143 HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA Dr. Sílvio C. P. Leão A Hemorragia Digestiva Alta (H.D.A.) pode ser definida como o sangramento que ocorre no trato digestivo em local proximal ao ângulo de Treitz. A HDA representa uma causa significativa de morbi-mortalidade nos mais diversos serviços. Deve-se observar que aproximadamente 80% de todos os episódios agudos de HDA resolvem-se apenas com suporte adequado e, por conseguinte, é preciso determinar quais são os pacientes que requerem intervenção para interromper a hemorragia ou evitar a sua recidiva. INCIDÊNCIA e PREVALÊNCIA Estudos recentes avaliaram que a taxa de hospitalização anual por HDA nos EUA é de aproximadamente 100/100.000 indivíduos, ocorrendo quase sempre em pacientes acima dos 60 anos de idade. As taxas de mortalidade variam entre 16 – 40%. Avalia-se que 90% dos pacientes hospitalizados com quadro de HDA realizam endoscopia nas primeiras 24 horas. ETIOLOGIA Úlcera péptica: causa mais freqüente; os fatores de risco compreendem a infecção pelo Helicobacter pylori, AINEs, estresse fisiológico e condições que cursam com hipersecreção gástrica (Síndrome Zollinger-Ellison); Erosões gástricas: pode ser definida como a ruptura de 3 a 5mm da mucosa sem ultrapassar a camada muscular da mucosa. Relacionam-se ao uso de anti-inflamatórios não esteroidais e AAS, causando gastropatia hemorrágica nas primeiras 24 horas. Esta hemorragia não costuma ser grave e é quase sempre auto-limitada. HDA decorrente de varizes: mais comumente nas varizes esofágicas, mas também pode ser encontrada nas varizes gástricas e duodenais. Aparece nos pacientes portadores de hipertensão portal de qualquer etiologia. Cerca de 60–70% dos pacientes que sobrevivem ao primeiro episódio apresentam êxito letal dentro de 1 ano. Outras causas: Síndrome Mallory-Weiss, síndrome gastropatia urêmica, esofagites, fístulas aorto-entéricas. de Boerhaave, 144 ABORDAGEM INICIAL História clínica inclui sinais e sintomas típicos como hematêmese, melena, hematoquezia. Dispepsia ou dor abdominal crônica indicam erosões ou úlcera péptica. Hepatopatia e etilismo crônico são fatores importantes para HDA causada por ruptura de varizes. Deve-se pesquisar os medicamentos usados pelo paciente, com ênfase para AINEs, AAS e anticoagulantes. Exame físico pode revelar taquicardia, hipotensão e redução da perfusão periférica, sugerindo hemorragia com repercussão hemodinâmica, necessitando intervenção imediata. Teleangiectasias, eritema palmar, ascite e esplenomegalia devem ser pesquisados. A hipersensibilidade abdominal pode estar presente na úlcera péptica. O toque retal oferece informações quanto a coloração das fezes, orientando quanto à origem da hemorragia ser alta ou baixa. CONDUTA DO SERVIÇO RESSUSCITAÇÃO ESTABILIZAÇÃO HEMODINÂMICA: . Cateter venoso e vesical; . Coleta (Tipagem Sangüínea - Hb / Ht - outros s/n); . S.N.G. (Quando dúvida diagnóstica ou preparo para E.D.A.); . Uso de cristalóides (S.F. ou Ringer Lactato); . Transfusão de Hemoderivados (Hb abaixo de 8); .Clister Glicerinado (se necessário, em hepatopatas, para a prevenção de encefalopatia); . E.D.A. dentro de 12 - 24h; . Monitorização rigorosa dos dados vitais em ambiente hospitalar e com equipe cirúrgica à disposição; CLASSIFICAÇÃO DE HEMORRAGIA Magnitude Volume (ml) Perda Sangüínea % B.V.* Perfusão de Pele Pulso P.A Classe I < 750 < 15% normal normal normal Classe II 750 - 1500 15 - 30% diminuída levemente aumentado normal Classe III 1500-2000 30 - 40% diminuída aumentado diminuída Classe IV > 2000 > 40% diminuída aumentado diminuída 145 ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA DIAGNÓSTICA E TERAPÊUTICA O tratamento endoscópico diminui a mortalidade em 30 - 60%. Classificação endoscópica de Forrest e possibilidade de ressangramento FORREST RESSANGRAMENTO(24 - 48h) Ia e Ib (Sangramento em jato/Vaso visível) 70 - 90% IIa (Coágulo aderente) 40 - 50% IIb e IIc (Sangramento sem vaso/ Ponto pigmentado 10 - 20% III (Úlcera de base limpa) 0 - 5% Hemorragia Digestiva Alta não Varicosa Jejum V.O. (não usar Antiácidos até E.D.A); Estabilização Hemodinâmica; Uso de Bloqueadores H² e Inibidores da Bomba de prótons (I.B.P.): . Ranitidina 1amp = 50mg 1amp diluída 8/8h; . Cimetidina 1amp = 300mg 1amp diluída 6/6h; .Omeprazol 1frasco = 40mg 1 frasco diluído 12/12h (preferencialmente); • Vitamina K = se necessário (hepatopatia); PROFILAXIA DA H.D.A. RECORRENTE: • Suspender AINH; • Bloqueador H² ou I.B.P.; • Antiácidos ou Sucralfato; INDICAÇÃO DE CIRURGIA: • Falha do tratamento clínico; • Ressangramento em 12/24h; • Úlcera Gigante (> 3cm); • Forrest Ia e Ib; • Falta de sangue disponível; • Patologias associadas; Hemorragia Digestiva Alta Varicosa • Incidência de varizes: Child A: 40%, Child B: 65%, Child C: 85%; 146 • Fatores preditivos: tamanho das varizes, sinais vermelhos nas varizes, severidade da insuficiência hepática, pressão portal > 12mmHg; • 30 - 40% das causas H.D.A; • Mortalidade no 1º sangramento: 30 - 50%; • Conduta: E.D.A de urgência com Escleroterapia; • Profilaxia do Ressangramento (< 30%): Propranolol 20 a 40mg de 12/12. Hemorragia Digestiva Alta Não Contida • Estabilização Hemodinâmica; • Tratamento Clínico: Análogos da Somatostatina, como o Octreotide 25mcg / hora 5 dias E.V. contínuo; • Tamponamento esofágico com Balão de Sangstaken-Blakemore: insuflar 8-12h (pressão do balão esofágico 40mmHg), desinsuflar por 24 horas antes de retirar. • Terapia endoscópica: esclerose, ligadura elástica, cianoacrylato; • Cirurgia: . Desconexão Ázigo Portal com esplenectomia; . Derivação Espleno - Renal Distal (Warren); . Derivação Porto - Cava calibrada (Sarfeh); . “T I P S” (shunt portal intra-hepático); REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Lamb GW, et al. Case report: octreotide as an adjunct to embolisation in the management of recurrent bleeding upper gastrointestinal metastases from primary renal cell cancer. Int Urol Nephrol. 2005;37(4):691-3. 2. Liberopoulos EM, et al. Upper gastrointestinal haemorrhage complicating antiplatelet treatment with aspirin and/or clopidogrel: where we are now? Platelets. 2006 Feb;17(1):1-6. 3. Wisniewsky B, et al. Endoscopic hemoclips in Gastroenterol Clin Biol. 2005 Aug-Sep;29(8-9):933-4. postoperative bleeding. 4. Kojima K, et al. Sclerotherapy for gastric fundal variceal bleeding: is complete obliteration possible without cyanoacrylate? J Gastroenterol Hepatol. 2005 Nov;20(11):1701-6. 5. Ondrejka P, et al. Surgical treatment of gastrointestinal bleeding. Orv Hetil. 2005 Aug 28;146(35):1807-12. Review. Hungarian. 147 RESUMO ESQUEMÁTICO DE CONDUTA Hemorragia Digestiva Alta (HDA) Ressuscitação SNG + lavagem gástrica Tipagem sanguínea, Hb/Ht, coagulograma Transfusão de hemoderivados se Hb <8 ou alargamento do I.N.R. EDA precoce HDA não varicosa: Jejum IBP + Sucralfato Vitamina K s/n Programar nova EDA Falha no tratamento instituído + ressangramento em 12-24h; Forrest Ia e Ib; Comorbidades; Cirurgia HDA varicosa Seguir protocolo de tratamento da Hipertensão Portal HDA não contida Iniciar Octreotide + tamponamento esofágico Resolução Endoscópica (escleroterapia, ligadura); Cirurgia