que ocorrem limitações estomáticas e não-estomáticas à fotossíntese em deficit hídrico nas três linhas de plantas. A análise de fluorescência da clorofila a mostra um pequeno decréscimo do rendimento quântico do PSII na linha não-transformada em deficit hídrico sugerindo um aumento da resistência dos cloroplastos das linhas transgénicas nestas condições. Estes resultados são de certa forma corroborados por valores um pouco mais elevados de quenching não-fotoquímico nestas plantas, especialmente a elevadas intensidades luminosas, indicando uma maior capacidade de dissipação de energia e menor risco de sofrerem danos-fotoquímicos. A quantificação de pigmentos revela uma maior razão de clorofila a/b, resultante do decréscimo de clorofila b, nas linhas transgénicas em condições controlo, relacionada com um menor valor de Fv/Fm. Não se verificaram diferenças entre linhas durante o processo de recuperação quer ao nível das relações hídricas quer ao nível da fotossíntese. Os resultados mostram que em condições controlo, as linhas transgénicas apresentam metabolismo fotossintético alterado, provavelmente devido ao facto da expressão do gene transformante ser constitutiva. Durante o deficit hídrico ambas as linhas transgénicas apresentaram melhoramentos ao nível dos processos de protecção dos cloroplastos, que aparentemente não beneficiaram a sua capacidade fotossintética. Palavras-chave: Deficit hídrico, Fluorecência da clorofila a, Legume modelo, Medicago truncatula, Relações hídricas, Trocas gasosas. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Ttransgénicas de Medicago Truncatula cv. Jemalong iv Lista de Abreviaturas A – Taxa fotossintética A/Cc – Taxa fotossintética em função da concentração de CO2 no local de carboxilação A/Ci – Taxa fotossintética em função da concentração de CO2 intercelular A/I – Taxa fotossintética em função da irradiância ABA – Ácido abcísico Adc – Gene codificante para a proteína arginina descarboxilase Amax – Taxa de carboxilação máxima AO – Ajuste osmótico ATP – Adenosina trifosfato Ca – Concentração atmosférica de CO2 CA1P – Carboxi-arabitol 1-fosfato Cc – Concentração de CO2 no local de carboxilação CDPK – Proteína quinase dependente de cálcio Ci – Concentração de CO2 intercelular P/V – Pressão em função de volume DNA – Ácido desoxirribonucleico DP – Desvio padrão Dsp22 – Gene codificante para a proteína 22 relacionada com o deficit hídrico EDTA – Ácido etilenodiaminotetracético ETR – Taxa de transporte electrónico F0 – Fluorescência basal às escuras FBPase – Frutose-1,6-bifosfatase Fm – Fluorescência máxima Fv/Fm – Rendimento quântico efectivo do fotossistema III gs – Condutância estomática ao CO2 ID – Índice de dano IRGA – Analisador de gases por infra-vermelhos J – Taxa máxima electrónica de regeneração da RuBP Kc – Constante de Michaelis-Menten da Rubisco para o CO2 Ko – Constante de Michaelis-Menten da Rubisco para o O2 LEA – Proteínas induzidas tardiamente na embriogénese MAPK – Proteína quinase mitogénica activada NADPH – Nicotinamida adenina dinucleótido fosfato reduzido NADP+ – Nicotinamida adenina dinucleótido fosfato oxidado nd – Não determinado NPQ – Quenching não-fotoquímico PAM – pulso de luz de amplitude modulada P5C – ∆1-pirrolina-5-carboxilato Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Ttransgénicas de Medicago Truncatula cv. Jemalong v PCR – Reacção de polimerização em cadeia PEG – Polietilenoglicol PF – Peso fresco Pi – Fosfato inorgânico PPFD – Densidade de fluxo fotónico fotossintético PS – Peso seco PSI – Fotossistema I PSII – Fotossistema II PT – Peso túrgido qN – Quenching não-fotoquímico qP – Quenching fotoquímico WUE – Eficiência do uso da água Rd – Respiração mitocondrial à luz dia RNA – Ácido ribonucleico RNAase – Ribonuclease ROS – Espécies reactivas de oxigénio RT-PCR – Reacção de polimerização em cadeia em tempo real RUBISCO – Ribulose-1,5-bisfosfato carboxilase/oxigenase RuBP – Ribulose bifosfato RWC – Conteúdo relativo em água das folhas RWC0 - Conteúdo relativo em água das folhas no ponto de perda de turgescência SDS – Dodecil sulfato de sódio SPS – Sacarose fosfato sintetase SWC – Conteúdo hídrico do solo TBE – Tampão tris-boro EDTA T-DNA – DNA de transfrência TE – Tampão Tris-EDTA TWC – Conteúdo hídrico da folha Vcmax – Velocidade de carboxilação máxima VTPU – Velocidade de uso das triose fosfato ε - Módulo de elasticidade ∆F/Fm – Eficiência fotoquímica do PSII Ψfolha – Potencial hídrico da folha Ψs – Potencial de soluto Ψs0 – Potencial de soluto no ponto de perda de turgescência Ψs100 – Potencial de soluto à máxima turgescência Ψsolo – Potencial hídrico do solo Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Ttransgénicas de Medicago Truncatula cv. Jemalong vi Índice Agradecimentos i Abstract iii Resumo iv Lista de Abreviaturas v 1. Introdução 1 1.1.Deficit Hídrico 1 1.1.1. Conceitos Gerais 1 1.1.2. Estratégias de Sobrevivência 2 1.1.3. Relações Hídricas 3 1.1.4. Percepção e Transdução de Sinais 4 1.1.5. Ajuste Osmótico 6 1.1.6. Resistência Membranar 7 1.2. Metabolismo do Carbono sob Deficit Hídrico 7 1.2.1. Difusão Gasosa e Regulação Estomática 8 1.2.2. Limitações Não-estomáticas 9 1.2.2.1. Danos Metabólicos 9 1.2.2.2. Danos Fotoquímicos e Fotoprotecção 10 1.3. Urgência no Aumento da Produtividade Agrícola 1.3.1. Transformação Genética para Maior Resistência ao Deficit Hídrico 1.4. Medicago truncatula como Planta Modelo da Família Leguminosae 1.4.1. Dois Casos de Sucesso de Transformação de Medicago truncatula 12 12 13 14 1.5. Objectivos 15 2. Material e Métodos 16 2.1. Material Vegetal e Condições de Germinação 16 2.2. Design Experimental e Regimes de Rega 16 2.3. Análise Molecular das Plantas Transgénicas ADC 17 2.3.1. Extracção de DNA 17 2.3.2. Amplificação do Transgene ADC por PCR 18 2.3.3. Screening das Plantas Transgénicas 18 2.4. Avaliação do Estado Hídrico das Plantas 18 2.5. Determinação da Estabilidade Membranar 20 Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Ttransgénicas de Medicago Truncatula cv. Jemalong vii 2.6. Trocas Gasosas 20 2.6.1. Curvas A/Cc 20 2.6.2. Curvas A/I 21 2.7. Reacções Fotoquímicas 22 2.7.1. Medição da Fluorescência da Clorofila a 22 2.7.2. Determinação de Clorofilas e Carotenóides 23 2.8. Tratamento Estatístico 23 3. Resultados 24 3.1. Análise Molecular das Plantas Transgénicas ADC 24 3.2. Indução de Deficit Hídrico e Recuperação 25 3.3. Parâmetros de Crescimento da Folha 27 3.4. Relações Hídricas da Folha 29 3.5. Trocas Gasosas 32 3.5.1. Curvas A/Cc 32 3.5.2. Curvas A/I 35 3.6. Fluorescência da Clorofila a 38 3.7. Determinação de Clorofilas e Carotenóides 40 3.8. Avaliação do Processo de Recuperação 42 4. Discussão 44 4.1. Análise Molecular das Plantas Transgénicas ADC 44 4.2. Indução de Deficit Hídrico e Recuperação 44 4.3. Parâmetros de Crescimento da Folha 45 4.4. Relações Hídricas da Folha 46 4.5. Trocas Gasosas 49 4.5.1. Curvas A/Cc 49 4.5.2. Curvas A/I 51 4.6. Fluorescência da Clorofila a 52 4.7. Determinação de Clorofilas e Carotenóides 53 4.8. Avaliação do Processo de Recuperação 54 5. Conclusões 55 6. Bibliografia 56 Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Ttransgénicas de Medicago Truncatula cv. Jemalong viii 1 – Introdução 1. Introdução 1.1. Deficit Hídrico 1.1.1. Conceitos Gerais O stresse em plantas é, num conceito simples, um factor externo que provoca uma influência desvantajosa na planta (Lambers et al., 1998). Segundo Larcher (2003) stresse é definido como um significativo desvio das condições óptimas da vida. É um termo por vezes usado com imprecisão conduzindo a confusões de significado, uma vez que é usado para denotar o que o provoca e em simultâneo a sua consequência. Outras imprecisões surgem, por vezes, nos conceitos de deficit ou stresse hídrico, resistência à seca, evitar e tolerar a desidratação e à relação destes com a produtividade das plantas, relacionadas ou não com a utilização de diferentes escalas de tempo e de espaço. Na área da produção vegetal, que envolve diferentes especialistas como agricultores, agronomistas, fisiologistas, bioquímicos e biólogos moleculares, é fundamental definir os conceitos usados e as escalas de tempo e de espaço em discussão (completamente diferentes entre um agronomista e um bioquímico, por exemplo). Segundo Blum (2005), as definições dadas por Levitt (1972) mantêm-se correctas e actuais, pelo que, sempre que possível, serão essas as referidas neste trabalho. Assim, ocorre deficit ou stresse hídrico quando as necessidades da planta em água não são satisfeitas pela quantidade de água disponível no meio, conduzindo à redução do estado hídrico da planta e desvio da homeostasia celular (Levitt, 1972; Blum, 2005; Passioura, 2007). O deficit hídrico é considerado um constrangimento ou stresse ambiental com elevadas consequências adversas no desenvolvimento das plantas e, consequentemente, na produtividade agrícola, piorando quando ocorre em simultâneo com outros stresses (Boyer, 1982). A resistência à seca no seu contexto fisiológico, definida de acordo com Levitt (1972) é determinada pela capacidade das plantas em evitar a desidratação e/ou tolerar a desidratação. O potencial de produção é definido como o máximo de produção em condições não indutoras de stresse. A produtividade, ou produção efectiva, em condições de stresse hídrico é determinada por factores genéticos (adaptação) e/ou capacidade de resistência à seca e/ou pela capacidade de uso eficiente da água. Quando um genótipo é mais produtivo sob deficit hídrico do que os restantes, é considerado mais resistente à seca. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 1 1 – Introdução 1.1.2. Estratégias de Sobrevivência Na natureza, as plantas podem ser sujeitas a stresse rápido (horas e dias) ou a stresse lento (semanas e meses), com efeitos completamente diferentes em termos de respostas fisiológicas ou de adaptação. No stresse rápido a estratégia é minimizar a perda de água e activar mecanismos de protecção ao stresse oxidativo, enquanto que no stresse lento a estratégia é evitar, diminuindo o ciclo de vida ou optimizar o ganho dos recursos para facilitar a aclimatação. A importância do tempo no ajuste das respostas da planta altera-se completamente com o genótipo e o ambiente da planta (para revisão Chaves et al., 2003). Como já foi dito, a resistência à seca é dividida em duas estratégias gerais, a de evitar e a de tolerar o deficit hídrico (Levitt, 1972) porém, na prática, não são mutuamente exclusivas e as plantas podem combinar diversos estratégias de resposta (Ludlow, 1989; Verslues, 2006). Na estratégia em que o deficit hídrico é evitado, a planta defende-se da desidratação dos tecidos mantendo o potencial hídrico tão elevado quanto possível. Pelo contrário, quando o deficit hídrico é tolerado a planta tende a entrar em equilíbrio com o meio. A primeira estratégia é comum tanto em plantas anuais como perenes, e está associado à capacidade de minimizar a perda de água ou de maximizar a sua absorção. A perda de água pode ser minimizada pelo fecho dos estomas e pela redução da evaporação devida ao decréscimo da temperatura causado pela menor absorção de luz. A menor absorção de luz pode ocorrer por enrolamento das folhas, alteração do ângulo das folhas (heliotropismo), ou redução do tamanho da canópia, e por maior reflexão da luz por aumento da densidade da camada de tricomas. O aumento de absorção de água é geralmente conseguido através do maior investimento no crescimento das raízes e na diminuição da parte aérea. (para revisão Mundree et al., 2002; Chaves et al., 2003; Blum, 2005). A verdadeira tolerância ao deficit hídrico assenta predominantemente na reparação dos danos causados após o período de seca, é o caso das plantas da ressurreição e algumas algas. Noutras plantas, esta estratégia não é levada tão ao extremo e baseia-se em mecanismos de protecção durante a desidratação depois de retardar a perda de água o mais possível. Este mecanismo mistura-se muitas vezes com outro, também denominado de tolerância ao deficit hídrico, que por vezes é tido como uma segunda linha de defesa após os mecanismos de evitar o stresse Pode envolver ajuste osmótico, paredes celulares mais rígidas e células mais pequenas. Muitas vezes surge a combinação: elevada concentração de solutos, elevada esclerofilia e baixas capacidades fotossintéticas e condutividade estomática (para revisão Mundree et al., 2002; Chaves et al., 2003; Blum, 2005). Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 2 1 – Introdução Dentro da estratégia de evitar o stresse existe ainda outro mecanismo que consiste na fuga ao stresse hídrico. Este mecanismo envolve dormência parcial da planta que exibe elevado grau de plasticidade de desenvolvimento conseguindo completar o seu ciclo de vida antes de ocorrer deficit hídrico fisiológico. A estratégia passa por combinar um ciclo de vida curto, com elevadas taxas de crescimento e trocas gasosas, maximizando o uso de recursos enquanto ainda existe humidade no meio. O melhoramento do sucesso reprodutivo relaciona-se com uma partição de assimilados mais eficaz, o que está associado à capacidade da planta em armazenar reservas em alguns órgãos como caules e raízes e à mobilização para o fruto quando necessário (Mundree et al., 2002) Os mecanismos de resistência que resultam de alterações morfológicas e fisiológicas ao nível de toda a planta são menos passíveis de sofrer manipulações genéticas. Pelo contrário, os mecanismos causados por modificações celulares e bioquímicas são mais facilmente manipuláveis biotecnologicamente (Vinocur e Altman, 2005). 1.1.3. Relações Hídricas A quantidade de água presente no tecidos vegetais e no solo é muitas vezes uma medida útil de avaliação do seu estado hídrico, contudo, essa quantidade não permite determinar o sentido das trocas hídricas entre o solo e a planta e entre as diferentes partes desta (Kramer e Boyer, 1995). A diferença do estado termodinâmico da água num ponto do sistema em comparação com o potencial químico da água pura à mesma temperatura e pressão atmosférica dá o valor do potencial químico da água. O potencial químico (J.mol-1) é uma quantidade relativa. Em fisiologia vegetal é mais comum usar o potencial hídrico, que é o potencial químico da água a dividir pelo seu volume parcial molal (volume de uma mole de água): 18x10-6 m3.mol-1. O potencial hídrico (Ψ) é então, uma medida da energia livre da água por unidade de volume (J.m-3), que é equivalente a unidades de pressão e é resultante de forças diversas que ligam a água ao solo e aos diversos tecidos vegetais (Richter, 1997; Kramer e Boyer, 1995; Taiz e Zeiger, 1998). Ψ = Ψs + Ψp +Ψg+ Ψm O potencial osmótico ou potencial de soluto (Ψs) representa a diminuição da energia livre da água provocada pela dissolução de solutos e é por isso um parâmetro negativo. Nas células, a pressão osmótica depende da permeabilidade da membrana celular a solutos moleculares. O termo Ψp corresponde à pressão hidrostática ou potencial de pressão da solução. Pressões positivas elevam o potencial hídrico, pressões negativas reduzem-no. Como a pressão osmótica dentro das células vegetais é maior do que a da solução externa, a água tende a entrar para a célula. Contudo, as células vegetais têm parede celular com Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 3 1 – Introdução forte elasticidade mecânica que gera uma pressão hidrostática na membrana celular. A pressão hidrostática é denominada de turgescência e é igual à diferença da pressão osmótica dentro e fora da célula. A gravidade leva a água a mover-se no sentido descendente, a não ser que uma força da mesma intensidade mas com sentido inverso se oponha. Contudo, esta componente gravitacional (Ψg) é normalmente ignorada porque não é significativa quando as distâncias verticais são curtas. O potencial mátrico (Ψm) é a força a que a água é ligada à superfície dos sólidos como paredes celulares, partículas do solo e colóides. Este parâmetro tem valor baixo pelo que não é, por norma, considerado (Lambers et al., 1998; Zhang et al., 1999; Larcher, 2003). Quando a água entra na célula, aumenta o volume vacuolar que exerce uma pressão de turgescência na parede celular, que por sua vez desenvolve em sentido oposto uma força de pressão igual (Ψp>0), a pressão de parede que aumenta o estado energético da água. Numa célula completamente túrgida o Ψ é igual a zero (Ψs = -Ψp). À medida que a célula perde água, o volume do vacúolo diminui com consequente queda da turgescência celular até ao ponto de perda de turgescência (Ψp=0), altura em que é visível o emurchecimento da folha. Lawlor (1995) refere que em deficit hídrico, é neste ponto que o metabolismo fotossintético começa a ser afectado. O limite deste decréscimo em volume até ao ponto de turgescência zero depende da elasticidade das paredes. Tecidos com paredes celulares rígidas, necessitam de maior pressão de turgescência para fazer distender as suas paredes celulares durante a entrada de água. Espécies de zonas áridas tendem a ter paredes de maior elasticidade, porque só assim as células podem perder mais água sem atingirem o ponto de perda de turgescência, e, por outro lado, têm maior capacidade em armazenar água. Assim, paredes mais elásticas contribuem para a manutenção da turgescência, tal como a diminuição do potencial osmótico (Robichaux e Canfield, 1985). Em plantas pouco adaptadas a situações de deficit hídrico, as folhas perdem turgescência a valores mais elevados de conteúdo relativo em água (RWC, acrónimo do inglês, Relative Water Content) e potenciais hídrico mais elevados (Nabil e Coudret, 1995). Apesar disto, paredes rígidas também podem constituir uma vantagem nestas condições porque limitam a expansão celular, e, assim, a área de folha. A menor área de transpiração permite diminuir a perda de água, mantendo o mesmo grau de abertura estomática (Chimenti e Hall, 1994). 1.1.4. Percepção e Transdução de Sinais A forma como as plantas detectam e respondem ao stresse hídrico envolve mecanismos complexos. Os sinais podem ser diferentes para as diferentes respostas e o local de produção do sinal e o local onde se dá a sua percepção é também fundamental Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 4 1 – Introdução para a compreensão dos processos de sinalização. Em resposta a esses sinais, diversos genes são activados ou reprimidos ocorrendo alterações fisiológicas que conduzem a alterações do programa de desenvolvimento da planta. A natureza dos mediadores primários de resposta é, ainda, uma controvérsia, sendo possíveis candidatos o estado hídrico, o estado de turgescência, a água ligada, fitohormonas como o ABA ou alterações das membranas celulares. É de referir também, que alguns destes sinais não conduzem a respostas confinadas ao local onde se dá a percepção do stresse, na raiz por exemplo, uma vez que mensageiros percorrem a planta permitindo uma coordenação de respostas (para revisão Xiong e Zhu, 2002; Chaves et al., 2003). O primeiro passo de activação da resposta molecular a uma condição exterior é a sua percepção por um receptor específico. Já foram descritos osmo-sensores em Arabidopsis (AtHK1) (Urao et al., 1999) e transportadores de iões potássio (K+) seus semelhantes em Eucaliptus camaldulensis (EcHKT) (Liu et al., 2001). Após activação destes receptores, cascatas de resposta são activadas (ou desactivadas) transmitindo a informação através de trajectos de transdução de sinais. Estes envolvem fosforilação e desfosforilação de proteínas mediados por proteínas quinases e fosfatases cujos respectivos genes são “upregulated” pelo deficit hídrico. A alteração da concentração de iões cálcio (Ca2+) no citoplasma parece ser a responsável pela comunicação dos diferentes trajectos de sinalização. As proteínas quinase mais comuns dependentes de Ca2+ são as CDPK e as MAPK provavelmente ligadas à transdução de sinal entre o citoplasma e o núcleo (para revisão Ramanjulu e Bartels, 2002; Zhu, 2002, Chaves et al., 2003). Após o reconhecimento do estado de deficit hídrico, as respostas célula-orgão podem ou não envolver o ABA. Nos trajectos dependentes, a acumulação da fitohormona activa vários genes, alguns reconhecidos como adaptativos ao stresse. Os produtos destes genes podem ser ou funcionais como as aquaporinas ou enzimas de biossíntese de osmoprotectores, ou reguladores como as proteínas quinase. Os trajectos independentes do ABA foram recentemente descobertos e como tal são ainda mal compreendidos, mas sabese que são rapidamente induzidos pela falta de água. Apesar destes dois trajectos serem independentes, é altamente provável que haja troca de informação entre eles (para revisão Kizis et al., 2001; Zhu, 2002, Chaves et al., 2003). Os fosfolípidos de membrana também têm sido relacionados com a percepção de estados de stresse osmótico, como o hídrico e de frio. A alteração da fluidez membranar conduz a modificações e à reorganização do citoesqueleto que afecta os transportadores de iões e canais de água (para revisão Knight e Knight, 2001). Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 5 1 – Introdução 1.1.5. Ajuste Osmótico O ajuste osmótico, considerado um dos principais processos da adaptação das plantas ao deficit hídrico, é uma resposta multi-génica que permite a continuação dos processos metabólicos e o retomar do crescimento após a situação de stresse. Este processo envolve a síntese de vários metabolitos que permitem a manutenção da turgescência das células e a osmoprotecção de enzimas, membranas e polirribossomas. Estes metabolitos podem ser aminoácidos como a prolina, compostos quaternários de amónia como a glicina-betaína, proteínas hidrofílicas como as proteínas LEA (acrónimo do inglês,, Late Embryogenic Proteins) e carbohidratos como frutanos e sacarose. O aumento de produtividade resultante da ocorrência de ajuste osmótico foi verificado, por exemplo, em leguminosas como o Pisum sativum L. (Rodrìguez-Maribona et al., 1992) e Cicer arietinum L. (Morgan et al., 1991), cultivadas em ambiente natural. Ao nível das raízes o ajuste osmótico é fundamental em condições de stresse hídrico, permitindo manter o gradiente solo-raíz necessário para a absorção de água e o crescimento das raízes necessário à procura de água a outros níveis do solo. Os mecanismos osmoprotectores só são activados quando é atingido um stresse intenso, mas há variação entre genótipos. O ajuste osmótico é crítico para a sobrevivência em deficit hídrico, mas não para a manutenção do crescimento e produtividade da planta (para revisão Hoekstra et al., 2001; Serraj e Sinclair, 2002). A prolina, um imino-ácido, é um dos compostos osmoticamente activos mais estudados. O seu metabolismo apresenta características que não se encontram noutros aminoácidos e que lhe conferem vantagem como molécula osmoprotectora, tais como: 1. o facto de ser um produto terminal de uma via relativamente curta e altamente regulada; 2. não ser interconvertido no seu percursor imediato, o ∆1-pirrolina-5-carboxilato (P5C), por uma única enzima reversível mas por duas enzimas distintas, com diferentes mecanismos de reacção e localizadas em diferentes compartimentos celulares, não estando, por isso, ligados por uma reacção de equilíbrio; 3. o azoto-α ser uma amina secundária, não podendo participar em reacções de transaminação ou descarboxilação comuns aos restantes aminoácidos (para revisão Hare et al., 1999). A acumulação da prolina está envolvida na estabilização das estruturas celulares, enzimas, membranas e poli-ribossomas, como referido acima, não só por um processo biofísico mas, também, por diminuição dos radicais livres presentes na célula. Esta destoxificação da célula resulta da oxidação do NADPH durante a biossíntese de prolina contribuindo para a manutenção da razão NADP+/NADPH em condições de menor assimilação de carbono, como tende a acontecer em deficit hídrico. A síntese de prolina contribui ainda, para a respiração oxidativa uma vez que a sua degradação parece levar à formação de agentes redutores utilizados na cadeia transportadora de electrões da mitocôndria e, consequentemente, para a produção de Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 6 1 – Introdução adenosina trifosfato (ATP) essencial na recuperação dos danos causados pelo stresse. No seu conjunto, estas características são um substancial contributo para o importante papel da prolina nas plantas, tanto na tolerância a stresse hídrico como na recuperação após o mesmo. Os benefícios trazidos pela biossíntese da prolina dever-se-á mais ao seu efeito regulador de vias aparentemente não relacionadas, do que à acumulação do próprio produto final (para revisão Hare e Cress, 1997). 1.1.6. Resistência Membranar As membranas têm um papel importante na manutenção da integridade e homeostasia celular e são essenciais na transdução de sinais e na regulação do transporte iónico. Esse papel adquire uma importância crucial durante o período de deficit hídrico e como tal, manter a sua integridade é fundamental (Mundree et al., 2002). Alterações do seu estado físico podem regular a actividade, por exemplo, de aquaporinas, que, por sua vez, estão envolvidas no controlo do volume celular (Tyerman et al., 2002) O decréscimo do volume celular aumenta a viscosidade do citosol, o que aumenta a probabilidade de ocorrerem interacções moleculares inespecíficas que podem conduzir à desnaturação das proteínas e à fusão membranar (Hoekstra et al., 2001). Speer et al. (1988) mostrou que em espinafre o deficit hídrico conduz primeiro a danos nas membranas fotossintéticas e só depois nas membranas plasmáticas. De facto, as membranas cloroplastidiais são especialmente susceptíveis ao stresse oxidativo associado ao deficit hídrico uma vez que produzem maiores quantidades de espécies reactivas de oxigénio (ROS, acrónimo do inglês,, Reactive Oxigen Species). Como referido atrás, estas alterações podem elas próprias funcionar como sinalizadores de stresse hídrico. 1.2. Metabolismo do Carbono sob Deficit Hídrico A fotossíntese é um processo metabólico extremamente regulado para maximizar o uso da luz disponível, para minimizar os danos provocados pelo excesso de luz e para optimizar o uso de carbono e azoto. Mecanismos de regulação por “feedback” estão certamente envolvidos nesses objectivos (para revisão Paul e Foyer, 2001). É do conhecimento geral que a taxa fotossintética decresce com o decréscimo do conteúdo hídrico das plantas. Este decréscimo na fixação do carbono pode ocorrer por limitação estomática, não metabólica, ou não-estomática, metabólica. Apesar de ser consensual que os estomas têm um papel preponderante na limitação da assimilação do carbono em stresse hídrico moderado, surgem desacordos na literatura, que estão Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 7 1 – Introdução principalmente relacionados com o início das alterações metabólicas induzidas pelo deficit hídrico (para revisão, Flexas e Medrano, 2002; Lawlor e Cornic, 2002; Reddy et al., 2004). Estes desacordos podem ser explicadas por diferenças na velocidade e grau de severidade da imposição do stresse, pelo estado de desenvolvimento da planta, pela espécie em estudo, que poderão ter diferenças nos timings de desactivação metabólica, e pela sobreposição de outros tipos de stresse, que poderão modular a resposta celular ao processo de desidratação (Chaves et al., 2003). 1.2.1. Difusão Gasosa e Regulação Estomática No início do deficit hídrico normalmente ocorre um decréscimo da condutância estomática antes da diminuição das taxas fotossintéticas. Este decréscimo sugere que a inibição da fotossíntese em stresse moderado pode ser explicado principalmente por uma restrição na difusão de CO2. Neste contexto, as limitações estomáticas são muitas vezes consideradas o factor dominante na redução da fotossíntese sob deficit hídrico (Cornic, 2000). Esta hipótese é suportada por experiências em Primula palinuri em que se retirou a epiderme das folhas antes do início da desidratação não havendo decréscimo da fotossíntese (Dietz e Heber, 1983) e por experiências em que houve recuperação total das taxas de fotossíntese em folhas exibindo RWC da ordem dos 60-70 % quando expostas a concentrações saturantes de CO2 (Quick et al. 1992). Diversas experiências mostram que elevado CO2 pode reverter os efeitos estomáticos e não-estomáticos que levam à diminuição da fotossíntese sob deficit hídrico (Vassey e Sharkey 1989). O estado hídrico das folhas está intimamente relacionado com a condutância estomática e como tal, são por norma descritas boas correlações entre estes dois parâmetros (Jones, 1998). A abertura e fecho dos estomas resultam de alterações de turgescência nas células guarda relativamente às células da epiderme. Os detalhes da resposta dos estomas ao deficit hídrico não são de simples compreensão porque podem ser consequência de vários factores simultâneos, como a intensidade luminosa e a concentração de CO2, além do estado hídrico da folha. Os estomas respondem à falta de água no solo mesmo quando o estado hídrico da parte aérea é favorável (Schurr et al., 1992). Esta resposta ao nível da folha resulta de sinais químicos, fitohormonas, enviados pela raiz. A fitohormona ABA é a que melhor está relacionada com estes processos (Schulze, 1986), mas existem outras que podem ou não agir em conjunto com o ABA, regulando a abertura estomática. Esta regulação não é simples e envolve também os exsudados xilémicos, a relação K+/Ca2+ e o pH das células das folhas (para revisão Hetherington, 1998; E3). Por outro lado, Buckley e Mott (2002) propuseram que seriam as Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 8 1 – Introdução alterações na pressão de turgescência na folha a levar a um sinal indutor da alteração da pressão osmótica das células guarda e consequentemente ao fecho dos estomas. O importante papel dos estomas na regulação de perda de água e absorção de CO2 está relacionado com a sua extrema sensibilidade a factores externos (ambientais) e internos (fisiológicos), não só em situação de stresse hídrico mas também na regulação ao longo do dia, optimizando o ganho em carbono em relação à perda de água. A relação não linear entre a assimilação do carbono e a condutividade estomática ou perda de água, ou seja, o facto de a transpiração ser restrita antes e de forma mais intensa do que a inibição da fotossíntese, leva a que a maior parte das plantas apresenta um aumento na eficiência do uso da água quando em situação de baixo deficit hídrico. Esta descoberta levou à hipótese de que a evolução privilegiou a optimização da absorção de carbono versus perda de água (Raven, 2002). Sob deficit hídrico o decréscimo da taxa fotossintética pode ser também resultado da baixa difusão de CO2 através do mesófilo da folha até ao local de carboxilação. A resistência do mesofilo ao CO2 pode contribuir grandemente para a limitação da sua passagem dos espaços intercelulares (Ci) para o local de carboxilação (Cc) e como tal, conduzir a estimativas elevadas da contribuição das limitações metabólicas na fotossíntese (Centritto et al., 2003). 1.2.2. Limitações Não-estomáticas 1.2.2.1. Danos Metabólicos Para além da diminuição da fotossíntese provocada pelo decréscimo do valor da concentração interna de CO2, consequência do fecho dos estomas e aumento da resistência do mesófilo, outras alterações ao nível do metabolismo do carbono poderão também ocorrer em deficit hídrico. Tezara et al. (1999) refere que a síntese de ATP e portanto a regeneração da ribulose bifosfato (RuBP) provoca danos na fotossíntese em deficit hídrico moderado e Parry et al. (2002) defende que a actividade da ribulose-1,5-bisfosfato carboxilase/oxigenase (Rubisco) é reduzida em deficit hídrico para se ajustar aos novos valores de regeneração da RuBP. Também a redução da actividade das enzimas frutose-1,6-bifosfatase (FBPase) e sacarose fosfato sintetase (SPS) em stresse hídrico regula a síntese de amido e sacarose e a sua partição (Reddy et al., 2004). Esta alteração tem consequências ao nível do fluxo de fosfato inorgânico (Pi) para o cloroplasto que por sua vez impede a síntese de ATP que tem um grande impacto na fotofosforilação e no ciclo de Calvin (Tezara et al., 1999). Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 9 1 – Introdução Limitações à regeneração da RuBP poderão resultar da baixa entrada de ATP e NADPH no ciclo de Calvin ou diminuição da actividade enzimática de outras enzimas do ciclo. Apesar de alguns estudos em plantas transgénicas sugerirem que a Rubisco não deverá ser a principal limitação ao metabolismo cloroplastidial (Tezara et al., 1999), outros estudos demonstram que a quantidade e actividade da enzima controla de facto a assimilação do carbono. A quantidade de Rubisco nas folhas é regulada pela síntese e degradação do enzima e em deficit hídrico a sua actividade é limitada pela ligação do inibidor carboxi-arabitol 1-fosfato (CA1P) e “inibidores de dia” (Parry et al., 2002). A ligação ao CA1P parece ser vantajosa sob deficit hídrico uma vez que a proteína fica protegida da degradação por proteases (Khan et al., 1999). A libertação deste inibidor e a conformação do seu sítio activo são reguladas pela Rubisco activase com gasto de ATP (Salvucci, 1989; Portis, 1995). Sugere-se que a própria actividade desta enzima reguladora é também ela reduzida sob deficit hídrico em consequência da concentração reduzida em ATP (Tezara et al., 1999). Para além destes processos, a própria desidratação do cloroplasto e a acidificação do estroma levam a reduzida actividade enzimática. Alguns trabalhos revelam que o equilíbrio entre os componentes estomáticos e nãoestomáticos que controlam a capacidade fotossintética depende do Ci. Em plantas de girassol bem irrigadas, observou-se um decréscimo da fotossíntese em condições de reduzida disponibilidade de Ca, que não foi revertido com o aumento do Ca para o valor inicial devido a desequilíbrios entre a regeneração da triose fosfato e RuBP causada pelo decréscimo de Ci (Ort et al., 1994). Meyer e Genty (1999) mostraram que o baixo nível de transporte de electrões induzido pela desidratação e por tratamentos com ABA, que defendem ser mediado pela desactivação da Rubisco, não foi revertido na totalidade para valores de controlo quando sujeitas a valores elevados de CO2. Estes resultados sugerem que o declínio em Ci após o fecho dos estomas sob deficit hídrico prolongado poderá induzir um ajuste (ou “downregulation”) da maquinaria fotossintética para se adequar aos valores de CO2 disponíveis e ao decréscimo de crescimento. Esta teoria está também de acordo com o decréscimo observado na actividade das enzimas do ciclo de Calvin (Medrano et al., 1997; Maroco et al., 2002). 1.2.2.2. Danos Fotoquímicos e Fotoprotecção A luz é absorvida por moléculas de clorofila e carotenóides que estão ligadas a complexos antena nos tilacóides dos cloroplastos. A energia de excitação é transferida para os centros de reacção onde o transporte electrónico oxida a água, reduz NADP+ e gera um gradiente de pH que permite a formação de ATP (para revisão Arrabaça 2008). A luz Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 10 1 – Introdução excessiva para a capacidade de utilização por parte da planta, que diminui em deficit hídrico, pode danificar estes processos e, portanto, tem de ser evitada ou resolvida. Para diminuir a sua absorção as plantas ajustam por exemplo o ângulo das suas folhas, como já referido, ou diminuem a razão clorofila/carotenoides. Por vezes, a luz absorvida pode ser desviada para outros processos como a dissipação de calor ou para processos alternativos de gasto de electrões (para revisão Chaves et al., 2003). A dissipação da energia por calor é medida e por vezes denominada como quenching não-fotoquímico (NPQ, acrónimo do inglês, Non Photochemical Quenching). Este processo pode dissipar mais de 75 % dos fotões absorvidos (Demmig-Adams e Adams, 1996), diminuindo a redução do O2 tanto no PSI como no PSII e evitando a acidificação excessiva do lúmen do cloroplasto. Apesar de a dissipação térmica poder persistir durante algum tempo e estar associada a fenómenos de fotoinibição, ligados a um declínio da eficiência fotoquímica máxima do PSII (Fv/Fm) associado a danos nas proteínas D1, é normalmente um processo reversível dependente do pH e associado ao ciclo das xantofilas, aumentando a anteraxantina e zeaxantina em detrimento da violaxantina (Demmig-Adams e Adams, 1996). Dados sugerem que em adição ao seu papel na dissipação não-fotoquímica de energia, o ciclo das xantofilas deve ter uma acção directa antioxidativa que aumenta a tolerância da membrana dos tilacóides à peroxidação lipídica (para revisão Niyogi, 1999; Niyogi, 2000). O excesso de energia também pode ser dissipado pelo transporte electrónico dependente de oxigénio. O O2 pode funcionar como aceitador de electrões através da reacção de oxigenação catalizada pela Rubisco (fotorrespiração) ou através da sua directa redução no PSI. A relativa importância destes dois processos na fotoprotecção é ainda um debate (Heber et al., 1996; Wiese et al., 1998). A fotorrespiração permite gastar o excesso de energia da cadeia linear transportadora de electrões da fotossíntese. A directa redução do O2 pelo PSI é o primeiro passo na cadeia alternativa de transporte electrónico denominada de Reacção de Mehler-ascorbato peroxidase ou ciclo água-água. Este pseudociclo gera o gradiente de pH necessário para a produção de ATP mas a produção líquida de NADPH e O2 é nula (para revisão Niyogi, 1999; Niyogi, 2000) A fotoprotecção poderá ainda ser conseguida por transporte cíclico de electrões, ao nível do PSII envolvendo o citocromo b559, ou ao nível do PSI envolvendo os complexos ferredoxina-plastoquinona oxidoreductase ou NADPH/NADH desidrogenase (para revisão Niyogi, 1999; Niyogi, 2000). Sob deficit hídrico, quando o uso da luz absorvida na fotossíntese, na fotorrespiração e na dissipação térmica e nos outros processo fotoprotectores não é suficiente para gastar o excesso de energia, há um aumento da produção de ROS, frequentemente acompanhado Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 11 1 – Introdução de um aumento de sistemas antioxidantes, como catalases, superoxido dismutase e enzimas do ciclo ascorbato-glutationa (Asada, 1994; Niyogi, 1999). No entanto, esta capacidade anti-oxidativa depende grandemente da severidade do stresse, da espécie em causa e do seu estádio de desenvolvimento. Estes ROS, podem, contudo, funcionar também como mensageiros secundários da activação de respostas de protecção (Dat et al., 2000), como anteriormente referido. 1.3. Urgência no Aumento da Produtividade Agrícola A produtividade potencial das principais culturas pode ser reduzida até cerca de 2/3 devido a condições de crescimento adversas (Bajaj et al., 1999). Tal como já foi dito, no campo, a seca é um dos principais stresses causadores de perda de produtividade vegetal (Boyer, 1982). A exploração excessiva dos solos resulta no aumento da sua erosão e salinização conduzindo a uma grande perda de solo arável (Altman, 1999; Wang et al., 2003; Vinocur e Altman, 2005). A maior parte das previsões baseadas na teoria do aquecimento global indicam variações climatéricas cada vez mais extremas e cenários de flutuação dos padrões de precipitação, contribuindo para um ainda maior aumento das áreas áridas no globo (IPCC, 2007). Assim, o estudo das respostas e possíveis melhoramentos das plantas em deficit hídrico é um ramo cada vez com maior importância não só para a ciência mas também com grande impacto na produtividade agrícola. O desenvolvimento de cultivares com fenótipos melhorados em resposta ao deficit hídrico através da engenharia genética tem-se mostrado como uma forma relativamente rápida e direccionada para atingir uma maior resistência ao stresse hídrico (Chaves et al. 2003). 1.3.1. Transformação Genética para Maior Resistência ao Deficit Hídrico Numa época em que a população humana cresce a um maior ritmo do que a produção agrícola, atingir o máximo possível de produtividade é fundamental. Nos anos 60, a área ocupada para produção de alimento era de 0,44 ha/capita mas em 2050 essa área terá de ser reduzida para 0,15 ha/capita (Altman, 1999). Como já referido, é imprescindível optimizar o uso eficiente da água aumentando a produtividade das cultivares o que poderá ser conseguido integrando aproximações biotecnológicas e tradicionais (Nuccio et al., 1999; Chaves et al., 2003; Vinocur e Altman, 2005; Umezawa et al., 2006; Tuberosa e Salvi, 2006). Inúmeras tentativas foram executadas em Arabidopsis, arroz, milho e trigo, mas, pelas razões acima mencionadas, o melhoramento de outras plantas terá também grande importância económica e de sobrevivência. Um dos grupos com grande impacto agrícola é o Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 12 1 – Introdução das leguminosas e as suas diferenças profundas quando comparadas com a Arabidopsis revelam a necessidade de estudos específicos neste grupo de plantas. (Frugoli e Harris, 2001). Esses estudos tornam-se ainda mais fundamentais se referirmos que as leguminosas têm uma estreita base genética uma vez que são maioritariamente autogâmicas. A expansão da sua base genética por incorporação de características vantajosas é por isso fundamental. Contudo, protocolos de transformação são limitados devido à sua característica recalcitrante à regeneração e à falta de métodos compatíveis de inserção de genes (Chandra e Pental, 2003). 1.4. Medicago truncatula como Planta Modelo da Família Leguminosae As Leguminoseae são o segundo mais importante grupo de plantas agrícolas logo depois das Graminiae. Os legumes de grão e forraginosos cobrem cerca de 12 a 15 % da superfície arável do planeta e constituem 27 % da produção mundial agrícola (Graham e Vance, 2003). São uma importante fonte de alimento rica em proteínas para humanos e pastagem para animais. Contudo, a sua maior vantagem reside no facto de enriquecerem o solo com azoto atmosférico que fixam através de relações simbióticas que estabelecem com espécies de bactérias da família Rhizobium, reduzindo a necessidade de uso de fertilizantes nos solos agrícolas e suportando a existência de certos ecossistemas (Graham e Vance, 2003; Popelka et al., 2004). Cientificamente são também relevantes em diversas áreas da biologia aplicada e fundamental. Uma espécie de interesse crescente é a Medicago truncatula Gaertn., uma planta forraginosa originária da bacia mediterrânica que se expandiu à Austrália por altura das emigrações europeias (Bataillon e Ronford, 2006). Actualmente tira-se maior partido das suas vantagens na Austrália do que no seu local de origem. Estima-se que ocupe 4,5 milhões de hectares na Austrália onde, para além de ser utilizado como alimento para o gado, é importante no aumento de produção de cereais não só por fertilizar os solos com azoto mas também por evitar a propagação de patogenes relacionados com doenças das raízes para as cultivars seguintes. Apesar de ser também cultivada no Sul de França, a sua distribuição poderia ser bastante mais alargada (Nair et al, 2006) Diversos plantas da família das Leguminoseae estão já molecularmente caracterizados, contudo, os seus grandes genomas, grandes sequências repetitivas, ploidia complexa e dificuldades na regeneração de plantas transgénicas tem limitado severamente os estudos científicos nesta família. Os atributos chave que permitem o uso de M. truncatula como modelo são precisamente o seu pequeno genoma diploide (próximo do genoma do arroz, quatro vezes maior do que o da Arabidopsis mas dez vezes inferior ao da ervilha), a sua natureza autogâmica, a sua Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 13 1 – Introdução elevada produção de sementes e o seu pequeno ciclo de vida de 3 meses (Cook, 1999; Araújo et al., 2004). A conclusão recente da descodificação do seu genoma foi um grande passo no ramo da biologia de plantas. A recente caracterização fisiológica de M. truncatula cv Jemalong (Nunes et al., 2007) permitiu avaliar a sua resistência ao deficit hídrico e permitirá futuras comparações com linhas transgénicas e outras espécies de Medicago. 1.4.1. Dois Casos de Sucesso de Transformação de Medicago truncatula Pelas razões atrás mencionadas, a transformação genética de Medicago truncatula para uma maior resistência ao deficit hídrico é um objectivo importante e de grande aplicação prática, que começa agora a ser atingido. Para além da sua transformação com o gene indutor da produção de prolina (Verdoy et al., 2006), foi também conseguida a obtenção de plantas que expressam constitutivamente o gene Dsp22 ou o gene Adc (Araújo e Duque et al., 2004). A escolha do gene Dsp22 prende-se com o facto de este estar associado à capacidade de tolerância ao deficit hídrico em plantas da ressurreição Craterostigma plantagineum. Apesar de nesta planta o cloroplasto e até as estruturas fotossintéticas sofrerem profundas alterações estruturais durante o processo de desidratação, essas alterações são reversíveis e as plantas re-hidratadas readquirem na totalidade a sua capacidade fotossintética (Bartels et al., 1992). Alamillo e Bartels (2001) sugerem que a proteína DSP22 se localiza no PSII em resposta à fotoinibição para proporcionar um ambiente hidrofóbico adequado, permitindo a estabilização da zeaxantina, uma xantofila, produzida em deficit hídrico e a sua interacção ou ligação às proteínas antena estabilizandoas. Desta forma, as proteínas DSP22 poderão ser importantes durante o processo de desidratação porque outras proteínas estabilizadoras de pigmentos são degradadas em stresse hídrico. Uma segunda vantagem poderá estar ao nível do processo de recuperação. A zeaxantina estabilizada pela DSP22, protege o PSII durante a re-hidratação até o cloroplasto readquirir a sua estrutura. A sua expressão é activada pelo ABA e a acumulação dos transcritos só ocorre à luz. O gene Adc foi escolhido por codificar a enzima arginina descarboxilase, essencial na via metabólica das poliaminas, que cataliza a descarboxilação da arginina levando à acumulação de putrescina que por usa vez é transformada em espermidina e espermina. As poliaminas são aminas policatiónicas que têm sido relacionadas com diversos processos fisiológicos nas plantas como na resistência ao deficit hídrico. A aplicação externa de putrescina bem como a sobreexpressão de genes que conduzem à sua acumulação levam a maior resistência ao stresse osmótico. Pelo contrário, a repressão desses genes conduz a Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 14 1 – Introdução fenótipos sensíveis. Estas observações suportam a ideia de que as poliaminas poderão ter uma função protectora durante o período de stresse, podendo estar ligadas à inactivação de ROS e à estabilização das estruturas celulares, como as membranas dos tilacóides (Tibúrcio et al., 1994). A acumulação de poliaminas em condições normais parece ter efeitos tóxicos nas plantas e como tal a sua sobreexpressão constitutiva poderá não ser a forma mais adequada de obter plantas resistentes (Tibúrcio et al., 1994). Em arroz sob deficit hídrico, a sua expressão constitutiva minimiza a perda da clorofila mas afecta os padrões de desenvolvimento in vitro (Capell et al., 1998). 1.5. Objectivos A obtenção de plantas com novas características que melhor se adequam às necessidades humanas tem sido uma procura, até certo ponto conseguida, ao longo dos tempos por selecção e cruzamentos artificiais. Contudo, condições ambientais cada vez mais extremas e a necessidade crescente de aumento da produção agrícola levou à necessidade de métodos mais expeditos nessa procura o que contribuiu para a expansão de técnicas de engenharia genética. No caso particular do deficit hídrico, uma condição indutora de uma resposta altamente complexa e variável nas plantas, as manipulações devem ser cuidadosamente avaliadas uma vez que interligações metabólicas inesperadas poderão ocorrer e o comportamento da planta não ser o previsto. É neste contexto que surge o trabalho apresentado. O objectivo geral é a caracterização e comparação da resposta fisiológica da linha altamente embriogénica M9-10a de Medicago truncatula cv. Jemalong e de duas linhas transgénicas potencialmente resistentes ao deficit hídrico obtidas pela sua transformação com o gene Dsp22 ou Adc. Essa caracterização envolve três principais metodologias, o controlo do estado hídrico das plantas ao longo da imposição de deficit hídrico e recuperação, parâmetros de trocas gasosas e medições de fluorescência modulada da clorofila a. Um objectivo associado é a possibilidade de a caracterização da linha M9-10a aqui apresentada, poder constituir um controlo fisiológico para futuras manipulações genéticas desta espécie ou de outras da mesma família. O objectivo mais específico é a selecção de parâmetros fisiológicos e ensaios que melhor e mais facilmente avaliem a resistência destas plantas ao deficit hídrico, para posterior selecção de plantas transformadas. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 15 2 – Material e Métodos 2. Material e Métodos 2.1. Material Vegetal e Condições de Germinação Todas as sementes das plantas de Medicago truncatula Gaertn cv. Jemalong utilizadas nos ensaios descritos, uma linha altamente embriogénica, M9-10a (Neves, 2000), e duas linhas transgénicas DSP22 e ADC, foram cedidas pelo Laboratório de Biotecnologia de Células Vegetais do Instituto de Tecnologia Química e Biológica. As sementes originais foram uma doação da Estação Nacional de Melhoramento de Plantas de Elvas. As sementes foram escarificadas segundo o protocolo descrito por Araújo et al. (2004) com algumas modificações. Após imersão em ácido sulfúrico concentrado durante não mais de 5 min, as sementes foram esterilizadas com hipoclorito de sódio e detergente 50 % (v/v) durante 2 min e lavadas com água desionizada até remoção de todo o detergente. Foram de seguida imersas em etanol 70 % (v/v) durante 2 min, lavadas 3 vezes em água desionizada e colocadas em caixas de Petri com papel de filtro humedecido com água também desionizada. Passados 3 dias a 4 ºC no escuro, as caixas foram transferidas para a câmara de crescimento (termoperíodo de 25/18 ºC, dia/noite, e humidade relativa de 40 %) onde germinaram dentro de 2 a 3 dias na ausência de luz. As sementes germinadas foram mantidas nas caixas de Petri por mais uma semana, mas agora a uma intensidade luminosa de cerca de 500 µmol m-2 s-1 (fotoperíodo de 16/8 horas, dia/noite) obtida a partir de lâmpadas brancas fluorescentes e incandescentes (TLD58W/77, Halo Star 64476, L30W/77 e L58W/77). Nessa altura, as plantulas com cerca de 3 cm de radícula foram transferidas para tabuleiros com 3 dm3 de uma mistura de areia (Higium, Cartaxo - Portugal), húmus (Fertilizante Orgânico Humais, Santarém - Portugal) e solo comercial de Montemor (Horto do Campo Grande, Lisboa, Portugal), na proporção 1:1:2, que foram cobertos com película aderente para manter a humidade elevada. Durante a primeira semana, a cobertura de plástico foi progressivamente perfurada para diminuir gradualmente a humidade dentro dos tabuleiros. Nas 3 semanas seguintes a rega fez-se de 2 em 2 dias até ser atingida a capacidade de campo do solo. Só então as plantas foram transferidas individualmente para vasos com 0,5 dm3 da mesma mistura de terra e mantidas mais 3 semanas na câmara de crescimento sob as mesmas condições acima descritas. 2.2. Design Experimental e Regimes de Rega A rega das plantas em vaso realizou-se de 2 em 2 dias até ser atingida a capacidade de campo do solo. À oitava semana de crescimento cada uma das linhas de M. truncatula Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 16 2 – Material e Métodos (M9-10a, DSP22 e ADC) foi dividida em 3 grupos. Um deles foi mantido bem irrigado ao longo de todos os ensaios (controlo), o outro foi submetido a deficit hídrico por supressão da rega durante 5 a 6 dias (deficit ou stresse hídrico) e o terceiro, destinado a ensaios de recuperação, foi sujeito a idêntico regime de supressão de rega ao do grupo de plantas em deficit hídrico seguido de um episódio de rega abundante a partir do qual os processos de recuperação foram avaliados após 24, 48 e 72 horas (recuperação). Na maioria dos ensaios utilizou-se a mais nova folha completamente expandida do ramo principal de plantas com 8 a 9 semanas de crescimento. Nos casos em que foram necessárias mais de uma folha, utilizaram-se as mais jovens completamente expandidas de diversas ramificações. 2.3. Análise Molecular das Plantas Transgénicas ADC As plantas transgénicas da linha DSP22 são descendentes de plantas homozigóticas para o gene em questão, enquanto que as plantas transgénicas da linha ADC são oriundas de plantas transformadas heterozigóticas. Como tal, todos as plantas desta linha foram ensaiadas para determinação das que continham a construção transgene. 2.3.1. Extracção de DNA O DNA genómico total das plantas ADC e de uma planta M9-10a foi extraído seguindo, com algumas modificações, um protocolo descrito e optimizado para Arabidopsis thaliana (Edwards et al., 1991). Resumidamente, 100 mg de material vegetal (aproximadamente 2 folhas) proveniente de cada indivíduo a testar foram maceradas com ajuda de uma vareta esmerilada num eppendorf contendo 700 µl de tampão de extracção (200 mM TrisHCl, pH 7,5; 250 mM NaCl; 25 mM EDTA; 0,5 SDS) e uma espátula de areia de quartzo. A mistura foi centrifugada (10000 rpm, 8 min) para separar os detritos celulares e a areia do sobrenadante que foi recolhido para um novo tubo. De seguida efectuaram-se duas extracções sucessivas com fenol-clorofórmio-álcool isoamílico (25:24:1), seguido de uma outra com clorofórmio-álcool isoamílico (24:1). Os ácidos nucleicos presentes na fase aquosa recolhida foram precipitados pela adição de 2 volumes de etanol absoluto gelado (20 ºC) e recuperados após centrifugação (10000 rpm, 5 min). O precipitado foi lavado com etanol 75 % (v/v), deixado a secar ao ar e ressuspendido em 50 ml de tampão TE (TrisHCl 10 mM, pH 7,5 e EDTA 1 mM). Para remover o RNA, a suspensão de ácidos nucleicos foi tratada com 20 µg/ml RNAase A (Sigma-Aldrich Inc., USA), durante 30 min a 37 ºC. A concentração de DNA foi estimada em gel de agarose 0,8 % (p/v) em tampão TBE (tampão Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 17 2 – Material e Métodos Tris-borato 0,09 M, pH 8, e EDTA 2 mM) marcado com brometo de etídio (0,5 µg ml-1) usando como padrão DNA lambda de concentrações conhecidas (50-100-200 ng/µl). 2.3.2. Amplificação do Transgene ADC por PCR A integração do transgene ADC no genoma das plantas transgénicas foi detectada por Reacção em Cadeia de Polimerase (PCR, acrónimo do inglês, Polimerase Chain Reaction) usando para o efeito oligonucleótidos iniciadores de amplificação (primers) específicos para uma região da sequência codificante do gene ADC. As sequências dos Primers 5’ são: Oligo 1 – 5’ CGGCGATGTGTACCATGTCGAGGG3’ e Oligo 5 – GCGGGTGCAGCGGCATCGTCTCGG3’. Para cada amostra, a reacção de PCR foi preparada da seguinte forma: 5 µL tampão de reacção da polimerase Taq (1x), 2 mM MgCl2, 1U polimerase Taq (Invitrogen), 0,1 mM de desoxirribonucleósidos trifosfato (dNTPs), 50 mM de cada primer, 200 ng de DNA genómico molde e água bi-destilada, para perfazer um volume final de 25 µL. As condições do PCR foram 96 ºC por 2 min para desnaturação total das cadeias de DNA, seguido de 34 ciclos de 40 s a 96 ºC para desnaturação das cadeias DNA, 30 s a 60 ºC para emparelhamento dos primers, 2,5 min a 72 ºC para polimerização e por fim 15 min a 72 ºC para completar a extensão das moléculas de DNA originadas. A presença do gene ADC nas plantas testadas resultará na amplificação de um fragmento de 1,5 kb nos produtos de PCR, detectado após electroforese em gel de agarose. 2.3.3. Screening das Plantas Trasgénicas Para seleccionar as plantas transgénicas, o DNA amplificado foi corrido num gel de agarose de constituição já descrita. No gel, para além dos poços com DNA a ser testado tinham-se também poços com os controlos negativos (DNA de M9-10a e a mistura de PCR sem DNA), controlo positivo (mistura de PCR com o plasmídeo em causa) e marcador molecular (1kb Plus DNA Ladder, Invitrogen, USA). Registaram-se imagens digitais dos géis obtidos (Phospholmager system STORM). 2.4. Avaliação do Estado Hídrico das Plantas A quantidade de água do solo foi avaliada pelo SWC (acrónimo do inglês, Soil Water Content), expresso como uma fracção de peso (Coombs et al., 1987). A equação utilizada foi: SWC (%) = 100 x (PF. PS) / PS, em que PF corresponde ao peso fresco de uma amostra da zona interior do vaso e PS ao peso seco dessa amostra após secagem na Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 18 2 – Material e Métodos estufa (Memmert, Schwabach, Germany), a 105 ºC durante 4 dias. O estado hídrico do solo foi monitorizado através de medições psicrométricas (Psicrómetro HR 33T, Wescor, Logan, USA, equipado com uma câmara C-52). O seu potencial hídrico (Ψsolo) foi determinado cuidadosamente, encerrando na câmara uma pequena porção de solo do interior do vaso. A leitura foi realizada em equilíbrio, 30 min depois de encerramento da câmara. O estado hídrico da planta foi avaliado pelo RWC determinado de acordo com Catsky (1960). A equação utilizada foi: RWC (%) = 100 × (PF – PS) / (PT – PS), em que PF corresponde ao peso fresco da folha, PS ao peso seco da mesma folha determinado após secagem na estufa (WTC binder, Tuttlingen, Germany), a 80 ºC durante 48 h, e PT ao peso túrgido da folha imersa em água durante toda a noite, no escuro, e pesada após remoção rápida do excesso de água com papel absorvente. Para o cálculo da área específica da folha (m2 g-1 PS) (SLA, acrónimo do inglês, Specific Leaf Área) foi também determinada a área das folhas utilizando para tal um medidor de áreas portátil (CI-202, CID Inc, Camas, WA, USA). O valor do conteúdo hídrico da folha (TWC, acrónimo do inglês, Tissue Water Content) foi calculado através da fórmula: TWC = (PF - PS) / PS. Com base no PF, PS ou área de folha, foi também determinada a densidade da folha (%PS) e a espessura da folha (PF / área da folha). Os parâmetros hídricos das folhas da linha M9-10a, potencial osmótico à máxima turgescência (Ψs100), potencial osmótico e RWC ambos no ponto de perda de turgescência (Ψs0 e RWC0, respectivamente) e módulo de elasticidade (ε), foram calculados a partir de curvas Pressão/Volume (P/V) determinadas no mesmo psicrómetro. Para construção das curvas, três folíolos de três folhas foram destacados e imersos em água destilada durante toda a noite, no escuro, para atingirem a máxima turgescência. Após remoção rápida do excesso de água, os folíolos foram expostos ao ambiente do laboratório. As medições psicrométricas foram efectuadas em equilíbrio, 20 min após o encerramento na câmara dos discos de 0,5 cm de diâmetro, feitos a partir de folíolos progressivamente mais desidratados. Um folíolo foi usado para a determinação do RWC no início de cada medição funcionando como referência. Os parâmetros hídricos foram calculados de acordo com Schulte e Hinckley (1985) e Bannister (1986). Nas folhas das duas linhas transgénicas determinaram-se apenas o potencial hídrico (Ψfolha), o potencial osmótico (Ψs) e o Ψs100. O primeiro parâmetro foi determinado num disco de um folíolo destacado no momento da medição, o segundo foi determinado num disco de um folíolo túrgido congelado em azoto líquido e o último foi determinado num disco de um folíolo completamente túrgido. Estas determinações foram efectuadas no mesmo psicrómetro e com o mesmo tempo de equilíbrio indicado acima. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 19 2 – Material e Métodos 2.5. Determinação da Estabilidade Membranar Para determinar a influência do deficit hídrico na estabilidade membranar recolheram-se dois grupos de 9 discos, com 0,5 cm de diâmetro cada, de 4 plantas controlo e de 4 plantas em deficit hídrico de cada uma das linhas. Todos os grupos de discos foram lavados cuidadosamente três vezes com água desionizada para remoção de solutos provenientes dos danos nas células e vasos condutores provocados aquando do corte dos discos. Um dos grupos foi imerso em água desionizada durante toda a noite no escuro (controlo do ensaio) ou numa solução aquosa de polietileno glicol 8000 (PEG MW 8000, Sigma) a 40 % (p/v). Após o período de desidratação induzida pelo PEG, todos os discos foram lavados novamente e colocados a re-hidratar em 3 ml de água desionizada por 4 horas. A condutividade das soluções foi monitorizada usando um condutivímetro (Con 5. EcoScan, Eutech Instruments, Singapore). As soluções foram depois aquecidas num banho a 90 ºC por 90 min. A segunda medição realizou-se após arrefecimento das soluções até à temperatura ambiente. O Índice de Dano (ID) foi calculado de acordo com Patakas et al. (2002) utilizando os valores de condutividade resultante da perda de electrólitos das amostras: % ID = (1 - (1 - (T1 / T2)) / (1 - (C1 / C2))) x 100, em que T1 e T2 representam respectivamente a primeira e segunda medições de condutividade das amostras sujeitas a desidratação pelo PEG e C1 e C2 representam respectivamente a primeira e segunda medições da condutividade da amostra do controlo do ensaio. 2.6. Trocas Gasosas As moléculas heteroatómicas como a de CO2 e a de H2O absorvem radiação infravermelha a comprimentos de onda específicos, ao contrário das moléculas com dois átomos idênticos. Os aparelhos de análise de gases por infra-vermelhos (IRGA) permitem a determinação na folha in vivo de uma série de parâmetros, podendo inferir-se matematicamente o balanço das limitações bioquímicas e de difusão do CO2 para a fotossíntese. 2.6.1. Curvas A/Cc As medições de trocas gasosas para construção das curvas A/Cc, em que A corresponde à taxa de assimilação aparente de CO2 e Cc à concentração de CO2 no cloroplasto, foram realizadas em folhas não destacadas, utilizando um analisador portátil de infra-vermelhos (IRGA, acrónimo do inglês, Infra Red Gas Analyser, LCpro+ ADC Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 20 2 – Material e Métodos BioScientific Ltd, Herfordshire, UK) com câmara de condições controladas. As medições foram efectuadas a humidade relativa de 60 a 70 %, temperatura de 25 ± 2 ºC e uma luz externa saturante de 800 µmol m-2 s-1. De acordo com Long e Bernacchi (2003), as folhas foram adaptadas por 10 min a 370 µmol mol-1 de Ca, o tempo suficiente para se atingir o estado estacionário, no fim dos quais as primeiras medições foram efectuadas. As medições seguintes foram efectuadas após 3 min a concentrações decrescentes de CO2, 300, 250, 200, 150 e 100 µmol mol-1. Neste ponto, Ca retomou o valor de 370 µmol.mol-1 para confirmar que o valor inicial de A era recuperado. A partir daqui, aumentou-se progressivamente o Ca para 450, 550, 650, 800 e 1000 µmol mol-1, novamente por períodos de 3 min a cada concentração. O valor de A a concentração interna de CO2 (Ci) e a condutividade estomática para o CO2 (gs) foram registados. Para construção das curvas o valor de A foi corrigido para a área da folha efectivamente encerrada na câmara. Após a determinação da área foliar, uma porção de folha foi utilizada para determinação do RWC e uma outra para a determinação de pigmentos. A taxa máxima de carboxilação da Rubisco (Vcmax) e a taxa máxima electrónica de regeneração da RuBP (Jmax) foram calculadas a partir do modelo Farquhar et al. (1980), de acordo com Sharkey et al. (2007). No modelo assumem-se os parâmetros cinéticos da Rubisco por serem relativamente conservados nas plantas em C3. A 25 ºC, a constante de Michaelis-Menten da Rubisco para o CO2 (kc) é de 27,238 Pa e para o O2 (ko) é de 16,582 kPa. O ponto de compensação da fotossíntese para o CO2 é de 3,743 Pa. Dos cinco parâmetros possíveis de obter com a aplicação do modelo só se consideraram dois, Vcmax e Jmax. O valor representativo do uso das triose fosfato (VTPU) não foi estimado porque as plantas não apresentaram limitações deste tipo e, como tal, as curvas obtidas não apresentaram a terceira fase correspondente a este parâmetro. A respiração de dia é um parâmetro difícil de estimar com exactidão devido aos erros associados à estimativa de Ci a baixas concentrações, pelo que não foi incluído nos resultados. A estimativa do valor de condutância do mesófilo (gm) foi máxima nas plantas controlo (valor tomado como 30 µmol m-2 s-1 Pa-1) mas em deficit hídrico o valor foi bastante variável. 2.6.2. Curvas A/I As medições de trocas gasosas para construção das curvas A/I, em que I corresponde à irradiância, foram realizadas no IRGA sob as condições já descritas, sempre a 370 µmol mol-1 de Ca. As folhas foram pré-adaptadas por 10 min ao escuro, sendo depois efectuadas determinações a diferentes irradiâncias (PPFD, acrónimo Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong do inglês, 21 2 – Material e Métodos Photosynthetic Photon Flux Density). A curva é construída com valores de A obtidos depois de 4 min a cada irradiância, sendo utilizados valores de 50, 100, 200, 300, 500, 800, 1100 e 1300 µmol m-2 s-1. Novamente, para a construção das curvas, o valor de A foi corrigido para a área de folha efectivamente encerrada na câmara e uma porção dessa folha foi posteriormente usada para determinação do RWC. A análise da curva permitiu calcular os valores da taxa fotossintética máxima (Amax), do rendimento quântico aparente da fotossíntese ou rendimento da fotossíntese e do ponto de compensação para a luz (PC para a luz) (Lambers et al., 1998). Os resultados da respiração mitocondrial à luz não foram analisados, uma vez mais devido à falta de exactidão na determinação da fotossíntese aparente a baixas concentrações de CO2. 2.7. Reacções Fotoquímicas A energia luminosa absorvida pelas moléculas de clorofila da folha pode seguir três trajectos: ser utilizada na realização de fotossíntese (fotoquímica), ser emitida na forma de calor ou ser reemitida como fluorescência. Estes três processos competem entre si e, medindo os parâmetros de fluorescência, podem retira-se informações acerca da contribuição relativa de cada um deles para o metabolismo fotossintético. 2.7.1. Medição da Fluorescência da Clorofila a A fluorescência da clorofila a foi determinada com um fluorómetro PAM 101 (Heinz Walz, Effeltrich, Germany), nas folhas não destacadas a partir da qual se construíram as curvas A/Cc. A eficiência fotoquímica máxima do fotossistema II (Fv/Fm) foi determinada após adaptação da folha ao escuro por 10 min, de acordo com Kitajima e Butler (1975). Ao ligar a luz de medição retirou-se o valor mínimo de fluorescência (F0). A emissão máxima de fluorescência (Fm) foi obtida após um pulso saturante de 5120 µmol m-2 s-1. A taxa de transporte de electrões (ETR, acrónimo do inglês, Electron Transport Rate) e os quenchings fotoquímico (qP, acrónimo do inglês, Photochemical Quenching) e não-fotoquímico (qN acrónimo do inglês, Non-photochemical Quenching) foram calculados segundo Genty et al. (1989) e Schreiber et al. (1986), respectivamente, depois da adaptação da folha por 20 min a uma luz actínica de 300 e 800 µmol m-2 s-1. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 22 2 – Material e Métodos 2.7.2. Determinação de Clorofilas e Carotenóides Segmentos das folhas usadas para a construção das curvas A/Cc e fluorescência da clorofila a foram imersos em 5 ml de acetona para extracção de pigmentos, durante pelo menos dois dias a 4 ºC, no escuro. Após medição espectrofotométrica a 470, 652,4 e 665,2 nm (Espectrofotómetro Unicam 8700 Series, UV/Vis Spectrometer Unicam 2 td., Cambridge, UK) as concentrações de clorofila a, clorofila b e carotenóides foram calculadas de acordo com Lichtenthaler (1987). 2.8. Tratamento Estatístico Os dados obtidos foram analisados por comparação de médias após avaliação da sua normalidade. Foi aplicado o teste-t para as amostras paramétricas e o teste de Duncan para as não-paramétricas no programa “Statistical Package for Social Sciences” (SPSS, 11.5, 2002). Diferenças significativas foram aceites para P<0,05 e representadas nas figures e tabelas por diferentes letras (comparação de tratamentos na mesma linha) e diferente número de asteriscos (comparação do mesmo tratamento entre linhas). As relações entre diferentes parâmetros foram testadas por análises de regressão no programa GraphPad Prism4. O teste-F permitiu a escolha do modelo de regressão que melhor se aplicava ao grupo de dados em avaliação tendo em conta o seu significado fisiológico. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 23 3 – Resultados 3. Resultados 3.1. Análise Molecular das Plantas Transgénicas ADC A selecção das plantas da linha M9-10a transformadas com o gene Dsp22 ou Adc foi efectuada recorrendo à capacidade de resistência das plantas transformadas à canamicina adquirida pela incorporação do plasmídeo no seu DNA. A inserção de uma só cópia do gene nestas plantas foi confirmada por PCR e hibridação por Southern blot. Após autopolinização da geração T0 de plantas transformadas com o gene Dsp22, a análise do padrão de segregação da descendência baseada na hereditariedade da resistência à canamicina mostrou que o transgene foi incorporado de forma estável no seu genoma. A incorporação do transgene foi também confirmada por RT-PCR e Western blot. As plantas T1 que só originaram descendência resistente à canamicina foram consideradas homozigóticas para o gene transformante (Duque e Araújo et al., 2004). Os ensaios fisiológicos que se apresentam neste trabalho foram realizados nesta geração T2 homozigótica para o gene Dsp22. O lote de plantas transformadas com o gene Adc usado neste trabalho era composto por indivíduos da geração T1, descendentes da geração T0 heterozigótica. Foi por isso necessário identificar os indivíduos efectivamente transformados antes de iniciar os ensaios fisiológicos. O DNA extraído das plantas potencialmente transformadas com o gene Adc foi amplificado por PCR com um primer específico para o gene em causa, permitindo identificar as plantas transformadas através do aparecimento de uma banda de cerca de 1,5 kb no gel de agarose (Figura 1). 1,5 kb Figura 1. Rastreio por PCR, com primer específico para o gene Adc, das plantas T1 descendentes da geração T0 heterozigótica. Colunas 1 e 19: marcador de DNA 1Kb+; coluna 2: planta M9-10a não transformada; colunas 3 a 16: plantas em teste em que 6, 12 e 15 correspondem a plantas T1 não transformadas e as restantes a plantas transformadas mostrando uma banda de cerca de 1,5 kb correspondente ao gene Adc introduzido; coluna 17: controlo positivo (plasmídeo contendo o gene Adc) e coluna 18: controlo negativo, solução de PCR sem DNA. Na Figura 1, as colunas 3 a 5, 7 a 11, 13, 14 e 16 correspondem a plantas transformadas. Cada uma das colunas possui uma banda idêntica ao controlo positivo Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 24 3 – Resultados (coluna 17) que corresponde a uma amostra com o plasmídeo contendo o gene em causa. Pelo contrário, as colunas 6, 12 e 15 correspondem a plantas não transgénicas, com perfil idêntico à coluna 2 que corresponde a uma planta M9-10a não transformada. A coluna 18 constitui o controlo negativo para excluir a hipótese de contaminação da solução de PCR. Os indivíduos seleccionados desta forma foram usados nos ensaios presentes neste trabalho e a sua descendência será também analisada permitindo isolar as plantas homozigóticas. 3.2. Indução de Deficit Hídrico e Recuperação A evolução do estado hídrico do solo foi avaliada nos vasos com os três tipos de plantas em estudo durante o período de ensaios. A Figura 2 mostra que o SWC e o Ψsolo têm evoluções diferentes ao longo do tempo. O primeiro decresce abruptamente nos primeiros dias após a rega, ao contrário do que acontece com o potencial hídrico que decresce lentamente neste fase e mais intensamente nos últimos dois dia do período de indução de deficit hídrico. O valor inicial de SWC ronda os 70 % ao qual corresponde um valor de Ψsolo próximo de zero. No final do período de indução de deficit hídrico o valor de SWC desce para cerca de 10 % e o Ψsolo varia entre os -3,5 e os -5,5 MPa. Após novo período de rega, para indução do processo de recuperação hídrica das plantas, os parâmetros comportam-se de forma idêntica, atingindo valores semelhantes aos do controlo após dois dias. 100 6 SWC (%) 5 4 50 3 2 ψsolo soil (-MPa) SWC(%) WP (-MPa) 1 0 0 1 2 3 4 Tempo (dias) 55 6 7 0 Figura 2. Evolução do SWC e do Ψsolo ao longo do período de ensaios. Os primeiros 5 dias correspondem ao período de indução de deficit hídrico e os últimos 2 dias ao período de recuperação. Os pontos indicados correspondem a medições isoladas e as setas indicam os momentos em que foi efectuada a rega até ser atingida a capacidade de campo do solo. O RWC das plantas varia linearmente com o decréscimo do Ψsolo e é idêntico para as duas linhas de plantas transformadas e para a linha não transgénica (Figura 3A). Uma recta Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 25 3 – Resultados comum pode então ser traçada, modulando o comportamento hídrico das 3 linhas de plantas em função do Ψsolo (Figura 3B). O diferente comportamento dos dois parâmetros hídricos do solo leva a que só se verifiquem alterações no Ψsolo quando o SWC se aproxima do mínimo induzido pelo regime de rega adoptado (Figura 3B). Assim, apesar do curto período de tempo de indução de deficit hídrico e apesar de o SWC decrescer abruptamente nos dois primeiros dias após a rega, a água disponível para a planta decresce de uma forma mais progressiva, aproximando-se do padrão naturalmente encontrado na natureza em que o decréscimo da disponibilidade hídrica no solo é gradual. 100 100 M9-10a A B RWC RWC ou SWC (%) DSP RWC (%) ADC 50 0 SWC 50 0 0 1 2 3 4 5 6 7 0 1 2 ψ solo (-MPa) 3 4 5 6 7 ψ solo (-MPa) Figura 3. Variação do RWC (A e B) e do SWC (B) com o decréscimo do Ψsolo. As regressões lineares do decréscimo do RWC com o Ψsolo são idênticas para as três linhas de plantas em estudo (P<0,05) (A). O conjunto de pontos pode por isso ser analisado numa única regressão linear (y = -9,531x + 78,03, R2 = 0,8197) (B). É importante referir que não foram visíveis, em nenhum estádio de desenvolvimento, quaisquer diferenças ao nível do fenótipo entre as duas linhas transgénicas e nem entre estas e a linha não transformada. A B C Figura 4. Efeito da diferente disponibilidade hídrica no aspecto da parte aérea de plantas M. truncatula linha M9-10a em condições controlo (A), em deficit hídrico após 5 dias de supressão de rega (B) e após 3 dias de recuperação (C) em fase vegetativa com 8 semanas de desenvolvimento (Barra = 10 cm) Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 26 3 – Resultados Tal como previsto pelo idêntico comportamento hídrico das três linhas em relação à diminuição do Ψsolo, não se verificaram diferenças nos sintomas visíveis de deficit hídrico ao nível da parte aérea das plantas. Todas apresentavam, ao quinto dia de supressão de rega, ramos pendentes, folhas emurchecidas e folíolos ligeiramente enrolados e fechados, não sendo perceptíveis alterações no conteúdo em pigmentos. Como exemplo, é apresentado o aspecto da parte aérea de uma planta da linha M9-10a nas condições referidas (Figura 4B). Ao nível do processo de recuperação, também não foram visíveis diferenças na evolução do estado de hidratação das três linhas. Passados 3 dias após a rega, toda a planta tinha recuperado o aspecto hidratado (Figura 4C), característico das plantas controlo (Figura 4A). 3.3. Parâmetros de Crescimento da Folha Os parâmetros de crescimento das folhas mais jovens completamente expandidas de plantas das três linhas em estudo, M9-10a, Dsp22 e Adc, e nos três tratamentos estão apresentados na Figura 5. O valor de RWC de folhas de plantas controlo é ligeiramente mais elevado na linha Adc do que na linha M9-10a. Esta diferença não se mantém em deficit hídrico mas verificase novamente após a recuperação. No controlo, o valor de RWC ronda os 75 % nas plantas M9-10a aproximando-se de 80 % na linha ADC, enquanto que em deficit hídrico desce para cerca de 40 % em todas as linhas e após recuperação retoma os valores controlo também em todas as linhas. Estas ligeiras diferenças, mas ainda assim significativas, não foram visíveis quando o RWC foi expresso em função do Ψsolo (Figura 3). As principais diferenças entre os parâmetros RWC e TWC (Figura 3A e B respectivamente) residem no facto dos valores de TWC após recuperação não atingirem os valores do controlo nas linhas M9-10a e ADC. Este comportamento resulta do PS (Figura 5C) destas duas linhas, após recuperação, ser mais elevado do que no controlo. Na linha ADC confirma-se a tendência para uma maior quantidade de água nos tecidos em controlo embora após recuperação não se verifique o mesmo. Em relação ao PS (Figura 5C) é de notar ainda, que a linha DSP22 é a que apresenta menor variação ao longo da imposição de stresse. No que se refere ao SLA (Figura 5D), a linha DSP22 parece ter um comportamento mais positivo em relação ao deficit hídrico uma vez que a sua área não decresce tanto em deficit hídrico como nas outras duas linhas e tende a recuperar melhor, aproximando-se mais dos valores controlo. Por outro lado, a linha ADC destaca-se por possuir um valor de SLA significativamente superior em condições controlo. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 27 3 – Resultados 100 RWC (%) 80 Aa * a * a * ** a * ** b * b * M9-10a DSP 60 40 a ** a ** b * 20 0 TWC (gH 2O g-1PS) 7 6 5 Ba * 4 3 c b * * a * ADC a ** a * b * ** c * b ** 2 1 0 M9-10a 20 PS (%) 15 C ab a b * * ** * DSP ADC a a a * * * b a a * ** * DSP ADC 10 5 0 M9-10a (m2-2gg-1-1DW) PS) SLA (m 0,08 D a * b b * * 0,06 0,04 a ab * b * ** a ** b b * ** * 0,02 0 Espessura da folha (g-2)PF m-2) Espessura (g m M9-10a 200 150 E ab a * * b * 100 DSP ADC a a * ** b * ** ** a b a ** ** ** DSP ADC 50 0 M9-10a Figura 5. Parâmetros de crescimento da mais jovem folha completamente expandida de cada uma das linhas em estudo em condições controlo (barras negras), após 5 dias de deficit hídrico (barras brancas) e após 3 dias de recuperação (barras cinzentas). As colunas representam médias ± DP de 5 a 10 réplicas independentes. Letras diferentes representam diferenças significativas entre tratamentos para a mesma linha e asteriscos em diferente número representam diferenças significativas para o mesmo tratamento em linhas diferentes para P<0,05. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 28 3 – Resultados Quanto à espessura das folhas (Figura 5E), verifica-se que a linha ADC tem os valores mais baixos para todos os tratamentos, cerca de 105 g m-2, e que a linha DSP22 tem valores intermédios, na ordem dos 120 g m-2, entre esta e a linha M9-10a cujo valor ronda os 128 g m-2. Apesar da ausência de diferenças em deficit hídrico em relação ao controlo na linha M9-10a, todas as linhas apresentam o mesmo padrão de variação, tendo sido observados valores mais baixos em deficit hídrico do que do que nas duas outras condições. 3.4. Relações Hídricas da Folha Na Figura 6 estão representadas as curvas P/V obtidas em plantas controlo e em deficit hídrico da linha M9-10a. As regressões apresentadas correspondem à zona linear da curva e permitem estimar, entre outros, o Ψs100 e, consequentemente, o valor de ajuste osmótico e o módulo de elasticidade. 1/Ψ (-MPa) 2,0 1,6 1,2 0,8 0,4 0,0 100 50 0 RWC (%) Figura 6. Curvas P/V da linha M9-10a obtidas a partir de folhas jovens completamente expandidas de 3 plantas em condições controlo (■) e de 3 plantas em deficit hídrico (□). As regressões apresentadas correspondem à parte linear das curvas. Para as duas linhas transgénicas não foram construídas curvas P/V devido a condicionamentos de material, porém, alguns dos seus parâmetros hídricos foram também determinados (Tabela 1) para permitir a comparação entre diferentes linhas. O deficit hídrico imposto provocou uma acentuada descida do Ψfolha nas três linhas (Tabela 1). A maior variação verificou-se ao nível da linha não transformada, M9-10a, cujo decréscimo foi de 75 %, provocado quer por um maior valor em condições controlo, quer por um menor valor em deficit hídrico. As duas linhas transgénicas, DSP22 e ADC, comportaram-se de forma semelhante entre si com o Ψfolha a decrescer para cerca de metade em deficit hídrico. Após o período de recuperação, o Ψfolha dos dois grupos de transgénicas aproxima-se do valor controlo. Quanto ao Ψs, não se verificaram diferenças entre as três linhas e só as plantas ADC não atingiram os valores do controlo após a recuperação. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 29 3 – Resultados Em deficit hídrico, o Ψs100 das linhas transgénicas não atinge valores tão baixos quanto a linha M9-10a, mas em controlo os valores são idênticos para as três linhas. Esta desigualdade leva a diferenças na capacidade de ajuste osmótico das plantas. A linha M910a apresenta um valor mais elevado (0,84) enquanto que as linhas transgénicas só atingem 33 % desse valor (0,25). O ε não varia na linha M9-10a quando as plantas são sujeitas a deficit hídrico. Apesar de não haver diferenças no ID das membranas entre as diferentes linhas para nenhum dos tratamentos hídricos, as plantas ADC apresentam diferenças entre o controlo e deficit hídrico em consequência de um maior dano membranar verificado em condições controlo. Tabela 1 – Potencial hídrico (Ψfolha), potencial osmótico (Ψs), potencial osmótico à máxima turgescência (Ψs100), valor de ajuste osmótico (AO), módulo de elasticidade (ε) e índice de dano membranar (ID) de folhas das três linhas de plantas nas condições hídricas em estudo. Os valores são médias ± DP (n=4). Letras diferentes representam diferenças significativas entre tratamentos para a mesma linha e asteriscos em diferente número representam diferenças significativas para o mesmo tratamento em linhas diferentes para P<0,05. A nomenclatura “nd” denota parâmetros não determinados por razões de limitação de material e “-“ denota parâmetros cuja determinação não tem sentido fisiológico. Ψfolha (-MPa) Ψs (-MPa) Ψs100 (-MPa) 1,07 ± 0,24 *a 1,67 ± 0,17 ** a 1,52 ± 0,11 ** a 1,32 ± 0,18 *a 1,28 ± 0,16 *a 1,12 ± 0,07 *a 0,99 ± 0,08 *a 0,97 ± 0,12 *a 0,87 ± 0,057 *a 4,34 ± 0,82 *b 3,28 ± 0,68 ** b 3,58 ± 0,29 ** b 3,13 ± 0,72 *b 3,10 ± 0,76 *b 3,07 ± 0,39 *b 1,83 ± 0,03 *b 1,22 ± 0,16 ** b 1,12 ± 0,08 ** b 1,88 ± 0,25 *c 1,73 ± 0,12 * ** a 1,47 ± 0,10 ** a 1,61 ± 0,15 *a 1,59 ± 0,17 *a 1,57 ± 0,25 *c AO (-MPa) ε ID (%) - 2,3 ± 0,17 a - nd - nd 37 ± 9 *a 32 ± 4 *a 44 ± 7 *a 0,84 2,6 ± 0,20 a 0,25 nd 0,25 nd nd - nd nd nd - nd nd nd - nd nd Controlo M9-10a DSP22 ADC Deficit Hídrico M9-10a DSP22 ADC 29 ± 5 *a 29 ± 5 *a 29 ± 5 *b Recuperação M9-10a DSP22 ADC Apesar das diferenças encontradas no comportamento do Ψfolha, especialmente na linha M9-10a, para os três tratamentos hídricos (Tabela1), quando se faz regredir o TWC em Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 30 3 – Resultados função deste parâmetro (Figura 7) não se verificam diferenças entre as três linhas e, como tal, serão representados por uma recta comum. Da mesma forma, o Ψs das folhas decresce com o decréscimo do Ψfolha a uma taxa idêntica para as três linhas (Figura 7B). 6 B DSP22 4 ADC 4 ψ s (-MPa) TWC (gH2O gPS-1) 5 M9-10a A 2 3 2 M9-10a 1 DSP22 ADC 0 0 0 1 2 ψ 3 folha 4 5 0 1 2 ψ (-M Pa) folha 3 4 5 (-M Pa) Figura 7. Relação entre Ψfolha e TWC (A) e Ψfolha (B) para as três linhas estudadas. Cada ponto representado corresponde a uma planta diferente. Em ambas as relações as regressões são comuns às três linhas em estudo (A: y=-1,028x+6,231; R2=0,7281 e B: y=0,7752+0,1595x+0,1526x2; R2 0,9231) para P<0.05. Para manterem o valor de potencial hídrico mais vantajoso durante os períodos de seca, as plantas podem acumular diversos compostos activos. Um deles, com reconhecida dispersão nas plantas, é o imino-ácido prolina. A acumulação desta molécula foi investigada nas três linhas de plantas e nos três tratamentos a que foram sujeitas. Verificou-se que de facto, esta espécie acumula prolina em deficit hídrico. Contudo, essa acumulação só se verifica quando o RWC baixa para cerca de 30 %. Após recuperação, a concentração desta molécula retoma os valores típicos de controlo (Figura 8). 45 M9-10a Prolina (mg g-1PS) 40 DSP22 35 ADC 30 25 20 15 10 5 0 0 25 50 RWC (%) 75 100 Figura 8. Variação da acumulação de prolina com a alteração do valor de RWC. Para cada uma das linhas ensaiaram-se 3 amostras independentes para cada tratamento (controlo, deficit hídrico e recuperação), realizando-se duas réplicas para cada uma delas. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 31 3 – Resultados 3.5. Trocas Gasosas 3.5.1. Curvas A/Cc Para avaliar a capacidade fotossintética das três linhas de M. truncatula em estudo, construíram-se curvas A/Cc de plantas em situação controlo e em deficit hídrico (Figura 9). As curvas da linha M9-10a, nas duas condições estudadas, apresentam claramente valores mais elevados de A para a toda a gama de Cc em comparação com as duas linhas transgénicas. Por outro lado, em deficit hídrico, o valor máximo de Cc atingido foi claramente superior nas linhas transgénicas. Como essa diferença não foi visível nas curvas A/Ci (resultados não apresentados), pode inferir-se que a linha não transgénica adquire maior resistência à difusão gasosa ao nível do mesófilo em situação de deficit hídrico. O facto de para o mesmo valor de Ca os valores de Ci (resultados não apresentados), e consequentemente os valores de Cc, serem inferiores em situação de deficit hídrico, mostra que os valores mais baixos de A nestas condições são, pelo menos em parte, causados por limitações estomáticas. Por outro lado, valores de A inferiores em deficit hídrico para o mesmo valor de Cc, sugerem que ao nível de deficit hídrico atingido também se verificam limitações não-estomáticas à fotossíntese. 40 40 B A (µmol m-2 s-1) A 30 M9-10a DSP22 30 ADC 20 20 M9-10a 10 DSP22 ADC 0 0 25 50 Cc (Pa) 75 10 0 100 0 25 50 75 100 Cc (Pa) Figura 9. Relação entre a taxa de assimilação do carbono (A) e a concentração de CO2 no local de carboxilação (Cc) em plantas bem irrigadas (A) e em deficit hídrico (B) para as três linhas me estudo. Sob deficit hídrico não se verificaram diferenças entre as curvas das duas linhas transgénicas. Os pontos representam médias ± DP de 4 réplicas para cada linha e tratamento. Tal como facilmente inferido pela forma das curvas A/Cc, as duas linhas transgénicas apresentam comportamentos semelhantes especialmente em deficit hídrico. Em controlo, a linha DSP22 apresenta um comportamento intermédio entre as duas outras linhas. Das curvas A/Cc foi possível estimar os valores de Vcmax e J e perceber a sua relação com o estado hídrico da planta (Figura 10). Não foi possível calcular o parâmetro Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 32 3 – Resultados VTPU uma vez que as plantas não apresentaram limitações recorrentes da utilização das triose fosfato (zona de decréscimo da curva após a fase estacionária). As regressões dos dois parâmetros estimados, em função do RWC, (Figura 10) confirmam que as plantas transgénicas não apresentam diferenças significativas entre si (para P<0,05) na sua resposta ao deficit hídrico, mas que se distinguem da linha M9-10a. Como não há relação entre Vcmax e o RWC (Figura 10A) para as linhas transgénicas, pode sugerir-se que estas não sofrem limitações na fotossíntese provocadas pela diminuição da actividade da Rubisco em deficit hídrico, ou que, por outro lado, em condições controlo Vcmax está já comprometida. O decréscimo de J em função do RWC (Figura 10B) é semelhante entre a linha não transformada e as linhas transgénicas, o que indica que ambos os grupos sofrem igualmente limitações ao nível da regeneração da RuBP em deficit hídrico. Contudo, esse decréscimo acontece a valores mais baixos nas linhas transgénicas. 200 120 B 100 J (µ mol m -2 s -1) Vcmax (µ mol m -2 s -1) A 80 60 40 M9-10a 20 Transgénicas 0 0 25 50 RWC (%) 160 120 80 40 M9-10a Transgénicas 0 75 100 0 25 50 RWC (%) 75 100 Figura 10. Variação da velocidade de carboxilação máxima (Vcmax) (A) e taxa de regeneração da RuBP (J) (B) em função do RWC. Os valores de Vcmax não variam com o RWC nas linhas transgénicas enquanto que para a linha M9-10a decrescem significativamente (y=1,035x+16,37; R2=0,5436). O decréscimo de J é idêntico para as duas linhas transgénicas (y=1,057x+34,97; R2=0,4831) e apesar dos valores mais elevados da linha M9-10a o declive mantém-se (y=1,596x+30,00; R2=0,6292). Tal como já referido, em situação de deficit hídrico e para o mesmo valor de Ca, o valor de Ci (resultados não apresentados) é inferior ao de plantas controlo, o que revela a existência de limitações estomáticas à fotossíntese. A resposta de gs à variação do RWC está apresentada na Figura 11. Nesta, pode verificar-se o elevado decréscimo de gs com a redução de disponibilidade hídrica e verificar que esse decréscimo se afasta da linearidade uma vez que o decréscimo é mais acentuado no início do período de perda de água. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 33 3 – Resultados 0.7 M9-10a -1 0.5 -2 gs (mol m s ) 0.6 0.4 DSP22 ADC 0.3 0.2 0.1 0.0 0 25 50 RWC (%) 75 100 Figura 11. Relação entre o gs e o RWC. As regressões para as três linhas estudadas não apresentam diferenças significativas para P<0,05. Pode por isso, traçar-se uma curva comum (y=1,85*10-6x3,38; R2=0,8193). Para avaliar a evolução do WUE com o deficit hídrico, foi traçada na Figura 12 a relação entre este parâmetro, assim como de A e E, com gs. A variação de A e de E (Figura 12A e B, respectivamente) apresentam a mesma tendência para as três linhas, com a DSP22 a situar-se numa posição intermédia entre a M9-10a e a ADC. As diferenças nos decréscimos dos dois parâmetros para as três linhas conduzem a diferenças no WUE. Nas linhas transgénicas em deficit hídrico A decresce mais do que E pelo que nestas condições, apresentam valores mais elevados de WUE. A linha M9-10a apresenta a mesma tendência, contudo, valores de WUE mais elevados em controlo não permitem verificar variações estatisticamente significativas com a imposição de deficit hídrico. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 34 3 – Resultados 30 -2 -1 A (mmol m s ) A 20 10 M9-10a DSP22 ADC 0 0.0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 7 -2 -1 E (mmol m s ) 6 B 5 4 3 M9-10a 2 DSP22 1 ADC WUE µ molCO2 m-2 s -1/mmolH2O m-2 s -1) ((µ 0 0.0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 7 6 C 5 4 3 M9-10a 2 DSP22 1 0 0.0 ADC 0.1 0.2 0.3 0.4 -2 0.5 0.6 0.7 -1 gs (mol m s ) Figura 12. Relação entre a taxa de assimilação do carbono (A), transpiração (E) e o uso eficiente da água (WUE) e a condutividade estomática (gs) (A, B e C respectivamente). A regressão hiperbólica é a que melhor se aplica à resposta de A e E ao gs. A resposta de A é estatisticamente diferente para todas as linhas de plantas e inferior para as transgénicas. Para E, só a linha ADC apresenta uma resposta significativamente diferente das duas outras linhas. Quanto ao WUE, a linha M9-10a não apresenta variação com o RWC e as linhas transgénicas têm uma resposta idêntica entre si (y=3,607x+5477, R2=0,7424) para P<0,05. 3.5.1. Curvas A/I Para completar a avaliação da capacidade fotossintética das três linhas de M. truncatula em estudo, construíram-se curvas A/I de plantas em situação controlo e em deficit hídrico (Figura 13). As curvas de resposta de A à luz apresentam diferentes formas para diferentes valores de RWC (Figura 13). Em condições controlo a linha M9-10a apresenta valores de A Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 35 3 – Resultados mais elevados do que as duas linhas transgénicas à excepção dos pontos a baixa intensidade luminosa. Os valores mais elevados da linha M9-10a mantêm-se em deficit hídrico para todos os valores de PPFD acima do PC para a luz. Em condições controlo (Figura 13A) a luz saturante para todas as linhas ronda os 800 µmol m-2 s-1 e na primeira gama de deficit hídrico (RWC 50-70 %) (Figura 13B) esse valor mantém-se para as duas linhas em que foi possível traçar as curvas (M9-10a e DSP22). Para valores de RWC entre 40 e 50 % (Figura 13C) encontrou-se a maior variabilidade de formas de curvas e para o nível mais severo de deficit hídrico (Figura 13D) não foi possível atingir o valor máximo de A para nenhuma das linhas. -2 -1 A (µmol m s ) 30 30 A 25 25 20 20 15 15 10 M9-10a 10 5 DSP22 5 ADC 0 250 -5 500 750 1000 1250 C 25 -1 -2 M9-10a DSP22 0 250 -5 500 750 500 750 1000 1250 1000 1250 30 30 A (µmol m s ) B 25 D 20 M9-10a 20 M9-10a 15 DSP22 15 DSP22 10 ADC ADC 10 5 5 0 0 250 -5 500 750 -2 1000 -1 PPFD (µmol m s ) 1250 -5 250 -2 -1 PPFD (µmol m s ) Figura 13. Relação entre a taxa de assimilação do carbono (A) e a intensidade luminosa (PPFD) em plantas bem irrigadas (A) e em níveis sucessivamente mais intensos de deficit hídrico, RWC entre 5070 %; 40-50 % e 30-40 % (B, C e D respectivamente) para as três linhas de plantas em estudo. Em A cada ponto representa a média ± DP de 4 réplicas e em B, C e D são apresentadas curvas representativas para cada nível de RWC. Em condições controlo o ponto de compensação para a luz é baixo e semelhante em todas as linhas, mas aumenta progressivamente com o decréscimo do RWC. A sua análise em função deste parâmetro (Figura 14A) permite verificar que a regressão linear é igual para todas as linhas (P<0,05) e que por isso, o conjunto de dados pode ser analisado numa só regressão (Figura 14B). O valor do PC para a luz varia entre próximo de zero para as plantas controlo e chega próximo de 350 µmol m-2 s-1 para o nível de deficit hídrico mais severo. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 36 3 – Resultados 400 M9-10a PC Luz (µmol m-2 s-1) A DSP22 300 ADC 400 B 300 200 200 100 100 0 0 0 25 50 RWC (%) 75 100 0 25 50 RWC (%) 75 100 Figura 14. Relação entre o ponto de compensação (PC) para a luz e o conteúdo hídrico da folha (RWC). As regressões lineares para as três linhas estudadas (A) não apresentam diferenças significativas para P<0,05. Uma única recta pode então representar esta relação (B) (y=6,591x+507,2; R2=0,8260). As regressões lineares de Amax com o RWC (Figura 15) são diferentes para as três linhas de plantas. Apesar de os declives não serem estatisticamente diferentes (P<0,05) os valores em controlo e deficit hídrico são significativamente mais baixos paras as duas linhas transgénicas. De notar, contudo, os elevados desvios padrões. Amax (µmol m-2 s-1) 40 M9-10a DSP22 30 ADC 20 10 0 0 25 50 RWC (%) 75 100 Figura 15. Relação entre a taxa máxima de assimilação do carbono (Amax) e o conteúdo hídrico da folha (RWC). As regressões lineares para as três linhas estudadas apresentam diferenças significativas para P<0,05 (M9-10a: y=0,3642x+1,515, R2=0,6139; DSP22: y=0,5551x-17,10, R2=0,896 e ADC: y=0,3094x-4,949, R2=0,7997). Quanto ao rendimento da fotossíntese (Figura 16), a linha M9-10a apresenta um decréscimo com o RWC idêntico ao das duas linhas transgénicas embora estas últimas difiram entre si (P<0,05). Uma vez mais os resultados devem ser analisados cuidadosamente devido aos elevados desvios padrões. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 37 Rendimento da Fotossíntese 3 – Resultados 0.12 M9-10a 0.10 DSP22 ADC 0.08 0.06 0.04 0.02 0.00 0 25 50 RWC (%) 75 100 Figura 15. Relação entre o rendimento da fotossíntese e o conteúdo hídrico da folha (RWC). A regressão linear da linha não transformada é idêntica a ambas as linhas transgénicas, apenas estas últimas diferem entre si para P<0,05 (M9-10a: y=0,002x-0,06116, R2=0,7855; DSP22: y=0,002x0,0785, R2=0,8992 e ADC: y=0,0012x-0,0324, R2=0,9766). 3.6. Fluorescência da Clorofila a A fluorescência da clorofila a foi registada para as três linhas de plantas em estudo em condições controlo, em deficit hídrico e após três dias de recuperação para duas intensidades luminosas, 300 e 800 µmol m-2 s-1, (Figura 16). Para F0 (Figura 16A e B), a principal diferença reside no elevado valor da linha DSP22 em controlo. Este valor é significativamente diferente dos valores obtidos nesta linha em plantas com diferente disponibilidade de água e dos valores obtidos nas outras linhas seja qual for o tratamento. Esta diferença juntamente com ausência de diferenças em Fm (Figura 16C e D) leva a que haja uma diminuição significativa de Fv/Fm (Figura 16 E e F) para as plantas DSP22 em condições controlo. A linha ADC toma uma posição intermédia entre a linha não transgénica e a linha DSP22 e o mesmo padrão verifica-se para as duas intensidades luminosas a que foram efectuadas as medições. Quanto aos processos de quenching energético, não se verificam diferenças entre linhas quer para qP (Figura 16G e H) quer para qN (Figura 16I e J). Contudo, para qP, a linha não transformada apresenta um valor significativamente mais baixo em deficit hídrico. Quanto a qN, apesar de as três linhas apresentarem os mesmo padrão de variação, com valores mais elevados em deficit hídrico, os valores da linha ADC tendem a ser mais elevados nas duas intensidades luminosas e a linha DSP22 tem igual comportamento a 800 µmol m-2 s-1. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 38 3 – Resultados PPFD = 300 µmol m-2 s-1 300 250 A F0 200 a a a * * * 300 a a a * * * 250 150 100 100 50 50 0 0 1400 1200 a C* a a * * 1000 DSP a a * a * * a a * * a * 1400 1200 600 400 400 200 200 M9-10a a ab * b * E 0,82 * 0,84 DSP a ** a a * * 0,76 0,74 0,70 M9-10a qP a a G* b * * DSP b a a * * * 0,84 0,82 Fa * 0,80 0,78 a a * * 0,76 0,74 b a a * * * 1 H 0,8 0,6 0,6 0,4 0,4 0,2 0,2 a a a * * * a a a * * * DSP a ** a a * * ADC a a a * * ** * M9-10a DSP ADC a a * * b * a a a * * * b a a * * * M9-10a DSP ADC 0 M9-10a DSP ADC a a * a * * b * 0,8 0,8 I qN ADC a * ADC 0 a * a a * * a * 0,6 a * 0,2 a a * a J * * b ab a * * * b b a * * * 0,4 0,2 0 Rendimento do PSII DSP 0,72 0,70 0,72 0,6 * * M9-10a a a ** * * a * 0,78 0,8 * ADC Fv/Fm Fv/Fm 0,80 0,4 a a * b * * 0 0 0,6 Da a a 1000 800 a b b ** * * a * M9-10a 600 0,8 ab a ab * * * ADC 800 1 B 200 150 M9-10a Fm a b ** b * * PPFD = 800 µmol m-2 s-1 0 M9-10a DSP a * b a a * ** * Ka * b * ADC b ab a * * * 0,4 0,8 0,6 0,4 0,2 M9-10a DSP ADC a a * b * * b ab a * * * c a b * * * M9-10a DSP ADC L 0,2 0 0 M9-10a DSP ADC Figura 16. Parâmetros de fluorescência determinados a PPFD de 300 e 800 µmol m-2 s-1 para plantas controlo (barras negras), sob deficit hídrico (barras brancas) e após recuperação (barras cinzentas). As colunas representam médias ± DP de 4 a 5 plantas. Letras diferentes representam diferenças significativas entre tratamentos para a mesma linha e asteriscos em diferente número representam diferenças significativas para o mesmo tratamento em linhas diferentes para P<0,05. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 39 3 – Resultados Os valores de rendimento quântico do PSII (Figura 16K e L) apresentam sempre o mesmo padrão, isto é, valores mais baixos em deficit hídrico do que em plantas bem irrigadas e ligeiramente mais elevados após recuperação. As diferenças significativas surgem nos baixos valores da linha M9-10a em deficit hídrico e da linha DSP22 em condições controlo. Após recuperação as linhas transgénicas apresentam valores significativamente mais elevados. Contudo, o padrão mantém-se em todas as linhas Para avaliar o grau de influência do rendimento quântico do PSII no rendimento da fotossíntese (obtido a partir das curvas A/I), a sua relação foi traçada na Figura 17. As diferenças significativas que se verificam entre o controlo e o deficit hídrico para o rendimento quântico do PSII na linha M9-10a permitem traçar regressões lineares entre os dois parâmetros a intensidade luminosa de 300 µmol m-2 s-1 e 800 µmol m-2 s-1. Para as duas linhas transgénicas essa relação não se verifica uma vez que não se verificaram diferenças no rendimento do PSII entre os valores controlo e em deficit hídrico ao longo da gama de rendimento da fotossíntese. 0.75 0.75 Rendimento do PSII A B 0.50 0.50 0.25 0.00 0.000 M9-10a 0.025 0.050 0.075 0.25 M9-10a DSP22 DSP22 ADC ADC 0.100 0.00 0.000 0.125 Rendimento da Fotossíntese 0.025 0.050 0.075 0.100 0.125 Rendimento da Fotossíntese Figura 17. Relação entre o rendimento quântico do PSII e o rendimento da fotossíntese a PPFD de 300 (A) e 800 µmol m-2 s-1 (B). Só a linha não transformada apresenta uma correlação linear para as duas intensidades luminosas, y=1,507x+0,5019, R2=0,9147 (A) e y=2,123x+0,2178, R2=0,7096 (B) para P<0,05. 3.7. Determinação de Clorofilas e Carotenóides A quantificação de clorofilas e carotenóides (Figura 18) permitiu aprofundar a avaliação das diferenças que surgem ao nível da fotoquímica nas três linhas de plantas em estudo, ao longo da imposição de deficit hídrico e posterior recuperação. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 40 Clorofila a (mg cm-2) 3 – Resultados 0,05 0,04 a Aa * * 0,03 0,02 b * Clorofila b (mg cm-2) a a * * a * DSP22 ADC 0,01 0 M9-10a 0,018 a 0,015 Bab * 0,012 * 0,009 b * b * b a ** ** b * a * ** a * 0,006 0,003 0 Clorofila a Clorofila b -1 M9-10a 4 3 a a a C * * * a * ** b * ADC a ** b ** ab b * ** * 1 0 0,014 0,012 0,01 0,008 0,006 0,004 0,002 0 ab D a * * b * -1 M9-10a Clorofila a+b Carotenóides DSP22 2 M9-10a Carotenóides (mg cm-2) a a * a * * 7 6 5 4 3 2 1 0 a E a * a * * M9-10a DSP22 ADC a a * * a * a a * * a * DSP22 ADC b b * a * ** b b a * * ** DSP22 ADC Figura 18. Quantificação de pigmentos para plantas controlo (barras negras), sob deficit hídrico (barras brancas) e após recuperação (barras cinzentas). As colunas representam médias ± DP de 5 a 6 plantas. Letras diferentes representam diferenças significativas entre tratamentos para a mesma linha e asteriscos em diferente número representam diferenças significativas para o mesmo tratamento em linhas diferentes para P<0,05. Quanto à clorofila a (Figura 18A) não se verificam diferenças entre linhas e apenas se verifica na linha não transformada um decréscimo deste pigmento após o processo de recuperação. Em relação à clorofila b (Figura 18B) o padrão de variação entre linhas não é tão constante. Mesmo em condições controlo verificam-se diferenças entre linhas, tendo as Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 41 3 – Resultados plantas M9-10a valores significativamente superiores e a linha ADC valores intermédios. Em deficit hídrico o conteúdo em clorofila b é idêntico para as três linhas mas é significativamente superior nas linhas transgénicas relativamente aos respectivos controlos. A linha DSP é a única que após recuperação mantém um valor mais elevado de clorofila b que o controlo e igual ao encontrado sob deficit hídrico. As diferenças encontradas para a clorofila a e clorofila b entre tratamentos e linhas, conduz também a diferenças na sua razão (Figura 18 C). Na linha não transgénica não se verificam quaisquer diferenças ao longo dos ensaios, porém, o grande desvio obtido em deficit hídrico poderá estar a mascarar o esperado decréscimo desta razão nestas condições. Nas linhas transgénicas esse decréscimo verifica-se e mantém-se na linha DSP22 mesmo após recuperação. A quantificação dos carotenóides não revelou quaisquer diferenças entre linhas para nenhum dos tratamentos. Na linha M9-10a verifica-se um decréscimo significativo após recuperação que não se verifica em nenhuma das outras linhas apesar de apresentarem a mesma tendência. Quanto à razão das clorofilas a e b / carotenóides, surgem diferenças entre linhas mesmo em condições controlo. Os valores significativamente mais baixos das linhas transgénicas são consequência do balanço dos menores valores em clorofila b e carotenóides nestas linhas. 3.7. Avaliação do Processo de Recuperação Para avaliar a evolução do processo de recuperação, os valores de RWC e de A, determinada a duas concentrações de CO2 e intensidades luminosas para cada dia de recuperação, foram expressos em percentagem do valor obtido em condições controlo (Figura 19). Após o primeiro dia de recuperação já todas as linhas tinham atingido os valores controlo de RWC, que naturalmente se manteve até ao último dia de avaliações. Pelo contrário, o valor de A determinado a 370 µmol mol-1 de CO2 e PPFD de 300 µmol m-2 s-1 recuperou apenas entre 30 a 60 % no primeiro dia e entre 60 a 80 % no dia seguinte. No último dia, a dispersão de valores é grande sugerindo que só algumas plantas conseguiram aproximar-se da recuperação total. Para A determinada a 370 µmol mol-1 de CO2 e PPFD de 800 µmol m-2 s-1 a recuperação foi mais rápida. Detectou-se uma elevada percentagem de recuperação no primeiro dia, entre 60 e 80 %, e no segundo os valores de percentagem subiram para próximo de 100 %, valor que se manteve no último dia de recuperação. A 800 µmol mol-1 de CO2 e PPFD de 800 µmol m-2 s-1 o processo fotossintético parece ter tido Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 42 3 – Resultados menor dificuldade em recuperar, atingindo valores próximos de 100 % logo no primeiro dia de recuperação que se mantiveram até ao último dia. % Recuperação 120 A 100 80 60 40 M9-10a 20 DSP22 ADC 0 0 1 2 3 120 % Recuperação 100 B 80 60 40 M9-10a 20 DSP22 ADC 0 -20 0 1 2 3 120 % Recuperação 100 C 80 60 M9-10a 40 DSP22 20 ADC 0 -20 0 1 2 3 120 % Recuperação 100 D 80 60 M9-10a 40 DSP22 20 ADC 0 -20 0 1 2 3 Tempo (dias) Figura 19. Avaliação do processo de recuperação nos três dias seguintes à rega antecedida pelo período de indução de deficit hídrico. O dia zero corresponde ao quinto dia de indução de deficit hídrico em que as plantas foram regadas até à capacidade de campo do solo. São apresentadas as percentagens de recuperação (relativizadas para o valor controlo) do conteúdo hídrico da folha (RWC) (A); da taxa de assimilação de carbono (A) determinada a 370 µmol mol-1 de CO2 e PPFD de 300 µmol m-2 s-1 (B); de A determinada a 370 µmol mol-1 de CO2 e PPFD de 800 µmol m-2 s-1 (C) e de A determinada a 800 µmol m-2 s-1 de CO2 e PPFD de 800 µmol m-2 s-1 (D). Cada ponto representa a média ± DP de 4 a 8 plantas. Não há diferenças significativas entre as linhas estudadas para P<0,05. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 43 4 – Discussão 4. Discussão 4.1. Análise Molecular das Plantas Transgénicas ADC A amplificação do DNA de 50 plantas potencialmente transformadas com o gene Adc, com um primer específico para este gene, permitiu seleccionar 35 plantas efectivamente transformadas através do aparecimento de uma banda de 1,5 kb no gel de agarose (Figura 1). O padrão de segregação de 3:1 constitui uma indicação de que a geração T0 heterozigótica apresenta inserção do transgene num só locus. As 35 plantas transformadas formam a linha ADC usada nos ensaios fisiológicos apresentados neste trabalho. Esta geração T1 é ainda heterozigótica para o gene transformante e a análise da sua descendência permitirá isolar apenas as plantas homozigóticas. As plantas da linha DSP usada nos ensaios apresentados são já da geração T2 e, como tal, homozigóticas para o gene transformante. 4.2. Indução de Deficit Hídrico e Recuperação As linhas de plantas em estudo foram sujeitas a um período de deficit hídrico induzido por supressão total de rega e posterior etapa de recuperação. A evolução do deficit hídrico imposto foi controlada por medições de SWC e, tal como indicado por Verlues et al. (2006), por medições do Ψsolo. De facto, a medição do Ψsolo foi essencial para estabelecer a taxa de desidratação do solo (Figura 2). A consideração única do decréscimo do SWC conduziria a avaliações erradas do comportamento das plantas em resposta ao deficit hídrico imposto (Figura 3A e 3B). O seu decréscimo abrupto nos dois primeiros dias após a última rega e o baixo decréscimo do RWC nesta fase iriam sugerir uma elevada capacidade das plantas em evitar o deficit hídrico. Contudo, a evolução linear do RWC em função do Ψsolo mostra que essa resposta não é real. (Figura 3B). O decréscimo do Ψsolo revela uma lenta diminuição da disponibilidade hídrica para a planta nesta primeira fase e um decréscimo mais acentuado nos últimos dois dias de deficit hídrico, um padrão mais de acordo com o encontrado na natureza em que a condição de seca surge gradualmente. A diminuição progressiva do Ψsolo conduziu a um decréscimo linear do RWC idêntico para as três linhas de plantas em estudo (Figura 3A). A imposição de deficit hídrico a taxas idênticas para a linha controlo e para as linhas transgénicas é essencial para uma correcta avaliação da potencial maior resistência ao deficit hídrico das linhas transformadas (Verlues, 2006). O comportamento idêntico das três linhas ao decréscimo do Ψsolo mostra que as plantas em estudo têm a mesma capacidade em evitar o deficit hídrico e que as futuras Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 44 4 – Discussão diferenças encontradas nos ensaios fisiológicos são consequência do seu diferente genótipo e não de diferenças a priori no seu conteúdo hídrico. Os cinco dias de indução de deficit hídrico mostraram-se suficientes para levar as plantas ao limite da sua resistência à falta de água. Ao sexto dia já não era possível obter valores de fotossíntese à luz e CO2 de crescimento (resultados não apresentados). Por esta razão, a rega para indução do processo de recuperação foi efectuada no quinto dia após a última rega. A evolução do SWC e do Ψsolo nesta fase foi idêntica, atingindo ambos os valores de controlo após dois dias. A expressão constitutiva do gene transformante não provocou diferenças visíveis ao nível do fenótipo das plantas, nem ao longo do seu desenvolvimento nem na resposta à imposição de deficit hídrico e recuperação (Figura 4). 4.3. Parâmetros de Crescimento da Folha O conteúdo hídrico e alguns parâmetros de crescimento da folha mais jovem completamente expandida estão apresentados na Figura 5. Tal como já referido, não se verificaram diferenças na taxa de crescimento das linhas transgénicas em relação à linha M9-10a, nem em condições controlo nem em deficit hídrico. Assim, as mais jovens folhas completamente expandidas usadas nos ensaios descritos correspondem a folhas com a mesma idade cronológica, o que apesar de ser a condição preferencial, nem sempre é possível de concretizar. Os valores encontrados de RWC atingem em controlo um valor máximo de 80 %, o que para muitas espécies é já considerado um nível de stresse hídrico moderado (Patakas et al., 2002) enquanto que para outras, um valor de 70 % é já considerado stresse hídrico severo (Matos et al., 2002). Colocou-se a hipótese de este baixo valor de RWC em controlo e os valores extremamente baixos em deficit hídrico (cerca de 40 %) se deviam a um erro experimental possivelmente ao nível da determinação do PT, efectuada 24 h após hidratação. A decisão de prolongar o tempo de hidratação por 24 h foi tomada depois de verificar que com 4 e 12 h não se tinha ainda atingido o valor máximo que se obtém após um dia. Este valor mantém-se após 36 h de hidratação. Na bibliografia, o tempo de hidratação varia entre as 2 h (Pinheiro et al., 2001), 4 h (Sarkadi, 2006), 8 h (Matos et al., 2002) e 24 h (Kocheva, 2004). É por isso importante aferir o tempo mais adequado para o material em estudo. Em Arachis hipogaea os valores de RWC em plantas bem irrigadas variaram entre cerca de 78 % e 95 % em diferentes estádios de desenvolvimento da planta (Clifford, 2000), o que revela a sensibilidade deste parâmetro a diversas condições. Um outro factor que poderá estar a contribuir para o baixo valor encontrado poderá ser o facto Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 45 4 – Discussão de as medições de PF não terem sido realizadas no fim do período de escuridão, como muitas vezes acontece, mas ao longo do dia. O valor próximo de 80 % encontrado para a M. truncatula foi também obtido em trabalhos anteriores realizados na mesma espécie (Araújo, 2007). O decréscimo do RWC com a imposição de deficit hídrico e posterior recuperação são idênticos para as três linhas de plantas em estudo. Contudo, o valor mais elevado em controlo na linha ADC, poderá estar relacionado com diferenças ao nível da morfologia do mesófilo da folha que poderá aliar células maiores com maiores espaços intercelulares. Esta hipótese está de acordo com o menor valor de PS observado para esta linha em controlo e também com o valor significativamente mais baixo de TWC em deficit hídrico. O SLA é um parâmetro afectado tanto pelo genótipo como por factores ambientais. Assim, uma dada condição ambiental pode provocar variações em sentidos opostos ou não provocar variação alguma dependendo do genótipo a que se aplica (Dijkstra, 1989). Este parâmetro divide-se em três componentes: a espessura da folha; a densidade, expressa como percentagem de PS e a composição química da matéria seca da folha. Este último componente não contribui porém, para a variação do SLA porque as suas parcelas somam até à unidade (Dijkstra, 1989). Aparentemente, em M. truncatula, o decréscimo do SLA em situação de deficit hídrico resultou do decréscimo da espessura da folha e não da variação do PS. Um decréscimo no SLA em deficit hídrico também foi descrito para Dorycnium hirsutum, mas o mesmo não se verificou para Medicago sativa e Dorycnium vulgaris (Bell et al., 2007), nem para várias cultivares de Phaseolus vulgaris (Costa França et al., 2000). O baixo SLA está associado à acumulação de compostos secundários como taninos e fenóis e mais significativamente ao aumento de lenhina e amido (Konings, 1989). O valor mais elevado verificado na linha ADC em controlo é acompanhado tanto pelo decréscimo de espessura da folha como do PS, o que está de acordo com o maior valor de RWC. As variações estatísticas dos diferentes parâmetros da folha parecem indicar que a linha DSP22 tem um comportamento intermédio entre as linhas M9-10a e ADC, tanto a nível do conteúdo hídrico como ao nível da acumulação de matéria seca e área de folha. Estas diferenças matemáticas entre linhas, não são contudo, visualmente perceptíveis. 4.4. Relações Hídricas da Folha O desenvolvimento do psicrómetro e o estabelecimento da técnica das curvas P/V abriu portas para uma nova gama de experiências ao nível das relações hídricas das plantas. Contudo, é um processo moroso que não se adequa a análises extensivas a um grande número de amostras (Richter, 1997). Por esta razão, só se construíram curvas P/V Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 46 4 – Discussão para a linha não transformada em condições controlo e em deficit hídrico (Figura 6). Para além do potencial hídrico, o potencial osmótico também foi determinado para as linhas transgénicas recorrendo a amostras congeladas em azoto líquido. A utilização desta última técnica também para as plantas M9-10a após recuperação, e a obtenção de valores que completam as relações obtidas para os diferentes parâmetros, dão segurança quanto aos protocolos utilizados e quanto às comparações efectuadas entre os valores obtidos de uma e outra forma. Da análise das curvas P/V podem considerar-se dois tipos de parâmetros: os robustos, que não variam muito entre amostras, correspondem ao Ψs e RWC no ponto de perda de turgescência e ao Ψs à máxima turgescência; e os susceptíveis de sofrerem erros como o ε e a fracção de água simplástica, que são parâmetros extremamente variáveis mesmo com material homogéneo. Estes últimos, se utilizados, devem ser analisados com extremo cuidado (Richter, 1997). Nos resultados apresentados, foram considerados apenas os parâmetros robustos possíveis de comparar com as linhas transgénicas (Ψs e Ψs100) e o ε para se ter uma ideia da elasticidade das paredes celulares da linha M9-10a (Tabela 1). Os valores de Ψfolha e Ψs a que se chegou são bastante mais baixos que o normalmente descrito para outras espécies de leguminosas, mas estão de acordo com os valores de RWC, também eles mais baixos que o normalmente descrito. Tal como já foi dito, estes valores foram obtidos ao longo do dia e não no final do período de luz. As variações que esta diferença temporal pode induzir são bem visíveis num trabalho realizado por Bell et al., 2007 para três espécies de leguminosas, M. sativa, Dorycnium hirsutum e D. rectum. Os valores obtidos em predawn são naturalmente mais elevados do que os obtidos a meio do dia. Estes últimos rondam os -1,3 MPa em condições controlo e atingem os -3,5 MPa em condições de deficit hídrico tal como determinado para as três linhas de plantas em estudo. A relação entre o TWC e o Ψfolha tem sido usada para quantificar a tolerância à desidratação dos tecidos, sendo aqueles que mantêm um elevado TWC com o decréscimo do Ψfolha considerados mais tolerantes ao deficit hídrico (Iannucci et al., 2002). As três linhas de plantas em estudo apresentam relações idênticas entre estes dois parâmetros revelando o mesmo grau de tolerância ao deficit hídrico (Figura7A). Tem sido sugerido que associados a um elevado grau de tolerância à desidratação estão muitas vezes paredes celulares elásticas (Fane et al., 1994). Contudo, apesar das paredes celulares rígidas impedirem a manutenção da turgescência a teores hídricos mais baixos, elas têm também algumas vantagens sobre as paredes elásticas: i) nas espécies em que ocorre AO e acumular de elevada concentração de solutos, uma parede rígida pode ser importante na manutenção da integridade celular e do tecido no período de rehidratação após deficit hídrico; ii) as paredes rígidas podem facilitar a manutenção do Ψfolha mais baixos a qualquer volume, o que Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 47 4 – Discussão aumenta o gradiente de potencial entre o solo e a planta, promovendo a absorção de água, especialmente importante ao nível da raiz (Bowman e Roberts, 1985); iii) tem sido sugerido que espaços intercelulares reduzidos durante o período de seca correlacionam-se com a baixa actividade enzimática e, portanto, a manutenção da turgescência e do volume celular, mais do que o Ψfolha, seria um importante factor na manutenção do metabolismo durante o deficit hídrico (Mainzer et al., 1990). A espécie em estudo, M. truncatula, revelou um certo aumento na elasticidade da parede celular em deficit hídrico severo (Nunes et al., 2007), o que não se verificou na linha altamente embriogénica M9-10a. Mesmo assumindo que este é um parâmetro difícil de estimar com precisão, pode-se inferir que se existe essa capacidade não é a característica determinante e, como tal, o AO surge como uma estratégia mais evidente em deficit hídrico, tal como esperado para uma espécie adaptada ao clima mediterrânico (Bota et al., 2004). A existência de uma clara relação entre o Ψfolha e o Ψs para todas as linhas de plantas confirma a importância da acumulação de solutos na manutenção de um baixo Ψfolha (Figura 7B). De facto, as diferenças entre o Ψs100 em controlo e em deficit hídrico revelam a existência de ajuste osmótico nas três linhas de plantas em estudo, em especial na linha não transformada cujo valor foi cerca de 3 vezes superior. O facto de o Ψs100 ter decrescido com a imposição do deficit hídrico, indica que houve um aumento da concentração de solutos real e que não foi apenas consequência de um aumento passivo devido à perda de água. Pode-se por isso inferir que as três linhas têm capacidade de promover ajuste osmótico nas suas células, tal como já referido (Tabela 1). Duas espécies de Dorycnium também mostraram capacidade de efectuar AO em deficit hídrico, ao contrário do descrito para M. sativa em que apenas se verificou no final do período de indução de deficit hídrico uma pequena acumulação de compostos activos (Bell et al., 2007). A prolina é um dos compostos activamente acumulados que poderá contribuir para o AO, mas tal como descrito para 3 de 4 genótipos diferentes de Vigna (Scotti Campos et al., 1999) é normalmente acumulado em estádios mais avançados de deficit hídrico (Kameli e Lösel, 1993). Nas três linhas de M. truncatula verifica-se também a acumulação deste composto, mas apenas em plantas com RWC inferior 40 %. O dano membranar é uma das primeiras consequências de diversos stresses ambientais e a manutenção da sua integridade é reconhecida como um importante mecanismo de tolerância ao deficit hídrico. Para estimar o grau de resistência membranar conferido pelo deficit hídrico imposto nas três linhas de plantas em estudo, efectuaram-se medições de fuga de electrólitos após indução rápida de stresse osmótico provocado por concentrações elevadas de PEG (Tabela 1). O deficit hídrico pode modificar a composição química e a estrutura física das membranas (Lauriano et al., 2000) o que tem um impacto Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 48 4 – Discussão directo no ID (Knowles et al., 2001). Nos ensaios realizados não se verificaram diferenças ao nível das três linhas de plantas em estudo. Apenas na linha ADC se verificou um valor mais elevado em controlo (apesar de não significativo para P<0,05) que conduziu a diferenças em relação ao valor obtido em deficit hídrico. 4.5. Trocas gasosas 4.5.1. Curvas A/Cc Para avaliar a natureza das limitações que determinam o decréscimo do valor de A com a imposição de stresse hídrico construíram-se curvas A/Ci, aqui transformadas em curvas A/Cc, para as três linhas de plantas em estudo em controlo e em deficit hídrico (Figura 9). A resposta de A ao Ci descreve duas, por vezes, três fases distintas. À medida que o Ci cresce a partir da sua concentração mínima, o declive da curva é elevado e é determinado pela actividade da Rubisco. Com a continuação do aumento de CO2 o declive da curva baixa aproximando-se de zero devido a limitações relacionadas com a regeneração de RuBP. Por vezes pode distinguir-se uma terceira fase de declive zero ou decrescente se a utilização de trioses fosfato se tornar limitante. As duas primeiras fases foram matematicamente descritas por Farquhar et al. (1980) e modificadas para incluir a terceira por von Caemmerer (2000). Normalmente só se verificam as duas primeiras fases porque VTPU não surge como limitação a nenhuma concentração de CO2 (Long e Bernacchi, 2003) tal como acontece nas curvas obtidas nas 3 linhas de plantas de M. truncatula (Figura 9A e B). O modelo de Farquhar et al. (1980) baseava-se no pressuposto de que o valor de Ci era aproximadamente o valor de CO2 no local de carboxilação (Cc). Contudo, o CO2 tem de difundir da câmara sub-estomática para os espaços intercelulares, atravessar as paredes celulares do mesófilo, as membranas plasmáticas e as membranas do cloroplasto. Tornouse então claro, que este trajecto pode resultar num decréscimo significativo entre Ci e Cc (Loreto et al., 1992 e von Caemmerer, 2000). Considerar a resistência do mesofilo (gm) à difusão de CO2 e a transformação da curva A/Ci em A/Cc provoca alterações significativas na sua curvatura tornando-se por isso, particularmente relevante no cálculo de Vcmax (Sharkey et al., 2007). Recorrendo a medições simultâneas de trocas gasosas e fluorescência foi possível estimar o valor de gm e a sua natureza. Um estudo realizado por Bernacchi et al. (2002) revelou que os processos que determinam gm não se prendem com a difusão física mas Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 49 4 – Discussão provavelmente com o envolvimento de anidrases carbónicas e aquaporinas. Estes resultados estão de acordo com os de Centrito et al. (2003) que mostram que gm pode alterar-se tão rapidamente quanto gs indicando que o primeiro não é determinado apenas por características anatómicas. Flexas et al. (2007) mostraram que os valores de gm determinados recorrendo a protocolos de medição simultânea de trocas gasosas e fluorescência (Harley et al., 1992), ao modelo de análise de curvas A/Ci, descrito por Ethier e Livingstone (2004) e à descriminação isotópica do carbono (Evans et al., 1986), são bastante consistentes em Arabidopsis thaliana. A aproximação utilizada neste trabalho assenta numa estimativa não-linear que permite estimar os valores de gm e Rd considerando as duas fases que descrevem as limitações à fotossíntese. Regredindo a curva minimizando a soma dos quadrados é possível obter uma estimativa de gm através dos valores obtidos experimentalmente (Sharkey et al., 2007). O grau de importância das limitações de difusão e das limitações metabólicas no decréscimo de A com o deficit hídrico tem conduzido a opiniões divergentes. O decréscimo do RWC causa o decréscimo de gs e de A aproximadamente em paralelo embora a valores muito baixos de RWC o gs atinja um mínimo mas A continue a decrescer. Em alguns casos, quando A decresce com o decréscimo inicial de RWC, elevar o valor de Ca em 5 a 15 % eleva A ao valor inicial (Cornic, 2002). Depois disso A continua a descer e valores elevados de Ca deixam de aumentar A, revelando limitações metabólicas a baixo RWC. Este tipo de resposta é denominado de tipo 1 por Lawlor e Cornic (2002). Noutros estudos, A decresce progressivamente com o decréscimo de RWC e é menos estimulado pelo aumento de CO2. Este tipo de resposta mostra que A decresce progressivamente com o deficit hídrico e que o efeito do gs diminui com o aumento de stress. Esta resposta denomina-se por tipo 2, segundo Lawlor e Cornic (2002). À luz destas observações, verifica-se que existe uma concordância geral de que a limitações de difusão à fotossíntese são preponderantes no início da indução de stresse hídrico e que à medida que o stresse se torna mais intenso a influência das limitações metabólicas ou ajuste metabólico por down-regulation torna-se mais importante. Tal como já referido, a grande discordância recai sobre a intensidade de stresse a que ocorre essa passagem (Lawlor e Cornic, 2002; Flexas e Medrano, 2002). No caso apresentado, as plantas em deficit hídrico apresentam um RWC muito baixo, na ordem dos 40 % e, tal como as curvas A/Cc sugerem, os danos ou ajustes metabólicos contribuem significativamente para o decréscimo de A. Vcmax decresce significativamente nas plantas não transformadas mas esse decréscimo não se verifica aparentemente nas plantas transgénicas porque em condições controlo Vcmax está já comprometida (Figura 10A). Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 50 4 – Discussão Limitações ao nível do valor de carboxilação em deficit hídrico também já foram descritas para Medicago sativa (Antolín e Sánchez-Díaz, 1993) e para Vicia faba (Lal et al., 1996). O decréscimo de J é evidente para as três linhas de plantas o que também já foi encontrado para outras espécies de Leguminosas como Phaseolus vulgaris (Sharkey e Seeman, 1989) e para Glycine max (Vu et al., 1987). A variação de gs com o RWC é igual nas três linhas de plantas e corresponde aos valores descritos para Phaseolus vulgaris (Castrillo et., 2001) e Vicia faba (Khan et al., 2007) variando entre 0,05 em condições de deficit hídrico e 0,7 mol m-2 s-1 em controlo. Medrano et al. (2002) sugerem que gs é um melhor indicador do grau de deficit hídrico do que RWC ou o Ψfolha. De facto, a figura 12A e B mostra uma clara relação de A e E com este parâmetro, mas essa relação não se verifica em função do RWC (dados não apresentados). O mesmo acontece para várias cultivares de Phaseolus vulgaris e Vigna unguiculata (Cruz de Carvalho et al., 1998). A análise da variação de WUE sugere que as linhas transgénicas apresentam vantagem sob deficit hídrico, devido aos valores mais elevados deste parâmetro nessa condição. A linha M9-10a não apresenta esta relação favorável em consequência dos valores mais elevados em condições controlo. Estas diferenças permitem argumentar que o melhor comportamento das linhas transgénicas em deficit hídrico se deve a valores mais baixos em controlo e não a uma estratégia melhorada em resposta ao stresse. 4.5.2. Curvas A/I A resposta de A à luz foi diferente para as três linhas de plantas em estudo em controlo e em deficit hídrico. Nos diferentes níveis de deficit hídrico, tal como esperado, o PC para a luz é atingido a intensidades mais elevadas. No entanto, esse aumento é maior do que o habitualmente descrito, chegando a atingir 350 µmol m-2 s-1. De facto, o aumento do PC para a luz relaciona-se de forma linear com a diminuição do RWC (Figura 14A e B). Uma das explicações possíveis seria a necessidade das plantas em deficit hídrico serem expostas a um maior tempo à luz para iniciar a actividade do aparelho fotossintético após um período de escuridão. Se assim fosse, prolongar o tempo de exposição da planta à luz de menor intensidade das curvas diminuiria o valor do PC para a luz. Contudo, nos ensaios de recuperação efectuaram-se medições de A a 300 PPFD durante 10 min que não foram suficiente para elevar o valor de A. Outra hipótese será a ocorrência de menor absorção de luz devido ao notório aumento dos tricomas em deficit hídrico. Além disso, o aumento do PC para a luz poderá estar também relacionado com o decréscimo da actividade da Rubisco em deficit hídrico. Existem resultados contraditórios no que diz respeito às influências do deficit Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 51 4 – Discussão hídrico moderado sobre esta enzima. Uns trabalhos indicam que o stresse hídrico tem pouca influência na sua actividade (Giménez et al., 1992; Gunasekera e Berkowitz, 1993), enquanto outros sugerem o contrário, como Majumdar et al. (1991) que mostra uma clara e rápida perda de actividade da Rubisco em plantas de soja sob deficit hídrico. Em stresse hídrico mais intenso as opiniões tendem a convergir e parece haver uma perda tanto da sua actividade como da sua quantidade (Tezara e Lawlor, 1995; Kicheva et al., 1994, respectivamente). A menor actividade da Rubisco em deficit hídrico poderá estar relacionada com a sua ligação a inibidores. Entre estes, o CA1P, que tende a formar-se muito lentamente em escuridão ou baixa irradiância, e inibidores como o D-glicero-2,3pentodiulose-1,5-bisfosfato, que se formam à luz (Kane et al., 1998). O CA1P não está presente em todas as plantas superiores (Spreitzer, 1999) mas surge em elevadas concentrações nas leguminosas, podendo acumular-se em poucos minutos em feijoeiro (Arrabaça, 2008). Ambos os inibidores podem estar envolvidos na protecção da Rubisco em condições de stresse evitando a sua degradação (Khan et al., 1999; Parry et al., 2002). Se assim for, o elevado PC para a luz obtido poderá ser uma consequência de a baixas intensidades luminosas, em deficit hídrico, não haver ATP disponível para activação da Rubisco activase, essencial para a libertação dos inibidores dos centros activos da Rubisco (Salvucci, 1989; Portis, 1995). No entanto, as diferenças observadas nas curvas das plantas controlo e das plantas em deficit hídrico estarão possivelmente relacionadas com inibidores diurnos. A relação linear do PC para a luz com o RWC poderia ser explicada por um aumento de inibidores proporcional ao deficit hídrico. O decréscimo de Amax com o RWC (Figura 14) pode ser devido a limitações de difusão do CO2 e a danos metabólicos, tal como já indicado pelas curvas A/Cc, contribuindo para a diminuição do rendimento da fotossíntese (Figura 15). 4.6. Fluorescência da Clorofila a As medições de fluorescência (Figura 16) revelam que o aparelho fotossintético da linha M9-10a sofreu maiores danos com a imposição de deficit hídrico. Tanto o Fv/Fm como o rendimento do PSII decresceram significativamente em deficit hídrico. Esta tendência foi também encontrada para a linha M9-10a e DSP22 em trabalhos anteriores (Araújo, 2007). Diferentes autores defendem que o PSII é resistente ao deficit hídrico e que apenas em stresse severo é que se verificam danos (Genty et al., 1987). Considerando que os Ψfolha atingidos entre -3 e -4 MPa nas três linhas são stresse intenso, pode-se então sugerir que o aparelho fotossintético das linhas transgénicas adquiriu uma certa resistência ao deficit hídrico. Essa maior resistência é também revelada pela relação entre o rendimento da Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 52 4 – Discussão fotossíntese e do PSII (Figura 17). O segundo parâmetro só decresce com o rendimento da fotossíntese na linha M9-10a. Contudo, os valores significativamente mais baixos do Fv/Fm e do rendimento do PSII obtidos em plantas controlo das linhas transgénicas, especialmente na DSP22, parecem revelar que a expressão constitutiva dos genes estará a influenciar de forma negativa o sistema fotossintético nas condições de crescimento impostas. Estes dados estão de acordo com os encontrados nos ensaios de trocas gasosas que revelam valores mais baixos nas linhas transgénicas em condições controlo, mais do que em condições de deficit hídrico. Os valores de qP revelam novamente uma pior performance da linha não transformada sob deficit hídrico. Os valores de qN tendencialmente mais elevados em deficit hídrico em todas as linhas, e significativamente maiores na linha ADC para as duas intensidades luminosas e na linha DSP22 a 800 µmol m-2 s-1, revelam que estas plantas recorreram a formas alternativas de dissipação do excesso de energia que podem envolver o ciclo das xantofilas, o aumento da fotorrespiração, a reacção de Mehler ou ainda o transporte cíclico de electrões (Niyogi, 2000). Outros trabalhos realizados na linha DSP22 mostraram a mesma tendência, sem diferenças significativas entre a linha M9-10a e a linha DSP22 (Araújo, 2007). Os resultados obtidos não permitem concluir com segurança que a expressão dos genes transformantes, em especial o gene Dsp22, induziram, à luz de crescimento, uma maior capacidade em dissipar o excesso de energia como teoricamente esperado. A realização de novos ensaios com plantas cultivadas a maior irradiância e sujeitas a períodos de indução de deficit hídrico mais prolongados poderia levar a resultados conclusivos. Também uma análise detalhada dos pigmentos envolvidos no ciclo das xantofilas e do balanço de ROS, poderia clarificar os processos envolvidos. A recuperação dos valores controlo após o processo de recuperação observada nas três linhas de plantas em estudo, aponta para uma elevada capacidade destas plantas em restabelecer a sua homeostasia celular após stresse hídrico intenso. 4.7. Determinação de Clorofilas e Carotenóides Os pigmentos fotossintéticos nas plantas superiores estão ligados a proteínas associadas aos dois fotossistemas. Sabe-se que o deficit hídrico faz decrescer a quantidade total das clorofilas a e b como resultado da degradação da estrutura do cloroplasto com consequente libertação dos pigmentos (Ristic e Cass, 1991). Este decréscimo não foi encontrado para nenhuma das linhas de plantas em estudo. Pelo contrário, nas linhas transgénicas em condições controlo, observou-se um decréscimo destes pigmentos, especialmente da clorofila b, relativamente à linha não transformada. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 53 4 – Discussão A redução da quantidade de complexos antena pode ser avaliado pelo aumento da razão clorofila a e b. O aumento desta razão em condições controlo nas linhas transgénicas corroboram os resultados de fluorescência já referidos. Em deficit hídrico e durante o processo de senescência verifica-se normalmente um aumento da concentração de carotenóides (Peñuelas e Filella, 1998). Esse aumento não se verificou em nenhuma das linhas em estudo e em trabalhos anteriores em plantas M9-10a e DSP22 encontraram-se, pelo contrário, valores mais baixos sob deficit hídrico (Araújo, 2007). A variabilidade do conteúdo em pigmentos obtida nestes ensaios dificulta a sua interpretação. Esta variabilidade pode ter resultado da maior dificuldade de extracção em deficit hídrico, causada pelo acréscimo de tricomas, e por uma eventual alteração da quantificação espectrofotométrica devido à interferência de antocianinas que se acumulam em stresse (resultados não apresentados). 4.8. Avaliação do Processo de Recuperação A avaliação do processo de recuperação em termos do valor de RWC e de fotossíntese, medida a concentrações de CO2 e intensidades luminosas diferentes, revelou igual capacidade das três linhas de plantas em atingir os valores controlo. Tal como sugerido pela análise das curvas A/I, a intensidade luminosa é um componente determinante na taxa fotossintética em deficit hídrico. A evolução de A durante o processo de recuperação difere para diferentes intensidades luminosas. A maquinaria fotossintética quando ainda afectada pelo deficit hídrico imposto parece responder melhor a intensidades luminosas mais elevadas. Uma das explicações possíveis poderá ser um maior número de tricomas e/ou uma maior densidade do mesófilo da folha que provocariam maior reflexão da luz. A alteração morfológica que poderá estar a causar a diminuição da chegada de luz aos cloroplastos não está, contudo, a diminuir a difusão do CO2 até ao local de carboxilação, já que a variação de Ca não provoca diferenças nas taxas de recuperação. A luz parece ter um papel mais crucial no processo de recuperação. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 54 5 – Conclusões 5. Conclusões As plantas transformadas com o gene Dsp22 ou Adc apresentaram fenótipos idênticos à linha M9-10a de Medicago truncatula cv Jemalong, quer em condições controlo quer em deficit hídrico. O stresse imposto levou a idênticos valores de RWC e Ψfolha das três linhas de plantas. Assim, pode-se estabelecer que as diferenças encontradas ao nível do metabolismo das plantas são consequência das suas características genéticas e não de um diferente conteúdo hídrico da folha. Em plantas bem irrigadas a fotossíntese foi menor nas plantas transgénicas do que nas não transformadas. No entanto, em todas as linhas estudadas observou-se um decréscimo dos parâmetros fotossintéticos com o stresse hídrico. Nestas condições ocorreu sempre ajuste osmótico, tal como seria de esperar em plantas adaptadas ao clima mediterrânico. A avaliação dos parâmetros de fluorescência da clorofila a mostrou também uma melhor performance da linha M9-10a em condições controlo, mas as linhas transgénicas parecem ter maior eficiência na protecção do aparelho fotossintético sob deficit hídrico. A determinação de curvas A/I surge como o método mais promissor de avaliação do estado hídrico das plantas. Os parâmetros determinados a partir destas curvas, entre os quais o PC para a luz e o rendimento da fotossíntese, variam linearmente e significativamente com o RWC. Além disso, este método é não destrutivo e rápido, podendo ser particularmente vantajoso no screening de plantas T1 resistentes ao stresse hídrico. Pode-se argumentar que a alteração de algumas condições de crescimento das plantas, como uma maior irradiância, e a indução de deficit hídrico de uma forma mais gradual poderiam ter conduzido a diferenças mais significativas nos resultados obtidos. A expressão constitutiva de genes relacionados com a resistência ao deficit hídrico poderá levar a que condições de crescimento não indutoras de stresse para as plantas não transformadas, não o sejam para as linhas transgénicas, justificando as diferenças obtidas em plantas controlo. Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong 55 6 – Bibliografia 6. 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