UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS ESPAÇOS VETORIAIS EUCLIDIANOS Produto interno em espaços vetoriais Estamos interessados em formalizar os conceitos de comprimento de um vetor e ângulos entre dois vetores. Esses conceitos permitirão uma melhor compreensão do que seja uma base ortogonal e uma base ortonormal em um EV e, principalmente, nos darão a noção de “medida” que nos leva a precisar conceitos como o de área, volume, distância, etc. Consideremos inicialmente o plano R2, munido de um referencial cartesiano ortogonal (eixos perpendiculare0 e um ponto P(x,y). Vamos calcular a distância do ponto P à origem O (0,0) Observando a figura e utilizando o teorema de Pitágoras, temos que d = . Podemos também, interpretar este resultado dizendo que o comprimento (que passaremos a chamar de norma) do vetor (x,y) é: Por outro lado, se tivéssemos dois vetores u = (x1,y1) e v =(x2, y2), podemos definir um “produto” de u por v assim: <u,v> = x1x2 + y1y2, produto este chamado de produto escalar interno usual e que tem uma relação importante com a norma de um vetor v = (x,y). Álgebra Linear - Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS Se, ao invés de trabalharmos no R2, estivéssemos trabalhando no R3 (munidos de um referencial cartesiano ortogonal), teríamos encontrado uma expressão similar para o produto escalar: E a mesma relação com a norma de um vetor v = (x,y,z) Voltando ao caso do plano, se tivéssemos trabalhando com um referencial não ortogonal (eixos não perpendiculares), e quiséssemos calcular a distância da origem até um ponto P (cujas coordenadas em relação ao referencial fossem (x,y)), teríamos, usando o Teorema de Pitágoras: Obseve que, se usássemos o produto escalar neste caso não valeria a relação seguinte regra para o produto: = = , mas ela passaria a valer se usássemos a Portanto, novamente a noção de distância poderia ser dada a partir de um produto interno de vetores. Concluímos destes exemplos, que o processo usado para se determinar “medidas” num espaço pode variar e, em cada caso, precisamos ser bem claros sobre qual produto interno estamos trabalhando. Álgebra Linear - Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 2 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS Definição: Seja V um EV real. Um produto sobre V é uma função f: VxV R que a cada par de vetores v1 e v2, associa um número real, denotado por <v1, v2>, e que satisfaz as seguintes propriedades: P1 u.v = v.u P2 u. (v + w) = u.v + u. w P3 (αu).v = α(u.v) para todo real α P4 u.u ≥ 0 e u.u = 0 se, e somente se, u = 0. Exemplo: 1) No espaço vetorial V = R2, a função que associa a cada par de vetores u = (x1, y1) e v= (x2, y2) o número real u.v = 3x1x2 + 4y1y2 é um produto interno. 2) O número u.v = 2x1x2 + y12y22 sendo u = (x1, y1) e v = (x2, y2) não define no R2 um produto interno. Álgebra Linear - Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 3 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS Exercícios: 1) Em relação ao produto interno usual do R2, calcular u.v, sendo dados: a) u = (-3,4) e v = (5,-2) b) u = (6,-1) e v = (1/2, -4) c) u = (2,30 e v =(0,0) 2) Para os mesmos vetores do exercício anterior, calcular u.v em relação ao produto interno: u.v = 3x1x2 + 4y1y2. 3) Consideremos o R3 munido do produto interno usual. Sendo v1 = (1,2,-3), v2 =(3,-1,-1) e v3 = (2,-2,0) do R3, determinar o vetor u tal que u.v1 = 4, u.v2 = 6 e u.v3 = 2. 4) Seja V = {f: [0,1] R; f é contínua} o EV munido do produto interno: Determinar h1. h2 e h1.h1, tais que h1, h2 ∈ V e h1(t) = t e h2(t) = t2. Espaço Vetorial Euclidiano Um EV real, de dimensão finita, no qual está definido um produto interno é um EV euclidiano. Módulo de um Vetor Dado um vetor v de um EV euclidiano V, define-se módulo, normal ou comprimento de v o número real não-negativo, indicado por |v|, definido por: |v| = Se u = (x1,y1,z1) ∈ R3 , tem-se: |u| = = Distância entre dois vetores Chama-se de distância entre dois vetores (ou pontos) u e v o número real representado por d(u,v) e definido por: d(u,v) = |u-v| Sendo u = (x1,y1,z1) , v = (x2,y2,z2)∈ R3 com produto interno usual, tem-se: Álgebra Linear - Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 4 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS d(u,v) = |x1 – x2, y1-y2, z1 – z2| d(u,v) = Observações: 1) Se |v| = 1 , isto é, v.v = 1, o vetor v é chamado vetor unitário, diz-se que V está Normalizado. 2) Todo vetor não nulo v ∈ V pode ser normalizado, fazendo: Observemos que: E, portanto, é unitário. Exemplo: Considerando V = R3 com o produto interno v1.v2 = 3x1x2 + 2y1y2 + z1z2, sendo v1= (x1, y1,z1) e v2= (x2, y2,z2). Dado o vetor v = (-2,1,2) ∈ R3, em relação a esse produto interno, determine o vetor u, normalizando v: Propriedades do Módulo de um Vetor Seja V um EV euclidiano, tem-se: I. │ v│≥ 0, ∀ v ∈ V e │v= 0, se, e somente se, v = 0. II. │αv│= │α││v│, ∀v∈ V, ∀α∈ R Demonstração: | αv| = Álgebra Linear - = Produto Interno = |α|. - = |α|.|v| Profª. Adriana Biscaro Página 5 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS III. │u.v│≤│u││v│, ∀u,v∈ V Se u ou v = 0 vale a igualdade: |uv| = |u|.|v| = 0 Se nem u, nem v são nulos, para qualquer α (u + αv).(u + αv) R vale a desigualdade: 0 Pelo axioma P4, Efetuando o produto interno, vem: u.u + u.( αv) + (αv.u) + α2(v.v) 0 ou, |v|2 α2 + 2(u.v) α + |u|2 0 Obtivemos assim, um trinômio do 2º grau em α (pois |v|2 ≠ 0), que deve ser positivo para qualquer valor de α. Como o coeficiente de α2 é sempre positivo, o discriminante deve ser negativo ou nulo. (2u.v)2 – 4|v|2 |u|2 2 2 2 4(u.v) - 4|v| |u| (u.v)2 0 0 |v|2 |u|2 Considerando a raiz quadrada positiva de ambos os membros dessa desigualdade, vem: │u.v│≤│u││v│ Essa desigualdade é conhecida com o nome de Desigualdade de Schwarz ou Inequação de Cauchy-Schwarz. IV. │u+v│≤│u│+│v│,∀u,v ∈ V Demonstração |u+v| = |u + v| = |u+v|2 = |u|2 +2(u.v) + |v|2 Mas: u.v ≤│u.v│≤│u││v│ logo, |u+v|2 ≤ |u|2 +2|u||v| + |v|2 Ou: Álgebra Linear - Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 6 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS |u+v|2 ≤ (|u| + |v|)2 Ou ainda, │u+v│≤│u│+│v│ Ângulos de dois Vetores Seja V um EV munido com um produto interno. O ângulo θ entre dois vetores u, v ∈ V é tal que: Exercícios: 1. Consideremos o R3 com o produto interno usual. Determinar a componente c do vetor v = (6, -3,c) tal que |v| = 7. 2. Seja o produto interno usual no R3 e no R4. Determinar o ângulo entre os seguintes pares de vetores: a) u = (2,1,-5) e v = (5,0,2) b) u =(1,-1,2,3) e v = (2,0,1,-2) 5. Seja V um EV euclidiano e u, v ∈ V. Determinar o cosseno do ângulo entre os vetores u e v, sabendo que |u| = 3, |v| = 7 e |u +v| = 4 . Álgebra Linear - Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 7 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS Álgebra Linear - Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 8 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS Vetores ortogonais Seja v um EV euclidiano. Diz-se que dois vetores u e v de V são ortogonais, e se representa por u v, se, e somente se, u.v = 0. Exemplo: Seja V = R3 um EV euclidiano em relação ao produto interno (x1, y1).(x2, y2) = x1x2 +2y1y2. Em relação a este produto interno, os vetores u = (-3,2) e v = (4,3) são ortogonais, pois: u.v = -3.(4) +2.(2).(3) = 0 Observações: 1) O vetor 0 ∈ V é ortogonal a qualquer v ∈ V. 0.v = 0 2) Se u v, então α u v para todo α∈ R. 3) Se u1 v e u2 v, então (u1 + u2) v. Conjunto Ortogonal de Vetores Seja V um EV euclidiano. Diz-se que um conjunto de vetores {v1, v2, ...,vn} V é ortogonal se dois vetores quaisquer, distintos, são ortogonais, isto é, vi. vj = 0 para i≠j. Exemplo: No R3, o conjunto {(1,2,-3), (3,0,1), (1,-5,-3)} é ortogonal em relação ao produto interno usual, pois: (1,2,-3). (3,0,1) = 0 (1,2,-3) .(1,-5,-3) = 0 (3,0,1) . (1,-5,-3) = 0 Álgebra Linear - Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 9 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS Teorema: Um conjunto ortogonal de vetores não-nulos A = {v1, v2,...,vn} é Linearmente Independente (LI). De fato: Considerando a igualdade: a1v1 + a2v2 + ...+ avn = 0 Multiplicando o produto interno de ambos os lados da igualdade, temos: (a1v1 + a2v2 + ...+ avn) vi = 0vi Ou, a1(v1.vi) + ...ai(vi.vi) + ...+ a(vn.vi)= 0 Como A é ortogonal, vj . vi = 0 para j≠ i e vi.vi ≠ 0, pois vi ≠ 0. Então ai(vi.vi) = 0 implica ai = o para i = 1, 2,3...n. Logo, A = {v1, v2,...,vn} é LI. Base Ortogonal Uma base {v1, v2,...,vn} de V é ortogonal se os seus vetores são dois a dois ortogonais. Assim, se dimV = n, qualquer conjunto de n vetores não-nulos e dois a dois ortogonais, constitui uma base ortogonal. Poe exemplo, o conjunto do exemplo {(1,2,-3), (3,0,1), (1,-5,-3)} é uma base ortogonal do R3. Álgebra Linear - Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 10 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS Base Ortonormal Uma base B = {v1, v2,...,vn} de um EV euclidiano V é ortonormal se B é ortogonal e todos seus vetores são unitários, isto é: Exemplo: Em relação ao produto interno usual, o conjunto: 1) B = {(1,0), (0,1)} é uma base ortonormal do R2 (é a base canônica). 2) B= {( , } é também uma base ortonormal do R2. 3) B = {(1,0,0), (0,1,0), (0,0,1)} é uma base ortonormal do R3 (é a base canônica). 4) B = {u1, u2, u3} sendo u1 = ( , ; u2 = ( , , u3= (0, , é também uma base ortonormal do R3. Como vimos, o processo que transforma V em chama-se normalização de v. Assim, uma base ortonormal sempre pode ser obtida de uma base ortogonal, normalizando cada vetor. Exemplo: A base B = {v1, v2,v3}sendo v1 = (1,1,1), v2 = (-2,1,1) e v3 – (0,-1,1) é ortogonal em relação ao produto interno usual. Normalizando cada vetor, obtemos: Álgebra Linear - Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 11 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS Processo de Ortogonalização de Gram-Schmidt Para entendermos o processo de ortogonalização de Gram-Schmidt é necessário, termos uma noção de projeção ortogonal. Projeções ortogonais de vetores Em muitas aplicações é importante “decompor” um vetor u na soma de dois componentes, um paralelo a um vetor não-nulo especificado a e o outro perpendicular a a. Se u e a são posicionados com seus pontos iniciais coincidindo com um ponto Q, podemos decompor o vetor u, da seguinte forma: Baixamos uma perpendicular da ponto de u para a reta ao longo de a e construímos o vetor w1 de ao pé desta perpendicular. Em seguida tomamos a diferença w2 = u – w1 Conforme indicado na figura, o vetor w1 é paralelo ao vetor a e w2 é perpendicular ao vetor a e w1 + w2 = w1 + (u – w1) = u O vetor w1, chamdo projeção ortogonal de u sobre a, ou então componente vetorial de u ao longo do vetor a, é denotado por proja u. O vetor w2 é chamado componente vetorial de u ortogonal ao vetor a. Como w2 = u – w1 , este vetor pode ser escrito com a notação: w2 = u – proja u. Teorema: Se u e a são vetores em R2 ou R3 e se a≠ 0, então: Álgebra Linear - Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 12 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS Demonstração: Sejam w1 = proja u e w2 = u – proja u. Como w1 é paralelo a a, deve ser um múltiplo escalar de a, e portanto pode ser escrito na forma w1 = ka. Assim: u = w1+ w2 = ka + w2 Tomando o produto escalar de a, com ambos os lados da equação anterior, temos: u .a = ( ka + w2).a = k + w2.a Mas w2.a = 0, pois w2 é perpendicular a a; portanto dá: Como proja u = w1 = ka, obtemos: Seja W um subespaço de dimensão finita de um espaço com produto interno V. a) Se {v1, v2,...,vr} é uma base ortonormal de W e u é um vetor qualquer de V, então: projw u = b) Se {v1, v2,...,vr} é uma base ortogonal de W e u é um vetor qualquer de V, então: projw u = Encontrando uma base ortogonal Teorema: Cada espaço vetorial não-nulo de dimensão finita possui uma base ortonormal. Prova: Seja V um espaço vetorial não-nulo de dimensão finita com produto interno e suponha que {u1, u2,...,un} é uma base de V. É suficiente mostrar que V tem uma base ortogonal, pois os vetores da base ortogonal podem ser normalizados para produzir uma base ortonormal de V. A seguinte sequencia de passos irá produzir uma base ortogonal {v1,v2,...,vn} de V. Passo 1: Seja v1 = u1. Passo2: Conforme ilustrado, nós podemos obter um vetor v2 que é ortogonal a v1 tomando a componente de u2 que é ortogonal ao espaço W1 gerado por v1: Álgebra Linear - Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 13 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS v2 = u2 – projw1u2 = u2 - Passo 3: Para construir um vetor v3 que é ortogonal a ambos v1 e v2, calculamos a componte de u3 que é ortogonal ao espaço W2 gerado por v1 e v2. v3 = u3 – projw2 u3 = u3 - Passo 4: Para determinarmos um vetor v4 que é ortogonal a v1, v2 e v3, calculamos a componente de u4 que é ortogonal ao espaço W3 gerado por v1, v2, e v3. v4 = u4 – projw3 u4 = u4 - - Continuando desta maneira, nós iremos obter, depois de n passos, um conjunto ortogonal de vetores {v1, v2,...,vn}. Como V trem dimensão n e conjuntos ortogonais são LI, o conjunto {v1, v2,...,vn} é uma base ortogonal de V. A construção passo a passo acima para converter uma base arbitrária numa base ortogonal é chamada processo de Gram-Schmidt. Exemplo: Considere o espaço vetorial R3 com o produto interno euclidiano. Aplique o processo de Gram-Schmidt para transformar os vetores de base u1 = (1,1,1), u2 = (0,1,1), u3 = (0,0,1) em uma base ortogonal {v1, v2,v3}; depois normalize os vetores da base ortogonal para obter uma base ortonormal {q1, q2, q3}. Álgebra Linear - Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 14 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL – UEMS Exercícios: 1. Suponha que R3 tem o produto interno euclidiano. Use o processo de GramSchmidt para transformar a base {u1, u2,u3} em uma base ortonormal. a) u1 = (1,1,1) u2 = (-1,1,0) e u3 = (1,2,1) 2. Seja V = R3 e o produto interno (x1, y1, z1).(x2, y2,z2) = 2x1x2 + 3y1y2 + z1z2. Determinar um vetor unitário simultaneamente ortogonal aos vetores u = (1,2,1) e v = (1,1,1). 3. Construir, a partir do vetor v1 = (1,-2,1), uma base ortogonal do R3 relativamente ao produto interno usual e obter, a partir dela, uma base ortonormal. 4. O conjunto B = {(1,-1), (2,b)} é uma base ortogonal do R2 em relação ao produto interno: (x1, y1).(x2, y2) = 2x1x2 + y1y2. Calcular o valor de b e determinar , a partir de B, uma base ortonormal. 5. Em relação ao produto interno usual, determinar uma base ortonormal do seguinte subespaço vetorial do R3: S = {(x,y,z) ∈R3/ x + y- z = 0} 6. Mostre que se f = f(x) e g = g(x) duas funções contínuas em C[a,b] e defina = Álgebra Linear - é um produto interno em C[a,b]. Produto Interno - Profª. Adriana Biscaro Página 15