Mutações de resistência aos Inibidores de Protease em pacientes

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Rev Panam Infectol 2014;16(1):57-61
ARTIGO DE REVISÃO / ARTÍCULO DE REVISIÓN
Mutações de resistência aos Inibidores de Protease em
pacientes com Hepatite C crônica no Brasil
Resistance-associated variants to Hepatitis C virus Protease Inhibitors in naïve DAA patients in Brazil
Mário G. Pessôa1
Daniel F. C. Mazo1
Isabel M V G de Carvalho2
Flair José Carrilho1
Rev Panam Infectol 2014;16(1):57-61
Recebido em 20/12/2013
Aprovado em 7/2/2014
Departamento de Gastroenterologia, Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo,
Brasil.
2
Laboratório de Hepatologia Molecular Aplicada,
Setor de Hepatites (LHeMA), Disciplina de
Gastroenterologia, Departamento de Medicina,
Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil.
1
RESUMO
A resistência viral aos inibidores de protease aparece rapidamente,
pois essas cepas resistentes já existem naturalmente na população
de quasispécies do vírus, emergindo como cepas mais prevalentes
em relação às cepas selvagens quando o vírus sofre a pressão da
droga. Esta seleção de cepas resistentes (RAVs) tem um papel importante na falha terapêutica dessa classe de droga. Análise por
sequenciamento direto em pacientes não tratados têm demonstrado
diversas RAVs aos inibidores de protease (substituições nas posições V36, T54, V55, Q80, R155, D168 e V170). As mutações nas
posições R155K e A156T da região NS3 estão associadas à alta
resistência aos inibidores de protease. Dessa forma, os antivirais de
ação direta (DAA) não podem ser utilizados em monoterapia.
Aparentemente, existe uma diferença geográfica na distribuição
dessas variantes de resistência. Nas populações europeia e americana, por exemplo, a variante de resistência na posição Q80K no genótipo 1a, que confere resistência ao simeprevir, foi encontrada em
25% a 35%. No entanto, na população brasileira uma frequência
em torno de 1,8% de RAVs na posição Q80K, em três estudos, dois
em VHC monoinfectados e outro em co-infectados VHC-HIV.
O conhecimento da distribuição dos subgenótipos e do perfil de
mutações nas diversas populações em todo o mundo vai se tornar
importante na confecção de guidelines regionais, que seguramente
terão suas particularidades de acordo com o perfil de cada região,
no intuito de atingirmos máxima eficácia dos diferentes esquemas
terapêuticos.
Palavras chave: HCV; Hepatite C; Hepatite crônica C; Inibidores de proteases; Resistência; Genótipo
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Pessôa MG et al • Mutações de resistência aos Inibidores de Protease em pacientes com Hepatite C crônica no Brasil
ABSTRACT
Viral resistance to protease inhibitors appear quickly
because these resistant strains occur naturally in
the virus quasispecies population, emerging as the
most prevalent strains compared to wild type strains
when the virus is under drug pressure. This selection
of resistant strains (RAVs) has an important role in
therapeutic failure of this class of drug. Analyses by
direct sequencing in untreated patients have shown
various RAVs to protease inhibitors (substitutions at
positions V36, T54, V55, Q80, R155, A156, D168
and V170). Mutations at positions R155K and A156T
on NS3 region are associated with high resistance to
protease inhibitors. Thus, the direct action antivirals
(DAA) may not be used as monotherapy.
Apparently, there is a geographical difference in the
distribution of these variants of resistance worldwide. In
European and American HCV population for example,
resistance variants in the position Q80K genotype 1a,
which confers resistance to simeprevir was found in 25%
to 35% of patients. However, in the Brazilian population
the Q80K mutation was found at a frequency of around
1.8%, in three studies, two in HCV monoinfected and
another in coinfected HIV-HCV patients.
The distribution of this mutation profile in different
populations around the world will become important
in the preparation of regional guidelines, which surely
will have their particularities according to the HCV
subtyping distribution and mutation profile of each
region in order to achieve maximum effectiveness of
different treatment regimens.
Keywords: HCV; Hepatitis C; Chronic hepatitis C;
Protease inhibitors; Resistance;
Genotyping
INTRODUÇÃO
A Hepatite crônica pelo virus C (VHC) ainda permanece um sério problema de saúde pública mundial, com
aproximadamente 3% da população global infectada por
este vírus(1). No Brasil, a prevalência de hepatite C foi
estimada em 1,5% para todas as idades e 2,5% entre
os adultos, sendo projetada para 2021 prevalência global de 3.230.700 indivíduos infectados pelo VHC(2-3).
Globalmente, o tratamento padrão para pacientes com
hepatite crônica C até 2011 era baseado na combinação de interferon alfa peguilado (PegIFNa) e ribavirina
(RBV), administrados por 48 semanas (para os genótipos 1,4,5 e 6) ou por 24 semanas (para os genótipos
2 e 3)(4). Este tratamento oferecia uma chance de resposta virológica sustentada (RVS) de aproximadamente
40% - 50% em pacientes infectados pelo genótipo 1 e
entre 60% e 80% em pacientes infectados pelos genótipos 2 e 3(5-6). Na vida real, onde os pacientes normal-
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mente não são selecionados para tratamento baseados
em critérios de inclusão tão restritos, esses índices de
RVS costumam ser mais baixos. O VHC é classificado
em sete diferentes genótipos e vários subtipos, devido
à sua diversidade genética(7). A proteína polimerase dependente de RNA (NS5B), responsável pela replicação
do genoma viral, a proteína serina-protease (NS3), com
atividades de helicase de RNA e protease e a NS5A são
os alvos mais promissores para os denominados antivirais de ação direta (DAA)(8). Estas novas drogas com alvo
de ação nos sítios de replicação do VHC vêm sendo desenvolvidas nos últimos anos, e pelo menos duas delas
já estão sendo utilizadas em nosso país, pertencendo
à classe dos inibidores de protease lineares da região
NS3, o telaprevir e o boceprevir(9-13), com ação apenas
no genótipo 1.
Esses últimos elevaram a chance de RVS em aproximadamente 30% em relação ao tratamento padrão,
porém com um perfil de segurança não ideal, principalmente nos pacientes com fibrose mais avançada, exatamente a população contemplada em nosso meio pela
portaria do Ministério da Saúde(14-15). Mais recentemente, foi aprovado também nos Estados Unidos um Inibidor de protease macrocíclico, o simeprevir, e um inibidor nucleosídeo da RNA polimerase da região NS5B, o
sofosbuvir(16-17). Outras drogas que têm como alvo outros
sítios de replicação, como por exemplo a região NS5A,
encontram-se em fase III de desenvolvimento(18).
Os inibidores de protease, além de serem genótipos
específicos, têm também diferentes resultados de acordo com os subtipos, sendo que os pacientes 1b respondem melhor que os portadores do subtipo 1a, por
uma questão de barreira genética. Barreira genética é o
limiar de probabilidade que um vírus tem de sofrer mutação ou escapar da ação seletiva de uma droga. Pode
ser definida também como o número de mutações necessárias para o desenvolvimento de resistência primária à droga antiviral(19). Enquanto o subtipo 1b necessita
de dois pontos de mutação para se tornar resistente ao
inibidor de protease, o subtipo 1a necessita apenas de
um ponto de mutação(20).
A resistência viral aos inibidores de protease aparece rapidamente (<15 dias)21-22), pois essas cepas
resistentes já existem naturalmente na população de
quasispécies do vírus, emergindo como cepas mais
prevalentes em relação às cepas selvagens quando o
vírus sofre a pressão da droga. Esta seleção de cepas
resistentes, da sigla em inglês RAVs (resistant-associated variants), tem um papel importante na falha
terapêutica dessa classe de droga(23). Análise por sequenciamento direto em pacientes não tratados tem
demonstrado como pré-existentes, em frequência variada, diversas RAVs aos inibidores de protease (substituições nas posições V36, T54, V55, Q80, R155,
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D168 e V170). As mutações nas posições R155K e
A156T da região NS3 estão associadas à alta resistência aos inibidores de protease(24). Dessa forma, os
DAAs não podem ser utilizados em monoterapia.
Estudos de seguimento de longo prazo de até cinco
anos estão disponíveis para os pacientes dos estudos de
fase I que receberam telaprevir ou boceprevir. Usando
análise clonal ou de deep sequence, mutações no gene
da protease NS3 causando resistência foram encontradas somente em um pequeno numero de pacientes e
naqueles com RAVs detectadas, a frequência dentro das
quasiespecies do VHC foram geralmente baixas (<5%)
(25-26)
. Estudos de seguimento de longo prazo geralmente mostram um declínio na frequência de RAVs com o
tempo após a exposição a diferentes durações de tratamento com inibidores de protease NS3(27). Isto decorre
do fato do VHC ser um vírus RNA de fita única que,
diferente do vírus da hepatite B ou HIV, não tem a capacidade de arquivar essas mutações(28). Uma vez que
variantes conferindo resistência a um inibidor de protease NS3 são selecionadas e podem resistir na presença
da droga, mutações adicionais são selecionadas para
aumentar a eficiência de replicação da variante (fitness
viral), que geralmente é significantemente comprometida. Desta forma, a parada do inibidor de protease em
pacientes com replicação viral ativa é importante para
evitar a seleção de variantes de resistência com fitness
viral aumentado(27). As regras de parada com o uso do
telaprevir e boceprevir devem ser seguidas.
Trabalho realizado com o banco de dados Los Alamos, pelo Instituto Butantan em São Paulo, analisou
1.383 sequências de protease NS3 com o objetivo de
caracterizar as mudanças de aminoácidos nas posições
anteriormente associadas com a resistência aos inibidores de protease de pacientes com infecção crônica pelo
VHC, virgens de tratamento com DAAs, portadores de
genótipos 1a, 1b e 3a(29). Sequências de genótipo 3a
mostraram baixo nível de mutação de resistência na posição V36L. Sequências de genótipos 1 apresentaram
mutações nas posições 36, 39, 41, 43, 54, 80, 109,
155 e 168 em uma frequência inferior a 2%, exceto
para o Q80R, mutação encontrada em 35% do genótipo
1. Esta última mutação, encontrada em alta frequência
na população americana, está associada à resistência
ao simeprevir, o que levou o FDA a sugerir a realização
da pesquisa dessa mutação previamente à utilização
desta droga nos Estados Unidos.
VARIANTES DE RESISTÊNCIA AOS INIBIDORES DE PROTEASE NS3/4A DURANTE O TRATAMENTO
Telaprevir
As RAVs foram identificadas primeiramente na posição A156 do domínio catalítico da protease NS3/4A
nas análises in vitro(30). Três outras posições foram identificadas, V36, T54 e R155, com mutações únicas ou
duplas, sendo a maioria com nível de resistência médio ou baixo pela análise fenotípica (V36, T54, R155,
A156S). Variantes com altos níveis de resistência também foram descritas (A156V/T e V36A/M + A156V/T).
Nos estudos de fase III, 74% dos pacientes não respondendo à terapia tripla com telaprevir tinham RAVs
detectadas no momento da falha terapêutica(31).
Boceprevir: RAVs foram detectadas nas posições
V36, T54, R155, A156 e V170 in vitro(32). In vivo
outras mutações nas posições Q41, F43, V55 e V158
foram descritas. Dos pacientes sequenciados que
falharam ao tratamento, 53% tinham RAVs detectáveis(33). Assim como com o telaprevir, a frequência de
RAVs foi mais comum em pacientes com genótipo 1a.
RESISTÊNCIA AOS INIBIDORES DE PROTEASE
NO BRASIL
Em um estudo realizado em pacientes com infecção crônica pelo vírus C do Ambulatório de Hepatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, virgens de
tratamento com inibidores de protease, apresentado
no Congresso Brasileiro de Hepatologia em 2013, foi
investigada a presença de RAVs em 171 pacientes
com genótipo 1, 54 com subtipo 1a e 117 com subtipo 1b(34). No genótipo 1a foram encontrados RAVs em
7,4% dos pacientes nas posições V36L, T54S, Q80K
e R115K. No genótipo 1b variantes resistentes foram
encontradas em 5,1% (6 de 117) dos pacientes nas
posições V36L, Q41R, T54S e D168S.
Em estudo conduzido por Peres-da-Silva e
colaboradores (2010) analisando 114 pacientes
com hepatite crônica C virgens de tratamento com
inibidores de protease, os autores puderam avaliar
sequências de aminoácidos do VHC de 48, 53 e 13
isolados dos subtipos 1a, 1b e 3a, respectivamente(35).
A substituição V36L foi observada em três pacientes
com subtipo 1b e substituição T54S em dois
subtipos 1a. As mutações R155K/T/Q/I/M/G/L/S,
A156S/T/V/I e D168A/V/E associadas com níveis
moderados a elevados de resistência a drogas aos
principais novos inibidores de protease não foram
observadas na amostra analisada. A substituição
V170I esteve presente em 46 dos 48 isolados do
subtipo 1a, em 19 dos 53 de subtipo 1b e em todos
os isolados de subtipo 3a.
Hoffmann e colaboradores (2013) analisaram em
68 pacientes com hepatite crônica C genótipo 1 a
presença de mutações de resistência aos inibidores
de protease NS3 antes, durante e após tratamento
com PegIFNa e RBV(36). Desta casuística, 4,4% apre-
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Pessôa MG et al • Mutações de resistência aos Inibidores de Protease em pacientes com Hepatite C crônica no Brasil
sentavam conhecidas mutações de resistência ao telaprevir e boceprevir: V36L, T54S e V55A. A mutação
T54S foi detectada no sétimo dia de tratamento em
um paciente com RVS. Já em um paciente recidivante, as mutações V36L e V55A foram detectadas
antes, durante e após o tratamento (exceto no período de negativação viral durante o tratamento). Por
outro lado, a mutação T54S esteve presente em
todos os momentos de avaliação de um paciente
não respondedor.
Zeminian e colaboradores (2013) encontraram em
37 pacientes com VHC genótipo 1a sem tratamento prévio com inibidores de protease a presença de
mutações de resistência em 18,9% da amostra (sete
pacientes)(37). Mutações T54A, T54S, V55A e R155K
foram detectadas em 2,7% dos casos e a mutação
A156T em 5,4% da população estudada.
Nishiya e colaboradores (2014) realizaram estudo de doadores de sangue no Brasil para avaliar a
existência de RAVs aos inibidores de protease e sua
associação com dados demográficos e fatores de risco
envolvidos na disseminação do VHC(38). Foi realizada
a amplificação e sequenciamento da região codificadora da protease viral NS3 em 50 amostras VHC genótipo 1a e 75 de genótipo 1b. A frequência de RAVs
foi de 10,4% para boceprevir, 11,2% para telaprevir,
6,4% para simeprevir e 12,8% para todos os três inibidores de protease. As mutações foram encontradas
em maior frequência nos indivíduos com genótipo 1a
(20%) em relação ao genótipo 1b (8%). A mutação
mais prevalente, R155K, foi encontrada em 4% de
todas as sequências ou em 10% das sequências de
subtipo 1a. A resistência a drogas não teve associação com dados demográficos ou fatores de risco de
contágio ao VHC.
Aparentemente, existe uma diferença geográfica
na distribuição dessas variantes de resistência. A
população brasileira apresentou uma frequência em
torno de 1,8% de RAVs na posição Q80K, em três estudos, dois em VHC monoinfectados e outro em co-infectados VHC-HIV(34,39-40). No entanto, na população
europeia e americana, esta variante de resistência na
posição Q80K no genótipo 1a, que confere resistência ao simeprevir, foi encontrada em 25% a 35%(41).
Se a realização da pesquisa de mutações de resistência vai se tornar uma rotina na prática clínica, antes da utilização de antivirais de ação direta,
ainda não está definido. No entanto, o conhecimento
da distribuição deste perfil de mutações nas diversas
populações em todo o mundo vai se tornar importante na confecção de guidelines regionais, que seguramente terão suas particularidades a partir do perfil de
cada região, no intuito de atingirmos máxima eficácia
dos diferentes esquemas terapêuticos.
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Correspondencia:
Mário G. Pessoa
Departamento de Gastroenterologia, Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo.
Av Dr Eneas de Carvalho Aguiar 255, 9° andar, sala
9159, São Paulo 05403-000, Brasil.
E-mail: [email protected]
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