Direito Subjetivo

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Direito Subjetivo
- base escolástica dos Direitos Humanos -
Isabel de Assis Ribeiro de Oliveira
XXII Encontro Nacional da ANPOCS
outubro - 1998
GT: Desigualdades Sociais
Sessão 3: Justiça e Cidadania
1
2
Direito Subjetivo
- base escolástica dos Direitos Humanos
1-
Isabel de Assis Ribeiro de Oliveira2
agosto 1998
Apresentação
Neste texto apresento uma leitura do campo discursivo onde
originou-se a formulação do conceito de um direito
subjetivo, que tomo como termo central na construção do
discurso sobre Direitos Humanos. Meu principal intuito é o
de identificar mais cuidadosamente o contexto que propicia a
formulação desta idéia de que cada um de nós é portador de
direitos inalienáveis, cabendo à sociedade - organizada no
Estado - sua proteção. Amplamente disseminada em nossa
cultura política, esta idéia está expressa de forma mais
completa no ideário dos Direitos Humanos3 .
Não
há
dúvida,
como
assinala
Villey(1983),de
que,
contemporaneamente, temos dificuldade em conceber um direito
natural, idéia constituída no âmbito de uma filosofia que
não encontra mais representantes. Ainda assim, restam
vestígios desta filosofia na opinião contemporânea, “quando
proclamamos o direito que o homem tem à felicidade ou à
liberdade de consciência, ou mesmo quanto a vocação do homem
para ser proprietário”(Villey,1983:101). Em todas estas
circunstâncias estaríamos extraindo estes direitos, ainda
que de uma maneira inconsciente, da essência do sujeito. Se
1
Paper a ser apresentado ao XXII Encontro da ANPOCS,
1998,produto
da
pesquisa
“Concepções de Direitos na
formulação de Políticas Públicas”, que vem sendo realizada
por mim no âmbito do NIED/PRONEX/MCT. Agradeço M. Muskin a
leitura atenta a uma primeira versão deste texto.
2 Prof. Do Dept. de Ciência Política do IFCS/UFRJ
3
Cf.Villey,1983; Haakonsen,1996; Tuck,1979; Hart,1955 e
Lafer,1995.
2
3
estes direitos serão consagrados, protegidos, declarados
pela lei positiva, a fonte da lei - fonte primeira - está no
próprio sujeito.
O direito subjetivo seria entendido , hoje em dia, como a
vantagem que o indivíduo tem pelo fato de existirem leis
objetivas, positivas. No entanto, isto se torna complicado
na linguagem dos Direitos Humanos porque tais direitos,
longe de serem criados pela lei, são “declarados” por ela,
podendo, de resto, ser exercidos contra a lei4. Tal
definição de direito subjetivo é, portanto, confusional, no
sentido de abranger, simultaneamente, os direitos positivos
dos indivíduos, aqueles que são criados por lei, e os
“direitos humanos” em nome dos quais as próprias leis podem
ser contestadas. A definição clássica de direito subjetivo
que nos dá Villey é bem outra. Definindo subjetivo como
atributo do sujeito, aquilo que pertence à sua essência, e
objetivo como aquilo que é ajuntado ao sujeito, uma criação
do nosso espírito, uma produção artificial, dirá que o
direito subjetivo é uma faculdade, uma qualidade do sujeito,
uma franquia, uma liberdade de agir. Villey argumenta então
que,
até
o início
da reflexão
jurídica
própria
à
Escolástica, o direito era entendido como a parte que cabe a
uma pessoa enquanto resultado da administração da justiça.
Não era, pois, uma qualidade do sujeito, parte de seu ser,
mas algo objetivo, criado pela arte da jurisdição5.
Aceitando o raciocínio acima exposto, penso que ao
adquirirmos maior clareza acerca do conceito de direito
subjetivo deverá tornar-se menos complicado lidar com as
declarações contemporâneas dos Direitos Humanos, onde
4
Cf. Villey, 1964:99.
Assim, Villey critica na linguagem contemporânea dos
direitos, a enunciação do direito à saúde, ao trabalho ou à
cultura. Sugere que estas demandas não deveriam ser tratadas
pela linguagem do direito, uma vez que representam bem mais
aspirações humanas do que direito, e que se vai falar em
direito subjetivo, seria melhor se ater à tradição do
Direito Natural Moderno que entende por direito a atividade
da qual o sujeito é o indivíduo, como o direito de pensar,
de escrever, de usufruir de tudo que existe, “mas não o
direito individual à moradia, direito objetivo não apenas
por conteúdo ( posto que a moradia é uma coisa, algo externo
ao sujeito, posta frente ao sujeito) como por sua fonte
(posto que o direito decorre da legislação positiva e não do
poder do indivíduo). Villey recomenda, em prol da clareza,
que não se use o mesmo termo para identificar duas coisas
tão opostas(cf.Villey,1964:passim).
5
3
4
encontramos
conflito
entre
a
proteção
dos
direitos
individuais e a garantia dos direitos sociais, também
chamados de “direitos de segunda geração”. Tal conflito
inexistia, no momento em que se formula o conceito de
direito subjetivo ; retornar a este princípio de justiça
holístico que instaura a legitimidade da liberdade de ação
individual, com vistas a determinar os termos em que tal
relação podia ser
percebida como relação harmônica
é o
objetivo central deste artigo.
A análise que se segue está voltada para a descrição deste
modo de pensar a justiça, conhecido como a Segunda
Escolástica,
que desenvolveu-se na península ibérica nos
séculos
XVI
e
XVII.
Imediatamente
anterior
ao
desenvolvimento pleno do conceito de direito subjetivo (que
permitirá a enunciação da primeira Declaração dos Direitos
Humanos),
este
pensamento
tem
sido
classicamente
desvalorizado, seja por conter elementos que rompem com a
tradição escolástica ( posição assumida, entro outros, por
Villey), seja por não rejeitar plenamente a tradição ( tese
muito bem desenvolvida por Morse). Mas como suspeito que a
enunciação dos direitos sociais, já em meados do século XIX,
opera como que em um “retorno do recalcado”, entendo que uma
compreensão mais completa da Segunda Escolástica possa
ajudar no desenvolvimento de uma linguagem menos confusa
sobre direitos, no contexto contemporâneo.
Este
texto
está
organizado
de
modo
a
apresentar,
inicialmente, o conceito de justiça que se desenvolve no
âmbito da Escolástica. A seguir, apresento a filosofia de
conhecimento que Occam começa a desenvolver, o nominalismo,
pois é aí que tem lugar a elaboração da noção de direito
subjetivo. A seguir, examino a relação entre holismo e
direito subjetivo, tal como estabelecida pela escola de
pensamento
identificada
como
a
Segunda
Escolástica.
Finalmente, apresento minhas conclusões acerca do potencial
elucidador do exame da concepção de justiça aí desenvolvida
para o entendimento do ideário dos Direitos Humanos.
4
5
A concepção de justiça no âmbito da Escolástica
Tomo, como de costume, o pensamento de Tomás de Aquino como
principal
expoente
da
teoria
de
justiça
própria
à
Escolástica. Meu intuito aqui é o de apresentar, de forma
sucinta, o ponto de partida para a reflexão da Segunda
Escolástica. No entanto, como o pensamento tomista é
tributário da tradição aristotélica, penso ser importante
apontar, ainda que brevemente, para a maneira pela qual a
justiça foi por ele tratada.
A colocação central de Aristóteles a propósito da justiça
está exposta nas Éticas ao Nicômaco:
“ Parte da justiça (política) é natural, e
parte é legal. Natural, a que tem a mesma força
em todos os lugares, e não existe por que as
pessoas dizem isto ou aquilo. ( A justiça)
convencional, no entanto, concerne isto que,
originalmente, é indiferente, mas que uma vez
determinado passa a fazer a diferença, por
exemplo, que o resgate de um prisioneiro deva
ser uma mina, ou que deva-se sacrificar um
ganso, e não duas ovelhas...”(pag.124)6.
Para compreender esta distinção é preciso entender o
conceito de natureza desenvolvido por Aristóteles, este que
permite dizer que “a justiça natural tem a mesma força em
todos os lugares, e não existe por mera aparência”.
Aristóteles não concebia a natureza como algo imutável ou
permanente, mas como “princípio de movimento”. A physis ou
physei é - por oposição ao que é artificial - o que tem, em
si mesmo, o princípio de seu movimento, cabendo portanto
dizer
que
o
ser
natural
realiza-se,
atualiza
sua
potencialidade, conferindo à matéria sua forma perfeita. A
6Na
Ética ao Nicômaco , sistematiza Yack, Aristóteles faz
três menções ao direito natural. A primeira delas refere-se
ao direito político ( tipo de justiça que desenvolve-se em
comunidades
legais
formadas
por
homens
livres
e
razoavelmente iguais ), que abarca um direito natural.
Aristóteles menciona uma segunda vez este assunto quanto
sustenta que a justiça existe “por natureza”(physei).
Finalmente, Aristóteles argumenta que o direito natural é
tão mutável quanto o direito convencional.
5
6
natureza é, portanto, teleológica, buscando o fim que lhe é
próprio, não devendo pois
ser entendida como o que é
original ou primitivo. Quando Aristóteles diz que o Estado
existe por natureza, ele não está dizendo que o Estado é
natural, e sim que o Estado expressa uma forma natural de
desenvolvimento das associações humanas. O mesmo aplica-se à
sociabilidade natural do homem. Não está sendo dito que o
homem é originalmente social, e sim que ele orienta-se,
naturalmente, para a vida em sociedade. Por isso, natural
não é apenas o indivíduo, sendo os grupos, as famílias, as
cidades e a estrutura deste grupos ( “substâncias segundas”,
na linguagem do tomismo) algo da ordem da convenção. Para
Aristóteles, todas as formas de sociabilidade são naturais.
Entendido isto, cabe agora explicitar seu conceito de
justiça/direito ( dikaion).Para Aristóteles, a justiça é
pensada como um certo tipo de ordenação da polis, para a
qual tende, pela própria natureza, a comunidade humana. A
polis
é
o
coroamento
natural
e
necessário
de
um
desenvolvimento da comunidade, pois é nela que os indivíduos
expressam sua igualdade de cidadãos - politai - que
corresponde à sua natureza política. Esta unidade da polis,
entretanto, está fundada (contrariamente ao que postulava
Platão) na diversidade dos membros da cidade . Esta
diversidade,
qualificada pelo fato de que os homens ,
movidos pela posse e pelo afeto, cuidam melhor do que lhes
pertence do que daquilo que é de todos, torna imprescindível
uma ação propriamente política.
Esta política deverá estar pautada na justiça, que não deve
ser entendida como compreendendo uma regra geral. Quem
melhor esclarece este ponto é Leo Strauss (1986:147 a 149).
A justiça natural é variável mesmo, uma vez que a única
coisa que não varia é a hierarquia dos fins, o bem a que se
quer chegar. O direito, que expressa as medidas tomadas para
se alcançar o bem comum, é tão natural quanto a própria
polis, que é natural e variável. Feita a desconexão entre
justiça e lei geral, pode Strauss sustentar que para cada
circunstancia existe um único resultado desejável, sem que
com isso tenhamos que demonstrar que estes resultados
derivam de uma regra geral, ou de uma lei.
No mesmo veio está a interpretação dada por Yack(1990). Os
cidadãos consideram que seus atos são justos ou injustos
tendo em vista os acordos que estabeleceram entre si ou os
méritos intrínsecos à ação. Nesta última modalidade de
julgamento há algo que é
natural , mas que não deve
prestar-se ao mal-entendido de que, para Aristóteles, a
natureza nos daria um padrão inerentemente correto para
julgar. De acordo com a interpretação conferida por Yack ,
6
7
Aristóteles está dizendo outra coisa. Ele está simplesmente
sustentando que “a necessidade que os cidadãos sentem de
julgar e desenvolver uma argumentação neste julgamento a
respeito do valor intrinsecamente justo de suas ações
é
algo que desenvolve-se naturalmente dentro das comunidades
políticas”. O que a natureza nos daria seria a capacidade de
formar comunidades políticas onde dependemos uns dos outros
quanto aos julgamentos acerca dos méritos intrínsecos de
nossas ações. Yack nos adverte, assim, do equívoco de
assimilar esta idéia fundamental de Aristóteles com suas
referências ao caráter natural da escravidão ou
do
paternalismo, entre outras.
Por sua vez, Villey(1987:51)especifica este outro tipo de
justiça que ganha centralidade no texto: a justiça
particular.
A idéia central aqui é a de que a justiça
refere-se à atribuição, a cada qual, do que lhe é devido.
Este direito convencional, no entanto, não deve ser
confundido com a opinião, posto que, uma vez feita a
convenção, o direito está definido. Ora, estas convenções só
se aplicam para situações onde não há valor intrínseco, e
portanto onde não precisamos usar o bom julgamento : tanto
faz um ganso como duas ovelhas. Por isso, não faz sentido
associar o direito convencional com a opinião, porque ele
exclui a maior parte das opiniões, dos costumes e das leis
que nos regem.
A obra de Tomás de Aquino pode ser lida como expressão da
tentativa de conciliar esta visão clássica da política com a
doutrina oficial da Igreja católica. Interessa aqui destacar
a maneira como Tomás de Aquino desenvolve sua teoria do
poder e das leis, bem como sua concepção da sociedade
política como instância de realização do ser humano.
Sua teoria do poder contempla uma noção de poder in
abstracto , tomado como de origem e natureza divinas. Mas
este poder tem suas raízes na própria natureza do homem, no
sentido de que o poder corresponde a uma necessidade
natural, pois é o exercício do poder que permite reunir os
homens, naturalmente sociáveis, em torno de um princípio
pelo qual torna-se possível governar a multidão. E este
princípio, que informa a função central do governo, é a
promoção do bem comum. Assim, para Tomás de Aquino, o poder
não é algo decorrente do pecado, distanciando-se assim do
pensamento de Agostinho, que fora central na cristandade.
Por sua vez, o poder in concreto decorre de um puro direito
humano. Se um homem determinado exerce um comando sobre
outros homens, isso não se dá em virtude de uma escolha
7
8
direta e pessoal
humana7.
de
Deus,
mas
de
uma escolha meramente
Sua teoria das leis segue de perto o legado aristotélico,
mas produz sobre este uma transformação importante. Aquino
irá associar a lei à razão, entendida esta última como uma
faculdade que ordena a ação e a reflexão humana com vistas a
realização de um fim.
A lei, portanto, passa a ser uma
ordenação da razão com vistas a alcançar o bem comum,
estabelecida e promulgada por aquele a quem compete dirigir
a comunidade.
Sendo Deus o príncipe da comunidade
universal, a primeira lei , Lei Eterna, é uma prescrição da
razão divina, que regula tudo que existe, sujeitando o mundo
à Providência Divina. Todos os seres participam, de certo
modo, dessa lei, impressa por Deus em toda a criação, e esta
lei inclina tudo que existe a executar os atos que lhes são
próprios , atingindo assim seus próprios fins.
Mas o homem, enquanto criatura racional, é capaz de prever
as conseqüências de seus atos e dos movimentos dos outros,
participando desta lei de um modo mais perfeito. A esta
participação, Aquino dá o nome de lei natural. Discriminar o
bem do mal, fazer o bem e evitar o mal, não molestar aqueles
com
os quais se tem de viver constituem os principais
preceitos da lei natural, dos quais derivam-se muitos
outros. Tais preceitos são comuns a todos os homens e a
todas as épocas. Mas sua aplicação ocorre em situações
particulares
e
concretas,
em
condições
especiais
e
contingentes de tempo e de espaço. Daí a necessidade da lei
humana que deriva, diretamente da lei natural, o que pode e
não pode ser feito. Assim, o
homicídio é contrário à lei
natural, mas a punição do homicida varia , sendo o objetivo
o de disciplinar a sociedade em obediência à lei natural.
Assim, para Tomás de Aquino
“parte” do direito divino,
católica. Trata-se pois de
absoluta,
sendo
variável
expressão prática e histórica
a lei natural
passa a fazer
tal como posto na doutrina
uma lei eterna, imutável e
apenas o
direito positivo,
do direito natural imutável.
7
O direito à resistência fazia parte integrante da
filosofia política de Tomás de Aquino. A seu ver, as leis
humanas poderiam ser injustas, se referidas mais à glória da
pessoa do Rei do que ao bem estar do Reino, ou ao repartirem
desigualmente os encargos impostos aos súditos, ou ainda
quando não são da competência de quem as aplica.
8
9
O surgimento do conceito de direito subjetivo
A literatura especializada reconhece duas grandes fontes de
reflexão sobre a justiça que estão de alguma forma
conectadas com a emergência do conceito de direito
subjetivo, a saber , a tradição romana e o nominalismo. Mas
não há consenso nesta literatura, sobressaindo-se na análise
da primeira o argumento desenvolvido por Villey quanto a
impropriedade de se falar de direito subjetivo antes de
Occam.
Cabe portanto apresentar, inicialmente, uma síntese de sua
interpretação, orientada, inicialmente, para a clarificação
do que seja direito . A formulação da idéia de direito, na
Roma Clássica , é tributária da tradição grega, eqüivalendo
o termo jus, derivado de justitia, ao termo grego
dikaionsuné, que abarca ao mesmo tempo as noções de direito
e de justiça. O primeiro ponto que Villey enfatiza, aqui, é
o de que a
idéia de direito é solidária da idéia de
justiça, e que não compreende qualquer noção de “igualdade
em liberdade e dignidade”.
Trata-se,
alternativamente,
da
partilha
de
“coisas
exteriores”: funções públicas, honra, bens materiais,
obrigações. O “direito de cada um” será o produto da
divisão, e não será o mesmo para todos. Não que inexista uma
idéia de “isonomia”, mas o ison não deve ser traduzido por
igualdade, e sim por equidade. O aequitas traduz melhor esta
idéia de proporção justa, que se obtém na distribuição de
certas quantidades de coisas em função da qualidade das
pessoas.
Cícero definirá a finalidade do direito como sendo o serviço
de uma justa proporção na partilha dos coisas
e nos
processos dos cidadãos. Estas coisas - rebus - não implicam
em distinção entre espírito e matéria, separação que só
muito mais tarde será feita por Descartes.
Por processos
entenda-se os processos litigiosos, e por cidadãos que fique
clara a idéia que o direito é direito civil, isto é, aplicase a um conjunto de pessoas que partilham um igual status (
do qual, por exemplo, estão excluídos a família e o
estrangeiros) . O direito , assim definido, é legítimo na
medida em que levar em consideração regras gerais, que são
as leis constituídas pela cidade (Cf.Villey,1983:33 e ss.).
9
10
Para Villey, portanto, o direito romano é direito que nada
tem a ver com o direito natural, que tem sua origem na
Segunda
Escolástica,
na
moral
cristã
estóica,
no
nominalismo, no liberalismo de Hobbes e Locke, e no
racionalismo de Liebniz.
Não é que os termos “direito natural” não fossem usados : o
“jus naturale” consta dos Institutos de Gaius ( séc.II), mas
refere-se não a um conjunto coerente de regras, tirado da
razão subjetiva do homem, mas designando, isto sim, um
conjunto de “coisas”: relações jurídicas entre todos os
seres vivos, inclusive animais. A ênfase aqui posta por
Villey está nas coisas “enquanto competências, funções,
papéis a exercer na vida social intersubjetiva”, que não
comprometem uma
apreensão da justiça pautada no valor da
humanidade; mas este sujeito, capaz de conduzir sua vida com
base em uma escolha refletida, sujeito da palavra, é um
sujeito social.
Já Strauss sustentará que Cícero, ao associar a tradição
socrática com a tradição estóica, admitirá que haja em cada
um de nós como que uma centelha divina. Mas, como somos
livres, como temos vontade, podemos nos harmonizar ou não
com o fim que nos é dado. Cícero sustentará então que a lei
natural que rege as relações humanas emana da razão reta da
qual todos são dotados.
Tuck sustenta, contra Villey, que já no Direito Romano havia
a noção de um direito subjetivo, originalmente posto nas
relações entre os indivíduos que assumiam compromissos entre
si, implicando tais relações na idéia de que o indivíduo
possui um direito, algo já próximo da noção moderna de
direito, isto é “un indeterminate right against the
world”(1979:11/12). Mas concorda com Villey que Tomás de
Aquino não tinha uma teoria do direito natural, e sim da
justiça natural, faltando nele a noção de direito subjetivo,
enquanto direito natural individual inalienável.
Seja como for, há consenso de que a tradição romana estóica
trata a liberdade individual como esfera não jurídica da
vida humana, operando em uma dimensão externa ao domínio ou
campo do direito. Em particular, Brett(1997:25 e ss.) chama
nossa atenção para o fato de que a sociedade civil era
percebida como constituída de tal forma que cada “dominum”
guardava sua soberania sobre seu próprio território,
assignado segunda a máxima “a cada um o seu”. Mas Brett
assinala também a contribuição de Buridan, que escreve já em
plena Escolástica. Buridan reconhece haver a justiça do
“dominus”, que o dirige para ordenar a vida coletiva tendo
10
11
em mente o bem de seus “subjectum”, bem como uma justiça
destes,
que os dirige para obedecer tais ordenações. Com
este reconhecimento, Buridan desenvolverá o raciocínio que
distingue a justiça do direito : “the justice of the dominus
is prior to right and the right thing, whereas the justice
of the subject is posterior”(Brett,1996:100).Ou seja, o
regime de obrigações é justo quando o senhor é justo; e o
senhor é justo quando ordena em vista do bem de todos. Esta
tese é relevante para nossa questão porque aqui o direito
não é mais algo que tenha a ver com a assignação de coisas,
como interpreta Villey ( seguindo Aquino e Aristóteles),
passando a ser tomado como algo que origina-se na justiça
entendida como a vontade do senhor8.
Brett não deixa de citar longamente um texto de Buridan,
referido ao ius politicum em Aristóteles, onde este legitima
a liberdade individual de adquirir bens, cujo limite é dado
por efeitos perniciosos que possam advir daí para a
comunidade. Brett tem clareza, entretanto, de que, apesar de
defender este espaço de liberdade, Buridan não retira daí
conexões com a linguagem do direito. Pois direito aqui ainda
não tem o sentido de denotar as possibilidades da ação
humana livre. Este espaço, para Buridan, é um espaço lícito,
isto é, correto mas não regulado pela lei, pelas ordenações
que constituem o domínio do direito.
Esta tradição contrasta portanto, tanto com a escolástica
quanto com a tradição de elogio ao príncipe, por não derivar
a lei civil seja da lei natural, seja da vontade do
príncipe. Era, a meu ver, uma representação menos normativa
e apropriada a uma sociedade hierárquica, propiciando a
divisão adequada de seu território entre as elites9.
Será Guilherme de Occam (1285-1346/9) que inaugurará,
propriamente falando, esta via moderna. Se a disputa sobre
universais, que ocupou um espaço central no pensamento
escolástico ( principalmente no final do século XI e início
do XII), não estava referida a uma discussão sobre a
justiça,
o
conceito
escolástico
de
justiça
será
8
Ou seja, compreende uma subjetividade, por contraste com o
caráter objetivo da justiça aristotélica, voltada para a
distribuição das “coisas”.
9 Uma boa síntese da discussão jurídica romana acerca do
direito e do domínio encontra-se no primeiro capítulo do
livro de Tuck(1979). A dinâmica do Império Romano e do
feudalismo ocupam lugar central nesta sua recuperação da
determinação
da
apropriação
legítima.
Esta
vertente
analítica, entretanto, não guarda importância para o tipo de
entendimento do direito que estou buscando.
11
12
significativamente afetado pelo desdobramento nominalista
que, de certa maneira, coloca um fim a toda esta polêmica.
A compreensão deste movimento nos leva, inicialmente, para
o pensamento grego clássico. Buscando responder à questão da
identidade num universo em mutação, posta pelos présocráticos, Platão dirá que as Formas ou Idéias respondem,
reflexivamente,
pelos
objetos
individuais
de
nossa
experiência. O posicionamento de Aristóteles, por sua vez,
está referido a uma observação do mundo físico, que lhe
permite desenvolver os conceitos de essência e substância
que deverão dar conta da identidade das coisas. Se as
substâncias se modificam, seu ordenamento é o mesmo. Chegase à essência das coisas pela abstração, sendo a mente capaz
de abstrair dos indivíduos sua “natureza” isto é, aquilo que
os constitui enquanto tal.
A existência ou inexistência bem como a maneira de conhecer
e operar com essa “essência” constituiu o centro do debate
sobre
o
universalismo.
Este
debate,
no
âmbito
da
Escolástica,
iniciou-se
com a “prova
ontológica” da
existência de Deus, desenvolvida por Anselmo, ocupado em
estabelecer a articulação entre fé e razão. Esta prova, que
se assenta em conceitos, antes que na experiência, levaria à
conclusão de que Deus - o maior ser existente - estaria em
todos os domínios, pois se não estivesse seria possível às
nossas mentes pensar em alma maior que Deus, o que seria uma
contradição. O raciocínio de Anselmo estava permeado pela
visão agostiniana ( e platônica, neste aspecto) da verdade,
no sentido de que Anselmo concebia a existência de uma
Verdade, da qual tudo que fosse verdadeiro dependeria. Está
aqui posto o “realismo extremo”, em sua raiz10. Pois dentro
desta perspectiva, o termo que refere-se ao conjunto de
particulares, como os termos homem, casa, cão, teria seu
correspondente real: uma “coisa” (res) universal estaria
presente em cada homem, em cada casa ou em cada animal.
Roscelin de Compiègne( circa 1125) foi o primeiro a reagir a
este “realismo extremo” então em voga, sendo famosa sua
afirmação de que o universal nada mais é do que o “flatus
vocis” ( o sopro da voz) empregado para a classificação dos
seres individuais. Cabe lembrar aqui que a dicotomia
“palavra/coisa” já havia sido posta por Boécio(480-524), o
10Identificá-lo
com o idealismo, como se faz hoje em dia,
seria, de qualquer forma , despropositado. O melhor seria
usar o termo fundamentalismo, porque aqui está indicada a
particularidade desta filosofia que busca fundamento(
sólido, eterno se possível for) para nossa linguagem.
12
13
tradutor do Organon de Aristóteles e
Categorias de Aristóteles, de Porfírio.
da
Introdução
às
Abelardo(1079-1142) também reagiu ao “realismo extremo”, mas
sem aceitar o nominalismo de Roscelin, seu mestre. Irá
reorganizar a disputa sobre os universais obedecendo ao
procedimento posto por Boecio. Para tratar do assunto,
Boecio havia organizado o tema com estas três questões::
1) os gêneros e as espécies existem ou são construtos
mentais?
2) se existem, têm existência corpórea ou incorpórea?
3) os universais existem separadamente das coisas sensíveis,
ou nas coisas sensíveis?
Boécio teria respondido a estas questões considerando que,
se para Platão os universais eram reais e incorpóreos, e que
se para Aristóteles eram conceitos, desde que o universal é
comum a vários indivíduos, não pode ele mesmo ser um
indivíduo e, portanto, não pode ser uma substância sensível.
Mas como o universal existe, não é simplesmente uma palavra,
ele corresponde a alguma realidade. Então, Boécio afirma que
o universal resulta de um trabalho da mente sobre os
sentidos, subsistindo em seres materiais, apesar de ser ele
mesmo imaterial. Boécio sustenta, pois, que o universal é
uma coisa .
Abelardo retomará estas questões11, sustentando que o
universal não é uma coisa, uma Forma, como querem os
realistas, porque se o fosse, não seria possível distinguir
instâncias deste universal, como Pedro e Paulo. Para evitar
a alternativa nominalista, desenvolverá sua teoria da
abstração.
Tomando o entendimento como uma atividade ( sensorial e
intelectual), Abelardo dirá que a mente é capaz de
distinguir entre matéria e forma, ainda que estas não
existam em separado. É disto que trata a abstração que é um
“sermone” ou “sermo”, um conceito, similar à coisa
entendida. Se a imagem de um universal é confusa e geral,
enquanto que a de um singular representa a forma própria e
característica, o conceito segue sendo sua representação, e
não uma outra coisa. A mente abstrai, toma algumas
características da coisa que são idênticas a outras coisas
11
Abelardo agrega mais uma questão, quanto a permanência ou
não do significado de um universal, caso seu referente
deixasse de
existir, que não interessa considerar dado o
uso que estou fazendo desta problemática.
13
14
do
mesmo
grupo,
Knowles,1996:103).
e
produz
sua
expressão(cf.
O termo universal, tal como utilizado por Aristóteles,
referia-se a algo que pudesse ser predicado de muitos termos
e muitas
coisas.
Abelardo
questiona esta definição,
sustentando que os universais só podem referir-se a termos,
posto que “coisas” não podem ser predicadas de muitos. Se os
gramáticos dividem os nomes em próprios e apelativos, se os
dialéticos os distinguem em particulares ( individuais) e
universais, Abelardo dirá que o universal é aquilo que pode
ser predicado de muitos termos devido a sua intenção (cf.
Schoedinguer,1996:531). Dado que muitos nomes podem ser
aglutinados por uma só palavra, o que o universal descreve é
a unidade do significado.
Trata então de indicar a razão pela qual conferimos um nome
universal a certas coisas. Abelardo dirá que o que leva a
isto é o fato de que tais coisas tem “algo” em comum , um
status12, antes que essência, que não é, entretanto, uma
coisa. Aqui, o “flatus vocis” será portanto dito de outro
modo: os universais são palavras, uma representação da
mente, que é menos indistinta que a coisa representada,
omitindo o que não for comum ao gênero ou à espécie , e
tendo lugar apenas na mente, não na realidade externa a ela.
Gilbert de la Porré prosseguirá este debate, retomando a
perspectiva neoplatônica, sustentando que o universal não é
a substância ( a coisa, propriamente dita), mas o
subsistente ( aquilo pelo qual a coisa existe, a Forma capaz
de ser abstraída ou colhida pelo entendimento ). Mas é a
resolução que Occam(1285-1346) trará para esta disputa que
irá marcar o fim da Escolástica.
Para compreender o nominalismo, é preciso entender que Occam
parte da premissa de que a mente humana efetivamente formula
termos universais, mas que a estes termos não correspondem
seres, não tendo pois existência efetiva. Para Occam, a
coisa individual é a única realmente existente; portanto, só
ela pode ser conhecida ( Leff,1968:281), o que
coloca em
questão até mesmo a validade das inferências empíricas.
Vejamos isto mais detidamente.
12
Leff (1968:110) esclarece: o status lida apenas com as
características gerais presentes nas impressões sensoriais e
abstraídas de um certo numero de indivíduos. Esta impressão,
uma vez em nossa mente, não representa mais qualquer
indivíduo particular e pode sobreviver às mudanças no
objeto.
14
15
Occam privilegia o conhecimento intuitivo que, envolvendo
uma consciência imediata de um objeto , permite-nos atestar
a existência de uma coisa. O conhecimento abstrato, por
contraste, visa a compreensão, o entendimento do que foi
constatado, lidando com proposições. Aqui, estamos no campo
da especulação, que não pode levar a uma certeza como no
primeiro tipo de conhecimento. Assim, não
é possível
conhecer os universais, propriamente ditos, porque os
universais não são uma coisa, mas um conceito. O conceito
não tem existência objetiva, sendo uma “qualidade da mente”.
O conceito tem, entretanto, uma relação de semelhança com a
coisa que é, por ele, representada.
Muito resumidamente, a argumentação de Occam pode ser posta
nos seguintes termos. Admitindo, como teriam afirmado
Aristóteles e Averroes, que toda substância é singular,
Occam irá sustentar que antes mesmo da adoção de palavras, o
intelecto contem noções de coisas que refletem os objetos
que conhece. Estas noções são os signos das coisas, como a
idéia de homem, ou cão; ”o signo pelo qual compreendo o
homem é o signo natural para homens, tal como a fumaça
significa fogo, os lamentos, dor, ou
o riso, o apreciar,
gostar. Este signo significa homem, na proposição mental, da
mesma forma que a palavra pode significar a coisa, na
proposição falada”(cf. sentenças 1,2, e 7, appud Leff,1968:
183).“Uma coisa individual, uma rosa, um cão, evoca na mente
humana um sinal (“signum naturale”) que é o mesmo em todos
os homens, como um riso ou um grito” (Leff,1968:295).
Entendidos como as palavras que designam os atributos comuns
a indivíduos, os universais são termos exclusivamente
mentais, são conceitos sem qualquer realidade extra-mental
(diferentemente das palavras que designam este ou aquele
indivíduo, e que tem, portanto, como que um substrato
empírico). Existem universais referidos aos signos naturais
e universais por convenção. Em qualquer dos casos, o
universal nada mais é do que uma intenção da alma: nada,
nenhuma substância fora da alma é, neste sentido, um
universal. Mas quando tomamos um universal por convenção,
seu nome é simplesmente um signo, cujo significado é
relativo às diversas realidades que designa, conforme o
ponto de vista daquele que o usa.
De acordo com Libera (1998:429), é possível, para Occam
passar do conhecimento intuitivo para o conhecimento
conceptual, porque o conhecimento intuitivo de uma coisa
singular produz , simultaneamente, seu conhecimento em sua
singularidade e seu conhecimento como membro de uma espécie.
Assim, “(a) intuição do singular é simultaneamente empírica
15
16
e eidética ( ao ver este homem vejo um homem). Passa-se
assim do singular para série, representada pelo conceito. Já
para Knowles, ao definir e justificar o que considerava ser
o conhecimento, Occam teria abandonado não apenas qualquer
forma de realismo ,como qualquer forma de abstração
intelectual. A mente do homem, sintetiza
Knowles, “não
abstrai essência ou natureza das coisa conhecida porque não
é possível demonstrar a existência nem do processo mental de
abstração, nem de qualquer natureza a ser abstraída. Tudo
que é conhecido é individual e singular, e o processo de
conhecimento é puramente intuicional”(1996:293, grifo meu).
Seja como for, se os “universais” só existem na mente do
homem (o que, de qualquer forma, é bem mais do que o “sopro
da voz”), eles serão tomados por Occam como os termos ou
elementos essenciais da linguagem. Pensar, para Occam, é
ordenar estes signos. Assim, o universal deixa de ser um
termo que expressa aquilo que existe por si, para ser um
objeto do pensamento, um artefato mental. A palavra que
usamos ( rosa, cão) é o sinal que conectamos à nossa
intuição, e que a chama de volta .
Com Occam,
perde
portanto significado a idéia do ser, como algo universal e
abstrato, bem como toda a ciência do ser, a metafísica.
Este seu modo de pensar tem pelo menos duas conseqüências
importantes ( cf. Leff,1968:284 e ss). A primeira delas é a
de colocar em questão inferências causais, exceto quando
empiricamente
“corroboradas”.
A
“essência”
torna-se
inseparável da existência, uma vez que a matéria não mais é
vista como potencialidade e sim como ato de existir. A
segunda conseqüência é a de que , sendo o mundo composto de
objetos discretos, não há como sustentar a representação
aristotélica do universo. Segundo Líbera, as únicas relações
admissíveis para Occam são as que se dão entre os objetos
naturais, como as de proximidade ou afastamento espaçotemporal, causalidade, semelhança, etc(1998:428). Assim, não
seria mais possível dizer se o universo é ou não finito, é
ou não governado por um Deus, eterno ou não, e mesmo se
haveria
um
só
ou
muitos
mundos.
Estas
incertezas,
entretanto, não implicavam em ceticismo, pois onde a razão
parava, começava a potência divina, esta sim, absoluta.
Knowles chama a atenção para o fato de que Occam insistia em
uma visão da ciência e da lógica como válidas em sua própria
esfera, que não é a esfera das coisas que realmente existem,
mas dos termos pelos quais elas se fazem representar em
nossas mentes.
A argumentação de Occam é difícil de ser acompanhada, dada a
forma pela qual ele raciocina. Não obstante, é muito claro e
muito interessante o modo pelo qual ele demonstra que o
16
17
universal não é uma substância, mas um significado que a
mente humana engendra, podendo este significado ser natural
ou convencional(cf. Occam ,cap.15 e 16 da Summa Logicae,
apud Schoedinger,1996:604-607). Diz ele: há quem diga que o
universal está fora da alma do indivíduo, ainda que dela se
distinga apenas formalmente. Assim, em Sócrates a natureza
humana estaria “contraída” em uma diferença individual, que
não se distingue
realmente mas formalmente da natureza.
Mas, argumenta, quem afirma a existência desta exterioridade
está sustentando que a diferença individual é própria e que
o universal é comum. Ora, uma mesma coisa não pode,
simultaneamente, ser comum e própria; portanto, o universal
não é a mesma coisa que a diferença individual.
Conclue então que a diferença individual é não apenas
própria (e não comum), como é a própria natureza, posto que
esta não é formalmente distinta da diferença individual. Em
uma substância particular não há nada substancial, exceto a
forma e a matéria particular, ou sua junção. É nessa
demonstração que Occam deixará claro que o termo “natureza
humana” não deve ser tomado como um atributo dos homens,
seres singulares. O individualismo que aqui está exposto é
um individualismo radical: a ciência gravita em torno do
indivíduo, pois só ele é dotado de existência real, e
portanto nosso único objeto de conhecimento. Occam introduz
uma maneira de raciocinar que elimina qualquer possibilidade
de postulação de existência de sistema de relações ou teias
interativas próprias à concepção holística da realidade.
Este ponto nos leva a um dos temas centrais deste texto ,
que é o da conceituação do direito subjetivo.
Não parece haver uma conexão imediata entre esta reflexão de
cunho propriamente filosófico e o tipo de argumentação
desenvolvida por Occam que propicia o surgimento desta idéia
de direito subjetivo. No entanto, como também sugere
Villey(1964), os dois movimentos guardam entre si enorme
afinidade. Occam ocupa uma posição de centralidade em um
longo conflito envolvendo a ordem dos Franciscanos, à qual
pertencia, e o Papado, acerca da pobreza. Fundada em 1209,
a ordem Franciscana estava voltada para a vida em pobreza, o
que significava não apenas a renúncia à propriedade e à
riqueza como também ao poder, ao dominium. Pois a esta
pobreza “exterior” corresponderia uma pobreza interior,
expressa na renúncia à vontade própria, entendida esta
última como um poder. O maior sacrifício que uma pessoa
17
18
poderia fazer, no entendimento destes frades, era renunciar
à própria vontade(cf.Brett,1997:13)13.
Occam enfrentava então o desafio de se contrapor à bula do
Papa João XXII ( 1320) que sustentava que todo ato humano é
justo ou injusto, e que portanto ou bem os franciscanos
tinham a propriedade dos bens que usavam ou estariam sendo
injustos deles se apropriarem para seu sustento. Tratava-se
portanto de estabelecer a propriedade de usar coisas que não
lhes pertenciam, aquelas necessárias a sua vida. Para
demonstrar a possibilidade do ato que não é justo nem
injusto, Occam recorre à noção de virtude (coisas que são
boas mas que não são, em si, nem justas nem injustas, como ,
por exemplo, a castidade) e à noção de que existem atos
lícitos, que não são, propriamente falando, justos.
Occam desenvolve a idéia de um jus in rebus , o direito às
coisas, mais especificamente o simplex usus ( cf. Brett,
1997:16-18).Para formulá-la, Occam irá conferir um sentido
original ao jus naturale. O direito de posse ( ius utenti) é
natural e positivo. O direito de posse positivo, um direito
jurídico, é o que os Franciscanos não tem. “Mas esta
juridicidade aplica-se não apenas aos direitos humanos
positivos, mas também ao direito natural de usar, que é
comum a todos os homens, por natureza e não por qualquer
convenção subsequente”(Brett,1997:64). E este direito é
irrenunciável, sendo intrínseco à vida de todos os mortais.
No entanto, clarifica Brett, este direito não é utilizável
sempre, mas apenas em situações extremas. É neste sentido
que há uma licença para usar coisas que não pertencem aos
franciscanos, licença que não é direito.
A tese central de Villey (1964:117) é a de que Occam faz
aqui uma revolução na ciência jurídica, transformando o
significado do termo direito, que deixa de designar o bem
propiciado pela justiça, passando a designar o poder que
temos sobre um determinado bem. E este poder está muito bem
especificado: não é a licença, a permissão, mas aquilo do
qual o homem não pode ser privado sem seu consentimento.
13
A liberdade da vontade já havia sido reconhecida por
Aquino como aquilo que o homem mais deseja, pois é por ela
que ele domina outras coisas, as aprecia e controla a si
mesmo. Esta noção, por sua vez, vinha de Agostinho,
influenciado pela compreensão (néo-platônica) da reflexidade
dos dois poderes ( espirituais) do intelecto e da vontade.
Esta reflexidade é que fundaria a liberdade, que requer o
domínio sobre o ato e sobre o objeto da ação. Por contraste,
os animais seriam determinados externamente em suas ações. A
liberdade, portanto, seria esta possibilidade de arbitrar.
18
19
Se classicamente a lei tinha o sentido de evocar “a ordem do
mundo”, Occam (aqui seguindo Duns Scottus) dirá que a lei é
um comando voluntário da autoridade. Faz, portanto, uma
outra leitura dos textos sagrados, internalizando seus
preceitos e sua estruturação, e lhes acrescentando um
impulso personalista e libertário. Assim, à diferença de
Tomás de Aquino, Occam dirá que existe a lei divina, cujos
comandos
encontram-se
no
decálogo,
a
lei
positiva,
correspondente à autoridade terrena (“dai a césar o que é
de césar”), que
também é
dada por Deus, e uma terceira
lei, inscrita (segundo São Paulo) no coração dos homens ,que
é nossa razão. Mesmo obscurecida pelo pecado, esta razão
segue podendo nos comandar.
De acordo com Villey, esta terceira lei constitui a origem
do nosso direito subjetivo, produto da onipotência divina
que dá poder aos Reis e domínio aos homens sobre as
criaturas inferiores. Esta apreensão individualizada do
direito natural, este que está inscrito no coração dos
homens, implica em corte radical com a concepção clássica de
justiça natural. Enquanto pertinente à consciência humana, o
direito deixa de referir-se à noção de justiça enquanto
“boa ordem” para ser algo a ser construído artificialmente.
Assim, existem leis preceptivas ( ame a Deus e ao próximo),
leis interditivas ( não roubarás, não matarás), e leis
permissivas : onde não há preceito ou interdição, cabe a
liberdade ordenada pela razão. Está aqui o fundamento da
idéia
de
direito
subjetivo.
A
resultante
desta
transformação seria a de que a lei positiva deriva do poder
delegado do legislador, representante da multiplicação
ilimitada de direitos subjetivos (Villey,1964:124). O justo,
portanto, passa a ser o legal14.
Assim, a via moderna entende por justiça a “retidão da
vontade” , expressão usada por Occam, tributário aqui de
Santo Agostinho (cf. Villey, 1964:121). Posto que Occam não
tem qualquer noção de uma ordem supra-individal, e dado que
uma ordem social seria algo que não tem realidade, a noção
clássica de justiça desaparece.
Vale ainda mencionar, por sua relevância para a questão que
aqui vai sendo trabalhada, a reflexão de Denis le Chartreux
14
Cabe entender, entretanto, que à diferença do positivismo
jurídico contemporâneo, Occam confere ao indivíduo o poder
de delegar sua função legislativa em função de um ato
divino: foi Deus quem deu ao homem o domínio sobre o mundo.
19
20
(início do séc. XV)acerca da justiça, que o leva a falar da
“dignidade humana”. Denis define a justiça como a virtude da
vontade de dar a cada um o que lhe é devido. Mas isto que é
devido é também uma dignitas”. Pois o que cada um merece é
aquilo que é digno de receber (Cf. Brett,1997:106). Aqui, a
noção de direito já está muito próxima da do direito
subjetivo , no sentido de que a dignidade já é quase um
atributo do sujeito. Mas ainda não está estabelecida, na
medida em que de forma alguma a idéia de um poder individual
está presente. A Summa de Antoninus, escrita em meados do
mesmo século, enfatiza, por sua vez, a conexão entre lei e
direito, no sentido de que o direito é mais um poder de agir
( entre pessoas e coisas, entre pessoas entre si),do que uma
relação (Brett,1997:110).Mas o desdobramento mais importante
desta formulação do conceito de direito subjetivo encontrase na obra de Gerson.
Gerson sustentava a idéia de que, originalmente, Deus
dominava tudo; criado o homem, Deus lhe deu sua “graça” para
que pudesse exercer o domínio sobre o mundo. A partir daí,
argumentará que a propriedade é natural, bem como a idéia de
que a liberdade é uma faculdade da razão, diferenciando
destarte o direito da lei. Gerson toma o direito como “uma
faculdade ou poder pertencendo a uma coisa de acordo com os
ditames da reta razão “(Brett,1997:81). Esta reta razão está
“original
e
essencialmente”
em
Deus,
mas
15
Esta
“participativamente”
nas
criaturas
racionais .
participação da razão humana na razão divina é chamada por
Gerson de synderesis, à qual associa-se a lei ou direito
natural. O direito subjetivo é então a faculdade pela qual a
alma discerne o que é certo: Gerson tende a isto, mas não
chega inteiramente lá : pois este direito natural não é
ainda uma faculdade cognitiva e sim um potencial para ações
específicas (Brett, :81 e ss).
Ainda assim, ao afirmar que todo ser humano tem esta
faculdade ou poder, Gerson está abrindo o campo para a
associação entre o direito e a subjetividade individual.
Como Tuck (1979:26) assinala com propriedade, Gerson foi o
primeiro a associar a liberdade a um direito, coisa
inexistente seja na tradição romana do direito civil, seja
na Escolástica16.
15
Aqui, segue Aquino.
A tradição romana, como já assinalado, identifica o
espaço da liberdade individual com o espaço fora da
jurisdição pública.
16
20
21
As tradições tomistas e gersoniana serão assimiladas por
Almain (início do século XVI). De sua obra, cabe reter a
idéia de que o homem tem um direito ou poder natural para se
conservar e para se proteger das agressões, assim como a
comunidade também tem o de eliminar, até pela morte, os que
perturbam sua sociabilidade (Brett: 118). E este direito
eqüivale a um domínio. Direito e domínio são, pois, função
da lei natural.
Posto isto, podemos agora entrar na Segunda Escolástica,
propriamente dita, destacando a maneira peculiar como
concilia uma perspectiva holista com a liberdade individual,
por contraste com a doutrina moderna do direito natural que
radicaliza a perspectiva individualista na conceituação da
justiça.
21
22
A Segunda Escolástica : a obra de Vitória, Soto, Molina e
Suarez
No final do seu Espelho de Próspero, Morse retoma o
argumento central de seu texto, chamando nossa atenção para
a tradição ética referenciada à lei natural que contrasta
com a perspectiva individualista presente na noção de
direito natural. Frente à proteção deste espaço de soberania
que cada indivíduo goza, sobre seu mundo moral , Morse não
descarta o valor desta tradição “barroca” que aponta para
uma lei “para o mundo, em sua diversidade” (1995:164).
Crítico da configuração dominante dos valores que informam o
“way of life” do mundo contemporâneo, Morse sugere que
a
concepção de justiça que marca a formação da íbero-américa
deve ser retomada como um veio interessante para a
compreensão e resolução dos impasses deste nosso final de
século.
Morse inicia seu argumento identificando a matriz moral
comum das tradições anglo e íbero americanas. ”Dentro dessa
matriz, entre os séculos XII e XVII”, sustenta Morse, “foram
feitas opções e construídos modelos conceituais que viriam a
produzir os diferentes padrões do que chamamos “civilização
ocidental“(pag.23).Após comentar o processo de diferenciação
efetivado no interior desta tradição, Morse irá conferir um
valor especial à Segunda Escolástica, não apenas por
encontrar aí as bases do direito internacional, mas por
fornecer também uma “metafísica inicial para a moderna
filosofia européia ( criando) uma racionalidade e normas
para as conquistas de ultramar mais humanas do que aquelas
que as sucederam“(pag. 29).
Meu interesse por esta escola, que sem dúvida alguma foi
despertado pelo texto de Morse é, entretanto, de cunho mais
teórico. Ocupando-me da linguagem dos direitos de cidadania,
interessa-me expor as bases doutrinárias que conferem
sustentação às diversas “Declarações dos Direitos Humanos”.
Se a doutrina moderna do direito natural é o
suporte
central deste discurso, a reflexão efetivada no âmbito da
Segunda Escolástica parece ser extremamente importante como
momento de transição de uma visão da justiça fundada em uma
idéia de lei natural para sua representação na linguagem do
direito natural.
Acompanhar esta démarche pareceu-me interessante para a
elaboração
mais
sofisticada
dos
argumentos
que,
contemporaneamente, são acionados para legitimar o Estado
Providencial e para a compreensão mais acurada dos dilemas
22
23
enfrentados pelos que querem conciliar liberdade individual
e justiça. Retomar um momento da filosofia política em que a
liberdade individual estava garantida numa representação
holística da sociedade parece ser pertinente para, pelo
menos, entender que os termos não necessariamente se opõem,
como quer o néo-liberalismo hoje em voga.
A referência clássica para o exame da Segunda Escolástica
segue sendo o trabalho de Gierke(1934). As teorias da lei
natural que desenvolvem-se entre 1500-165017 tem como
característica central, sustenta Gierke, o fato de romperem
com uma representação do Estado como totalidade compreendida
por uma totalidade mais englobadora, que o define, para
representá-lo como instituição auto-explicável. Ao mesmo
tempo em que essas teorias perdem seu teor teocrático, muda
também o foco analítico. Não se trata mais de tomar a
humanidade como objeto da filosofia política, mas de
analisar o Estado como unidade formada pela união de
indivíduos, em obediência aos ditames da lei natural
(Gierke, 1934:40)
O que está sendo dito aqui é que, para os novos
Escolásticos, o Estado é uma instituição que desenvolve-se
naturalmente, dada a tendência associativa própria aos seres
humanos, obedecendo sua organização à vontade humana, antes
que a um desígnio divino. Lei e direito natural começam
efetivamente a diferenciar-se na reflexão efetivada por
sacerdotes da igreja Católica que, ocupando o lugar de
ideólogos da política ibérica, precisam dar conta da
colonização de civilizações radicalmente distintas da sua.
Incumbidos de imputar legitimidade às soluções propostas
pelo Estado, a Segunda Escolástica ganha este nome por
expressar a mesma doutrina da Escolástica, agora modificada
pelo Renascimento e influenciada pelo nominalismo18.
De Tomás de Aquino, os pensadores da Segunda Escolástica
preservam o esquema central de sua
teoria das leis. O
17
O corte em 1650 corresponde ao texto hobbesiano que
radicaliza estas teorias, ameaçando, no dizer de Gierke, a
própria sobrevivência de uma lei pública genuína.
18Maquiavel também foi lido, e sua influência revela-se em
textos que pretendem ser o espelho do príncipe, como os de
Jeronimo Ozorio e Felipe de la Torre(Skinner,1996:233). Mas
os novos escolásticos consideram que a lei de Deus deva
sobrepujar a “razão de Estado”, não sendo portanto
fundamental este foco na figura do Rei. Sobre a influência
de Maquiavel na cultura política ibérica, ver também Morse,
(1995:54 e ss.).
23
24
universo será representado como um todo, ordenado pela lei
divina (expressa nas Escrituras), pela
lei
natural,
implantada nos homens, e pela lei positiva ( civil e
canônica), que especificará, no tempo e no espaço, a lei
natural19.
O conceito de lei natural aproxima-se aqui do que seria
razoável, costumeiro ou
normal, sendo sua existência
generalizada
prova
do
caráter
natural
da
lei
(Hamilton,1963:12). Os primeiros princípios seriam o de
fazer o bem, evitar o mal, e não fazer aos outros o que não
se quer que a si se faça. Destes princípios seriam derivados
outros, de segunda ordem, do tipo não matar, não roubar e
ainda os de terceira ordem, como os que especificam em que
circunstâncias a guerra, por exemplo, é justa.
Havia divergência entre os principais expoentes desta escola
quanto ao caráter ético da lei natural, bem como quanto a
possibilidade de ser esta lei apreendida pela razão: o bem e
o mal eram intrínsecos à natureza das coisas, e enquanto
tal, necessários,
ou definidos pela vontade divina, que
poderia ter feito tudo de outro modo ? Era uma lei divina
positiva , chamada de natural apenas porque estava de acordo
com a natureza, tal qual ela se apresentava?
Para Vitória (1485-1546), natural e necessário é aquilo que
surge da própria coisa, como a capacidade de rir e de pensar
é natural para o homem. Assim, dirá que “a lei natural é a
que é propriamente, e por si mesma, correta”. A lei natural
é, portanto, acessível à razão, porque Deus fez tanto a lei
natural quanto a razão humana. Soto (1494-1560) dirá que a
lei natural é mais facilmente apreendida pelo instinto ( e
assim, da lei natural, ninguém pode alegar desconhecimento)
sendo sua racionalização propiciada pela lei humana positiva
(Hamilton,1963:14/15).Estes dominicanos, ao desenvolverem
este tipo de raciocínio, estão também respondendo à Reforma,
insistindo que, no homem, preserva-se uma “graça interior”,
e que portanto ele mesmo é capaz de buscar a justiça; pode
atuar politicamente de uma forma em que exerça sua
liberdade, obedecendo ao mesmo tempo à lei divina.
Suarez (1548-1617)também concordará com esta postura porque,
se não fosse assim os não-cristãos estariam excluídos da
19
As leis positivas devem ser obedecidas, na medida em que
sejam compatíveis com a lei natural, pois fazem valer no
mundo “uma lei superior que todo homem já conhece em sua
consciência”(Skinner,1996:426).
A
Segunda
Escolástica
compreendia, também seguindo Tomás de Aquino, o direito de
resistência da pessoa, da família e da localidade.
24
25
participação na ordem eterna, já que desconhecem, por
definição, as escrituras. Mas discorda do caráter intrínseco
do bem e do mal, na ordem das coisas, porque desta ordem não
é possível derivar a obrigação de fazer o bem. A lei natural
não é o que é sujeito à regularidade causal, no sentido de
que a natureza é governada pela lei; a lei natural opera
apenas sobre os agentes morais, na forma do julgamento que
precede e guia a vontade (Haakonse,1966:19). Assim, conclue
ele que a lei natural contempla uma necessidade e uma
ordenação
divina
(Hamilton,1963:26)20.
Por
sua
vez,
Molina(1536-1617)dirá que, se a lei natural comanda ou
proíbe por si mesma, as paixões humanas, o caráter
intrincado daquilo que se quer conhecer e, finalmente , a
preguiça, a incultura, em suma, defeitos do sujeito do
conhecimento são as fontes possíveis de erro em sua
apreensão(Hamilton,1963:18/19)21.
Com este tipo de reflexão, os novos escolásticos acabam por
re-elaborar a concepção tomista de justiça, ao atribuir um
significado bem mais decisivo à razão, em sua concepção de
lei natural . Para eles, a mente humana seria capaz de
apreender a realidade, sendo tal conhecimento passível de
corroboração pela experiência( cf. Hamilton, passim).
O universo social, por sua vez, segue sendo visto como
inscrito num contexto natural de obrigações mútuas, não
havendo, portanto, espaço para a idéia de qualquer
contrato(Hamilton,1963:29).Se estes tomistas consideravam
que todos os homens eram livres, iguais e independentes
(Skinner,1996:433), não eram, entretanto, seres naturalmente
solitários. A conceituação dos homens como zoon politikon
continua sendo a conceituação dominante, seguindo Aquino e
Aristóteles. Conforme Vitória, “é de fato essencial ao homem
jamais viver sozinho” (Skinner,1996:434). A comunidade
política, portanto , é apreendida organicamente, não havendo
lugar para a idéia de subordinação dos indivíduos ao Estado,
e sim de todos à lei natural.
Por esta razão, o enfoque da Segunda Escolástica incidirá
menos sobre a liberdade e mais sobre o bem-estar das
pessoas. Mas expressa também a influência republicana, no
20
“...(A) lei natural vale apenas para o ser humano(e não
para todo ser vivo), posto que a lei implica numa relação
moral com o que deva ser feito e só a inteligência é capaz
deste governo...só os que tem o uso da razão podem ser
governados pela lei”( De Legibus, cf.Hamilton,1963:21)
21
Este ponto é importante, porque pecar e errar eram
considerados, praticamente a mesma coisa.
25
26
sentido de que a soberania do povo está garantida vis-à-vis
a postulação de um governo acima da lei.
Vejamos agora como a idéia do direito subjetivo desenvolvese dentro desta perspectiva. Para Vitória, o direito natural
é aquilo que é necessário, frente ao qual temos que nos
sujeitar, posto ser o que a natureza ensina a todos os
animais ... e que pode ser reconhecido pela luz natural. É a
atividade específica a cada ser, e aqui Vitória segue
Cícero, mais que a Aquino (Brett,1997:126). O tema do
direito associa-se ao do domínio, e dentre os significados
atribuídos por Vitória para esta relação cabe aqui destacar
os
seguintes.
O
domínio
poder
ser
apreendido
como
significando uma certa eminência ou superioridade; neste
caso, não é o mesmo que o direito, dado que a mulher tem
direito sobre o marido mas não tem domínio. Mas domínio e
direito
também
podem
ser
entendidos
como
termos
equivalentes, em cujo
caso
entra o poder da vontade: é
direito o que o dominus decide. O que está sendo enfatizado
é que o homem é racional e livre, por contraste com a
natureza que é determinada.
Note-se ainda que Vitória toma a conservação da vida humana
como um direito, que provem da lei natural. E é a partir daí
que Vitória irá desenvolver sua teoria política, onde o
poder do governante é poder consentido pelo povo. Está aqui
a representação radicalmente democrática de governo, com
base individualista , mas estruturada no contexto de uma
concepção holística da vida política.
Vejamos mais detidamente como
Vitória tratou o direito
subjetivo. Vitória relaciona ao direito a noção de
obrigação:
o
direito
subjetivo,
natural,
indica
a
necessidade(
necessidade
aqui
entendida
no
sentido
aristotélico daquilo que dirige-se a seu próprio fim) que os
indivíduos têm de viver em sociedade, sendo a “civitas”
imprescindível para remediar as deficiências humanas22.
22
Aqui fica claro um dos principais legados do humanismo
renascentista para a Segunda Escolástica ,nesta ênfase
concedida à capacidade da legislação remediar os “males” da
vida em sociedade. Os renascentistas, apoiando-se no De
Inventione, de Cícero, ao distinguir
“vida civilizada” da
barbárie, caracterizavam como principal diferença entre o
ius gentile e o ius civile
o fato de que, no âmbito do
primeiro, o governo da sociedade dependia do julgamento
arbitrário de “reis primitivos”, enquanto que no segundo
dependia de leis .A passagem de uma para a outra far-se-ia
26
27
Assim, Vitória teria usado o termo “direito subjetivo” para
referir-se ao direito de pertencer a uma comunidade
política. Cabe adicionar aqui, que, para Vitória, a civitas
implica na existência de
comandos e leis que o indivíduo
tem a obrigação de obedecer.
Mas Vitória conferiu ao termo um segundo significado, ao
conectar o direito subjetivo ao domínio;
a ênfase recai
aqui na liberdade própria à pessoa independente, capaz de
exercer seu poder sobre coisas e pessoas. Vitória teria
reservado, portanto, um espaço, por assim dizer, dentro da
“civitas”, da cidade, para o exercício deste direito.
Na medida em que esta liberdade é percebida como um direito,
cria-se tensão entre os dois tipos de “direitos”: viver em
uma comunidade política, cumprir seus ordenamentos, e viver
livremente. No âmbito da (primeira) Escolástica não havia
conflito, pois se a noção de liberdade ocupava um lugar de
centralidade, por ser uma noção imprescindível à idéia de
ação meritória, de salvação, o espaço da liberdade era
entendido como um espaço distinto daquele ocupado pela
sociedade organizada.
Para melhor compreender esta tensão, vale a pena desviar o
foco da linguagem dos direitos e orientá-lo para a linguagem
que identifica o portador dos direitos, o “ sujeito da lei”.
O texto de Gierke é esclarecedor: um direito envolve um
sujeito, e o sujeito de um direito é uma pessoa, alguém que
tenha personalidade. No momento aqui analisado, supunha-se
que o povo tinha personalidade, qualificada como uma
“personalidade corporativa”. O significado desta idéia só
pode ser captado levando-se em consideração a distinção que
então se fazia entre “universitas” e “societas”. A
“personalidade
corporativa”
associava-se
à
idéia
de
com base na eloquência, a capacidade de bem raciocinar. Em
De Inventione, Cícero sustentava que houve um tempo em que
os homens viviam como animais, andando pelos campos,
confiando sobretudo em sua força física; não haviam
obrigações, sistema social, casamento... Até que apareceu um
grande homem, que compreendeu o valor da reflexão, da lei e
da instrução. De acordo com um plano, este homem reuniu a
todos, lhes assignou ocupações úteis e honradas e, por sua
eloquência se fez escutar, transformado-os em uma gente boa
e dócil”(Tuck:1979 :33,37).
Assim, a diferença entre
“gentios” e “civilizados” era da ordem da qualidade do
pensamento humano acerca do que seria conveniente para a
sociedade.
27
28
“universitas”,
por
contraste
com
o
conceito
de
“personalidade coletiva”, que referia-se à associação de
membros distintos. A tensão instaura-se portanto quando a
liberdade de agir passa a ser ordenada pela esfera jurídica,
que deverá conciliar direitos individuais e corporativos.
De acordo com Brett, a obra de Soto, principal discípulo de
Vitória23, pode ser compreendida como voltada para a
resolução desta tensão. Soto teria reconciliado os dois
sentidos conferidos, por Vitória, ao direito objetivo, como
parte de um projeto mais amplo de harmonizar as demandas de
uma sociedade política orgânica com a liberdade individual (
Brett, 1997:8). Gierke é mais cauteloso, ao sustentar que a
Segunda Escolástica mantém, com um “jeu d’ésprit engenhoso”,
a premissa individualista numa idéia de “universitas” que
existe por direito próprio. Mas, de qualquer forma, o
“träeger” dos direitos é o povo, uma unidade em si.
Soto parte do suposto de que, para conhecer a justiça, é
preciso investigar as regras de sua operação24. As leis
serão as mesmas de Aquino: a de Deus, eterna, razão de tudo
que existe; a natural, compatível com a razão humana, e a
lei positiva. A lei natural não vale para todos os animais,
que tem um instinto natural que os leva a realizar seus
próprios fins; mas o homem tem ainda esta outra lei que o
leva a mover-se a si mesmo para seus fins, que é a sua
liberdade: “... e isto é a lei natural, estes princípios
que, sem raciocínio discursivo, são aparentes per se, por
iluminação natural “(Brett,1997:142). E é isto que torna o
homem livre, diferentemente das demais criaturas25. Além
desse conhecimento inato do fim a ser buscado por suas
ações, ele tem uma inclinação para realizar o seu próprio
bem ( a virtude) que o conforma com a lei eterna. Assim,
“... tanto de acordo com seu conhecimento, quanto de sua
propensão para o bem - ambos necessários para o movimento
livre - as ações humana estão sujeitas à lei eterna”( Brett,
1997:143).
23À
diferença de seu mestre, Soto escreve muito,
tendo 27
edições de seu livro sobre a justiça, antes de findar o
século XVI.
24 Soto sustenta que o ius, objeto da justiça, não deve ser
entendido como uma noção subjetiva (cf. Skinner,1996:452).
25 Seguindo a tradição aristotélica, o ser humano, para de
Soto, será representado
como um ser organizado em três
camadas : a camada natural, como ser vivente, que o inclina
para sua conservação, nutrição e crescimento; como ser
animal, que tem sua orientação pelos sentidos, e como ser
racional, inclinado para o que é bom, governado pela razão.
28
29
Soto distingue o campo do direito do campo do domínio, ao
sustentar que o direito refere-se à idéia de liberdade,
enquanto que a relação de dominação implica na obrigação do
senhor de cuidar do bem de seu escravo, ou de seu filho, ou
de seu “rebanho”. Assim, a faculdade humana de agir, ditada
pela lei natural, é o direito, e a primeira lei natural é a
da auto-conservação: todos têm como primeiro direito natural
este direito a auto-conservação26.
Usando criticamente a metáfora do corpo, onde o soberano
seria a cabeça, Soto insiste que, à diferença de um membro
do corpo humano, que de fato não existe por si, fora do
corpo, as pessoas existem fora da comunidade e que portanto
são passíveis de serem prejudicadas pela ação do soberano.
Além disso, o soberano não tem direitos sobre a propriedade
das pessoas, à diferença da mente que, supostamente, é dona
de seu corpo. Se, enquanto membro da sociedade, o indivíduo
deve atuar de acordo com o direito público, enquanto
indivíduo ele tem que exercer seu próprio controle: deve ser
“sui iuris, ter domínio sobre si e sua liberdade”( cf.
Brett,1996:159). E isto vai até o ponto em que a comunidade
política não pode obrigar um indivíduo a “cortar sua perna,
para se salvar”: só o indivíduo é responsável pela maneira
como preserva sua própria vida.
Mas Soto insiste também que o homem não tem garras e chifres
que o defenda e que precisa mesmo da sociabilidade. Segue-se
daí o raciocínio de que ( sempre seguindo Aristóteles) uma
26 Este tema vem associado à questão da escravidão: poderia o
homem trocar sua liberdade pela vida? o homem é dono de seu
destino? Gerson sustentava que a liberdade era uma
propriedade, que poderia ser trocada pelo homem quando lhe
conviesse, pois o homem era livre mesmo.
Sepúlveda argumentava que os indivíduos eram escravos por
natureza, mas seu texto Democrate Alter será banido em 1558,
quando Felipe II
promulga o primeiro Index Expurgatorius
espanhol(cf.Hamilton,:9 e 10). Mas para Vitória, que
encarava o problema concreto da escravidão, e não a questão
teórica, a proposição era a de que
o homem não podia
escravizar-se, porque não era dono de seu destino: só em
casos extremos - iminência de perda da vida - isto era
aceitável.
de Soto entrementes argumentará que é tal a
vontade de todos os animais de preservar a vida que até
escravizar-se é garantido pela lei divina, por esta razão.
Molina dirá que o homem tem o direito de se escravizar,
mesmo por comida. Suarez segue Molina neste ponto.
29
30
comunidade precisa de governo, pois sua unidade deriva de
uma sujeição a uma mesma regra27. Este governo deverá ter
sua base no poder popular, mediatizado pelo monarca ou pelos
representantes populares.
Lendo a passagem onde Soto indica como a comunidade política
se constitui, fica muito claro que a reunião de todos sob um
mesmo governo responde a uma sociabilidade natural, a uma
impossibilidade de sobreviver isoladamente; não há aqui a
fria (calculista) lógica do pacto.
Mas é com Molina e Suarez, jesuítas que rivalizavam com
Vitória e Soto, que o conceito de direito subjetivo é
formulado de forma plena. Molina tinha uma visão da vontade
livre que lhe levava a definir o direito como uma faculdade
de se portar livremente; e este direito pertenceria a todos;
assim os “etíopes” tinham o direito de se escravizar, se
isto fosse compatível com suas leis.
Este argumento será formalizado por Suarez, que já afirma
ser o direito uma faculdade, na linha de Gerson, e o domínio
algo existente também no estado de natureza : “a liberdade é
um assunto do direito natural ... posto que a natureza
confere ao homem o verdadeiro domínio de sua liberdade “(cf.
Tuck,1979:56). Assim, Suarez dirá que justiça e lei são
distintas, já que a justiça não se refere apenas ao que é
certo mas indica também “uma certa capacidade moral que
todos possuem” e que portanto a justiça diz respeito a um
direito, no sentido de “ter-se um direito em relação a
determinada coisa”(Cf. Suarez, Tratado das leis e de Deus
legislador, apud Skinner,1996:452). O direito subjetivo é,
portanto, o meio para a realização dos fins determinados
pela lei natural. Compreende o poder ou domínio sobre nós
mesmos ( a liberdade), sobre os bens do mundo ( a
propriedade)
e sobre outros, instituídos por
quasicontratos. Nos termos de Haakonsen, a liberdade nos é dada,
mas podemos renunciar a ela em função de uma determinação da
lei natural, como a punição; o mundo nos é dado em comum,
mas podemos nos apropriar dele privadamente, de modo a
melhor contribuir para o bem comum(1996:23).Assim, Molina e
Suarez, mesmo tomando o povo como corporação, tenderão,
entretanto, para sua representação como “societas”. O povo
vai assim dissolvendo-se em um sistema de direitos e
obrigações individuais recíprocas, na medida em que a
27Brett
sugere que Soto, como toda a escola de Salamanca,
envolvido com a defesa dos índios e o ataque ao luteranismo,
tinha que insistir no caráter natural da “civitas”.
30
31
vontade comum vai se decompondo em um acordo de vontades
individuais( Gierke,1934:45,245).
Finalmente, Grotius irá ajustar o texto aristotélico à sua
perspectiva individualista e radical do Direito Natural,
abandonando
posteriormente
a
teoria
de
justiça
de
Aristóteles ao relacionar a justiça diretamente ao direito,
ainda que mantenha um comunitarismo, na forma da “caridade
interpretativa”.
Selden
completa
a
perspectiva
individualista e hedonista da obrigação moral, permitindo a
obra central de Hobbes.
31
32
Conclusão
Identificado
o
contexto
intelectual
que
propicia
a
formulação do conceito de direito subjetivo, creio ter
exposto a base que permite a enunciação dos direitos
inalienáveis do ser humano, alicerçada, à diferença de nosso
saber contemporâneo, em um leitura holística da justiça.
Este artigo não pretendeu ser, exclusivamente, um relato do
movimento de idéias, ainda que tenha sido praticamente
dedicado a isto. Se procurei seguir tão cuidadosamente
quanto possível a reflexão sobre justiça que desenbocou na
formulação de um direito subjetivo, é porque entendi que o
esforço destes nossos ancestrais ainda hoje pode ser válido
para uma melhor compreensão dos dilemas com os quais nos
defrontamos, ao desenvolver nossas próprias concepções de
justiça.
Em particular, interessa-me a relação entre direitos
individuais
e
direitos
sociais
,
relação
esta
que
estabelece-se em termos confusos ou mesmo contraditórios.
Usualmente, os direitos sociais são formulados em linguagem
sociológica, que toma a sociedade como sistema, enquanto que
a formulação dos direitos individuais alicerça-se numa
perspectiva radicalmente individualista da sociedade. Esta
dualidade interpretativa tem implicações práticas, na medida
em que os princípios que legitimam a proteção dos direitos
individuais não se coadunam com políticas sociais voltadas
para a proteção dos direitos sociais(Oliveira,1998:12). Se o
que foi exposto acerca da Segunda Escolástica permite
vislumbrar uma ordem política onde a compreensão da
sociedade a ser por ela regida abriga um espaço considerável
de liberdade individual, o que fica em questão não é tanto a
associação de direitos individuais e sociais, mas uma
representação desta ordem como emanando exclusivamente da
vontade soberana dos indivíduos.
Creio que há algo mais que se pode retirar desta visita à
Segunda Escolástica, que no texto não ganhou o devido
destaque, para não comprometer uma certa linearidade na
exposição do argumento. O debate contemporâneo sobre
direitos sociais encontra, sem dúvida alguma, nas proposição
de Ewald(1985), sua formulação mais precisa. O desafio maior
que Ewald encontrou, a meu ver, foi o de precisar o “sujeito
da lei” que seria o portador dos direitos sociais
(cf.Oliveira,1997). Ao analisar a Segunda Escolástica,
Gierke trabalha com esta questão, ainda que em outros
32
33
termos.
Creio
que
seu
conceito
de
“personalidade
corporativa”,
se
bem
compreendido,
pode
se
prestar
plenamente para identificar o “träeger” dos direitos
sociais. Se assim for, talvez possamos tomar a passagem dos
direitos de primeira para segunda geração como um retorno a
uma noção forte de sociedade, contemporânea do saber
sociológico, que marca o século em que estes direitos buscam
se universalizar, pelo menos como referência obrigatória em
toda justificação do poder do Estado.
33
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