Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas

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Universidade de Lisboa
Faculdade de Ciências
Departamento de Biologia Vegetal
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico
de Linhas Transgénicas de
Medicago truncatula cv. Jemalong
Cátia Maria de Jesus Nunes
Mestrado em Biologia Celular e Biotecnologia
2007
Universidade de Lisboa
Faculdade de Ciências
Departamento de Biologia Vegetal
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico
de Linhas Transgénicas de
Medicago truncatula cv. Jemalong
Dissertação orientada pela Professora
Doutora Anabela Bernardes da Silva1,2 e pelo
Professor Doutor Pedro Fevereiro1,3
1
Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências
Centro de Engenharia Biológica, Universidade
de Lisboa
3
Instituto de Tecnologia Química e Biológica,
Universidade Nova de Lisboa
2
Cátia Maria de Jesus Nunes
Mestrado em Biologia Celular e Biotecnologia
2007
Agradecimentos
O trabalho de investigação que se apresenta nesta tese de Mestrado foi desenvolvido no Centro de
Engenharia Biológica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e também no Laboratório
de Biotecnologia de Células Vegetais do Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade
Nova de Lisboa sob a co-orientação dos Professores Doutores Anabela Bernardes da Silva e Pedro
Fevereiro.
À Professora Doutora Anabela Bernardes da Silva agradeço ter aceite ser minha orientadora neste
trabalho científico. Agradeço profundamente um sem número de ensinamentos (académicos e não
só) e a simpatia de todos os dias recheada de sugestões e optimismo. O seu rigor científico e a
dedicação ao trabalho foram para mim uma inspiração constante.
Ao Professor Pedro Fevereiro agradeço também ter aceite ser meu orientador de mestrado. Mais que
qualquer outra coisa agradeço a sua disponibilidade e encorajamento nos momentos em que a
ciência me fez duvidar do meu caminho. O seu empenho e entusiasmo pelo trabalho e o sucesso
conseguido são um grande exemplo para mim.
Ao Professor Jorge Marques da Silva agradeço a disponibilidade sempre que precisei de ajuda na
discussão de resultados, especialmente no que diz respeito à “complicada fluorescência”. Os seus
comentários e correcções trouxeram sempre melhoramentos fundamentais ao meu trabalho. É bom
saber que posso contar com a sua ajuda.
À Professora Doutora Maria Celeste Arrabaça agradeço a simpatia e a calma que transmite.
Agradeço também a disponibilidade sempre que careci de uma opinião sensata na resolução
questões simples que o cansaço e a falta de experiência transformam em dilemas.
Ao Professor Doutor João Arrabaça agradeço o “Bom dia jovens cientistas” de todas as manhãs que
me fez sentir parte duma equipa que sempre admirei.
À Sra. D. Manuela Lucas agradeço a energia contagiante com que enfrenta todos os dias, as opiniões
e lições de vida com que brinda os mais novos e que me ajudaram tanto nos momentos confusos.
Obrigada também pela disponibilidade sempre que precisei de uma bússola amiga no laboratório.
Aos meus colegas do Centro de Engenharia Biológica agradeço o excelente ambiente de trabalho
que me proporcionaram.
À quase Doutora Sofia Soares, a mais organizada de nós, agradeço a pronta disponibilidade para me
ajudar no laboratório, na estatística e nas dúvidas que surgiram durante a escrita do trabalho que
agora apresento. Admiro-te pela seriedade e determinação com que enfrentas a vida e agradeço-te
pelas conversas e opiniões que partilhaste comigo quando o pessimismo se apoderava de mim.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Ttransgénicas de Medicago Truncatula cv. Jemalong
i
À quase Doutora Elisabete Carmo da Silva, a mais internacional de nós, agradeço o grande sorriso e
as conversas que não hesitou em partilhar comigo no pouco tempo que passámos juntas. A tua ajuda
na bibliografia foi preciosa. Desejo-te toda a coragem para conquistares mais mundo e para jamais
desistires. Não te esqueças, nunca, que estou no mail!
Ao Ricardo, o mais tranquilo de nós, agradeço a simpatia de todos os dias e a imprescindível ajuda
informática, sempre fundamental no nosso trabalho.
À Doutora Rita Matos, Anabela Vicente, Teresa Mendes e André Nogueira Costa agradeço o
ambiente leve e divertido na “nossa secção”.
Aos meus colegas temporários do Laboratório de Biotecnologia de Células Vegetais agradeço a
simpatia com que me receberam e a pronta disponibilidade para me ajudarem a encontrar o que num
laboratório estranho jamais se consegue encontrar sozinho.
Em particular, agradeço à já Doutora Susana Araújo a simpatia contagiante, os conselhos, as dicas,
as opiniões e o optimismo que só ela consegue ter. A tua ajuda na minha breve incursão pela biologia
molecular foi preciosa, não teria conseguido obter as “teias de aranha” por desesperar primeiro com
as varetas esmeriladas.
Aos meus Amigos distantes do mundo da ciência agradeço, aos que ficaram, a sua constante
presença na minha vida mesmo que por e-mail ou sms. Não posso deixar de vos pedir desculpa
pelas minhas constantes ausências e de admitir que são os melhores amigos do mundo.
A ti Jorge, agradeço-te por manteres sempre viva esta amizade tão longa que muitas vezes tenho de
colocar em segundo plano. Agradeço-te por partilhares a tua vida comigo, os teus sonhos e
realidades, os teus delírios e decisões, os teus medos e confianças. Ajudas-me a “descomplicar” a
vida que eu tantas vezes tendo a baralhar. Adoro-te.
A ti Luís, agradeço-te por espalhares alegria sempre que estás por perto. Quem me dera poder
mostrar-te que o importante é escolhermos um dos caminhos possíveis e fazer-te entender que não
tem de ser o melhor, basta um que nos faça feliz… talvez um dia, tenhamos a sorte de olhar para
trás, e ver que afinal, fomos tão felizes quanto sonhámos.
A todos os outros, meus amigos, agradeço as conversas descontraídas, os risos, a partilha de
experiências, os incentivos nos momentos de dúvida e as críticas que me ajudam a crescer.
A ti Pedro, agradeço-te por estares sempre comigo e por me dares certezas que nunca tive.
Aos meus pais… não consigo pôr em palavras justas o quanto lhes agradeço e os amo.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Ttransgénicas de Medicago Truncatula cv. Jemalong
ii
Abstract
Transformation for enhanced drought resistance is a main goal of plant genetic engineering.
Besides legume recalcitrant behaviour towards in vitro regeneration, two different transgenic lines
constitutively overexpressing the transgenes were obtained from the highly embryogenic line (M9-10a)
of the model legume Medicago truncatula cv. Jemalong. The Dsp22 gene coding for an ELIP-like
protein and the Adc gene coding for an enzyme of the polyamine metabolic pathway were chosen for
their involvement in desiccation tolerance processes.
The aim of this work is to evaluate and compare physiologically the drought resistance of the
two transgenic lines and the highly embryogenic plants. Assays were performed during the vegetative
phase of plants grown under controlled conditions with abundant water supply, under water deficit
imposed by suppression of soil irrigation and also after re-watering.
Water parameter analyses show that all three lines perform osmotic adjustment.
Gas exchange analyses reveal that transgenic plants have lower photosynthetic rates both
under well hydrated and water deficit conditions when compared to the non transformed line. The A/Cc
and A/I curves reveal that both stomatal and non-stomatal limitations reduce photosynthesis rates
under drought stress in all three lines.
Fluorescence analysis showed a slight decrease in the quantum yield of PSII in the nontransformed line suggesting higher resistance of transgenic plants chloroplasts to drought. These
results are in some extent corroborated by the slight increase of non-photochemical quenching values
in these last plants, especially at higher light intensity, indicating better energy dissipation processes
diminishing photo-damage risk. Pigment quantification reveals a higher chlorophyll a/b ratio, due to a
decrease in chlorophyll b, in transgenic lines under control conditions, related with lower Fv/Fm
values.
During the recovery process no differences were found between lines neither in water
relations or photosynthetic parameters.
The results suggest that under control conditions, transgenic lines have altered metabolism
probably due to the constitutive expression of the transforming genes. During drought stress both
transgenic lines present slight improvements at the chloroplast protection level, but these do not
benefit the plants overall photosynthetic capacity.
Keywords: Chlorophyll a Fluorescence, Gas exchange parameters, Medicago truncatula, Model
legume, Water deficit, Water relations.
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iii
Resumo
A transformação de plantas para uma maior resistência ao deficit hídrico é um objectivo
importante da engenharia genética. Apesar do comportamento recalcitrante das Leguminosae à
regeneração in vitro, duas linhas distintas de plantas transgénicas foram obtidas a partir da linha
altamente embriogénica (M9-10a) do legume modelo Medicago truncatula cv. Jemalong. Foram
escolhidos dois genes envolvidos em processos de resistência ao deficit hídrico, o Dsp22, que
codifica uma proteína tipo ELIP, e o gene Adc, que codifica uma enzima envolvida no metabolismo
das poliaminas.
O trabalho apresentado pretende avaliar e comparar por parâmetros fisiológicos a resistência
ao deficit hídrico das duas linhas transgénicas e a linha altamente embriogénica. Os ensaios foram
realizados durante a fase vegetativa de plantas crescidas em condições controladas sujeitas a
diferentes regimes de rega, ou bem irrigadas, ou em deficit hídrico imposto por supressão de rega ou
após nova rega.
A análise dos parâmetros hídricos mostra que as três linhas de plantas efectuam ajuste
osmótico. Pelos ensaios de trocas gasosas verificou-se que as plantas transgénicas têm menores
taxas fotossintéticas do que a linha não transformada, tanto em condições controlo como em deficit
hídrico. As curvas A/Cc e A/I revelam que ocorrem limitações estomáticas e não-estomáticas à
fotossíntese em deficit hídrico nas três linhas de plantas.
A análise de fluorescência da clorofila a mostra um pequeno decréscimo do rendimento
quântico do PSII na linha não-transformada em deficit hídrico sugerindo um aumento da resistência
dos cloroplastos das linhas transgénicas nestas condições. Estes resultados são de certa forma
corroborados por valores um pouco mais elevados de quenching não-fotoquímico nestas plantas,
especialmente a elevadas intensidades luminosas, indicando uma maior capacidade de dissipação de
energia e menor risco de sofrerem danos-fotoquímicos. A quantificação de pigmentos revela uma
maior razão de clorofila a/b, resultante do decréscimo de clorofila b, nas linhas transgénicas em
condições controlo, relacionada com um menor valor de Fv/Fm.
Não se verificaram diferenças entre linhas durante o processo de recuperação quer ao nível
das relações hídricas quer ao nível da fotossíntese.
Os resultados mostram que em condições controlo, as linhas transgénicas apresentam
metabolismo fotossintético alterado, provavelmente devido ao facto da expressão do gene
transformante ser constitutiva. Durante o deficit hídrico ambas as linhas transgénicas apresentaram
melhoramentos ao nível dos processos de protecção dos cloroplastos, que aparentemente não
beneficiaram a sua capacidade fotossintética.
Palavras-chave: Deficit hídrico, Fluorecência da clorofila a, Legume modelo, Medicago truncatula,
Relações hídricas, Trocas gasosas.
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iv
Lista de Abreviaturas
A – Taxa fotossintética
A/Cc – Taxa fotossintética em função da concentração de CO2 no local de carboxilação
A/Ci – Taxa fotossintética em função da concentração de CO2 intercelular
A/I – Taxa fotossintética em função da irradiância
ABA – Ácido abcísico
Adc – Gene codificante para a proteína arginina descarboxilase
Amax – Taxa de carboxilação máxima
AO – Ajuste osmótico
ATP – Adenosina trifosfato
Ca – Concentração atmosférica de CO2
CA1P – Carboxi-arabitol 1-fosfato
Cc – Concentração de CO2 no local de carboxilação
CDPK – Proteína quinase dependente de cálcio
Ci – Concentração de CO2 intercelular
P/V – Pressão em função de volume
DNA – Ácido desoxirribonucleico
DP – Desvio padrão
Dsp22 – Gene codificante para a proteína 22 relacionada com o deficit hídrico
EDTA – Ácido etilenodiaminotetracético
ETR – Taxa de transporte electrónico
F0 – Fluorescência basal às escuras
FBPase – Frutose-1,6-bifosfatase
Fm – Fluorescência máxima
Fv/Fm – Rendimento quântico efectivo do fotossistema III
gs – Condutância estomática ao CO2
ID – Índice de dano
IRGA – Analisador de gases por infra-vermelhos
J – Taxa máxima electrónica de regeneração da RuBP
Kc – Constante de Michaelis-Menten da Rubisco para o CO2
Ko – Constante de Michaelis-Menten da Rubisco para o O2
LEA – Proteínas induzidas tardiamente na embriogénese
MAPK – Proteína quinase mitogénica activada
NADPH – Nicotinamida adenina dinucleótido fosfato reduzido
NADP+ – Nicotinamida adenina dinucleótido fosfato oxidado
nd – Não determinado
NPQ – Quenching não-fotoquímico
PAM – pulso de luz de amplitude modulada
P5C – ∆1-pirrolina-5-carboxilato
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v
PCR – Reacção de polimerização em cadeia
PEG – Polietilenoglicol
PF – Peso fresco
Pi – Fosfato inorgânico
PPFD – Densidade de fluxo fotónico fotossintético
PS – Peso seco
PSI – Fotossistema I
PSII – Fotossistema II
PT – Peso túrgido
qN – Quenching não-fotoquímico
qP – Quenching fotoquímico
WUE – Eficiência do uso da água
Rd – Respiração mitocondrial à luz dia
RNA – Ácido ribonucleico
RNAase – Ribonuclease
ROS – Espécies reactivas de oxigénio
RT-PCR – Reacção de polimerização em cadeia em tempo real
RUBISCO – Ribulose-1,5-bisfosfato carboxilase/oxigenase
RuBP – Ribulose bifosfato
RWC – Conteúdo relativo em água das folhas
RWC0 - Conteúdo relativo em água das folhas no ponto de perda de turgescência
SDS – Dodecil sulfato de sódio
SPS – Sacarose fosfato sintetase
SWC – Conteúdo hídrico do solo
TBE – Tampão tris-boro EDTA
T-DNA – DNA de transfrência
TE – Tampão Tris-EDTA
TWC – Conteúdo hídrico da folha
Vcmax – Velocidade de carboxilação máxima
VTPU – Velocidade de uso das triose fosfato
ε - Módulo de elasticidade
∆F/Fm – Eficiência fotoquímica do PSII
Ψfolha – Potencial hídrico da folha
Ψs – Potencial de soluto
Ψs0 – Potencial de soluto no ponto de perda de turgescência
Ψs100 – Potencial de soluto à máxima turgescência
Ψsolo – Potencial hídrico do solo
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Ttransgénicas de Medicago Truncatula cv. Jemalong
vi
Índice
Agradecimentos
i
Abstract
iii
Resumo
iv
Lista de Abreviaturas
v
1. Introdução
1
1.1.Deficit Hídrico
1
1.1.1. Conceitos Gerais
1
1.1.2. Estratégias de Sobrevivência
2
1.1.3. Relações Hídricas
3
1.1.4. Percepção e Transdução de Sinais
4
1.1.5. Ajuste Osmótico
6
1.1.6. Resistência Membranar
7
1.2. Metabolismo do Carbono sob Deficit Hídrico
7
1.2.1. Difusão Gasosa e Regulação Estomática
8
1.2.2. Limitações Não-estomáticas
9
1.2.2.1. Danos Metabólicos
9
1.2.2.2. Danos Fotoquímicos e Fotoprotecção
10
1.3. Urgência no Aumento da Produtividade Agrícola
1.3.1. Transformação Genética para Maior Resistência ao Deficit Hídrico
1.4. Medicago truncatula como Planta Modelo da Família Leguminosae
1.4.1. Dois Casos de Sucesso de Transformação de Medicago truncatula
12
12
13
14
1.5. Objectivos
15
2. Material e Métodos
16
2.1. Material Vegetal e Condições de Germinação
16
2.2. Design Experimental e Regimes de Rega
16
2.3. Análise Molecular das Plantas Transgénicas ADC
17
2.3.1. Extracção de DNA
17
2.3.2. Amplificação do Transgene ADC por PCR
18
2.3.3. Screening das Plantas Transgénicas
18
2.4. Avaliação do Estado Hídrico das Plantas
18
2.5. Determinação da Estabilidade Membranar
20
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vii
2.6. Trocas Gasosas
20
2.6.1. Curvas A/Cc
20
2.6.2. Curvas A/I
21
2.7. Reacções Fotoquímicas
22
2.7.1. Medição da Fluorescência da Clorofila a
22
2.7.2. Determinação de Clorofilas e Carotenóides
23
2.8. Tratamento Estatístico
23
3. Resultados
24
3.1. Análise Molecular das Plantas Transgénicas ADC
24
3.2. Indução de Deficit Hídrico e Recuperação
25
3.3. Parâmetros de Crescimento da Folha
27
3.4. Relações Hídricas da Folha
29
3.5. Trocas Gasosas
32
3.5.1. Curvas A/Cc
32
3.5.2. Curvas A/I
35
3.6. Fluorescência da Clorofila a
38
3.7. Determinação de Clorofilas e Carotenóides
40
3.8. Avaliação do Processo de Recuperação
42
4. Discussão
44
4.1. Análise Molecular das Plantas Transgénicas ADC
44
4.2. Indução de Deficit Hídrico e Recuperação
44
4.3. Parâmetros de Crescimento da Folha
45
4.4. Relações Hídricas da Folha
46
4.5. Trocas Gasosas
49
4.5.1. Curvas A/Cc
49
4.5.2. Curvas A/I
51
4.6. Fluorescência da Clorofila a
52
4.7. Determinação de Clorofilas e Carotenóides
53
4.8. Avaliação do Processo de Recuperação
54
5. Conclusões
55
6. Bibliografia
56
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Ttransgénicas de Medicago Truncatula cv. Jemalong
viii
1 – Introdução
1. Introdução
1.1. Deficit Hídrico
1.1.1. Conceitos Gerais
O stresse em plantas é, num conceito simples, um factor externo que provoca uma
influência desvantajosa na planta (Lambers et al., 1998). Segundo Larcher (2003) stresse é
definido como um significativo desvio das condições óptimas da vida. É um termo por vezes
usado com imprecisão conduzindo a confusões de significado, uma vez que é usado para
denotar o que o provoca e em simultâneo a sua consequência. Outras imprecisões surgem,
por vezes, nos conceitos de deficit ou stresse hídrico, resistência à seca, evitar e tolerar a
desidratação e à relação destes com a produtividade das plantas, relacionadas ou não com
a utilização de diferentes escalas de tempo e de espaço. Na área da produção vegetal, que
envolve diferentes especialistas como agricultores, agronomistas, fisiologistas, bioquímicos
e biólogos moleculares, é fundamental definir os conceitos usados e as escalas de tempo e
de espaço em discussão (completamente diferentes entre um agronomista e um bioquímico,
por exemplo).
Segundo Blum (2005), as definições dadas por Levitt (1972) mantêm-se correctas e
actuais, pelo que, sempre que possível, serão essas as referidas neste trabalho. Assim,
ocorre deficit ou stresse hídrico quando as necessidades da planta em água não são
satisfeitas pela quantidade de água disponível no meio, conduzindo à redução do estado
hídrico da planta e desvio da homeostasia celular (Levitt, 1972; Blum, 2005; Passioura,
2007). O deficit hídrico é considerado um constrangimento ou stresse ambiental com
elevadas consequências adversas no desenvolvimento das plantas e, consequentemente,
na produtividade agrícola, piorando quando ocorre em simultâneo com outros stresses
(Boyer, 1982).
A resistência à seca no seu contexto fisiológico, definida de acordo com Levitt (1972)
é determinada pela capacidade das plantas em evitar a desidratação e/ou tolerar a
desidratação. O potencial de produção é definido como o máximo de produção em
condições não indutoras de stresse. A produtividade, ou produção efectiva, em condições de
stresse hídrico é determinada por factores genéticos (adaptação) e/ou capacidade de
resistência à seca e/ou pela capacidade de uso eficiente da água. Quando um genótipo é
mais produtivo sob deficit hídrico do que os restantes, é considerado mais resistente à seca.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
1
1 – Introdução
1.1.2. Estratégias de Sobrevivência
Na natureza, as plantas podem ser sujeitas a stresse rápido (horas e dias) ou a
stresse lento (semanas e meses), com efeitos completamente diferentes em termos de
respostas fisiológicas ou de adaptação. No stresse rápido a estratégia é minimizar a perda
de água e activar mecanismos de protecção ao stresse oxidativo, enquanto que no stresse
lento a estratégia é evitar, diminuindo o ciclo de vida ou optimizar o ganho dos recursos para
facilitar a aclimatação. A importância do tempo no ajuste das respostas da planta altera-se
completamente com o genótipo e o ambiente da planta (para revisão Chaves et al., 2003).
Como já foi dito, a resistência à seca é dividida em duas estratégias gerais, a de evitar e a
de tolerar o deficit hídrico (Levitt, 1972) porém, na prática, não são mutuamente exclusivas e
as plantas podem combinar diversos estratégias de resposta (Ludlow, 1989; Verslues,
2006).
Na estratégia em que o deficit hídrico é evitado, a planta defende-se da desidratação
dos tecidos mantendo o potencial hídrico tão elevado quanto possível. Pelo contrário,
quando o deficit hídrico é tolerado a planta tende a entrar em equilíbrio com o meio. A
primeira estratégia é comum tanto em plantas anuais como perenes, e está associado à
capacidade de minimizar a perda de água ou de maximizar a sua absorção. A perda de
água pode ser minimizada pelo fecho dos estomas e pela redução da evaporação devida ao
decréscimo da temperatura causado pela menor absorção de luz. A menor absorção de luz
pode ocorrer por enrolamento das folhas, alteração do ângulo das folhas (heliotropismo), ou
redução do tamanho da canópia, e por maior reflexão da luz por aumento da densidade da
camada de tricomas. O aumento de absorção de água é geralmente conseguido através do
maior investimento no crescimento das raízes e na diminuição da parte aérea. (para revisão
Mundree et al., 2002; Chaves et al., 2003; Blum, 2005).
A verdadeira tolerância ao deficit hídrico assenta predominantemente na reparação
dos danos causados após o período de seca, é o caso das plantas da ressurreição e
algumas algas. Noutras plantas, esta estratégia não é levada tão ao extremo e baseia-se em
mecanismos de protecção durante a desidratação depois de retardar a perda de água o
mais possível. Este mecanismo mistura-se muitas vezes com outro, também denominado de
tolerância ao deficit hídrico, que por vezes é tido como uma segunda linha de defesa após
os mecanismos de evitar o stresse Pode envolver ajuste osmótico, paredes celulares mais
rígidas e células mais pequenas. Muitas vezes surge a combinação: elevada concentração
de solutos, elevada esclerofilia e baixas capacidades fotossintéticas e condutividade
estomática (para revisão Mundree et al., 2002; Chaves et al., 2003; Blum, 2005).
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
2
1 – Introdução
Dentro da estratégia de evitar o stresse existe ainda outro mecanismo que consiste
na fuga ao stresse hídrico. Este mecanismo envolve dormência parcial da planta que exibe
elevado grau de plasticidade de desenvolvimento conseguindo completar o seu ciclo de vida
antes de ocorrer deficit hídrico fisiológico. A estratégia passa por combinar um ciclo de vida
curto, com elevadas taxas de crescimento e trocas gasosas, maximizando o uso de recursos
enquanto ainda existe humidade no meio. O melhoramento do sucesso reprodutivo
relaciona-se com uma partição de assimilados mais eficaz, o que está associado à
capacidade da planta em armazenar reservas em alguns órgãos como caules e raízes e à
mobilização para o fruto quando necessário (Mundree et al., 2002)
Os mecanismos de resistência que resultam de alterações morfológicas e fisiológicas
ao nível de toda a planta são menos passíveis de sofrer manipulações genéticas. Pelo
contrário, os mecanismos causados por modificações celulares e bioquímicas são mais
facilmente manipuláveis biotecnologicamente (Vinocur e Altman, 2005).
1.1.3. Relações Hídricas
A quantidade de água presente no tecidos vegetais e no solo é muitas vezes uma
medida útil de avaliação do seu estado hídrico, contudo, essa quantidade não permite
determinar o sentido das trocas hídricas entre o solo e a planta e entre as diferentes partes
desta (Kramer e Boyer, 1995). A diferença do estado termodinâmico da água num ponto do
sistema em comparação com o potencial químico da água pura à mesma temperatura e
pressão atmosférica dá o valor do potencial químico da água. O potencial químico (J.mol-1) é
uma quantidade relativa. Em fisiologia vegetal é mais comum usar o potencial hídrico, que é
o potencial químico da água a dividir pelo seu volume parcial molal (volume de uma mole de
água): 18x10-6 m3.mol-1. O potencial hídrico (Ψ) é então, uma medida da energia livre da
água por unidade de volume (J.m-3), que é equivalente a unidades de pressão e é resultante
de forças diversas que ligam a água ao solo e aos diversos tecidos vegetais (Richter, 1997;
Kramer e Boyer, 1995; Taiz e Zeiger, 1998).
Ψ = Ψs + Ψp +Ψg+ Ψm
O potencial osmótico ou potencial de soluto (Ψs) representa a diminuição da energia
livre da água provocada pela dissolução de solutos e é por isso um parâmetro negativo. Nas
células, a pressão osmótica depende da permeabilidade da membrana celular a solutos
moleculares. O termo Ψp corresponde à pressão hidrostática ou potencial de pressão da
solução. Pressões positivas elevam o potencial hídrico, pressões negativas reduzem-no.
Como a pressão osmótica dentro das células vegetais é maior do que a da solução externa,
a água tende a entrar para a célula. Contudo, as células vegetais têm parede celular com
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
3
1 – Introdução
forte elasticidade mecânica que gera uma pressão hidrostática na membrana celular. A
pressão hidrostática é denominada de turgescência e é igual à diferença da pressão
osmótica dentro e fora da célula. A gravidade leva a água a mover-se no sentido
descendente, a não ser que uma força da mesma intensidade mas com sentido inverso se
oponha. Contudo, esta componente gravitacional (Ψg) é normalmente ignorada porque não é
significativa quando as distâncias verticais são curtas. O potencial mátrico (Ψm) é a força a
que a água é ligada à superfície dos sólidos como paredes celulares, partículas do solo e
colóides. Este parâmetro tem valor baixo pelo que não é, por norma, considerado (Lambers
et al., 1998; Zhang et al., 1999; Larcher, 2003).
Quando a água entra na célula, aumenta o volume vacuolar que exerce uma pressão
de turgescência na parede celular, que por sua vez desenvolve em sentido oposto uma
força de pressão igual (Ψp>0), a pressão de parede que aumenta o estado energético da
água. Numa célula completamente túrgida o Ψ é igual a zero (Ψs = -Ψp). À medida que a
célula perde água, o volume do vacúolo diminui com consequente queda da turgescência
celular até ao ponto de perda de turgescência (Ψp=0), altura em que é visível o
emurchecimento da folha. Lawlor (1995) refere que em deficit hídrico, é neste ponto que o
metabolismo fotossintético começa a ser afectado. O limite deste decréscimo em volume até
ao ponto de turgescência zero depende da elasticidade das paredes. Tecidos com paredes
celulares rígidas, necessitam de maior pressão de turgescência para fazer distender as suas
paredes celulares durante a entrada de água. Espécies de zonas áridas tendem a ter
paredes de maior elasticidade, porque só assim as células podem perder mais água sem
atingirem o ponto de perda de turgescência, e, por outro lado, têm maior capacidade em
armazenar água. Assim, paredes mais elásticas contribuem para a manutenção da
turgescência, tal como a diminuição do potencial osmótico (Robichaux e Canfield, 1985). Em
plantas pouco adaptadas a situações de deficit hídrico, as folhas perdem turgescência a
valores mais elevados de conteúdo relativo em água (RWC, acrónimo do inglês, Relative
Water Content) e potenciais hídrico mais elevados (Nabil e Coudret, 1995). Apesar disto,
paredes rígidas também podem constituir uma vantagem nestas condições porque limitam a
expansão celular, e, assim, a área de folha. A menor área de transpiração permite diminuir a
perda de água, mantendo o mesmo grau de abertura estomática (Chimenti e Hall, 1994).
1.1.4. Percepção e Transdução de Sinais
A forma como as plantas detectam e respondem ao stresse hídrico envolve
mecanismos complexos. Os sinais podem ser diferentes para as diferentes respostas e o
local de produção do sinal e o local onde se dá a sua percepção é também fundamental
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
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1 – Introdução
para a compreensão dos processos de sinalização. Em resposta a esses sinais, diversos
genes são activados ou reprimidos ocorrendo alterações fisiológicas que conduzem a
alterações do programa de desenvolvimento da planta. A natureza dos mediadores
primários de resposta é, ainda, uma controvérsia, sendo possíveis candidatos o estado
hídrico, o estado de turgescência, a água ligada, fitohormonas como o ABA ou alterações
das membranas celulares. É de referir também, que alguns destes sinais não conduzem a
respostas confinadas ao local onde se dá a percepção do stresse, na raiz por exemplo, uma
vez que mensageiros percorrem a planta permitindo uma coordenação de respostas (para
revisão Xiong e Zhu, 2002; Chaves et al., 2003).
O primeiro passo de activação da resposta molecular a uma condição exterior é a
sua percepção por um receptor específico. Já foram descritos osmo-sensores em
Arabidopsis (AtHK1) (Urao et al., 1999) e transportadores de iões potássio (K+) seus
semelhantes em Eucaliptus camaldulensis (EcHKT) (Liu et al., 2001). Após activação destes
receptores, cascatas de resposta são activadas (ou desactivadas) transmitindo a informação
através de trajectos de transdução de sinais. Estes envolvem fosforilação e desfosforilação
de proteínas mediados por proteínas quinases e fosfatases cujos respectivos genes são
“upregulated” pelo deficit hídrico. A alteração da concentração de iões cálcio (Ca2+) no
citoplasma parece ser a responsável pela comunicação dos diferentes trajectos de
sinalização. As proteínas quinase mais comuns dependentes de Ca2+ são as CDPK e as
MAPK provavelmente ligadas à transdução de sinal entre o citoplasma e o núcleo (para
revisão Ramanjulu e Bartels, 2002; Zhu, 2002, Chaves et al., 2003).
Após o reconhecimento do estado de deficit hídrico, as respostas célula-orgão
podem ou não envolver o ABA. Nos trajectos dependentes, a acumulação da fitohormona
activa vários genes, alguns reconhecidos como adaptativos ao stresse. Os produtos destes
genes podem ser ou funcionais como as aquaporinas ou enzimas de biossíntese de
osmoprotectores, ou reguladores como as proteínas quinase. Os trajectos independentes do
ABA foram recentemente descobertos e como tal são ainda mal compreendidos, mas sabese que são rapidamente induzidos pela falta de água. Apesar destes dois trajectos serem
independentes, é altamente provável que haja troca de informação entre eles (para revisão
Kizis et al., 2001; Zhu, 2002, Chaves et al., 2003).
Os fosfolípidos de membrana também têm sido relacionados com a percepção de
estados de stresse osmótico, como o hídrico e de frio. A alteração da fluidez membranar
conduz a modificações e à reorganização do citoesqueleto que afecta os transportadores de
iões e canais de água (para revisão Knight e Knight, 2001).
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
5
1 – Introdução
1.1.5. Ajuste Osmótico
O ajuste osmótico, considerado um dos principais processos da adaptação das
plantas ao deficit hídrico, é uma resposta multi-génica que permite a continuação dos
processos metabólicos e o retomar do crescimento após a situação de stresse. Este
processo envolve a síntese de vários metabolitos que permitem a manutenção da
turgescência das células e a osmoprotecção de enzimas, membranas e polirribossomas.
Estes metabolitos podem ser aminoácidos como a prolina, compostos quaternários de
amónia como a glicina-betaína, proteínas hidrofílicas como as proteínas LEA (acrónimo do
inglês,, Late Embryogenic Proteins) e carbohidratos como frutanos e sacarose. O aumento
de produtividade resultante da ocorrência de ajuste osmótico foi verificado, por exemplo, em
leguminosas como o Pisum sativum L. (Rodrìguez-Maribona et al., 1992) e Cicer arietinum
L. (Morgan et al., 1991), cultivadas em ambiente natural. Ao nível das raízes o ajuste
osmótico é fundamental em condições de stresse hídrico, permitindo manter o gradiente
solo-raíz necessário para a absorção de água e o crescimento das raízes necessário à
procura de água a outros níveis do solo. Os mecanismos osmoprotectores só são activados
quando é atingido um stresse intenso, mas há variação entre genótipos. O ajuste osmótico é
crítico para a sobrevivência em deficit hídrico, mas não para a manutenção do crescimento e
produtividade da planta (para revisão Hoekstra et al., 2001; Serraj e Sinclair, 2002).
A prolina, um imino-ácido, é um dos compostos osmoticamente activos mais
estudados. O seu metabolismo apresenta características que não se encontram noutros
aminoácidos e que lhe conferem vantagem como molécula osmoprotectora, tais como: 1. o
facto de ser um produto terminal de uma via relativamente curta e altamente regulada; 2.
não ser interconvertido no seu percursor imediato, o ∆1-pirrolina-5-carboxilato (P5C), por uma
única enzima reversível mas por duas enzimas distintas, com diferentes mecanismos de
reacção e localizadas em diferentes compartimentos celulares, não estando, por isso,
ligados por uma reacção de equilíbrio; 3. o azoto-α ser uma amina secundária, não podendo
participar em reacções de transaminação ou descarboxilação comuns aos restantes
aminoácidos (para revisão Hare et al., 1999). A acumulação da prolina está envolvida na
estabilização das estruturas celulares, enzimas, membranas e poli-ribossomas, como
referido acima, não só por um processo biofísico mas, também, por diminuição dos radicais
livres presentes na célula. Esta destoxificação da célula resulta da oxidação do NADPH
durante a biossíntese de prolina contribuindo para a manutenção da razão NADP+/NADPH
em condições de menor assimilação de carbono, como tende a acontecer em deficit hídrico.
A síntese de prolina contribui ainda, para a respiração oxidativa uma vez que a sua
degradação parece levar à formação de agentes redutores utilizados na cadeia
transportadora de electrões da mitocôndria e, consequentemente, para a produção de
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
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1 – Introdução
adenosina trifosfato (ATP) essencial na recuperação dos danos causados pelo stresse. No
seu conjunto, estas características são um substancial contributo para o importante papel da
prolina nas plantas, tanto na tolerância a stresse hídrico como na recuperação após o
mesmo. Os benefícios trazidos pela biossíntese da prolina dever-se-á mais ao seu efeito
regulador de vias aparentemente não relacionadas, do que à acumulação do próprio produto
final (para revisão Hare e Cress, 1997).
1.1.6. Resistência Membranar
As membranas têm um papel importante na manutenção da integridade e
homeostasia celular e são essenciais na transdução de sinais e na regulação do transporte
iónico. Esse papel adquire uma importância crucial durante o período de deficit hídrico e
como tal, manter a sua integridade é fundamental (Mundree et al., 2002). Alterações do seu
estado físico podem regular a actividade, por exemplo, de aquaporinas, que, por sua vez,
estão envolvidas no controlo do volume celular (Tyerman et al., 2002) O decréscimo do
volume celular aumenta a viscosidade do citosol, o que aumenta a probabilidade de
ocorrerem interacções moleculares inespecíficas que podem conduzir à desnaturação das
proteínas e à fusão membranar (Hoekstra et al., 2001). Speer et al. (1988) mostrou que em
espinafre o deficit hídrico conduz primeiro a danos nas membranas fotossintéticas e só
depois nas membranas plasmáticas. De facto, as membranas cloroplastidiais são
especialmente susceptíveis ao stresse oxidativo associado ao deficit hídrico uma vez que
produzem maiores quantidades de espécies reactivas de oxigénio (ROS, acrónimo do
inglês,, Reactive Oxigen Species). Como referido atrás, estas alterações podem elas
próprias funcionar como sinalizadores de stresse hídrico.
1.2. Metabolismo do Carbono sob Deficit Hídrico
A fotossíntese é um processo metabólico extremamente regulado para maximizar o
uso da luz disponível, para minimizar os danos provocados pelo excesso de luz e para
optimizar o uso de carbono e azoto. Mecanismos de regulação por “feedback” estão
certamente envolvidos nesses objectivos (para revisão Paul e Foyer, 2001).
É do conhecimento geral que a taxa fotossintética decresce com o decréscimo do
conteúdo hídrico das plantas. Este decréscimo na fixação do carbono pode ocorrer por
limitação estomática, não metabólica, ou não-estomática, metabólica. Apesar de ser
consensual que os estomas têm um papel preponderante na limitação da assimilação do
carbono em stresse hídrico moderado, surgem desacordos na literatura, que estão
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
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1 – Introdução
principalmente relacionados com o início das alterações metabólicas induzidas pelo deficit
hídrico (para revisão, Flexas e Medrano, 2002; Lawlor e Cornic, 2002; Reddy et al., 2004).
Estes desacordos podem ser explicadas por diferenças na velocidade e grau de severidade
da imposição do stresse, pelo estado de desenvolvimento da planta, pela espécie em
estudo, que poderão ter diferenças nos timings de desactivação metabólica, e pela
sobreposição de outros tipos de stresse, que poderão modular a resposta celular ao
processo de desidratação (Chaves et al., 2003).
1.2.1. Difusão Gasosa e Regulação Estomática
No início do deficit hídrico normalmente ocorre um decréscimo da condutância
estomática antes da diminuição das taxas fotossintéticas. Este decréscimo sugere que a
inibição da fotossíntese em stresse moderado pode ser explicado principalmente por uma
restrição na difusão de CO2. Neste contexto, as limitações estomáticas são muitas vezes
consideradas o factor dominante na redução da fotossíntese sob deficit hídrico (Cornic,
2000). Esta hipótese é suportada por experiências em Primula palinuri em que se retirou a
epiderme das folhas antes do início da desidratação não havendo decréscimo da
fotossíntese (Dietz e Heber, 1983) e por experiências em que houve recuperação total das
taxas de fotossíntese em folhas exibindo RWC da ordem dos 60-70 % quando expostas a
concentrações saturantes de CO2 (Quick et al. 1992). Diversas experiências mostram que
elevado CO2 pode reverter os efeitos estomáticos e não-estomáticos que levam à
diminuição da fotossíntese sob deficit hídrico (Vassey e Sharkey 1989).
O estado hídrico das folhas está intimamente relacionado com a condutância
estomática e como tal, são por norma descritas boas correlações entre estes dois
parâmetros (Jones, 1998). A abertura e fecho dos estomas resultam de alterações de
turgescência nas células guarda relativamente às células da epiderme. Os detalhes da
resposta dos estomas ao deficit hídrico não são de simples compreensão porque podem ser
consequência de vários factores simultâneos, como a intensidade luminosa e a
concentração de CO2, além do estado hídrico da folha. Os estomas respondem à falta de
água no solo mesmo quando o estado hídrico da parte aérea é favorável (Schurr et al.,
1992). Esta resposta ao nível da folha resulta de sinais químicos, fitohormonas, enviados
pela raiz. A fitohormona ABA é a que melhor está relacionada com estes processos
(Schulze, 1986), mas existem outras que podem ou não agir em conjunto com o ABA,
regulando a abertura estomática. Esta regulação não é simples e envolve também os
exsudados xilémicos, a relação K+/Ca2+ e o pH das células das folhas (para revisão
Hetherington, 1998; E3). Por outro lado, Buckley e Mott (2002) propuseram que seriam as
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
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1 – Introdução
alterações na pressão de turgescência na folha a levar a um sinal indutor da alteração da
pressão osmótica das células guarda e consequentemente ao fecho dos estomas.
O importante papel dos estomas na regulação de perda de água e absorção de CO2
está relacionado com a sua extrema sensibilidade a factores externos (ambientais) e
internos (fisiológicos), não só em situação de stresse hídrico mas também na regulação ao
longo do dia, optimizando o ganho em carbono em relação à perda de água. A relação não
linear entre a assimilação do carbono e a condutividade estomática ou perda de água, ou
seja, o facto de a transpiração ser restrita antes e de forma mais intensa do que a inibição
da fotossíntese, leva a que a maior parte das plantas apresenta um aumento na eficiência
do uso da água quando em situação de baixo deficit hídrico. Esta descoberta levou à
hipótese de que a evolução privilegiou a optimização da absorção de carbono versus perda
de água (Raven, 2002).
Sob deficit hídrico o decréscimo da taxa fotossintética pode ser também resultado da
baixa difusão de CO2 através do mesófilo da folha até ao local de carboxilação. A resistência
do mesofilo ao CO2 pode contribuir grandemente para a limitação da sua passagem dos
espaços intercelulares (Ci) para o local de carboxilação (Cc) e como tal, conduzir a
estimativas elevadas da contribuição das limitações metabólicas na fotossíntese (Centritto et
al., 2003).
1.2.2. Limitações Não-estomáticas
1.2.2.1. Danos Metabólicos
Para além da diminuição da fotossíntese provocada pelo decréscimo do valor da
concentração interna de CO2, consequência do fecho dos estomas e aumento da resistência
do mesófilo, outras alterações ao nível do metabolismo do carbono poderão também ocorrer
em deficit hídrico.
Tezara et al. (1999) refere que a síntese de ATP e portanto a regeneração da
ribulose bifosfato (RuBP) provoca danos na fotossíntese em deficit hídrico moderado e Parry
et al. (2002) defende que a actividade da ribulose-1,5-bisfosfato carboxilase/oxigenase
(Rubisco) é reduzida em deficit hídrico para se ajustar aos novos valores de regeneração da
RuBP. Também a redução da actividade das enzimas frutose-1,6-bifosfatase (FBPase) e
sacarose fosfato sintetase (SPS) em stresse hídrico regula a síntese de amido e sacarose e
a sua partição (Reddy et al., 2004). Esta alteração tem consequências ao nível do fluxo de
fosfato inorgânico (Pi) para o cloroplasto que por sua vez impede a síntese de ATP que tem
um grande impacto na fotofosforilação e no ciclo de Calvin (Tezara et al., 1999).
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
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1 – Introdução
Limitações à regeneração da RuBP poderão resultar da baixa entrada de ATP e
NADPH no ciclo de Calvin ou diminuição da actividade enzimática de outras enzimas do
ciclo. Apesar de alguns estudos em plantas transgénicas sugerirem que a Rubisco não
deverá ser a principal limitação ao metabolismo cloroplastidial (Tezara et al., 1999), outros
estudos demonstram que a quantidade e actividade da enzima controla de facto a
assimilação do carbono. A quantidade de Rubisco nas folhas é regulada pela síntese e
degradação do enzima e em deficit hídrico a sua actividade é limitada pela ligação do
inibidor carboxi-arabitol 1-fosfato (CA1P) e “inibidores de dia” (Parry et al., 2002). A ligação
ao CA1P parece ser vantajosa sob deficit hídrico uma vez que a proteína fica protegida da
degradação por proteases (Khan et al., 1999). A libertação deste inibidor e a conformação
do seu sítio activo são reguladas pela Rubisco activase com gasto de ATP (Salvucci, 1989;
Portis, 1995). Sugere-se que a própria actividade desta enzima reguladora é também ela
reduzida sob deficit hídrico em consequência da concentração reduzida em ATP (Tezara et
al., 1999). Para além destes processos, a própria desidratação do cloroplasto e a
acidificação do estroma levam a reduzida actividade enzimática.
Alguns trabalhos revelam que o equilíbrio entre os componentes estomáticos e nãoestomáticos que controlam a capacidade fotossintética depende do Ci. Em plantas de
girassol bem irrigadas, observou-se um decréscimo da fotossíntese em condições de
reduzida disponibilidade de Ca, que não foi revertido com o aumento do Ca para o valor
inicial devido a desequilíbrios entre a regeneração da triose fosfato e RuBP causada pelo
decréscimo de Ci (Ort et al., 1994). Meyer e Genty (1999) mostraram que o baixo nível de
transporte de electrões induzido pela desidratação e por tratamentos com ABA, que
defendem ser mediado pela desactivação da Rubisco, não foi revertido na totalidade para
valores de controlo quando sujeitas a valores elevados de CO2. Estes resultados sugerem
que o declínio em Ci após o fecho dos estomas sob deficit hídrico prolongado poderá induzir
um ajuste (ou “downregulation”) da maquinaria fotossintética para se adequar aos valores de
CO2 disponíveis e ao decréscimo de crescimento. Esta teoria está também de acordo com o
decréscimo observado na actividade das enzimas do ciclo de Calvin (Medrano et al., 1997;
Maroco et al., 2002).
1.2.2.2. Danos Fotoquímicos e Fotoprotecção
A luz é absorvida por moléculas de clorofila e carotenóides que estão ligadas a
complexos antena nos tilacóides dos cloroplastos. A energia de excitação é transferida para
os centros de reacção onde o transporte electrónico oxida a água, reduz NADP+ e gera um
gradiente de pH que permite a formação de ATP (para revisão Arrabaça 2008). A luz
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
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1 – Introdução
excessiva para a capacidade de utilização por parte da planta, que diminui em deficit hídrico,
pode danificar estes processos e, portanto, tem de ser evitada ou resolvida. Para diminuir a
sua absorção as plantas ajustam por exemplo o ângulo das suas folhas, como já referido, ou
diminuem a razão clorofila/carotenoides. Por vezes, a luz absorvida pode ser desviada para
outros processos como a dissipação de calor ou para processos alternativos de gasto de
electrões (para revisão Chaves et al., 2003).
A dissipação da energia por calor é medida e por vezes denominada como
quenching não-fotoquímico (NPQ, acrónimo do inglês, Non Photochemical Quenching). Este
processo pode dissipar mais de 75 % dos fotões absorvidos (Demmig-Adams e Adams,
1996), diminuindo a redução do O2 tanto no PSI como no PSII e evitando a acidificação
excessiva do lúmen do cloroplasto. Apesar de a dissipação térmica poder persistir durante
algum tempo e estar associada a fenómenos de fotoinibição, ligados a um declínio da
eficiência fotoquímica máxima do PSII (Fv/Fm) associado a danos nas proteínas D1, é
normalmente um processo reversível dependente do pH e associado ao ciclo das xantofilas,
aumentando a anteraxantina e zeaxantina em detrimento da violaxantina (Demmig-Adams e
Adams, 1996). Dados sugerem que em adição ao seu papel na dissipação não-fotoquímica
de energia, o ciclo das xantofilas deve ter uma acção directa antioxidativa que aumenta a
tolerância da membrana dos tilacóides à peroxidação lipídica (para revisão Niyogi, 1999;
Niyogi, 2000).
O excesso de energia também pode ser dissipado pelo transporte electrónico
dependente de oxigénio. O O2 pode funcionar como aceitador de electrões através da
reacção de oxigenação catalizada pela Rubisco (fotorrespiração) ou através da sua directa
redução no PSI. A relativa importância destes dois processos na fotoprotecção é ainda um
debate (Heber et al., 1996; Wiese et al., 1998). A fotorrespiração permite gastar o excesso
de energia da cadeia linear transportadora de electrões da fotossíntese. A directa redução
do O2 pelo PSI é o primeiro passo na cadeia alternativa de transporte electrónico
denominada de Reacção de Mehler-ascorbato peroxidase ou ciclo água-água. Este pseudociclo gera o gradiente de pH necessário para a produção de ATP mas a produção líquida de
NADPH e O2 é nula (para revisão Niyogi, 1999; Niyogi, 2000)
A fotoprotecção poderá ainda ser conseguida por transporte cíclico de electrões, ao
nível do PSII envolvendo o citocromo b559, ou ao nível do PSI envolvendo os complexos
ferredoxina-plastoquinona oxidoreductase ou NADPH/NADH desidrogenase (para revisão
Niyogi, 1999; Niyogi, 2000).
Sob deficit hídrico, quando o uso da luz absorvida na fotossíntese, na fotorrespiração
e na dissipação térmica e nos outros processo fotoprotectores não é suficiente para gastar o
excesso de energia, há um aumento da produção de ROS, frequentemente acompanhado
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
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1 – Introdução
de um aumento de sistemas antioxidantes, como catalases, superoxido dismutase e
enzimas do ciclo ascorbato-glutationa (Asada, 1994; Niyogi, 1999). No entanto, esta
capacidade anti-oxidativa depende grandemente da severidade do stresse, da espécie em
causa e do seu estádio de desenvolvimento. Estes ROS, podem, contudo, funcionar
também como mensageiros secundários da activação de respostas de protecção (Dat et al.,
2000), como anteriormente referido.
1.3. Urgência no Aumento da Produtividade Agrícola
A produtividade potencial das principais culturas pode ser reduzida até cerca de 2/3
devido a condições de crescimento adversas (Bajaj et al., 1999). Tal como já foi dito, no
campo, a seca é um dos principais stresses causadores de perda de produtividade vegetal
(Boyer, 1982). A exploração excessiva dos solos resulta no aumento da sua erosão e
salinização conduzindo a uma grande perda de solo arável (Altman, 1999; Wang et al.,
2003; Vinocur e Altman, 2005). A maior parte das previsões baseadas na teoria do
aquecimento global indicam variações climatéricas cada vez mais extremas e cenários de
flutuação dos padrões de precipitação, contribuindo para um ainda maior aumento das áreas
áridas no globo (IPCC, 2007). Assim, o estudo das respostas e possíveis melhoramentos
das plantas em deficit hídrico é um ramo cada vez com maior importância não só para a
ciência mas também com grande impacto na produtividade agrícola. O desenvolvimento de
cultivares com fenótipos melhorados em resposta ao deficit hídrico através da engenharia
genética tem-se mostrado como uma forma relativamente rápida e direccionada para atingir
uma maior resistência ao stresse hídrico (Chaves et al. 2003).
1.3.1. Transformação Genética para Maior Resistência ao Deficit Hídrico
Numa época em que a população humana cresce a um maior ritmo do que a
produção agrícola, atingir o máximo possível de produtividade é fundamental. Nos anos 60,
a área ocupada para produção de alimento era de 0,44 ha/capita mas em 2050 essa área
terá de ser reduzida para 0,15 ha/capita (Altman, 1999). Como já referido, é imprescindível
optimizar o uso eficiente da água aumentando a produtividade das cultivares o que poderá
ser conseguido integrando aproximações biotecnológicas e tradicionais (Nuccio et al., 1999;
Chaves et al., 2003; Vinocur e Altman, 2005; Umezawa et al., 2006; Tuberosa e Salvi,
2006). Inúmeras tentativas foram executadas em Arabidopsis, arroz, milho e trigo, mas,
pelas razões acima mencionadas, o melhoramento de outras plantas terá também grande
importância económica e de sobrevivência. Um dos grupos com grande impacto agrícola é o
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
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1 – Introdução
das leguminosas e as suas diferenças profundas quando comparadas com a Arabidopsis
revelam a necessidade de estudos específicos neste grupo de plantas. (Frugoli e Harris,
2001). Esses estudos tornam-se ainda mais fundamentais se referirmos que as leguminosas
têm uma estreita base genética uma vez que são maioritariamente autogâmicas. A
expansão da sua base genética por incorporação de características vantajosas é por isso
fundamental. Contudo, protocolos de transformação são limitados devido à sua
característica recalcitrante à regeneração e à falta de métodos compatíveis de inserção de
genes (Chandra e Pental, 2003).
1.4. Medicago truncatula como Planta Modelo da Família Leguminosae
As Leguminoseae são o segundo mais importante grupo de plantas agrícolas logo
depois das Graminiae. Os legumes de grão e forraginosos cobrem cerca de 12 a 15 % da
superfície arável do planeta e constituem 27 % da produção mundial agrícola (Graham e
Vance, 2003). São uma importante fonte de alimento rica em proteínas para humanos e
pastagem para animais. Contudo, a sua maior vantagem reside no facto de enriquecerem o
solo com azoto atmosférico que fixam através de relações simbióticas que estabelecem com
espécies de bactérias da família Rhizobium, reduzindo a necessidade de uso de fertilizantes
nos solos agrícolas e suportando a existência de certos ecossistemas (Graham e Vance,
2003; Popelka et al., 2004). Cientificamente são também relevantes em diversas áreas da
biologia aplicada e fundamental.
Uma espécie de interesse crescente é a Medicago truncatula Gaertn., uma planta
forraginosa originária da bacia mediterrânica que se expandiu à Austrália por altura das
emigrações europeias (Bataillon e Ronford, 2006). Actualmente tira-se maior partido das
suas vantagens na Austrália do que no seu local de origem. Estima-se que ocupe 4,5
milhões de hectares na Austrália onde, para além de ser utilizado como alimento para o
gado, é importante no aumento de produção de cereais não só por fertilizar os solos com
azoto mas também por evitar a propagação de patogenes relacionados com doenças das
raízes para as cultivars seguintes. Apesar de ser também cultivada no Sul de França, a sua
distribuição poderia ser bastante mais alargada (Nair et al, 2006) Diversos plantas da família
das Leguminoseae estão já molecularmente caracterizados, contudo, os seus grandes
genomas, grandes sequências repetitivas, ploidia complexa e dificuldades na regeneração
de plantas transgénicas tem limitado severamente os estudos científicos nesta família. Os
atributos chave que permitem o uso de M. truncatula como modelo são precisamente o seu
pequeno genoma diploide (próximo do genoma do arroz, quatro vezes maior do que o da
Arabidopsis mas dez vezes inferior ao da ervilha), a sua natureza autogâmica, a sua
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
13
1 – Introdução
elevada produção de sementes e o seu pequeno ciclo de vida de 3 meses (Cook, 1999;
Araújo et al., 2004). A conclusão recente da descodificação do seu genoma foi um grande
passo no ramo da biologia de plantas. A recente caracterização fisiológica de M. truncatula
cv Jemalong (Nunes et al., 2007) permitiu avaliar a sua resistência ao deficit hídrico e
permitirá futuras comparações com linhas transgénicas e outras espécies de Medicago.
1.4.1. Dois Casos de Sucesso de Transformação de Medicago truncatula
Pelas razões atrás mencionadas, a transformação genética de Medicago truncatula
para uma maior resistência ao deficit hídrico é um objectivo importante e de grande
aplicação prática, que começa agora a ser atingido. Para além da sua transformação com o
gene indutor da produção de prolina (Verdoy et al., 2006), foi também conseguida a
obtenção de plantas que expressam constitutivamente o gene Dsp22 ou o gene Adc (Araújo
e Duque et al., 2004).
A escolha do gene Dsp22 prende-se com o facto de este estar associado à
capacidade de tolerância ao deficit hídrico em plantas da ressurreição Craterostigma
plantagineum. Apesar de nesta planta o cloroplasto e até as estruturas fotossintéticas
sofrerem profundas alterações estruturais durante o processo de desidratação, essas
alterações são reversíveis e as plantas re-hidratadas readquirem na totalidade a sua
capacidade fotossintética (Bartels et al., 1992). Alamillo e Bartels (2001) sugerem que a
proteína DSP22 se localiza no PSII em resposta à fotoinibição para proporcionar um
ambiente hidrofóbico adequado, permitindo a estabilização da zeaxantina, uma xantofila,
produzida em deficit hídrico e a sua interacção ou ligação às proteínas antena estabilizandoas. Desta forma, as proteínas DSP22 poderão ser importantes durante o processo de
desidratação porque outras proteínas estabilizadoras de pigmentos são degradadas em
stresse hídrico. Uma segunda vantagem poderá estar ao nível do processo de recuperação.
A zeaxantina estabilizada pela DSP22, protege o PSII durante a re-hidratação até o
cloroplasto readquirir a sua estrutura. A sua expressão é activada pelo ABA e a acumulação
dos transcritos só ocorre à luz.
O gene Adc foi escolhido por codificar a enzima arginina descarboxilase, essencial
na via metabólica das poliaminas, que cataliza a descarboxilação da arginina levando à
acumulação de putrescina que por usa vez é transformada em espermidina e espermina. As
poliaminas são aminas policatiónicas que têm sido relacionadas com diversos processos
fisiológicos nas plantas como na resistência ao deficit hídrico. A aplicação externa de
putrescina bem como a sobreexpressão de genes que conduzem à sua acumulação levam a
maior resistência ao stresse osmótico. Pelo contrário, a repressão desses genes conduz a
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
14
1 – Introdução
fenótipos sensíveis. Estas observações suportam a ideia de que as poliaminas poderão ter
uma função protectora durante o período de stresse, podendo estar ligadas à inactivação de
ROS e à estabilização das estruturas celulares, como as membranas dos tilacóides (Tibúrcio
et al., 1994). A acumulação de poliaminas em condições normais parece ter efeitos tóxicos
nas plantas e como tal a sua sobreexpressão constitutiva poderá não ser a forma mais
adequada de obter plantas resistentes (Tibúrcio et al., 1994). Em arroz sob deficit hídrico, a
sua expressão constitutiva minimiza a perda da clorofila mas afecta os padrões de
desenvolvimento in vitro (Capell et al., 1998).
1.5. Objectivos
A obtenção de plantas com novas características que melhor se adequam às
necessidades humanas tem sido uma procura, até certo ponto conseguida, ao longo dos
tempos por selecção e cruzamentos artificiais. Contudo, condições ambientais cada vez
mais extremas e a necessidade crescente de aumento da produção agrícola levou à
necessidade de métodos mais expeditos nessa procura o que contribuiu para a expansão de
técnicas de engenharia genética. No caso particular do deficit hídrico, uma condição
indutora de uma resposta altamente complexa e variável nas plantas, as manipulações
devem ser cuidadosamente avaliadas uma vez que interligações metabólicas inesperadas
poderão ocorrer e o comportamento da planta não ser o previsto. É neste contexto que
surge o trabalho apresentado.
O objectivo geral é a caracterização e comparação da resposta fisiológica da linha
altamente embriogénica M9-10a de Medicago truncatula cv. Jemalong e de duas linhas
transgénicas potencialmente resistentes ao deficit hídrico obtidas pela sua transformação
com o gene Dsp22 ou Adc. Essa caracterização envolve três principais metodologias, o
controlo do estado hídrico das plantas ao longo da imposição de deficit hídrico e
recuperação, parâmetros de trocas gasosas e medições de fluorescência modulada da
clorofila a. Um objectivo associado é a possibilidade de a caracterização da linha M9-10a
aqui apresentada, poder constituir um controlo fisiológico para futuras manipulações
genéticas desta espécie ou de outras da mesma família.
O objectivo mais específico é a selecção de parâmetros fisiológicos e ensaios que
melhor e mais facilmente avaliem a resistência destas plantas ao deficit hídrico, para
posterior selecção de plantas transformadas.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
15
2 – Material e Métodos
2. Material e Métodos
2.1. Material Vegetal e Condições de Germinação
Todas as sementes das plantas de Medicago truncatula Gaertn cv. Jemalong
utilizadas nos ensaios descritos, uma linha altamente embriogénica, M9-10a (Neves, 2000),
e duas linhas transgénicas DSP22 e ADC, foram cedidas pelo Laboratório de Biotecnologia
de Células Vegetais do Instituto de Tecnologia Química e Biológica. As sementes originais
foram uma doação da Estação Nacional de Melhoramento de Plantas de Elvas.
As sementes foram escarificadas segundo o protocolo descrito por Araújo et al.
(2004) com algumas modificações. Após imersão em ácido sulfúrico concentrado durante
não mais de 5 min, as sementes foram esterilizadas com hipoclorito de sódio e detergente
50 % (v/v) durante 2 min e lavadas com água desionizada até remoção de todo o
detergente. Foram de seguida imersas em etanol 70 % (v/v) durante 2 min, lavadas 3 vezes
em água desionizada e colocadas em caixas de Petri com papel de filtro humedecido com
água também desionizada. Passados 3 dias a 4 ºC no escuro, as caixas foram transferidas
para a câmara de crescimento (termoperíodo de 25/18 ºC, dia/noite, e humidade relativa de
40 %) onde germinaram dentro de 2 a 3 dias na ausência de luz. As sementes germinadas
foram mantidas nas caixas de Petri por mais uma semana, mas agora a uma intensidade
luminosa de cerca de 500 µmol m-2 s-1 (fotoperíodo de 16/8 horas, dia/noite) obtida a partir
de lâmpadas brancas fluorescentes e incandescentes (TLD58W/77, Halo Star 64476,
L30W/77 e L58W/77). Nessa altura, as plantulas com cerca de 3 cm de radícula foram
transferidas para tabuleiros com 3 dm3 de uma mistura de areia (Higium, Cartaxo - Portugal),
húmus (Fertilizante Orgânico Humais, Santarém - Portugal) e solo comercial de Montemor
(Horto do Campo Grande, Lisboa, Portugal), na proporção 1:1:2, que foram cobertos com
película aderente para manter a humidade elevada. Durante a primeira semana, a cobertura
de plástico foi progressivamente perfurada para diminuir gradualmente a humidade dentro
dos tabuleiros. Nas 3 semanas seguintes a rega fez-se de 2 em 2 dias até ser atingida a
capacidade de campo do solo. Só então as plantas foram transferidas individualmente para
vasos com 0,5 dm3 da mesma mistura de terra e mantidas mais 3 semanas na câmara de
crescimento sob as mesmas condições acima descritas.
2.2. Design Experimental e Regimes de Rega
A rega das plantas em vaso realizou-se de 2 em 2 dias até ser atingida a capacidade
de campo do solo. À oitava semana de crescimento cada uma das linhas de M. truncatula
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
16
2 – Material e Métodos
(M9-10a, DSP22 e ADC) foi dividida em 3 grupos. Um deles foi mantido bem irrigado ao
longo de todos os ensaios (controlo), o outro foi submetido a deficit hídrico por supressão da
rega durante 5 a 6 dias (deficit ou stresse hídrico) e o terceiro, destinado a ensaios de
recuperação, foi sujeito a idêntico regime de supressão de rega ao do grupo de plantas em
deficit hídrico seguido de um episódio de rega abundante a partir do qual os processos de
recuperação foram avaliados após 24, 48 e 72 horas (recuperação).
Na maioria dos ensaios utilizou-se a mais nova folha completamente expandida do
ramo principal de plantas com 8 a 9 semanas de crescimento. Nos casos em que foram
necessárias mais de uma folha, utilizaram-se as mais jovens completamente expandidas de
diversas ramificações.
2.3. Análise Molecular das Plantas Transgénicas ADC
As plantas transgénicas da linha DSP22 são descendentes de plantas homozigóticas
para o gene em questão, enquanto que as plantas transgénicas da linha ADC são oriundas
de plantas transformadas heterozigóticas. Como tal, todos as plantas desta linha foram
ensaiadas para determinação das que continham a construção transgene.
2.3.1. Extracção de DNA
O DNA genómico total das plantas ADC e de uma planta M9-10a foi extraído
seguindo, com algumas modificações, um protocolo descrito e optimizado para Arabidopsis
thaliana
(Edwards
et
al.,
1991).
Resumidamente,
100
mg
de
material
vegetal
(aproximadamente 2 folhas) proveniente de cada indivíduo a testar foram maceradas com
ajuda de uma vareta esmerilada num eppendorf contendo 700 µl de tampão de extracção
(200 mM TrisHCl, pH 7,5; 250 mM NaCl; 25 mM EDTA; 0,5 SDS) e uma espátula de areia
de quartzo. A mistura foi centrifugada (10000 rpm, 8 min) para separar os detritos celulares
e a areia do sobrenadante que foi recolhido para um novo tubo. De seguida efectuaram-se
duas extracções sucessivas com fenol-clorofórmio-álcool isoamílico (25:24:1), seguido de
uma outra com clorofórmio-álcool isoamílico (24:1). Os ácidos nucleicos presentes na fase
aquosa recolhida foram precipitados pela adição de 2 volumes de etanol absoluto gelado (20 ºC) e recuperados após centrifugação (10000 rpm, 5 min). O precipitado foi lavado com
etanol 75 % (v/v), deixado a secar ao ar e ressuspendido em 50 ml de tampão TE (TrisHCl
10 mM, pH 7,5 e EDTA 1 mM). Para remover o RNA, a suspensão de ácidos nucleicos foi
tratada com 20 µg/ml RNAase A (Sigma-Aldrich Inc., USA), durante 30 min a 37 ºC. A
concentração de DNA foi estimada em gel de agarose 0,8 % (p/v) em tampão TBE (tampão
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
17
2 – Material e Métodos
Tris-borato 0,09 M, pH 8, e EDTA 2 mM) marcado com brometo de etídio (0,5 µg ml-1)
usando como padrão DNA lambda de concentrações conhecidas (50-100-200 ng/µl).
2.3.2. Amplificação do Transgene ADC por PCR
A integração do transgene ADC no genoma das plantas transgénicas foi detectada
por Reacção em Cadeia de Polimerase (PCR, acrónimo do inglês, Polimerase Chain
Reaction) usando para o efeito oligonucleótidos iniciadores de amplificação (primers)
específicos para uma região da sequência codificante do gene ADC. As sequências dos
Primers
5’
são:
Oligo
1
–
5’
CGGCGATGTGTACCATGTCGAGGG3’
e
Oligo
5
–
GCGGGTGCAGCGGCATCGTCTCGG3’. Para cada amostra, a reacção de PCR foi
preparada da seguinte forma: 5 µL tampão de reacção da polimerase Taq (1x), 2 mM MgCl2,
1U polimerase Taq (Invitrogen), 0,1 mM de desoxirribonucleósidos trifosfato (dNTPs), 50
mM de cada primer, 200 ng de DNA genómico molde e água bi-destilada, para perfazer um
volume final de 25 µL. As condições do PCR foram 96 ºC por 2 min para desnaturação total
das cadeias de DNA, seguido de 34 ciclos de 40 s a 96 ºC para desnaturação das cadeias
DNA, 30 s a 60 ºC para emparelhamento dos primers, 2,5 min a 72 ºC para polimerização e
por fim 15 min a 72 ºC para completar a extensão das moléculas de DNA originadas. A
presença do gene ADC nas plantas testadas resultará na amplificação de um fragmento de
1,5 kb nos produtos de PCR, detectado após electroforese em gel de agarose.
2.3.3. Screening das Plantas Trasgénicas
Para seleccionar as plantas transgénicas, o DNA amplificado foi corrido num gel de
agarose de constituição já descrita. No gel, para além dos poços com DNA a ser testado
tinham-se também poços com os controlos negativos (DNA de M9-10a e a mistura de PCR
sem DNA), controlo positivo (mistura de PCR com o plasmídeo em causa) e marcador
molecular (1kb Plus DNA Ladder, Invitrogen, USA). Registaram-se imagens digitais dos géis
obtidos (Phospholmager system STORM).
2.4. Avaliação do Estado Hídrico das Plantas
A quantidade de água do solo foi avaliada pelo SWC (acrónimo do inglês, Soil Water
Content), expresso como uma fracção de peso (Coombs et al., 1987). A equação utilizada
foi: SWC (%) = 100 x (PF. PS) / PS, em que PF corresponde ao peso fresco de uma
amostra da zona interior do vaso e PS ao peso seco dessa amostra após secagem na
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
18
2 – Material e Métodos
estufa (Memmert, Schwabach, Germany), a 105 ºC durante 4 dias. O estado hídrico do solo
foi monitorizado através de medições psicrométricas (Psicrómetro HR 33T, Wescor, Logan,
USA, equipado com uma câmara C-52). O seu potencial hídrico (Ψsolo) foi determinado
cuidadosamente, encerrando na câmara uma pequena porção de solo do interior do vaso. A
leitura foi realizada em equilíbrio, 30 min depois de encerramento da câmara.
O estado hídrico da planta foi avaliado pelo RWC determinado de acordo com Catsky
(1960). A equação utilizada foi: RWC (%) = 100 × (PF – PS) / (PT – PS), em que PF
corresponde ao peso fresco da folha, PS ao peso seco da mesma folha determinado após
secagem na estufa (WTC binder, Tuttlingen, Germany), a 80 ºC durante 48 h, e PT ao peso
túrgido da folha imersa em água durante toda a noite, no escuro, e pesada após remoção
rápida do excesso de água com papel absorvente. Para o cálculo da área específica da
folha (m2 g-1 PS) (SLA, acrónimo do inglês, Specific Leaf Área) foi também determinada a
área das folhas utilizando para tal um medidor de áreas portátil (CI-202, CID Inc, Camas,
WA, USA). O valor do conteúdo hídrico da folha (TWC, acrónimo do inglês, Tissue Water
Content) foi calculado através da fórmula: TWC = (PF - PS) / PS. Com base no PF, PS ou
área de folha, foi também determinada a densidade da folha (%PS) e a espessura da folha
(PF / área da folha).
Os parâmetros hídricos das folhas da linha M9-10a, potencial osmótico à máxima
turgescência (Ψs100), potencial osmótico e RWC ambos no ponto de perda de turgescência
(Ψs0 e RWC0, respectivamente) e módulo de elasticidade (ε), foram calculados a partir de
curvas Pressão/Volume (P/V) determinadas no mesmo psicrómetro. Para construção das
curvas, três folíolos de três folhas foram destacados e imersos em água destilada durante
toda a noite, no escuro, para atingirem a máxima turgescência. Após remoção rápida do
excesso de água, os folíolos foram expostos ao ambiente do laboratório. As medições
psicrométricas foram efectuadas em equilíbrio, 20 min após o encerramento na câmara dos
discos de 0,5 cm de diâmetro, feitos a partir de folíolos progressivamente mais desidratados.
Um folíolo foi usado para a determinação do RWC no início de cada medição funcionando
como referência. Os parâmetros hídricos foram calculados de acordo com Schulte e
Hinckley (1985) e Bannister (1986).
Nas folhas das duas linhas transgénicas determinaram-se apenas o potencial hídrico
(Ψfolha), o potencial osmótico (Ψs) e o Ψs100. O primeiro parâmetro foi determinado num disco
de um folíolo destacado no momento da medição, o segundo foi determinado num disco de
um folíolo túrgido congelado em azoto líquido e o último foi determinado num disco de um
folíolo completamente túrgido. Estas determinações foram efectuadas no mesmo
psicrómetro e com o mesmo tempo de equilíbrio indicado acima.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
19
2 – Material e Métodos
2.5. Determinação da Estabilidade Membranar
Para determinar a influência do deficit hídrico na estabilidade membranar
recolheram-se dois grupos de 9 discos, com 0,5 cm de diâmetro cada, de 4 plantas controlo
e de 4 plantas em deficit hídrico de cada uma das linhas. Todos os grupos de discos foram
lavados cuidadosamente três vezes com água desionizada para remoção de solutos
provenientes dos danos nas células e vasos condutores provocados aquando do corte dos
discos. Um dos grupos foi imerso em água desionizada durante toda a noite no escuro
(controlo do ensaio) ou numa solução aquosa de polietileno glicol 8000 (PEG MW 8000,
Sigma) a 40 % (p/v). Após o período de desidratação induzida pelo PEG, todos os discos
foram lavados novamente e colocados a re-hidratar em 3 ml de água desionizada por 4
horas. A condutividade das soluções foi monitorizada usando um condutivímetro (Con 5.
EcoScan, Eutech Instruments, Singapore). As soluções foram depois aquecidas num banho
a 90 ºC por 90 min. A segunda medição realizou-se após arrefecimento das soluções até à
temperatura ambiente. O Índice de Dano (ID) foi calculado de acordo com Patakas et al.
(2002) utilizando os valores de condutividade resultante da perda de electrólitos das
amostras: % ID = (1 - (1 - (T1 / T2)) / (1 - (C1 / C2))) x 100, em que T1 e T2 representam
respectivamente a primeira e segunda medições de condutividade das amostras sujeitas a
desidratação pelo PEG e C1 e C2 representam respectivamente a primeira e segunda
medições da condutividade da amostra do controlo do ensaio.
2.6. Trocas Gasosas
As moléculas heteroatómicas como a de CO2 e a de H2O absorvem radiação infravermelha a comprimentos de onda específicos, ao contrário das moléculas com dois átomos
idênticos. Os aparelhos de análise de gases por infra-vermelhos (IRGA) permitem a
determinação na folha in vivo de uma série de parâmetros, podendo inferir-se
matematicamente o balanço das limitações bioquímicas e de difusão do CO2 para a
fotossíntese.
2.6.1. Curvas A/Cc
As medições de trocas gasosas para construção das curvas A/Cc, em que A
corresponde à taxa de assimilação aparente de CO2 e Cc à concentração de CO2 no
cloroplasto, foram realizadas em folhas não destacadas, utilizando um analisador portátil de
infra-vermelhos (IRGA, acrónimo do inglês, Infra Red Gas Analyser, LCpro+ ADC
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
20
2 – Material e Métodos
BioScientific Ltd, Herfordshire, UK) com câmara de condições controladas. As medições
foram efectuadas a humidade relativa de 60 a 70 %, temperatura de 25 ± 2 ºC e uma luz
externa saturante de 800 µmol m-2 s-1. De acordo com Long e Bernacchi (2003), as folhas
foram adaptadas por 10 min a 370 µmol mol-1 de Ca, o tempo suficiente para se atingir o
estado estacionário, no fim dos quais as primeiras medições foram efectuadas. As medições
seguintes foram efectuadas após 3 min a concentrações decrescentes de CO2, 300, 250,
200, 150 e 100 µmol mol-1. Neste ponto, Ca retomou o valor de 370 µmol.mol-1 para
confirmar que o valor inicial de A era recuperado. A partir daqui, aumentou-se
progressivamente o Ca para 450, 550, 650, 800 e 1000 µmol mol-1, novamente por períodos
de 3 min a cada concentração. O valor de A a concentração interna de CO2 (Ci) e a
condutividade estomática para o CO2 (gs) foram registados. Para construção das curvas o
valor de A foi corrigido para a área da folha efectivamente encerrada na câmara. Após a
determinação da área foliar, uma porção de folha foi utilizada para determinação do RWC e
uma outra para a determinação de pigmentos. A taxa máxima de carboxilação da Rubisco
(Vcmax) e a taxa máxima electrónica de regeneração da RuBP (Jmax) foram calculadas a
partir do modelo Farquhar et al. (1980), de acordo com Sharkey et al. (2007). No modelo
assumem-se os parâmetros cinéticos da Rubisco por serem relativamente conservados nas
plantas em C3. A 25 ºC, a constante de Michaelis-Menten da Rubisco para o CO2 (kc) é de
27,238 Pa e para o O2 (ko) é de 16,582 kPa. O ponto de compensação da fotossíntese para
o CO2 é de 3,743 Pa. Dos cinco parâmetros possíveis de obter com a aplicação do modelo
só se consideraram dois, Vcmax e Jmax. O valor representativo do uso das triose fosfato
(VTPU) não foi estimado porque as plantas não apresentaram limitações deste tipo e, como
tal, as curvas obtidas não apresentaram a terceira fase correspondente a este parâmetro. A
respiração de dia é um parâmetro difícil de estimar com exactidão devido aos erros
associados à estimativa de Ci a baixas concentrações, pelo que não foi incluído nos
resultados. A estimativa do valor de condutância do mesófilo (gm) foi máxima nas plantas
controlo (valor tomado como 30 µmol m-2 s-1 Pa-1) mas em deficit hídrico o valor foi bastante
variável.
2.6.2. Curvas A/I
As medições de trocas gasosas para construção das curvas A/I, em que I
corresponde à irradiância, foram realizadas no IRGA sob as condições já descritas, sempre
a 370 µmol mol-1 de Ca. As folhas foram pré-adaptadas por 10 min ao escuro, sendo depois
efectuadas
determinações
a
diferentes
irradiâncias
(PPFD,
acrónimo
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
do
inglês,
21
2 – Material e Métodos
Photosynthetic Photon Flux Density). A curva é construída com valores de A obtidos depois
de 4 min a cada irradiância, sendo utilizados valores de 50, 100, 200, 300, 500, 800, 1100 e
1300 µmol m-2 s-1. Novamente, para a construção das curvas, o valor de A foi corrigido para
a área de folha efectivamente encerrada na câmara e uma porção dessa folha foi
posteriormente usada para determinação do RWC. A análise da curva permitiu calcular os
valores da taxa fotossintética máxima (Amax), do rendimento quântico aparente da
fotossíntese ou rendimento da fotossíntese e do ponto de compensação para a luz (PC para
a luz) (Lambers et al., 1998). Os resultados da respiração mitocondrial à luz não foram
analisados, uma vez mais devido à falta de exactidão na determinação da fotossíntese
aparente a baixas concentrações de CO2.
2.7. Reacções Fotoquímicas
A energia luminosa absorvida pelas moléculas de clorofila da folha pode seguir três
trajectos: ser utilizada na realização de fotossíntese (fotoquímica), ser emitida na forma de
calor ou ser reemitida como fluorescência. Estes três processos competem entre si e,
medindo os parâmetros de fluorescência, podem retira-se informações acerca da
contribuição relativa de cada um deles para o metabolismo fotossintético.
2.7.1. Medição da Fluorescência da Clorofila a
A fluorescência da clorofila a foi determinada com um fluorómetro PAM 101 (Heinz
Walz, Effeltrich, Germany), nas folhas não destacadas a partir da qual se construíram as
curvas A/Cc. A eficiência fotoquímica máxima do fotossistema II (Fv/Fm) foi determinada
após adaptação da folha ao escuro por 10 min, de acordo com Kitajima e Butler (1975). Ao
ligar a luz de medição retirou-se o valor mínimo de fluorescência (F0). A emissão máxima de
fluorescência (Fm) foi obtida após um pulso saturante de 5120 µmol m-2 s-1. A taxa de
transporte de electrões (ETR, acrónimo do inglês, Electron Transport Rate) e os quenchings
fotoquímico (qP, acrónimo do inglês, Photochemical Quenching) e não-fotoquímico (qN
acrónimo do inglês, Non-photochemical Quenching) foram calculados segundo Genty et al.
(1989) e Schreiber et al. (1986), respectivamente, depois da adaptação da folha por 20 min
a uma luz actínica de 300 e 800 µmol m-2 s-1.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
22
2 – Material e Métodos
2.7.2. Determinação de Clorofilas e Carotenóides
Segmentos das folhas usadas para a construção das curvas A/Cc e fluorescência da
clorofila a foram imersos em 5 ml de acetona para extracção de pigmentos, durante pelo
menos dois dias a 4 ºC, no escuro. Após medição espectrofotométrica a 470, 652,4 e 665,2
nm (Espectrofotómetro Unicam 8700 Series, UV/Vis Spectrometer Unicam 2 td., Cambridge,
UK) as concentrações de clorofila a, clorofila b e carotenóides foram calculadas de acordo
com Lichtenthaler (1987).
2.8. Tratamento Estatístico
Os dados obtidos foram analisados por comparação de médias após avaliação da sua
normalidade. Foi aplicado o teste-t para as amostras paramétricas e o teste de Duncan para
as não-paramétricas no programa “Statistical Package for Social Sciences” (SPSS, 11.5,
2002). Diferenças significativas foram aceites para P<0,05 e representadas nas figures e
tabelas por diferentes letras (comparação de tratamentos na mesma linha) e diferente
número de asteriscos (comparação do mesmo tratamento entre linhas). As relações entre
diferentes parâmetros foram testadas por análises de regressão no programa GraphPad
Prism4. O teste-F permitiu a escolha do modelo de regressão que melhor se aplicava ao
grupo de dados em avaliação tendo em conta o seu significado fisiológico.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
23
3 – Resultados
3. Resultados
3.1. Análise Molecular das Plantas Transgénicas ADC
A selecção das plantas da linha M9-10a transformadas com o gene Dsp22 ou Adc foi
efectuada recorrendo à capacidade de resistência das plantas transformadas à canamicina
adquirida pela incorporação do plasmídeo no seu DNA. A inserção de uma só cópia do gene
nestas plantas foi confirmada por PCR e hibridação por Southern blot.
Após autopolinização da geração T0 de plantas transformadas com o gene Dsp22, a
análise do padrão de segregação da descendência baseada na hereditariedade da
resistência à canamicina mostrou que o transgene foi incorporado de forma estável no seu
genoma. A incorporação do transgene foi também confirmada por RT-PCR e Western blot.
As plantas T1 que só originaram descendência resistente à canamicina foram consideradas
homozigóticas para o gene transformante (Duque e Araújo et al., 2004). Os ensaios
fisiológicos que se apresentam neste trabalho foram realizados nesta geração T2
homozigótica para o gene Dsp22.
O lote de plantas transformadas com o gene Adc usado neste trabalho era composto
por indivíduos da geração T1, descendentes da geração T0 heterozigótica. Foi por isso
necessário identificar os indivíduos efectivamente transformados antes de iniciar os ensaios
fisiológicos. O DNA extraído das plantas potencialmente transformadas com o gene Adc foi
amplificado por PCR com um primer específico para o gene em causa, permitindo identificar
as plantas transformadas através do aparecimento de uma banda de cerca de 1,5 kb no gel
de agarose (Figura 1).
1,5 kb
Figura 1. Rastreio por PCR, com primer específico para o gene Adc, das plantas T1 descendentes da
geração T0 heterozigótica. Colunas 1 e 19: marcador de DNA 1Kb+; coluna 2: planta M9-10a não
transformada; colunas 3 a 16: plantas em teste em que 6, 12 e 15 correspondem a plantas T1 não
transformadas e as restantes a plantas transformadas mostrando uma banda de cerca de 1,5 kb
correspondente ao gene Adc introduzido; coluna 17: controlo positivo (plasmídeo contendo o gene
Adc) e coluna 18: controlo negativo, solução de PCR sem DNA.
Na Figura 1, as colunas 3 a 5, 7 a 11, 13, 14 e 16 correspondem a plantas
transformadas. Cada uma das colunas possui uma banda idêntica ao controlo positivo
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
24
3 – Resultados
(coluna 17) que corresponde a uma amostra com o plasmídeo contendo o gene em causa.
Pelo contrário, as colunas 6, 12 e 15 correspondem a plantas não transgénicas, com perfil
idêntico à coluna 2 que corresponde a uma planta M9-10a não transformada. A coluna 18
constitui o controlo negativo para excluir a hipótese de contaminação da solução de PCR.
Os indivíduos seleccionados desta forma foram usados nos ensaios presentes neste
trabalho e a sua descendência será também analisada permitindo isolar as plantas
homozigóticas.
3.2. Indução de Deficit Hídrico e Recuperação
A evolução do estado hídrico do solo foi avaliada nos vasos com os três tipos de
plantas em estudo durante o período de ensaios. A Figura 2 mostra que o SWC e o Ψsolo têm
evoluções diferentes ao longo do tempo. O primeiro decresce abruptamente nos primeiros
dias após a rega, ao contrário do que acontece com o potencial hídrico que decresce
lentamente neste fase e mais intensamente nos últimos dois dia do período de indução de
deficit hídrico. O valor inicial de SWC ronda os 70 % ao qual corresponde um valor de Ψsolo
próximo de zero. No final do período de indução de deficit hídrico o valor de SWC desce
para cerca de 10 % e o Ψsolo varia entre os -3,5 e os -5,5 MPa. Após novo período de rega,
para indução do processo de recuperação hídrica das plantas, os parâmetros comportam-se
de forma idêntica, atingindo valores semelhantes aos do controlo após dois dias.
100
6
SWC (%)
5
4
50
3
2
ψsolo
soil (-MPa)
SWC(%)
WP (-MPa)
1
0
0
1
2
3
4
Tempo (dias)
55
6
7
0
Figura 2. Evolução do SWC e do Ψsolo ao longo do período de ensaios. Os primeiros 5 dias
correspondem ao período de indução de deficit hídrico e os últimos 2 dias ao período de recuperação.
Os pontos indicados correspondem a medições isoladas e as setas indicam os momentos em que foi
efectuada a rega até ser atingida a capacidade de campo do solo.
O RWC das plantas varia linearmente com o decréscimo do Ψsolo e é idêntico para as
duas linhas de plantas transformadas e para a linha não transgénica (Figura 3A). Uma recta
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
25
3 – Resultados
comum pode então ser traçada, modulando o comportamento hídrico das 3 linhas de plantas
em função do Ψsolo (Figura 3B).
O diferente comportamento dos dois parâmetros hídricos do solo leva a que só se
verifiquem alterações no Ψsolo quando o SWC se aproxima do mínimo induzido pelo regime
de rega adoptado (Figura 3B). Assim, apesar do curto período de tempo de indução de
deficit hídrico e apesar de o SWC decrescer abruptamente nos dois primeiros dias após a
rega, a água disponível para a planta decresce de uma forma mais progressiva,
aproximando-se do padrão naturalmente encontrado na natureza em que o decréscimo da
disponibilidade hídrica no solo é gradual.
100
100
M9-10a
A
B
RWC
RWC ou SWC (%)
DSP
RWC (%)
ADC
50
0
SWC
50
0
0
1
2
3
4
5
6
7
0
1
2
ψ solo (-MPa)
3
4
5
6
7
ψ solo (-MPa)
Figura 3. Variação do RWC (A e B) e do SWC (B) com o decréscimo do Ψsolo. As regressões lineares
do decréscimo do RWC com o Ψsolo são idênticas para as três linhas de plantas em estudo (P<0,05)
(A). O conjunto de pontos pode por isso ser analisado numa única regressão linear (y = -9,531x +
78,03, R2 = 0,8197) (B).
É importante referir que não foram visíveis, em nenhum estádio de desenvolvimento,
quaisquer diferenças ao nível do fenótipo entre as duas linhas transgénicas e nem entre
estas e a linha não transformada.
A
B
C
Figura 4. Efeito da diferente disponibilidade hídrica no aspecto da parte aérea de plantas M.
truncatula linha M9-10a em condições controlo (A), em deficit hídrico após 5 dias de supressão de
rega (B) e após 3 dias de recuperação (C) em fase vegetativa com 8 semanas de desenvolvimento
(Barra = 10 cm)
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
26
3 – Resultados
Tal como previsto pelo idêntico comportamento hídrico das três linhas em relação à
diminuição do Ψsolo, não se verificaram diferenças nos sintomas visíveis de deficit hídrico ao
nível da parte aérea das plantas. Todas apresentavam, ao quinto dia de supressão de rega,
ramos pendentes, folhas emurchecidas e folíolos ligeiramente enrolados e fechados, não
sendo perceptíveis alterações no conteúdo em pigmentos. Como exemplo, é apresentado o
aspecto da parte aérea de uma planta da linha M9-10a nas condições referidas (Figura 4B).
Ao nível do processo de recuperação, também não foram visíveis diferenças na evolução do
estado de hidratação das três linhas. Passados 3 dias após a rega, toda a planta tinha
recuperado o aspecto hidratado (Figura 4C), característico das plantas controlo (Figura 4A).
3.3. Parâmetros de Crescimento da Folha
Os parâmetros de crescimento das folhas mais jovens completamente expandidas de
plantas das três linhas em estudo, M9-10a, Dsp22 e Adc, e nos três tratamentos estão
apresentados na Figura 5.
O valor de RWC de folhas de plantas controlo é ligeiramente mais elevado na linha
Adc do que na linha M9-10a. Esta diferença não se mantém em deficit hídrico mas verificase novamente após a recuperação. No controlo, o valor de RWC ronda os 75 % nas plantas
M9-10a aproximando-se de 80 % na linha ADC, enquanto que em deficit hídrico desce para
cerca de 40 % em todas as linhas e após recuperação retoma os valores controlo também
em todas as linhas. Estas ligeiras diferenças, mas ainda assim significativas, não foram
visíveis quando o RWC foi expresso em função do Ψsolo (Figura 3).
As principais diferenças entre os parâmetros RWC e TWC (Figura 3A e B
respectivamente) residem no facto dos valores de TWC após recuperação não atingirem os
valores do controlo nas linhas M9-10a e ADC. Este comportamento resulta do PS (Figura
5C) destas duas linhas, após recuperação, ser mais elevado do que no controlo. Na linha
ADC confirma-se a tendência para uma maior quantidade de água nos tecidos em controlo
embora após recuperação não se verifique o mesmo. Em relação ao PS (Figura 5C) é de
notar ainda, que a linha DSP22 é a que apresenta menor variação ao longo da imposição de
stresse.
No que se refere ao SLA (Figura 5D), a linha DSP22 parece ter um comportamento
mais positivo em relação ao deficit hídrico uma vez que a sua área não decresce tanto em
deficit hídrico como nas outras duas linhas e tende a recuperar melhor, aproximando-se
mais dos valores controlo. Por outro lado, a linha ADC destaca-se por possuir um valor de
SLA significativamente superior em condições controlo.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
27
3 – Resultados
100
RWC (%)
80
Aa
*
a
*
a
* **
a
* **
b
*
b
*
M9-10a
DSP
60
40
a
**
a
**
b
*
20
0
TWC (gH 2O g-1PS)
7
6
5
Ba
*
4
3
c
b *
*
a
*
ADC
a
**
a
*
b
* **
c
*
b
**
2
1
0
M9-10a
20
PS (%)
15
C ab a b
*
* ** *
DSP
ADC
a a a
* * *
b
a a *
** *
DSP
ADC
10
5
0
M9-10a
(m2-2gg-1-1DW)
PS)
SLA (m
0,08
D
a
* b b
* *
0,06
0,04
a
ab
* b
*
**
a
**
b b
* ** *
0,02
0
Espessura
da folha
(g-2)PF m-2)
Espessura
(g m
M9-10a
200
150
E
ab a
* *
b
*
100
DSP
ADC
a
a
* ** b * **
**
a b a
** ** **
DSP
ADC
50
0
M9-10a
Figura 5. Parâmetros de crescimento da mais jovem folha completamente expandida de cada uma
das linhas em estudo em condições controlo (barras negras), após 5 dias de deficit hídrico (barras
brancas) e após 3 dias de recuperação (barras cinzentas). As colunas representam médias ± DP de 5
a 10 réplicas independentes. Letras diferentes representam diferenças significativas entre
tratamentos para a mesma linha e asteriscos em diferente número representam diferenças
significativas para o mesmo tratamento em linhas diferentes para P<0,05.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
28
3 – Resultados
Quanto à espessura das folhas (Figura 5E), verifica-se que a linha ADC tem os
valores mais baixos para todos os tratamentos, cerca de 105 g m-2, e que a linha DSP22 tem
valores intermédios, na ordem dos 120 g m-2, entre esta e a linha M9-10a cujo valor ronda
os 128 g m-2. Apesar da ausência de diferenças em deficit hídrico em relação ao controlo na
linha M9-10a, todas as linhas apresentam o mesmo padrão de variação, tendo sido
observados valores mais baixos em deficit hídrico do que do que nas duas outras condições.
3.4. Relações Hídricas da Folha
Na Figura 6 estão representadas as curvas P/V obtidas em plantas controlo e em
deficit hídrico da linha M9-10a. As regressões apresentadas correspondem à zona linear da
curva e permitem estimar, entre outros, o Ψs100 e, consequentemente, o valor de ajuste
osmótico e o módulo de elasticidade.
1/Ψ (-MPa)
2,0
1,6
1,2
0,8
0,4
0,0
100
50
0
RWC (%)
Figura 6. Curvas P/V da linha M9-10a obtidas a partir de folhas jovens completamente expandidas de
3 plantas em condições controlo (■) e de 3 plantas em deficit hídrico (□). As regressões apresentadas
correspondem à parte linear das curvas.
Para as duas linhas transgénicas não foram construídas curvas P/V devido a
condicionamentos de material, porém, alguns dos seus parâmetros hídricos foram também
determinados (Tabela 1) para permitir a comparação entre diferentes linhas.
O deficit hídrico imposto provocou uma acentuada descida do Ψfolha nas três linhas
(Tabela 1). A maior variação verificou-se ao nível da linha não transformada, M9-10a, cujo
decréscimo foi de 75 %, provocado quer por um maior valor em condições controlo, quer por
um menor valor em deficit hídrico. As duas linhas transgénicas, DSP22 e ADC,
comportaram-se de forma semelhante entre si com o Ψfolha a decrescer para cerca de
metade em deficit hídrico. Após o período de recuperação, o Ψfolha dos dois grupos de
transgénicas aproxima-se do valor controlo.
Quanto ao Ψs, não se verificaram diferenças entre as três linhas e só as plantas ADC
não atingiram os valores do controlo após a recuperação.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
29
3 – Resultados
Em deficit hídrico, o Ψs100 das linhas transgénicas não atinge valores tão baixos
quanto a linha M9-10a, mas em controlo os valores são idênticos para as três linhas. Esta
desigualdade leva a diferenças na capacidade de ajuste osmótico das plantas. A linha M910a apresenta um valor mais elevado (0,84) enquanto que as linhas transgénicas só
atingem 33 % desse valor (0,25).
O ε não varia na linha M9-10a quando as plantas são sujeitas a deficit hídrico.
Apesar de não haver diferenças no ID das membranas entre as diferentes linhas
para nenhum dos tratamentos hídricos, as plantas ADC apresentam diferenças entre o
controlo e deficit hídrico em consequência de um maior dano membranar verificado em
condições controlo.
Tabela 1 – Potencial hídrico (Ψfolha), potencial osmótico (Ψs), potencial osmótico à máxima
turgescência (Ψs100), valor de ajuste osmótico (AO), módulo de elasticidade (ε) e índice de dano
membranar (ID) de folhas das três linhas de plantas nas condições hídricas em estudo. Os valores
são médias ± DP (n=4). Letras diferentes representam diferenças significativas entre tratamentos
para a mesma linha e asteriscos em diferente número representam diferenças significativas para o
mesmo tratamento em linhas diferentes para P<0,05. A nomenclatura “nd” denota parâmetros não
determinados por razões de limitação de material e “-“ denota parâmetros cuja determinação não tem
sentido fisiológico.
Ψfolha (-MPa)
Ψs (-MPa)
Ψs100 (-MPa)
1,07 ± 0,24
*a
1,67 ± 0,17
** a
1,52 ± 0,11
** a
1,32 ± 0,18
*a
1,28 ± 0,16
*a
1,12 ± 0,07
*a
0,99 ± 0,08
*a
0,97 ± 0,12
*a
0,87 ± 0,057
*a
4,34 ± 0,82
*b
3,28 ± 0,68
** b
3,58 ± 0,29
** b
3,13 ± 0,72
*b
3,10 ± 0,76
*b
3,07 ± 0,39
*b
1,83 ± 0,03
*b
1,22 ± 0,16
** b
1,12 ± 0,08
** b
1,88 ± 0,25
*c
1,73 ± 0,12
* ** a
1,47 ± 0,10
** a
1,61 ± 0,15
*a
1,59 ± 0,17
*a
1,57 ± 0,25
*c
AO (-MPa)
ε
ID (%)
-
2,3 ± 0,17
a
-
nd
-
nd
37 ± 9
*a
32 ± 4
*a
44 ± 7
*a
0,84
2,6 ± 0,20
a
0,25
nd
0,25
nd
nd
-
nd
nd
nd
-
nd
nd
nd
-
nd
nd
Controlo
M9-10a
DSP22
ADC
Deficit Hídrico
M9-10a
DSP22
ADC
29 ± 5
*a
29 ± 5
*a
29 ± 5
*b
Recuperação
M9-10a
DSP22
ADC
Apesar das diferenças encontradas no comportamento do Ψfolha, especialmente na
linha M9-10a, para os três tratamentos hídricos (Tabela1), quando se faz regredir o TWC em
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
30
3 – Resultados
função deste parâmetro (Figura 7) não se verificam diferenças entre as três linhas e, como
tal, serão representados por uma recta comum. Da mesma forma, o Ψs das folhas decresce
com o decréscimo do Ψfolha a uma taxa idêntica para as três linhas (Figura 7B).
6
B
DSP22
4
ADC
4
ψ s (-MPa)
TWC (gH2O gPS-1)
5
M9-10a
A
2
3
2
M9-10a
1
DSP22
ADC
0
0
0
1
2
ψ
3
folha
4
5
0
1
2
ψ
(-M Pa)
folha
3
4
5
(-M Pa)
Figura 7. Relação entre Ψfolha e TWC (A) e Ψfolha (B) para as três linhas estudadas. Cada ponto
representado corresponde a uma planta diferente. Em ambas as relações as regressões são comuns
às três linhas em estudo (A: y=-1,028x+6,231; R2=0,7281 e B: y=0,7752+0,1595x+0,1526x2; R2
0,9231) para P<0.05.
Para manterem o valor de potencial hídrico mais vantajoso durante os períodos de
seca, as plantas podem acumular diversos compostos activos. Um deles, com reconhecida
dispersão nas plantas, é o imino-ácido prolina. A acumulação desta molécula foi investigada
nas três linhas de plantas e nos três tratamentos a que foram sujeitas. Verificou-se que de
facto, esta espécie acumula prolina em deficit hídrico. Contudo, essa acumulação só se
verifica quando o RWC baixa para cerca de 30 %. Após recuperação, a concentração desta
molécula retoma os valores típicos de controlo (Figura 8).
45
M9-10a
Prolina (mg g-1PS)
40
DSP22
35
ADC
30
25
20
15
10
5
0
0
25
50
RWC (%)
75
100
Figura 8. Variação da acumulação de prolina com a alteração do valor de RWC. Para cada uma das
linhas ensaiaram-se 3 amostras independentes para cada tratamento (controlo, deficit hídrico e
recuperação), realizando-se duas réplicas para cada uma delas.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
31
3 – Resultados
3.5. Trocas Gasosas
3.5.1. Curvas A/Cc
Para avaliar a capacidade fotossintética das três linhas de M. truncatula em estudo,
construíram-se curvas A/Cc de plantas em situação controlo e em deficit hídrico (Figura 9).
As curvas da linha M9-10a, nas duas condições estudadas, apresentam claramente
valores mais elevados de A para a toda a gama de Cc em comparação com as duas linhas
transgénicas. Por outro lado, em deficit hídrico, o valor máximo de Cc atingido foi claramente
superior nas linhas transgénicas. Como essa diferença não foi visível nas curvas A/Ci
(resultados não apresentados), pode inferir-se que a linha não transgénica adquire maior
resistência à difusão gasosa ao nível do mesófilo em situação de deficit hídrico.
O facto de para o mesmo valor de Ca os valores de Ci (resultados não
apresentados), e consequentemente os valores de Cc, serem inferiores em situação de
deficit hídrico, mostra que os valores mais baixos de A nestas condições são, pelo menos
em parte, causados por limitações estomáticas. Por outro lado, valores de A inferiores em
deficit hídrico para o mesmo valor de Cc, sugerem que ao nível de deficit hídrico atingido
também se verificam limitações não-estomáticas à fotossíntese.
40
40
B
A (µmol m-2 s-1)
A
30
M9-10a
DSP22
30
ADC
20
20
M9-10a
10
DSP22
ADC
0
0
25
50
Cc (Pa)
75
10
0
100 0
25
50
75
100
Cc (Pa)
Figura 9. Relação entre a taxa de assimilação do carbono (A) e a concentração de CO2 no local de
carboxilação (Cc) em plantas bem irrigadas (A) e em deficit hídrico (B) para as três linhas me estudo.
Sob deficit hídrico não se verificaram diferenças entre as curvas das duas linhas transgénicas. Os
pontos representam médias ± DP de 4 réplicas para cada linha e tratamento.
Tal como facilmente inferido pela forma das curvas A/Cc, as duas linhas transgénicas
apresentam comportamentos semelhantes especialmente em deficit hídrico. Em controlo, a
linha DSP22 apresenta um comportamento intermédio entre as duas outras linhas.
Das curvas A/Cc foi possível estimar os valores de Vcmax e J e perceber a sua
relação com o estado hídrico da planta (Figura 10). Não foi possível calcular o parâmetro
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
32
3 – Resultados
VTPU uma vez que as plantas não apresentaram limitações recorrentes da utilização das
triose fosfato (zona de decréscimo da curva após a fase estacionária). As regressões dos
dois parâmetros estimados, em função do RWC, (Figura 10) confirmam que as plantas
transgénicas não apresentam diferenças significativas entre si (para P<0,05) na sua
resposta ao deficit hídrico, mas que se distinguem da linha M9-10a.
Como não há relação entre Vcmax e o RWC (Figura 10A) para as linhas
transgénicas, pode sugerir-se que estas não sofrem limitações na fotossíntese provocadas
pela diminuição da actividade da Rubisco em deficit hídrico, ou que, por outro lado, em
condições controlo Vcmax está já comprometida.
O decréscimo de J em função do RWC (Figura 10B) é semelhante entre a linha não
transformada e as linhas transgénicas, o que indica que ambos os grupos sofrem
igualmente limitações ao nível da regeneração da RuBP em deficit hídrico. Contudo, esse
decréscimo acontece a valores mais baixos nas linhas transgénicas.
200
120
B
100
J (µ mol m -2 s -1)
Vcmax (µ mol m -2 s -1)
A
80
60
40
M9-10a
20
Transgénicas
0
0
25
50
RWC (%)
160
120
80
40
M9-10a
Transgénicas
0
75
100
0
25
50
RWC (%)
75
100
Figura 10. Variação da velocidade de carboxilação máxima (Vcmax) (A) e taxa de regeneração da
RuBP (J) (B) em função do RWC. Os valores de Vcmax não variam com o RWC nas linhas
transgénicas enquanto que para a linha M9-10a decrescem significativamente (y=1,035x+16,37;
R2=0,5436). O decréscimo de J é idêntico para as duas linhas transgénicas (y=1,057x+34,97;
R2=0,4831) e apesar dos valores mais elevados da linha M9-10a o declive mantém-se
(y=1,596x+30,00; R2=0,6292).
Tal como já referido, em situação de deficit hídrico e para o mesmo valor de Ca, o
valor de Ci (resultados não apresentados) é inferior ao de plantas controlo, o que revela a
existência de limitações estomáticas à fotossíntese. A resposta de gs à variação do RWC
está apresentada na Figura 11. Nesta, pode verificar-se o elevado decréscimo de gs com a
redução de disponibilidade hídrica e verificar que esse decréscimo se afasta da linearidade
uma vez que o decréscimo é mais acentuado no início do período de perda de água.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
33
3 – Resultados
0.7
M9-10a
-1
0.5
-2
gs (mol m s )
0.6
0.4
DSP22
ADC
0.3
0.2
0.1
0.0
0
25
50
RWC (%)
75
100
Figura 11. Relação entre o gs e o RWC. As regressões para as três linhas estudadas não
apresentam diferenças significativas para P<0,05. Pode por isso, traçar-se uma curva comum
(y=1,85*10-6x3,38; R2=0,8193).
Para avaliar a evolução do WUE com o deficit hídrico, foi traçada na Figura 12 a
relação entre este parâmetro, assim como de A e E, com gs. A variação de A e de E (Figura
12A e B, respectivamente) apresentam a mesma tendência para as três linhas, com a
DSP22 a situar-se numa posição intermédia entre a M9-10a e a ADC. As diferenças nos
decréscimos dos dois parâmetros para as três linhas conduzem a diferenças no WUE. Nas
linhas transgénicas em deficit hídrico A decresce mais do que E pelo que nestas condições,
apresentam valores mais elevados de WUE. A linha M9-10a apresenta a mesma tendência,
contudo, valores de WUE mais elevados em controlo não permitem verificar variações
estatisticamente significativas com a imposição de deficit hídrico.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
34
3 – Resultados
30
-2
-1
A (mmol m s )
A
20
10
M9-10a
DSP22
ADC
0
0.0
0.1
0.2
0.3
0.4
0.5
0.6
0.7
7
-2 -1
E (mmol m s )
6
B
5
4
3
M9-10a
2
DSP22
1
ADC
WUE
µ molCO2 m-2 s -1/mmolH2O m-2 s -1)
((µ
0
0.0
0.1
0.2
0.3
0.4
0.5
0.6
0.7
7
6
C
5
4
3
M9-10a
2
DSP22
1
0
0.0
ADC
0.1
0.2
0.3
0.4
-2
0.5
0.6
0.7
-1
gs (mol m s )
Figura 12. Relação entre a taxa de assimilação do carbono (A), transpiração (E) e o uso eficiente da
água (WUE) e a condutividade estomática (gs) (A, B e C respectivamente). A regressão hiperbólica é
a que melhor se aplica à resposta de A e E ao gs. A resposta de A é estatisticamente diferente para
todas as linhas de plantas e inferior para as transgénicas. Para E, só a linha ADC apresenta uma
resposta significativamente diferente das duas outras linhas. Quanto ao WUE, a linha M9-10a não
apresenta variação com o RWC e as linhas transgénicas têm uma resposta idêntica entre si (y=3,607x+5477, R2=0,7424) para P<0,05.
3.5.1. Curvas A/I
Para completar a avaliação da capacidade fotossintética das três linhas de M.
truncatula em estudo, construíram-se curvas A/I de plantas em situação controlo e em deficit
hídrico (Figura 13).
As curvas de resposta de A à luz apresentam diferentes formas para diferentes
valores de RWC (Figura 13). Em condições controlo a linha M9-10a apresenta valores de A
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
35
3 – Resultados
mais elevados do que as duas linhas transgénicas à excepção dos pontos a baixa
intensidade luminosa. Os valores mais elevados da linha M9-10a mantêm-se em deficit
hídrico para todos os valores de PPFD acima do PC para a luz. Em condições controlo
(Figura 13A) a luz saturante para todas as linhas ronda os 800 µmol m-2 s-1 e na primeira
gama de deficit hídrico (RWC 50-70 %) (Figura 13B) esse valor mantém-se para as duas
linhas em que foi possível traçar as curvas (M9-10a e DSP22). Para valores de RWC entre
40 e 50 % (Figura 13C) encontrou-se a maior variabilidade de formas de curvas e para o
nível mais severo de deficit hídrico (Figura 13D) não foi possível atingir o valor máximo de A
para nenhuma das linhas.
-2 -1
A (µmol m s )
30
30
A
25
25
20
20
15
15
10
M9-10a
10
5
DSP22
5
ADC
0
250
-5
500
750
1000
1250
C
25
-1
-2
M9-10a
DSP22
0
250
-5
500
750
500
750
1000
1250
1000
1250
30
30
A (µmol m s )
B
25
D
20
M9-10a
20
M9-10a
15
DSP22
15
DSP22
10
ADC
ADC
10
5
5
0
0
250
-5
500
750
-2
1000
-1
PPFD (µmol m s )
1250
-5
250
-2
-1
PPFD (µmol m s )
Figura 13. Relação entre a taxa de assimilação do carbono (A) e a intensidade luminosa (PPFD) em
plantas bem irrigadas (A) e em níveis sucessivamente mais intensos de deficit hídrico, RWC entre 5070 %; 40-50 % e 30-40 % (B, C e D respectivamente) para as três linhas de plantas em estudo. Em A
cada ponto representa a média ± DP de 4 réplicas e em B, C e D são apresentadas curvas
representativas para cada nível de RWC.
Em condições controlo o ponto de compensação para a luz é baixo e semelhante em
todas as linhas, mas aumenta progressivamente com o decréscimo do RWC. A sua análise
em função deste parâmetro (Figura 14A) permite verificar que a regressão linear é igual para
todas as linhas (P<0,05) e que por isso, o conjunto de dados pode ser analisado numa só
regressão (Figura 14B). O valor do PC para a luz varia entre próximo de zero para as
plantas controlo e chega próximo de 350 µmol m-2 s-1 para o nível de deficit hídrico mais
severo.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
36
3 – Resultados
400
M9-10a
PC Luz (µmol m-2 s-1)
A
DSP22
300
ADC
400
B
300
200
200
100
100
0
0
0
25
50
RWC (%)
75
100
0
25
50
RWC (%)
75
100
Figura 14. Relação entre o ponto de compensação (PC) para a luz e o conteúdo hídrico da folha
(RWC). As regressões lineares para as três linhas estudadas (A) não apresentam diferenças
significativas para P<0,05. Uma única recta pode então representar esta relação (B) (y=6,591x+507,2; R2=0,8260).
As regressões lineares de Amax com o RWC (Figura 15) são diferentes para as três
linhas de plantas. Apesar de os declives não serem estatisticamente diferentes (P<0,05) os
valores em controlo e deficit hídrico são significativamente mais baixos paras as duas linhas
transgénicas. De notar, contudo, os elevados desvios padrões.
Amax (µmol m-2 s-1)
40
M9-10a
DSP22
30
ADC
20
10
0
0
25
50
RWC (%)
75
100
Figura 15. Relação entre a taxa máxima de assimilação do carbono (Amax) e o conteúdo hídrico da
folha (RWC). As regressões lineares para as três linhas estudadas apresentam diferenças
significativas para P<0,05 (M9-10a: y=0,3642x+1,515, R2=0,6139; DSP22: y=0,5551x-17,10,
R2=0,896 e ADC: y=0,3094x-4,949, R2=0,7997).
Quanto ao rendimento da fotossíntese (Figura 16), a linha M9-10a apresenta um
decréscimo com o RWC idêntico ao das duas linhas transgénicas embora estas últimas
difiram entre si (P<0,05). Uma vez mais os resultados devem ser analisados
cuidadosamente devido aos elevados desvios padrões.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
37
Rendimento da Fotossíntese
3 – Resultados
0.12
M9-10a
0.10
DSP22
ADC
0.08
0.06
0.04
0.02
0.00
0
25
50
RWC (%)
75
100
Figura 15. Relação entre o rendimento da fotossíntese e o conteúdo hídrico da folha (RWC). A
regressão linear da linha não transformada é idêntica a ambas as linhas transgénicas, apenas estas
últimas diferem entre si para P<0,05 (M9-10a: y=0,002x-0,06116, R2=0,7855; DSP22: y=0,002x0,0785, R2=0,8992 e ADC: y=0,0012x-0,0324, R2=0,9766).
3.6. Fluorescência da Clorofila a
A fluorescência da clorofila a foi registada para as três linhas de plantas em estudo
em condições controlo, em deficit hídrico e após três dias de recuperação para duas
intensidades luminosas, 300 e 800 µmol m-2 s-1, (Figura 16).
Para F0 (Figura 16A e B), a principal diferença reside no elevado valor da linha
DSP22 em controlo. Este valor é significativamente diferente dos valores obtidos nesta linha
em plantas com diferente disponibilidade de água e dos valores obtidos nas outras linhas
seja qual for o tratamento. Esta diferença juntamente com ausência de diferenças em Fm
(Figura 16C e D) leva a que haja uma diminuição significativa de Fv/Fm (Figura 16 E e F)
para as plantas DSP22 em condições controlo. A linha ADC toma uma posição intermédia
entre a linha não transgénica e a linha DSP22 e o mesmo padrão verifica-se para as duas
intensidades luminosas a que foram efectuadas as medições.
Quanto aos processos de quenching energético, não se verificam diferenças entre
linhas quer para qP (Figura 16G e H) quer para qN (Figura 16I e J). Contudo, para qP, a
linha não transformada apresenta um valor significativamente mais baixo em deficit hídrico.
Quanto a qN, apesar de as três linhas apresentarem os mesmo padrão de variação, com
valores mais elevados em deficit hídrico, os valores da linha ADC tendem a ser mais
elevados nas duas intensidades luminosas e a linha DSP22 tem igual comportamento a
800 µmol m-2 s-1.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
38
3 – Resultados
PPFD = 300 µmol m-2 s-1
300
250
A
F0
200
a a
a
* *
*
300
a a a
* * *
250
150
100
100
50
50
0
0
1400
1200
a
C* a a
*
*
1000
DSP
a
a
* a *
*
a a
* * a
*
1400
1200
600
400
400
200
200
M9-10a
a
ab
* b *
E
0,82
*
0,84
DSP
a
**
a a
* *
0,76
0,74
0,70
M9-10a
qP
a
a
G* b *
*
DSP
b
a a *
* *
0,84
0,82
Fa
*
0,80
0,78
a
a *
*
0,76
0,74
b
a a *
* *
1
H
0,8
0,6
0,6
0,4
0,4
0,2
0,2
a a a
* * *
a a
a
* *
*
DSP
a
**
a a
* *
ADC
a
a a *
* ** *
M9-10a
DSP
ADC
a
a
*
* b
*
a a a
* * *
b
a a *
* *
M9-10a
DSP
ADC
0
M9-10a
DSP
ADC
a
a * a
*
*
b
*
0,8
0,8
I
qN
ADC
a
*
ADC
0
a
* a
a
*
*
a
*
0,6
a
*
0,2
a
a * a
J *
*
b
ab
a *
*
*
b b
a * *
*
0,4
0,2
0
Rendimento do PSII
DSP
0,72
0,70
0,72
0,6
* *
M9-10a
a a
** * * a
*
0,78
0,8
*
ADC
Fv/Fm
Fv/Fm
0,80
0,4
a
a * b
*
*
0
0
0,6
Da a a
1000
800
a
b b
**
* *
a
*
M9-10a
600
0,8
ab a ab
* * *
ADC
800
1
B
200
150
M9-10a
Fm
a
b
** b
* *
PPFD = 800 µmol m-2 s-1
0
M9-10a
DSP
a
*
b
a
a *
**
*
Ka
* b
*
ADC
b
ab a *
* *
0,4
0,8
0,6
0,4
0,2
M9-10a
DSP
ADC
a
a
* b *
*
b
ab a
*
* *
c
a b *
* *
M9-10a
DSP
ADC
L
0,2
0
0
M9-10a
DSP
ADC
Figura 16. Parâmetros de fluorescência determinados a PPFD de 300 e 800 µmol m-2 s-1 para plantas
controlo (barras negras), sob deficit hídrico (barras brancas) e após recuperação (barras cinzentas).
As colunas representam médias ± DP de 4 a 5 plantas. Letras diferentes representam diferenças
significativas entre tratamentos para a mesma linha e asteriscos em diferente número representam
diferenças significativas para o mesmo tratamento em linhas diferentes para P<0,05.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
39
3 – Resultados
Os valores de rendimento quântico do PSII (Figura 16K e L) apresentam sempre o
mesmo padrão, isto é, valores mais baixos em deficit hídrico do que em plantas bem
irrigadas e ligeiramente mais elevados após recuperação. As diferenças significativas
surgem nos baixos valores da linha M9-10a em deficit hídrico e da linha DSP22 em
condições controlo. Após recuperação as linhas transgénicas apresentam valores
significativamente mais elevados. Contudo, o padrão mantém-se em todas as linhas
Para avaliar o grau de influência do rendimento quântico do PSII no rendimento da
fotossíntese (obtido a partir das curvas A/I), a sua relação foi traçada na Figura 17. As
diferenças significativas que se verificam entre o controlo e o deficit hídrico para o
rendimento quântico do PSII na linha M9-10a permitem traçar regressões lineares entre os
dois parâmetros a intensidade luminosa de 300 µmol m-2 s-1 e 800 µmol m-2 s-1. Para as duas
linhas transgénicas essa relação não se verifica uma vez que não se verificaram diferenças
no rendimento do PSII entre os valores controlo e em deficit hídrico ao longo da gama de
rendimento da fotossíntese.
0.75
0.75
Rendimento do PSII
A
B
0.50
0.50
0.25
0.00
0.000
M9-10a
0.025
0.050
0.075
0.25
M9-10a
DSP22
DSP22
ADC
ADC
0.100
0.00
0.000
0.125
Rendimento da Fotossíntese
0.025
0.050
0.075
0.100
0.125
Rendimento da Fotossíntese
Figura 17. Relação entre o rendimento quântico do PSII e o rendimento da fotossíntese a PPFD de
300 (A) e 800 µmol m-2 s-1 (B). Só a linha não transformada apresenta uma correlação linear para as
duas intensidades luminosas, y=1,507x+0,5019, R2=0,9147 (A) e y=2,123x+0,2178, R2=0,7096 (B)
para P<0,05.
3.7. Determinação de Clorofilas e Carotenóides
A quantificação de clorofilas e carotenóides (Figura 18) permitiu aprofundar a
avaliação das diferenças que surgem ao nível da fotoquímica nas três linhas de plantas em
estudo, ao longo da imposição de deficit hídrico e posterior recuperação.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
40
Clorofila a (mg cm-2)
3 – Resultados
0,05
0,04
a
Aa *
*
0,03
0,02
b
*
Clorofila b (mg cm-2)
a a
* * a
*
DSP22
ADC
0,01
0
M9-10a
0,018
a
0,015
Bab *
0,012
*
0,009
b
*
b
* b
a
**
**
b
*
a
* **
a
*
0,006
0,003
0
Clorofila a Clorofila b
-1
M9-10a
4
3
a a
a
C * *
*
a
* **
b
*
ADC
a
**
b
**
ab
b
* **
*
1
0
0,014
0,012
0,01
0,008
0,006
0,004
0,002
0
ab
D a *
*
b
*
-1
M9-10a
Clorofila a+b Carotenóides
DSP22
2
M9-10a
Carotenóides (mg cm-2)
a
a *
a
*
*
7
6
5
4
3
2
1
0
a
E a * a
*
*
M9-10a
DSP22
ADC
a a
* * a
*
a a
* *
a
*
DSP22
ADC
b
b *
a *
**
b b
a * *
**
DSP22
ADC
Figura 18. Quantificação de pigmentos para plantas controlo (barras negras), sob deficit hídrico
(barras brancas) e após recuperação (barras cinzentas). As colunas representam médias ± DP de 5 a
6 plantas. Letras diferentes representam diferenças significativas entre tratamentos para a mesma
linha e asteriscos em diferente número representam diferenças significativas para o mesmo
tratamento em linhas diferentes para P<0,05.
Quanto à clorofila a (Figura 18A) não se verificam diferenças entre linhas e apenas
se verifica na linha não transformada um decréscimo deste pigmento após o processo de
recuperação. Em relação à clorofila b (Figura 18B) o padrão de variação entre linhas não é
tão constante. Mesmo em condições controlo verificam-se diferenças entre linhas, tendo as
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
41
3 – Resultados
plantas M9-10a valores significativamente superiores e a linha ADC valores intermédios. Em
deficit hídrico o conteúdo em clorofila b é idêntico para as três linhas mas é
significativamente superior nas linhas transgénicas relativamente aos respectivos controlos.
A linha DSP é a única que após recuperação mantém um valor mais elevado de clorofila b
que o controlo e igual ao encontrado sob deficit hídrico.
As diferenças encontradas para a clorofila a e clorofila b entre tratamentos e linhas,
conduz também a diferenças na sua razão (Figura 18 C). Na linha não transgénica não se
verificam quaisquer diferenças ao longo dos ensaios, porém, o grande desvio obtido em
deficit hídrico poderá estar a mascarar o esperado decréscimo desta razão nestas
condições. Nas linhas transgénicas esse decréscimo verifica-se e mantém-se na linha
DSP22 mesmo após recuperação.
A quantificação dos carotenóides não revelou quaisquer diferenças entre linhas para
nenhum dos tratamentos. Na linha M9-10a verifica-se um decréscimo significativo após
recuperação que não se verifica em nenhuma das outras linhas apesar de apresentarem a
mesma tendência. Quanto à razão das clorofilas a e b / carotenóides, surgem diferenças
entre linhas mesmo em condições controlo. Os valores significativamente mais baixos das
linhas transgénicas são consequência do balanço dos menores valores em clorofila b e
carotenóides nestas linhas.
3.7. Avaliação do Processo de Recuperação
Para avaliar a evolução do processo de recuperação, os valores de RWC e de A,
determinada a duas concentrações de CO2 e intensidades luminosas para cada dia de
recuperação, foram expressos em percentagem do valor obtido em condições controlo
(Figura 19).
Após o primeiro dia de recuperação já todas as linhas tinham atingido os valores
controlo de RWC, que naturalmente se manteve até ao último dia de avaliações. Pelo
contrário, o valor de A determinado a 370 µmol mol-1 de CO2 e PPFD de 300 µmol m-2 s-1
recuperou apenas entre 30 a 60 % no primeiro dia e entre 60 a 80 % no dia seguinte. No
último dia, a dispersão de valores é grande sugerindo que só algumas plantas conseguiram
aproximar-se da recuperação total. Para A determinada a 370 µmol mol-1 de CO2 e PPFD de
800 µmol m-2 s-1 a recuperação foi mais rápida. Detectou-se uma elevada percentagem de
recuperação no primeiro dia, entre 60 e 80 %, e no segundo os valores de percentagem
subiram para próximo de 100 %, valor que se manteve no último dia de recuperação. A 800
µmol mol-1 de CO2 e PPFD de 800 µmol m-2 s-1 o processo fotossintético parece ter tido
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
42
3 – Resultados
menor dificuldade em recuperar, atingindo valores próximos de 100 % logo no primeiro dia
de recuperação que se mantiveram até ao último dia.
% Recuperação
120
A
100
80
60
40
M9-10a
20
DSP22
ADC
0
0
1
2
3
120
% Recuperação
100
B
80
60
40
M9-10a
20
DSP22
ADC
0
-20 0
1
2
3
120
% Recuperação
100
C
80
60
M9-10a
40
DSP22
20
ADC
0
-20 0
1
2
3
120
% Recuperação
100
D
80
60
M9-10a
40
DSP22
20
ADC
0
-20 0
1
2
3
Tempo (dias)
Figura 19. Avaliação do processo de recuperação nos três dias seguintes à rega antecedida pelo
período de indução de deficit hídrico. O dia zero corresponde ao quinto dia de indução de deficit
hídrico em que as plantas foram regadas até à capacidade de campo do solo. São apresentadas as
percentagens de recuperação (relativizadas para o valor controlo) do conteúdo hídrico da folha
(RWC) (A); da taxa de assimilação de carbono (A) determinada a 370 µmol mol-1 de CO2 e PPFD de
300 µmol m-2 s-1 (B); de A determinada a 370 µmol mol-1 de CO2 e PPFD de 800 µmol m-2 s-1 (C) e
de A determinada a 800 µmol m-2 s-1 de CO2 e PPFD de 800 µmol m-2 s-1 (D). Cada ponto representa
a média ± DP de 4 a 8 plantas. Não há diferenças significativas entre as linhas estudadas para
P<0,05.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
43
4 – Discussão
4. Discussão
4.1. Análise Molecular das Plantas Transgénicas ADC
A amplificação do DNA de 50 plantas potencialmente transformadas com o gene
Adc, com um primer específico para este gene, permitiu seleccionar 35 plantas
efectivamente transformadas através do aparecimento de uma banda de 1,5 kb no gel de
agarose (Figura 1). O padrão de segregação de 3:1 constitui uma indicação de que a
geração T0 heterozigótica apresenta inserção do transgene num só locus. As 35 plantas
transformadas formam a linha ADC usada nos ensaios fisiológicos apresentados neste
trabalho. Esta geração T1 é ainda heterozigótica para o gene transformante e a análise da
sua descendência permitirá isolar apenas as plantas homozigóticas.
As plantas da linha DSP usada nos ensaios apresentados são já da geração T2 e,
como tal, homozigóticas para o gene transformante.
4.2. Indução de Deficit Hídrico e Recuperação
As linhas de plantas em estudo foram sujeitas a um período de deficit hídrico
induzido por supressão total de rega e posterior etapa de recuperação. A evolução do deficit
hídrico imposto foi controlada por medições de SWC e, tal como indicado por Verlues et al.
(2006), por medições do Ψsolo. De facto, a medição do Ψsolo foi essencial para estabelecer a
taxa de desidratação do solo (Figura 2). A consideração única do decréscimo do SWC
conduziria a avaliações erradas do comportamento das plantas em resposta ao deficit
hídrico imposto (Figura 3A e 3B). O seu decréscimo abrupto nos dois primeiros dias após a
última rega e o baixo decréscimo do RWC nesta fase iriam sugerir uma elevada capacidade
das plantas em evitar o deficit hídrico. Contudo, a evolução linear do RWC em função do
Ψsolo mostra que essa resposta não é real. (Figura 3B). O decréscimo do Ψsolo revela uma
lenta diminuição da disponibilidade hídrica para a planta nesta primeira fase e um
decréscimo mais acentuado nos últimos dois dias de deficit hídrico, um padrão mais de
acordo com o encontrado na natureza em que a condição de seca surge gradualmente.
A diminuição progressiva do Ψsolo conduziu a um decréscimo linear do RWC idêntico
para as três linhas de plantas em estudo (Figura 3A). A imposição de deficit hídrico a taxas
idênticas para a linha controlo e para as linhas transgénicas é essencial para uma correcta
avaliação da potencial maior resistência ao deficit hídrico das linhas transformadas (Verlues,
2006). O comportamento idêntico das três linhas ao decréscimo do Ψsolo mostra que as
plantas em estudo têm a mesma capacidade em evitar o deficit hídrico e que as futuras
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
44
4 – Discussão
diferenças encontradas nos ensaios fisiológicos são consequência do seu diferente genótipo
e não de diferenças a priori no seu conteúdo hídrico.
Os cinco dias de indução de deficit hídrico mostraram-se suficientes para levar as
plantas ao limite da sua resistência à falta de água. Ao sexto dia já não era possível obter
valores de fotossíntese à luz e CO2 de crescimento (resultados não apresentados). Por esta
razão, a rega para indução do processo de recuperação foi efectuada no quinto dia após a
última rega. A evolução do SWC e do Ψsolo nesta fase foi idêntica, atingindo ambos os
valores de controlo após dois dias.
A expressão constitutiva do gene transformante não provocou diferenças visíveis ao
nível do fenótipo das plantas, nem ao longo do seu desenvolvimento nem na resposta à
imposição de deficit hídrico e recuperação (Figura 4).
4.3. Parâmetros de Crescimento da Folha
O conteúdo hídrico e alguns parâmetros de crescimento da folha mais jovem
completamente expandida estão apresentados na Figura 5. Tal como já referido, não se
verificaram diferenças na taxa de crescimento das linhas transgénicas em relação à linha
M9-10a, nem em condições controlo nem em deficit hídrico. Assim, as mais jovens folhas
completamente expandidas usadas nos ensaios descritos correspondem a folhas com a
mesma idade cronológica, o que apesar de ser a condição preferencial, nem sempre é
possível de concretizar.
Os valores encontrados de RWC atingem em controlo um valor máximo de 80 %, o
que para muitas espécies é já considerado um nível de stresse hídrico moderado (Patakas
et al., 2002) enquanto que para outras, um valor de 70 % é já considerado stresse hídrico
severo (Matos et al., 2002). Colocou-se a hipótese de este baixo valor de RWC em controlo
e os valores extremamente baixos em deficit hídrico (cerca de 40 %) se deviam a um erro
experimental possivelmente ao nível da determinação do PT, efectuada 24 h após
hidratação. A decisão de prolongar o tempo de hidratação por 24 h foi tomada depois de
verificar que com 4 e 12 h não se tinha ainda atingido o valor máximo que se obtém após
um dia. Este valor mantém-se após 36 h de hidratação. Na bibliografia, o tempo de
hidratação varia entre as 2 h (Pinheiro et al., 2001), 4 h (Sarkadi, 2006), 8 h (Matos et al.,
2002) e 24 h (Kocheva, 2004). É por isso importante aferir o tempo mais adequado para o
material em estudo. Em Arachis hipogaea os valores de RWC em plantas bem irrigadas
variaram entre cerca de 78 % e 95 % em diferentes estádios de desenvolvimento da planta
(Clifford, 2000), o que revela a sensibilidade deste parâmetro a diversas condições. Um
outro factor que poderá estar a contribuir para o baixo valor encontrado poderá ser o facto
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
45
4 – Discussão
de as medições de PF não terem sido realizadas no fim do período de escuridão, como
muitas vezes acontece, mas ao longo do dia. O valor próximo de 80 % encontrado para a M.
truncatula foi também obtido em trabalhos anteriores realizados na mesma espécie (Araújo,
2007).
O decréscimo do RWC com a imposição de deficit hídrico e posterior recuperação
são idênticos para as três linhas de plantas em estudo. Contudo, o valor mais elevado em
controlo na linha ADC, poderá estar relacionado com diferenças ao nível da morfologia do
mesófilo da folha que poderá aliar células maiores com maiores espaços intercelulares. Esta
hipótese está de acordo com o menor valor de PS observado para esta linha em controlo e
também com o valor significativamente mais baixo de TWC em deficit hídrico.
O SLA é um parâmetro afectado tanto pelo genótipo como por factores ambientais.
Assim, uma dada condição ambiental pode provocar variações em sentidos opostos ou não
provocar variação alguma dependendo do genótipo a que se aplica (Dijkstra, 1989). Este
parâmetro divide-se em três componentes: a espessura da folha; a densidade, expressa
como percentagem de PS e a composição química da matéria seca da folha. Este último
componente não contribui porém, para a variação do SLA porque as suas parcelas somam
até à unidade (Dijkstra, 1989). Aparentemente, em M. truncatula, o decréscimo do SLA em
situação de deficit hídrico resultou do decréscimo da espessura da folha e não da variação
do PS. Um decréscimo no SLA em deficit hídrico também foi descrito para Dorycnium
hirsutum, mas o mesmo não se verificou para Medicago sativa e Dorycnium vulgaris (Bell et
al., 2007), nem para várias cultivares de Phaseolus vulgaris (Costa França et al., 2000). O
baixo SLA está associado à acumulação de compostos secundários como taninos e fenóis e
mais significativamente ao aumento de lenhina e amido (Konings, 1989). O valor mais
elevado verificado na linha ADC em controlo é acompanhado tanto pelo decréscimo de
espessura da folha como do PS, o que está de acordo com o maior valor de RWC. As
variações estatísticas dos diferentes parâmetros da folha parecem indicar que a linha
DSP22 tem um comportamento intermédio entre as linhas M9-10a e ADC, tanto a nível do
conteúdo hídrico como ao nível da acumulação de matéria seca e área de folha. Estas
diferenças matemáticas entre linhas, não são contudo, visualmente perceptíveis.
4.4. Relações Hídricas da Folha
O desenvolvimento do psicrómetro e o estabelecimento da técnica das curvas P/V
abriu portas para uma nova gama de experiências ao nível das relações hídricas das
plantas. Contudo, é um processo moroso que não se adequa a análises extensivas a um
grande número de amostras (Richter, 1997). Por esta razão, só se construíram curvas P/V
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
46
4 – Discussão
para a linha não transformada em condições controlo e em deficit hídrico (Figura 6). Para
além do potencial hídrico, o potencial osmótico também foi determinado para as linhas
transgénicas recorrendo a amostras congeladas em azoto líquido. A utilização desta última
técnica também para as plantas M9-10a após recuperação, e a obtenção de valores que
completam as relações obtidas para os diferentes parâmetros, dão segurança quanto aos
protocolos utilizados e quanto às comparações efectuadas entre os valores obtidos de uma
e outra forma.
Da análise das curvas P/V podem considerar-se dois tipos de parâmetros: os
robustos, que não variam muito entre amostras, correspondem ao Ψs e RWC no ponto de
perda de turgescência e ao Ψs à máxima turgescência; e os susceptíveis de sofrerem erros
como o ε e a fracção de água simplástica, que são parâmetros extremamente variáveis
mesmo com material homogéneo. Estes últimos, se utilizados, devem ser analisados com
extremo cuidado (Richter, 1997). Nos resultados apresentados, foram considerados apenas
os parâmetros robustos possíveis de comparar com as linhas transgénicas (Ψs e Ψs100) e o ε
para se ter uma ideia da elasticidade das paredes celulares da linha M9-10a (Tabela 1).
Os valores de Ψfolha e Ψs a que se chegou são bastante mais baixos que o
normalmente descrito para outras espécies de leguminosas, mas estão de acordo com os
valores de RWC, também eles mais baixos que o normalmente descrito. Tal como já foi dito,
estes valores foram obtidos ao longo do dia e não no final do período de luz. As variações
que esta diferença temporal pode induzir são bem visíveis num trabalho realizado por Bell et
al., 2007 para três espécies de leguminosas, M. sativa, Dorycnium hirsutum e D. rectum. Os
valores obtidos em predawn são naturalmente mais elevados do que os obtidos a meio do
dia. Estes últimos rondam os -1,3 MPa em condições controlo e atingem os -3,5 MPa em
condições de deficit hídrico tal como determinado para as três linhas de plantas em estudo.
A relação entre o TWC e o Ψfolha tem sido usada para quantificar a tolerância à
desidratação dos tecidos, sendo aqueles que mantêm um elevado TWC com o decréscimo
do Ψfolha considerados mais tolerantes ao deficit hídrico (Iannucci et al., 2002). As três linhas
de plantas em estudo apresentam relações idênticas entre estes dois parâmetros revelando
o mesmo grau de tolerância ao deficit hídrico (Figura7A). Tem sido sugerido que associados
a um elevado grau de tolerância à desidratação estão muitas vezes paredes celulares
elásticas (Fane et al., 1994). Contudo, apesar das paredes celulares rígidas impedirem a
manutenção da turgescência a teores hídricos mais baixos, elas têm também algumas
vantagens sobre as paredes elásticas: i) nas espécies em que ocorre AO e acumular de
elevada concentração de solutos, uma parede rígida pode ser importante na manutenção da
integridade celular e do tecido no período de rehidratação após deficit hídrico; ii) as paredes
rígidas podem facilitar a manutenção do Ψfolha mais baixos a qualquer volume, o que
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
47
4 – Discussão
aumenta o gradiente de potencial entre o solo e a planta, promovendo a absorção de água,
especialmente importante ao nível da raiz (Bowman e Roberts, 1985); iii) tem sido sugerido
que espaços intercelulares reduzidos durante o período de seca correlacionam-se com a
baixa actividade enzimática e, portanto, a manutenção da turgescência e do volume celular,
mais do que o Ψfolha, seria um importante factor na manutenção do metabolismo durante o
deficit hídrico (Mainzer et al., 1990). A espécie em estudo, M. truncatula, revelou um certo
aumento na elasticidade da parede celular em deficit hídrico severo (Nunes et al., 2007), o
que não se verificou na linha altamente embriogénica M9-10a. Mesmo assumindo que este
é um parâmetro difícil de estimar com precisão, pode-se inferir que se existe essa
capacidade não é a característica determinante e, como tal, o AO surge como uma
estratégia mais evidente em deficit hídrico, tal como esperado para uma espécie adaptada
ao clima mediterrânico (Bota et al., 2004). A existência de uma clara relação entre o Ψfolha e
o Ψs para todas as linhas de plantas confirma a importância da acumulação de solutos na
manutenção de um baixo Ψfolha (Figura 7B). De facto, as diferenças entre o Ψs100 em controlo
e em deficit hídrico revelam a existência de ajuste osmótico nas três linhas de plantas em
estudo, em especial na linha não transformada cujo valor foi cerca de 3 vezes superior. O
facto de o Ψs100 ter decrescido com a imposição do deficit hídrico, indica que houve um
aumento da concentração de solutos real e que não foi apenas consequência de um
aumento passivo devido à perda de água. Pode-se por isso inferir que as três linhas têm
capacidade de promover ajuste osmótico nas suas células, tal como já referido (Tabela 1).
Duas espécies de Dorycnium também mostraram capacidade de efectuar AO em deficit
hídrico, ao contrário do descrito para M. sativa em que apenas se verificou no final do
período de indução de deficit hídrico uma pequena acumulação de compostos activos (Bell
et al., 2007).
A prolina é um dos compostos activamente acumulados que poderá contribuir para o
AO, mas tal como descrito para 3 de 4 genótipos diferentes de Vigna (Scotti Campos et al.,
1999) é normalmente acumulado em estádios mais avançados de deficit hídrico (Kameli e
Lösel, 1993). Nas três linhas de M. truncatula verifica-se também a acumulação deste
composto, mas apenas em plantas com RWC inferior 40 %.
O dano membranar é uma das primeiras consequências de diversos stresses
ambientais e a manutenção da sua integridade é reconhecida como um importante
mecanismo de tolerância ao deficit hídrico. Para estimar o grau de resistência membranar
conferido pelo deficit hídrico imposto nas três linhas de plantas em estudo, efectuaram-se
medições de fuga de electrólitos após indução rápida de stresse osmótico provocado por
concentrações elevadas de PEG (Tabela 1). O deficit hídrico pode modificar a composição
química e a estrutura física das membranas (Lauriano et al., 2000) o que tem um impacto
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
48
4 – Discussão
directo no ID (Knowles et al., 2001). Nos ensaios realizados não se verificaram diferenças
ao nível das três linhas de plantas em estudo. Apenas na linha ADC se verificou um valor
mais elevado em controlo (apesar de não significativo para P<0,05) que conduziu a
diferenças em relação ao valor obtido em deficit hídrico.
4.5. Trocas gasosas
4.5.1. Curvas A/Cc
Para avaliar a natureza das limitações que determinam o decréscimo do valor de A
com a imposição de stresse hídrico construíram-se curvas A/Ci, aqui transformadas em
curvas A/Cc, para as três linhas de plantas em estudo em controlo e em deficit hídrico
(Figura 9).
A resposta de A ao Ci descreve duas, por vezes, três fases distintas. À medida que
o Ci cresce a partir da sua concentração mínima, o declive da curva é elevado e é
determinado pela actividade da Rubisco. Com a continuação do aumento de CO2 o declive
da curva baixa aproximando-se de zero devido a limitações relacionadas com a regeneração
de RuBP. Por vezes pode distinguir-se uma terceira fase de declive zero ou decrescente se
a utilização de trioses fosfato se tornar limitante. As duas primeiras fases foram
matematicamente descritas por Farquhar et al. (1980) e modificadas para incluir a terceira
por von Caemmerer (2000). Normalmente só se verificam as duas primeiras fases porque
VTPU não surge como limitação a nenhuma concentração de CO2 (Long e Bernacchi, 2003)
tal como acontece nas curvas obtidas nas 3 linhas de plantas de M. truncatula (Figura 9A e
B).
O modelo de Farquhar et al. (1980) baseava-se no pressuposto de que o valor de
Ci era aproximadamente o valor de CO2 no local de carboxilação (Cc). Contudo, o CO2 tem
de difundir da câmara sub-estomática para os espaços intercelulares, atravessar as paredes
celulares do mesófilo, as membranas plasmáticas e as membranas do cloroplasto. Tornouse então claro, que este trajecto pode resultar num decréscimo significativo entre Ci e Cc
(Loreto et al., 1992 e von Caemmerer, 2000). Considerar a resistência do mesofilo (gm) à
difusão de CO2 e a transformação da curva A/Ci em A/Cc provoca alterações significativas
na sua curvatura tornando-se por isso, particularmente relevante no cálculo de Vcmax
(Sharkey et al., 2007).
Recorrendo a medições simultâneas de trocas gasosas e fluorescência foi possível
estimar o valor de gm e a sua natureza. Um estudo realizado por Bernacchi et al. (2002)
revelou que os processos que determinam gm não se prendem com a difusão física mas
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
49
4 – Discussão
provavelmente com o envolvimento de anidrases carbónicas e aquaporinas. Estes
resultados estão de acordo com os de Centrito et al. (2003) que mostram que gm pode
alterar-se tão rapidamente quanto gs indicando que o primeiro não é determinado apenas
por características anatómicas.
Flexas et al. (2007) mostraram que os valores de gm determinados recorrendo a
protocolos de medição simultânea de trocas gasosas e fluorescência (Harley et al., 1992),
ao modelo de análise de curvas A/Ci, descrito por Ethier e Livingstone (2004) e à
descriminação isotópica do carbono (Evans et al., 1986), são bastante consistentes em
Arabidopsis thaliana.
A aproximação utilizada neste trabalho assenta numa estimativa não-linear que
permite estimar os valores de gm e Rd considerando as duas fases que descrevem as
limitações à fotossíntese. Regredindo a curva minimizando a soma dos quadrados é
possível obter uma estimativa de gm através dos valores obtidos experimentalmente
(Sharkey et al., 2007).
O grau de importância das limitações de difusão e das limitações metabólicas no
decréscimo de A com o deficit hídrico tem conduzido a opiniões divergentes. O decréscimo
do RWC causa o decréscimo de gs e de A aproximadamente em paralelo embora a valores
muito baixos de RWC o gs atinja um mínimo mas A continue a decrescer. Em alguns casos,
quando A decresce com o decréscimo inicial de RWC, elevar o valor de Ca em 5 a 15 %
eleva A ao valor inicial (Cornic, 2002). Depois disso A continua a descer e valores elevados
de Ca deixam de aumentar A, revelando limitações metabólicas a baixo RWC. Este tipo de
resposta é denominado de tipo 1 por Lawlor e Cornic (2002). Noutros estudos, A decresce
progressivamente com o decréscimo de RWC e é menos estimulado pelo aumento de CO2.
Este tipo de resposta mostra que A decresce progressivamente com o deficit hídrico e que o
efeito do gs diminui com o aumento de stress. Esta resposta denomina-se por tipo 2,
segundo Lawlor e Cornic (2002). À luz destas observações, verifica-se que existe uma
concordância geral de que a limitações de difusão à fotossíntese são preponderantes no
início da indução de stresse hídrico e que à medida que o stresse se torna mais intenso a
influência das limitações metabólicas ou ajuste metabólico por down-regulation torna-se
mais importante. Tal como já referido, a grande discordância recai sobre a intensidade de
stresse a que ocorre essa passagem (Lawlor e Cornic, 2002; Flexas e Medrano, 2002). No
caso apresentado, as plantas em deficit hídrico apresentam um RWC muito baixo, na ordem
dos 40 % e, tal como as curvas A/Cc sugerem, os danos ou ajustes metabólicos contribuem
significativamente para o decréscimo de A. Vcmax decresce significativamente nas plantas
não transformadas mas esse decréscimo não se verifica aparentemente nas plantas
transgénicas porque em condições controlo Vcmax está já comprometida (Figura 10A).
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
50
4 – Discussão
Limitações ao nível do valor de carboxilação em deficit hídrico também já foram descritas
para Medicago sativa (Antolín e Sánchez-Díaz, 1993) e para Vicia faba (Lal et al., 1996). O
decréscimo de J é evidente para as três linhas de plantas o que também já foi encontrado
para outras espécies de Leguminosas como Phaseolus vulgaris (Sharkey e Seeman, 1989)
e para Glycine max (Vu et al., 1987).
A variação de gs com o RWC é igual nas três linhas de plantas e corresponde aos
valores descritos para Phaseolus vulgaris (Castrillo et., 2001) e Vicia faba (Khan et al., 2007)
variando entre 0,05 em condições de deficit hídrico e 0,7 mol m-2 s-1 em controlo.
Medrano et al. (2002) sugerem que gs é um melhor indicador do grau de deficit
hídrico do que RWC ou o Ψfolha. De facto, a figura 12A e B mostra uma clara relação de A e
E com este parâmetro, mas essa relação não se verifica em função do RWC (dados não
apresentados). O mesmo acontece para várias cultivares de Phaseolus vulgaris e Vigna
unguiculata (Cruz de Carvalho et al., 1998).
A análise da variação de WUE sugere que as linhas transgénicas apresentam
vantagem sob deficit hídrico, devido aos valores mais elevados deste parâmetro nessa
condição. A linha M9-10a não apresenta esta relação favorável em consequência dos
valores mais elevados em condições controlo. Estas diferenças permitem argumentar que o
melhor comportamento das linhas transgénicas em deficit hídrico se deve a valores mais
baixos em controlo e não a uma estratégia melhorada em resposta ao stresse.
4.5.2. Curvas A/I
A resposta de A à luz foi diferente para as três linhas de plantas em estudo em
controlo e em deficit hídrico. Nos diferentes níveis de deficit hídrico, tal como esperado, o
PC para a luz é atingido a intensidades mais elevadas. No entanto, esse aumento é maior
do que o habitualmente descrito, chegando a atingir 350 µmol m-2 s-1. De facto, o aumento
do PC para a luz relaciona-se de forma linear com a diminuição do RWC (Figura 14A e B).
Uma das explicações possíveis seria a necessidade das plantas em deficit hídrico serem
expostas a um maior tempo à luz para iniciar a actividade do aparelho fotossintético após
um período de escuridão. Se assim fosse, prolongar o tempo de exposição da planta à luz
de menor intensidade das curvas diminuiria o valor do PC para a luz. Contudo, nos ensaios
de recuperação efectuaram-se medições de A a 300 PPFD durante 10 min que não foram
suficiente para elevar o valor de A. Outra hipótese será a ocorrência de menor absorção de
luz devido ao notório aumento dos tricomas em deficit hídrico. Além disso, o aumento do PC
para a luz poderá estar também relacionado com o decréscimo da actividade da Rubisco em
deficit hídrico. Existem resultados contraditórios no que diz respeito às influências do deficit
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
51
4 – Discussão
hídrico moderado sobre esta enzima. Uns trabalhos indicam que o stresse hídrico tem pouca
influência na sua actividade (Giménez et al., 1992; Gunasekera e Berkowitz, 1993),
enquanto outros sugerem o contrário, como Majumdar et al. (1991) que mostra uma clara e
rápida perda de actividade da Rubisco em plantas de soja sob deficit hídrico. Em stresse
hídrico mais intenso as opiniões tendem a convergir e parece haver uma perda tanto da sua
actividade como da sua quantidade (Tezara e Lawlor, 1995; Kicheva et al., 1994,
respectivamente). A menor actividade da Rubisco em deficit hídrico poderá estar
relacionada com a sua ligação a inibidores. Entre estes, o CA1P, que tende a formar-se
muito lentamente em escuridão ou baixa irradiância, e inibidores como o D-glicero-2,3pentodiulose-1,5-bisfosfato, que se formam à luz (Kane et al., 1998). O CA1P não está
presente em todas as plantas superiores (Spreitzer, 1999) mas surge em elevadas
concentrações nas leguminosas, podendo acumular-se em poucos minutos em feijoeiro
(Arrabaça, 2008). Ambos os inibidores podem estar envolvidos na protecção da Rubisco em
condições de stresse evitando a sua degradação (Khan et al., 1999; Parry et al., 2002). Se
assim for, o elevado PC para a luz obtido poderá ser uma consequência de a baixas
intensidades luminosas, em deficit hídrico, não haver ATP disponível para activação da
Rubisco activase, essencial para a libertação dos inibidores dos centros activos da Rubisco
(Salvucci, 1989; Portis, 1995). No entanto, as diferenças observadas nas curvas das plantas
controlo e das plantas em deficit hídrico estarão possivelmente relacionadas com inibidores
diurnos. A relação linear do PC para a luz com o RWC poderia ser explicada por um
aumento de inibidores proporcional ao deficit hídrico.
O decréscimo de Amax com o RWC (Figura 14) pode ser devido a limitações de
difusão do CO2 e a danos metabólicos, tal como já indicado pelas curvas A/Cc, contribuindo
para a diminuição do rendimento da fotossíntese (Figura 15).
4.6. Fluorescência da Clorofila a
As medições de fluorescência (Figura 16) revelam que o aparelho fotossintético da
linha M9-10a sofreu maiores danos com a imposição de deficit hídrico. Tanto o Fv/Fm como
o rendimento do PSII decresceram significativamente em deficit hídrico. Esta tendência foi
também encontrada para a linha M9-10a e DSP22 em trabalhos anteriores (Araújo, 2007).
Diferentes autores defendem que o PSII é resistente ao deficit hídrico e que apenas em
stresse severo é que se verificam danos (Genty et al., 1987). Considerando que os Ψfolha
atingidos entre -3 e -4 MPa nas três linhas são stresse intenso, pode-se então sugerir que o
aparelho fotossintético das linhas transgénicas adquiriu uma certa resistência ao deficit
hídrico. Essa maior resistência é também revelada pela relação entre o rendimento da
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
52
4 – Discussão
fotossíntese e do PSII (Figura 17). O segundo parâmetro só decresce com o rendimento da
fotossíntese na linha M9-10a. Contudo, os valores significativamente mais baixos do Fv/Fm
e do rendimento do PSII obtidos em plantas controlo das linhas transgénicas, especialmente
na DSP22, parecem revelar que a expressão constitutiva dos genes estará a influenciar de
forma negativa o sistema fotossintético nas condições de crescimento impostas. Estes
dados estão de acordo com os encontrados nos ensaios de trocas gasosas que revelam
valores mais baixos nas linhas transgénicas em condições controlo, mais do que em
condições de deficit hídrico.
Os valores de qP revelam novamente uma pior performance da linha não
transformada sob deficit hídrico. Os valores de qN tendencialmente mais elevados em deficit
hídrico em todas as linhas, e significativamente maiores na linha ADC para as duas
intensidades luminosas e na linha DSP22 a 800 µmol m-2 s-1, revelam que estas plantas
recorreram a formas alternativas de dissipação do excesso de energia que podem envolver
o ciclo das xantofilas, o aumento da fotorrespiração, a reacção de Mehler ou ainda o
transporte cíclico de electrões (Niyogi, 2000). Outros trabalhos realizados na linha DSP22
mostraram a mesma tendência, sem diferenças significativas entre a linha M9-10a e a linha
DSP22 (Araújo, 2007). Os resultados obtidos não permitem concluir com segurança que a
expressão dos genes transformantes, em especial o gene Dsp22, induziram, à luz de
crescimento, uma maior capacidade em dissipar o excesso de energia como teoricamente
esperado. A realização de novos ensaios com plantas cultivadas a maior irradiância e
sujeitas a períodos de indução de deficit hídrico mais prolongados poderia levar a resultados
conclusivos. Também uma análise detalhada dos pigmentos envolvidos no ciclo das
xantofilas e do balanço de ROS, poderia clarificar os processos envolvidos.
A recuperação dos valores controlo após o processo de recuperação observada nas
três linhas de plantas em estudo, aponta para uma elevada capacidade destas plantas em
restabelecer a sua homeostasia celular após stresse hídrico intenso.
4.7. Determinação de Clorofilas e Carotenóides
Os pigmentos fotossintéticos nas plantas superiores estão ligados a proteínas
associadas aos dois fotossistemas. Sabe-se que o deficit hídrico faz decrescer a quantidade
total das clorofilas a e b como resultado da degradação da estrutura do cloroplasto com
consequente libertação dos pigmentos (Ristic e Cass, 1991). Este decréscimo não foi
encontrado para nenhuma das linhas de plantas em estudo. Pelo contrário, nas linhas
transgénicas em condições controlo, observou-se um decréscimo destes pigmentos,
especialmente da clorofila b, relativamente à linha não transformada.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
53
4 – Discussão
A redução da quantidade de complexos antena pode ser avaliado pelo aumento da
razão clorofila a e b. O aumento desta razão em condições controlo nas linhas transgénicas
corroboram os resultados de fluorescência já referidos.
Em deficit hídrico e durante o processo de senescência verifica-se normalmente um
aumento da concentração de carotenóides (Peñuelas e Filella, 1998). Esse aumento não se
verificou em nenhuma das linhas em estudo e em trabalhos anteriores em plantas M9-10a e
DSP22 encontraram-se, pelo contrário, valores mais baixos sob deficit hídrico (Araújo,
2007).
A variabilidade do conteúdo em pigmentos obtida nestes ensaios dificulta a sua
interpretação. Esta variabilidade pode ter resultado da maior dificuldade de extracção em
deficit hídrico, causada pelo acréscimo de tricomas, e por uma eventual alteração da
quantificação espectrofotométrica devido à interferência de antocianinas que se acumulam
em stresse (resultados não apresentados).
4.8. Avaliação do Processo de Recuperação
A avaliação do processo de recuperação em termos do valor de RWC e de
fotossíntese, medida a concentrações de CO2 e intensidades luminosas diferentes, revelou
igual capacidade das três linhas de plantas em atingir os valores controlo. Tal como
sugerido pela análise das curvas A/I, a intensidade luminosa é um componente
determinante na taxa fotossintética em deficit hídrico. A evolução de A durante o processo
de recuperação difere para diferentes intensidades luminosas. A maquinaria fotossintética
quando ainda afectada pelo deficit hídrico imposto parece responder melhor a intensidades
luminosas mais elevadas. Uma das explicações possíveis poderá ser um maior número de
tricomas e/ou uma maior densidade do mesófilo da folha que provocariam maior reflexão da
luz. A alteração morfológica que poderá estar a causar a diminuição da chegada de luz aos
cloroplastos não está, contudo, a diminuir a difusão do CO2 até ao local de carboxilação, já
que a variação de Ca não provoca diferenças nas taxas de recuperação. A luz parece ter um
papel mais crucial no processo de recuperação.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
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5 – Conclusões
5. Conclusões
As plantas transformadas com o gene Dsp22 ou Adc apresentaram fenótipos
idênticos à linha M9-10a de Medicago truncatula cv Jemalong, quer em condições controlo
quer em deficit hídrico. O stresse imposto levou a idênticos valores de RWC e Ψfolha das três
linhas de plantas. Assim, pode-se estabelecer que as diferenças encontradas ao nível do
metabolismo das plantas são consequência das suas características genéticas e não de um
diferente conteúdo hídrico da folha.
Em plantas bem irrigadas a fotossíntese foi menor nas plantas transgénicas do que
nas não transformadas. No entanto, em todas as linhas estudadas observou-se um
decréscimo dos parâmetros fotossintéticos com o stresse hídrico. Nestas condições ocorreu
sempre ajuste osmótico, tal como seria de esperar em plantas adaptadas ao clima
mediterrânico.
A avaliação dos parâmetros de fluorescência da clorofila a mostrou também uma
melhor performance da linha M9-10a em condições controlo, mas as linhas transgénicas
parecem ter maior eficiência na protecção do aparelho fotossintético sob deficit hídrico.
A determinação de curvas A/I surge como o método mais promissor de avaliação do
estado hídrico das plantas. Os parâmetros determinados a partir destas curvas, entre os
quais o PC para a luz e o rendimento da fotossíntese, variam linearmente e
significativamente com o RWC. Além disso, este método é não destrutivo e rápido, podendo
ser particularmente vantajoso no screening de plantas T1 resistentes ao stresse hídrico.
Pode-se argumentar que a alteração de algumas condições de crescimento das
plantas, como uma maior irradiância, e a indução de deficit hídrico de uma forma mais
gradual poderiam ter conduzido a diferenças mais significativas nos resultados obtidos. A
expressão constitutiva de genes relacionados com a resistência ao deficit hídrico poderá
levar a que condições de crescimento não indutoras de stresse para as plantas não
transformadas, não o sejam para as linhas transgénicas, justificando as diferenças obtidas
em plantas controlo.
Caracterização da Resposta ao Deficit Hídrico de Linhas Transgénicas de Medicago truncatula cv. Jemalong
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6 – Bibliografia
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