A SIMBOLOGIA DA DOENÇA PSICOFÍSICA COMO UM CAMINHO POSSÍVEL PARA A INDIVIDUAÇÃO Fany Patrícia Fabiano Peixoto Orientadora: Eugenia Cordeiro Curvêlo RESUMO O termo psicossomática esclarece a organização subjetiva que propicia a geração de um quadro orgânico sobre mecanismos de produção de enfermidades. A compreensão da capacidade de simbolização nos quadros somáticos possui papel fundamental, pois mostra a forma com que se configura a dinâmica psíquica do indivíduo. Segundo Jung, os sintomas somáticos tem origem nos complexos e isso poderá provocar alterações fisiológicas e psicológicas sincronicamente. Assim, a doença como símbolo poderá estabelecer relações no eixo ego-Self, procurando tornar consciente material até então inconsciente. Busca-se, desta forma, entender essa relação como caminho para a ampliação da consciência dentro do processo de individuação. 1 OBJETIVOS Para Jung um funcionamento inadequado da psique pode causar muitos prejuízos ao corpo, da mesma forma que, um sofrimento corporal consegue afetar a alma, pois ambos estão interrelacionados a tal ponto que são animados por uma mesma vida (JUNG, 1971/2013a). Partindo dessa premissa, este trabalho pretende mostrar por meio de uma revisão teórica, a relação psique-corpo dentro de um processo de adoecimento. Adotando como referencial teórico a Psicologia Analítica e seus conceitos, procuraremos responder à hipótese de que a doença psicofísica pode vir a ser um caminho possível dentro de um processo de individuação. Assim buscaremos identificar a relação entre as representações corporais e as manifestações somáticas frente à doença. Diante disso, procurar-se-á ressaltar a importância desse estudo visto que desde os primórdios, questões como a relação psique-corpo são discutidas nas mais diversas abordagens e campos de pesquisas, buscando uma compreensão mais íntegra do ser humano levando em conta a sua totalidade. 2 JUSTIFICATIVA O estudo da história da filosofia e medicina mostra que desde a antiguidade há uma relação estreita entre mente e corpo. Segundo referenciais teóricos junguianos, psique e corpo compõem o ser humano em sua totalidade e a racionalização do mundo separando a alma do corpo, o subjetivo do objetivo, impede-nos de tratar o ser humano como a unidade complexa que é. A expressão da percepção do fenômeno psique-corpo e da percepção das alterações fisiológicas e das imagens referentes sincronicamente, se manifesta como uma expressão simbólica corpórea, por meio de um complexo, o que ajuda a uma compreensão mais ampla da doença (RAMOS, 2006). O sintoma psicossomático pode ser visto como um processo em que uma questão subjetiva segue um caminho diferente: ao invés de conseguir ter acesso à mente, como processo mental, com representações, esta situação se traduz como expressão do corpo. O sintoma psicossomático pode ser visto como um capítulo da história do sujeito que não pôde ser escrito psiquicamente, e que tomou a forma de um hieróglifo inscrito e manifesto no corpo. O processo somático ocupa o lugar do processo psíquico: no sintoma psicossomático uma questão subjetiva se apresenta, ao invés de se representar (ÁVILA, 1996). 2 DESENVOLVIMENTO Hoje o conceito de Psicossomática, evolui para o estudo do indivíduo como sendo um ser histórico, constituído pela tríade corpo, mente e social. Adquirindo assim a conotação de um verdadeiro movimento médico aplicado à promoção de saúde, onde vai investigar e oferecer caminhos para tal prática, mais voltada para o paciente, com menor ênfase nos sintomas ou na doença. Seu avanço tem tido bons resultados, pois há uma integração de diferentes e complexas disciplinas como a Fisiologia, a Psicologia Social, a Patologia Geral e as Psicologias Dinâmicas. Aliada a isso surge a proposta de assistência integral associada à uma metodologia interdisciplinar, levando em conta a totalidade do ser humano e das circunstâncias que o rodeiam para que possamos ter uma compreensão mais ampla dos processos de adoecer. Essa totalidade surgirá se for levado em conta o indivíduo- o doente- e não a doença. (RODRIGUES; LIMONGI-FRANÇA, 2010). O ser humano é capaz de responder às ameaças simbólicas advindas da interação social e não somente às ameaças orgânicas, biológicas. Situações como problemas familiares, privação de necessidades básicas ou perda de emprego, são fatores que podem se tornar extremamente nocivos ao indivíduo, tanto quanto os fatores concretos, biológicos (RODRIGUES; LIMONGI-FRANÇA, 2010). A visão integral do ser humano proposta por Jung (1875-1961) contribui de forma significativa dentro do campo da psicossomática. Baseando-se em estudos empíricos como o teste de associação de palavras, ele faz um paralelo entre os fenômenos histéricos e os obsessivos, que derivam de um complexo e que sintomas físicos são retratos simbólicos de um complexo patogênico. Os experimentos de associação também serviram de base para outro estudo experimental sobre a relação psique-corpo (RAMOS, 2006). Em seus trabalhos utilizando a associação de palavras com pacientes histéricos, Jung chega à conclusão de que tais pacientes vão criando uma personalidade mórbida, onde tendências, julgamentos e decisões caminham na direção do querer ser doente, estando assim sob o domínio do complexo da doença (JUNG, 1979/2011). Por meio desse experimento, Jung prova que os sintomas psíquicos ou somáticos presentes tanto na neurose quanto na psicose, têm origem nos complexos, fazendo com que as pessoas adoeçam. Sendo que todo complexo estabelece um padrão distinto de imagens e sensações, tendo raiz no arquétipo. Demonstra então ser o corpo a base do ego assim como do complexo, pois ambos são compreendidos como uma integralidade das sensações pelas quais o corpo é percebido, de forma que as emoções e os eventos psíquicos mantêm relação mútua com o sistema fisiológico. Pois o ego, originário do Self, tem tanto uma base somática quanto psíquica. Dessa forma, quando um determinado complexo se constela, haverá uma transformação total na sua estrutura corporal, sentida por meio de sensações sinestésicas (RAMOS, 2006). A consciência corporal é uma percepção do Self corporal vindo a se manifestar na consciência por meio de símbolos. Uma vez que a capacidade de simbolizar derivará num primeiro momento de uma relação mãe-bebê suficientemente boa, onde acontecerá de modo gradativo a separação entre o corpo do bebê e o da mãe. Entrando posteriormente em harmonia a comunicação simbólica corporal e a verbal. A falta de uma representação simbólica abstrata no caso de pacientes somáticos demonstra que, essa simbolização é feita no plano somático; pois o que ocorre é que o paciente perdeu a conexão do seu corpo com o seu inconsciente somático, de modo que a vida fantasiosa encontra-se desligada da vida orgânica (RAMOS, 2006). Ao longo da história da saúde, ocorre uma considerável perda da consciência sobre quem somos havendo assim uma dissociação entre corpo e mente. E hoje se vive dentro de uma concepção onde temos um corpo que age e uma cabeça que conduz, e a falta de um todo integrado faz com que as pessoas não se sintam pertencentes ao ambiente onde vivem. Frente às situações apresentadas o indivíduo tende a reagir aos estímulos sem se distinguir, sem pensar na vida como um processo, como uma relação unificada. A partir desse argumento, pode-se pensar no Self como um conjunto daquilo que compõe cada ser humano, da hereditariedade, das vivências e experiências que constitui a palavra “sou”, sendo um agente de mudança e não de indiferença ou passividade diante da sua existência. Não comprometendo dessa forma a unicidade do indivíduo, para que não haja uma visão dividida do homem, pois “não somos inanimados, somos corpo que se manifesta de acordo com a mente, e a mente que se manifesta de acordo com as condições desse corpo” (SPINELLI; NEDER, 2010 p.29). Como a psique e a matéria estão encerradas em um só e mesmo mundo e, além disso, acham-se permanentemente em contato entre si, e em última análise, assentam-se em fatores transcendentes e irrepresentáveis, há não só a possibilidade, mas até mesmo uma certa probabilidade de que a matéria e a psique sejam dois aspectos diferentes de uma só e mesma coisa (JUNG, 1971/2013b, §418). No mesmo livro, Jung fala a respeito de corpo e alma constituírem a mesma unidade, mesmo parecendo ser um par de opostos, pois uma se manifesta a partir de relações materiais exteriores e outra por meio de percepções interiores e diretas, cheias de sentido. [...] “da mesma forma que a matéria corporal, que está pronta para a vida, precisa da psique para tornar-se capaz de viver, assim também a psique pressupõe o corpo para que suas imagens possam viver” (JUNG, 1971/2013b, §618). No sentido da citação anterior, o símbolo funciona como um anúncio de uma possível manifestação de ordem orgânica, que pode vir a tornar-se consciente através de sonhos, sendo preliminar a uma manifestação visível da doença. Outros métodos como a imaginação ativa, por exemplo, também poderão ser utilizados nessas amplificações de conteúdos inconscientes, sintomas de ordem orgânica ou emocionais para a consciência. Assim pode-se dizer o termo sincronicidade também está presente na relação doença/símbolo, pois tanto a imagem quanto a sensação estão presentes no organismo, mesmo estando conscientes ou não. Pois de acordo com os fenômenos da sincronicidade, a relação estabelecida entre o psíquico e o somático pode acontecer mesmo sem haver uma relação causal entre eles (RAMOS, 2006). Tanto a saúde quanto a doença são observadas como imagens simbólicas. Qualquer que seja a doença poderá ser vista como um símbolo que mostra uma disfunção no eixo ego-Self. A compreensão dos sentidos desse símbolo ao tornarem-se conscientes, ajudará na melhora do quadro geral de saúde do paciente, e conseguinte a uma ampliação da consciência e a maior integração de conteúdos inconscientes no ego, transformando esse eixo tanto a nível pessoal e/ou coletivo. Dentro dessa proposição a doença orgânica é uma expressão simbólica do inconsciente que tem como finalidade um modo de compensação por meio da consciência, com o propósito de levar o indivíduo a integrar um material reprimido e assim religar o ego ao seu eixo com o Self. A somatização então será entendida como uma compensação, um caminho encontrado diante de um excesso de energia canalizado parcialmente, utilizando o corpo como meio mais concreto para realizar sua meta (RAMOS, 2006). Vivemos numa época em que a percepção e a compreensão das ligações psicofísicas se mostram urgentes e necessárias. O corpo como expressão mais objetiva do ser humano, num tempo em que nos deparamos com a explosão de novas tecnologias, precisa ser olhado atentamente como um ser que é uno em sua constituição e em suas expressões anímicas. Doenças atuais como anorexia ou síndrome do pânico, dentre várias outras, se tornam um grande desafio para os profissionais da área da saúde, por se manifestarem em sintomas multifacetados variando entre o físico e o psíquico, demonstrando assim uma sutileza entre tais limites (FARAH, 2011). REFERÊNCIAS ÁVILA, L.A. Doenças do Corpo e da Alma: Investigação psicossomática psicanalítica. São Paulo: Escuta, 1996. FARAH, R.M. Introdução. In: ZIMMERMANN, E. Corpo e Individuação. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 7-14. JUNG, C.G. Estudos experimentais, vol. 2. Petrópolis: Vozes, 2011. Original publicado em 1979. _________. Psicologia do inconsciente, vol. 7/1. Petrópolis: Vozes, 2013. Original publicado em 1971 a. _________. A natureza da psique, vol. 8/2. Petrópolis: Vozes, 2013. Original publicado em 1971b. RAMOS, D.G. A Psique do Corpo: a dimensão simbólica da doença. São Paulo: Summus, 2006. RODRIGUES, A.L.; LIMONGI-FRANÇA A.C. Uma Perspectiva Psicossocial em Psicossomática via Estresse e Trabalho. In: MELLO-FILHO, J. Psicossomática Hoje. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 111-133. SPINELLI, M.R; NEDER, M. A interação mente e corpo: o início do uma doença In: SPINELLI, M.R. Introdução à Psicossomática. São Paulo: Atheneu, 2010. p. 19-33.