SOCIEDADE BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM TERAPIA INTENSIVA JOANA RITA DA SILVA CORREIA GOMES INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA: A IMPORTANCIA DA AÇÃO PRECOCE DO NEFROLOGISTA Rio de Janeiro - RJ 2012 2 JOANA RITA DA SILVA CORREIA GOMES INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA: A IMPORTANCIA DA AÇÃO PRECOCE DO NEFROLOGISTA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação do Curso de Mestrado Profissionalizante em Terapia Intensiva pelo Instituto Brasileiro de Terapia Intensiva, para obtenção do título de Mestre em Terapia Intensiva. Orientador: Prof. Dr. Douglas Ferrari Rio de Janeiro - RJ 2012 3 JOANA RITA DA SILVA CORREIA GOMES INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA: A IMPORTANCIA DA AÇÃO PRECOCE DO NEFROLOGISTA Aprovado em: ___/___/2012 COMISSÃO EXAMINADORA _____________________________________ Prof. Dr. Douglas Ferrari ORIENTADOR _____________________________________ Prof. Dr. MEMBRO 4 RESUMO Trata-se de um estudo prospectivo, de natureza quantitativa, realizado no período de 10/04/2012 a 25/09/2012, em uma Unidade de Terapia Intensiva da rede pública, localizado na cidade de Parnaíba - Piauí. Para definição de IRA foi utilizado o sistema RIFLE de classificação. Os dados para a confecção desta pesquisa foram obtidos por meio da verificação dos prontuários de pacientes admitidos na UTI no período descrito, após solicitação de parecer nefrológico. Desses prontuários foram obtidos dados como idade, sexo, motivo de encaminhamento a UTI, doença de base, tempo de internação e medicação utilizada, exames laboratoriais na admissão (com principal foco na creatinina de entrada na UTI) e no momento da solicitação do parecer do nefrologista, bem como a evolução destes pacientes. De 307 paciente internados na UTI neste período, foi solicitado o parecer nefrológico para 33 pacientes. faixa de 61 a 80 anos teve uma maior frequência - 48,5% (16 pacientes). A mortalidade apesar do emprego da terapêutica dialítica, manteve-se em 21,21%, um pouco menor em relação a literatura. Provavelmente devido a maior dose de diálise e intervenção dialítica precoce. PALAVRAS-CHAVE: .Insuficiência renal aguda, terapêutica dialítica, mortalidade, sobrevida ABSTRACT This is a prospective, quantitative in nature, carried out in the period from 10042012 to 25092012, in an intensive care unit of the public network, located in the city of Parnaíba-Piauí. For definition of WRATH was used the RIFLE classification system. The data for this research were obtained through the verification of the records of patients admitted to the ICU during the period described, after request for opinion-. These records were obtained data such as age, sex, reason for referral to ICU, underlying disease, hospitalization and medication use, laboratory examination on admission (with main focus on input in the ICU creatinine) and at the time of the request the opinion of nephrologist, as well as the evolution of these patients. Of 307 hospitalized patient in the ICU during this period was the opinion-for 33 patients. 61 to 80 years range had a higher frequency-48.5 (16 patients). Mortality despite the use of dialytic therapy, remained at 21.21, slightly smaller in relation to literature. Probably due to higher dialysis dose and dialytic intervention. KEYWORDS FOR THIS PAGE:.Acute renal failure, dialytic therapy, mortality, survival 5 SUMÁRIO CAPÍTULO I CONSIDERAÇÕES SOBRE A INSUFICIÊCIA RENAL AGUDA 06 1.1 PRINCIPAIS INDICAÇÕES DE DIÁLISE 07 1.2 TIPOS DE INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA 08 1.2.1 IRA PRÉ-RENAL 08 1.2.2 09 IRA PÓS-RENAL 1.2.3 IRA RENAL 1.3 DIAGNOSTICO DIFERENCIAL 10 12 1.3.1 DENSIDADE URINÁRIA 1.3.2 URÉIA/CREATININA PLASMÁTICA 1.3.3 ÍNDICES URINÁRIOS 1.3.4 “TESTES DIAGNÓSTICOS” 1.4 PREVENÇÃO 16 1.5 PROGNÓSTICO DA IRA 17 1.6 OBJETIVO DO ESTUDO 17 CAPÍTULO II PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 2.1 Tipo de Estudo / Local do Estudo/ Coleta de Dados 18 CAPÍTULO III RESULTADOS 19 CAPITULO IV REFLEXÕES FINAIS 20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 21 6 CAPÍTULO I CONSIDERAÇÕES SOBRE A INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA A insuficiência renal aguda (IRA) é caracterizada por uma redução abrupta da função renal que se mantém por períodos variáveis, resultando na inabilidade dos rins em exercer suas funções básicas de excreção e manutenção da homeostase hidroeletrolítica do organismo. Entretanto, mesmo com todo esse reconhecimento, há uma falta de um consenso de definição de IRA, ocorrendo mais de 30 conceitos para essa enfermidade. Essa multiplicidade de conceitos é responsável por uma extensa variação na incidência de IRA, em estudos de um único centro (1-25%) e em estudos multicêntricos (39-71%), e na letalidade (19 a 90%). Entidade de prognóstico grave, com índice de mortalidade alto, apesar dos avanços tecnológicos no manejo dos pacientes e das técnicas de diálise. Na grande maioria das Unidades de Terapia Intensiva, de acordo com estudo recente em vários países, entre eles o Brasil, a incidência fica em torno de 5,7%. Sendo que 4,3% dos pacientes necessitam de terapia renal substitutiva (diálise). Existem situações onde o tratamento dialítico (hemodiálise, diálise peritoneal e hemofiltração) é emergencial por haver um risco iminente para a vida do paciente. Entretanto, a melhor conduta é prevenir a necessidade de diálise de urgência pela prática da indicação precoce de diálise antes do surgimento do quadro de uremia franca e/ou de complicações clínicas, metabólicas e eletrolíticas. 1.1 PRINCIPAIS INDICAÇÕES DE DIÁLISE: - Hiperpotassemia – acima de 5,5 meq/L com alterações ao ECG ou maior que 6,5 meq/L - Hipervolemia: edema periférico, derrames pleural e pericárdico, ascite,hipertensão arterial e insuficiência cardíaca congestiva - Uremia: sistema nervoso central (sonolência, tremores, coma e convulsões), sistema cardiovascular (pericardite e tamponamento pericárdico), pulmões (congestão pulmonar e pleurite), aparelho digestivo (náuseas, vômitos e hemorragias digestivas) - Acidose metabólica grave - hipo ou hipernatremia, hipo ou hipercalcemia, hiperuricemia, hipermagnesemia, 7 hemorragias devido a distúrbios plaquetários, insuficiência cardíaca refratária, hipotermia e intoxicação exógena A terapia renal de substituição tem como objetivos a correção das anormalidades metabólicas decorrentes da disfunção renal, a regulação do equilíbrio e balanços hídrico, eletrolítico e acidobásico, volêmico e nutricional influenciado pelos rins. Além disto, visa o manejo do líquido extracelular em pacientes com falência orgânica múltipla, a preservação e o auxílio na recuperação das disfunções orgânicas (renal, SNC, cardiovascular, respiratória, gastrointestinal, etc.) e eventualmente, a manipulação/remoção de mediadores que contribuem para o estado de desregulação da resposta inflamatória na doença critica. O anexo 1 descreve os principais objetivos da terapia renal de substituição na IRA. Anexo 1 - Objetivos da Terapia Renal de Substituição na IRA Suporte ao organismo Propiciar suporte à função dos outros órgãos e sistemas Propiciar oportunidade para a recuperação da doença crítica Suporte metabólico Ofertar depuração mínima por procedimento Objetivar otimização da bioquímica plasmática Não promover síndrome de desequilíbrio Permitir aporte calórico-proteico Suporte hídrico/volêmico Evitar hipervolemia e hiper-hidratação. Evitar hipovolemia e instabilidade hemodinâmica Manter ou estabilizar os parâmetros hemodinâmicos Controlar o balanço hídrico de acordo com as necessidades de aporte Interferência fenômenos patogênicos em Manipulação de citocinas e mediadores Imunomodulação Geralmente a IRA é acompanhada por oligúria (eliminação de um volume urinário igual ou abaixo de 400ml/dia), ou anúria (volume urinário inferior a 100ml/dia), e algumas vezes por poliúria, com distúrbios eletrolíticos e acidose metabólica. 1.2 TIPOS DE INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA (IRA): A IRA pode ser de origem renal, pré-renal ou pós-renal. 1.2.1 IRA PRÉ-RENAL 8 A IRA pré-renal É a causa mais comum de IRA, em pacientes hospitalizados, com porcentagem que varia de 40% a 60% do total de acometimentos por IRA. Não há defeito estrutural nos rins, simplesmente falta perfusão sanguínea adequada, no leito capilar renal, à medida que a pressão arterial média cai, progressivamente, abaixo de 80 mmHg. O seu diagnóstico é extremamente importante já que existe reversibilidade, nesses casos, em um a dois dias e, se persistir, pode levar os rins à lesão denominada de necrose tubular aguda (NTA). Durante a baixa perfusão renal, o volume urinário diminui e fica altamente concentrado com nitrogenados e quantidades mínimas de sódio, e é essa habilidade de retenção de sal e água que distingue, basicamente, a azotemia pré-renal das causas parenquimatosas de IRA. Na Tabela I estão relacionadas as causas mais comuns de IRA pré-renal. 1.2.2 IRA PÓS-RENAL: A IRA pós-renal é menos frequente, em torno de 2 a 4% entre todas as causas de IRA e pode aumentar para 10% em faixas etárias mais avançadas. Na Tabela II, podemos verificar as causas mais frequentes. 9 . 1.2.3 IRA RENAL: A chamada IRA renal é causada por fatores intrínsecos ao rim. Podendo afetar túbulos, interstício, vasos ou glomérulo. Nesse grupo, incluem-se todas as formas de lesões recentes ao parênquima renal (Tabela III). A necrose tubular aguda (NTA) é a forma mais frequente de IRA em um hospital, responsável por 70% dos casos, seguida da incidência de 10 a 20% devido a nefrites intersticiais agudas e 1 a 10% o restante. O termo NTA, embora não completamente apropriado, é utilizado universalmente pelos médicos, para designar quadro clínico de IRA, provocado por lesão isquêmica e/ou nefrotóxica, cuja reversão não mais será imediata após a remoção da causa inicial, ao contrário do que ocorre na IRA pré-renal e na maioria dos casos de IRA pós-renal. . 10 A Necrose Tubular Aguda Pode ser induzida por hipoperfusão renal, nefrotoxinas endógenas e exógenas e, frequentemente, por combinação de ambas. A hipoperfusão renal: é a causa mais frequente de lesão, levando à NTA, na vigência de trauma, cirurgia, hemorragia ou desidratação. Durante períodos de volume intravascular efetivo baixo os barorreceptores centrais são ativados. Em consequência, aumentos nos níveis de angiotensina II, norepinefrina e hormônio antidiurético provocam vasoconstricção e retenção de sal e água, numa tentativa de restabelecer o volume circulante efetivo; esses mecanismos agem para preservar a circulação em órgãos vitais, como coração e cérebro. A perfusão renal e filtração glomerular podem ser mantidas em níveis moderados de hipovolemia, devido principalmente à ação da angiotensina II através do aumento da resistência da arteríola eferente glomerular e estímulo das prostaglandinas vasodilatadoras intra-renais. Uma hipoperfusão mais grave, que não se compensa através desses mecanismos, pode resultar em azotemia pré-renal e, se a situação se agravar ainda mais, evolui para NTA. Algumas drogas, como os antiinflamatórios não hormonais e inibidores da enzima de conversão da angiotensina, podem interferir nessa auto-regulação e precipitar a hipoperfusão em 11 pacientes com discreta hipovolemia ou insuficiência cardíaca. Portanto, essas drogas devem ser utilizadas com cuidado em pacientes com hipotensão ou insuficiência cardíaca congestiva. O baixo fluxo sanguíneo renal pode ocorrer na ausência de hipotensão sistêmica que chame a atenção, documentada em menos de 50% das NTA pós cirurgias(2). Quanto maior o tempo de isquemia, maior a repercussão clínica. Nos casos mais graves, com tempos maiores de hipoperfusão, pode haver necrose cortical. A necrose cortical pode ser vista, mais frequentemente, em descolamento abrupto de placenta, aborto séptico, coagulação intravascular disseminada e choque grave. As nefrotoxinas: devido à sua função de excreção e de concentração, o rim se expõe a várias substâncias endógenas e exógenas. Geralmente, a lesão nefrotóxica é reversível, previsível e passível de correção, se identificada precocemente. As lesões nefrotóxicas estão fortemente relacionadas não somente à sua concentração ou duração da exposição, mas a múltiplos fatores e à resistência do paciente em questão. Drogas nefrotóxicas, que são normalmente toleradas em indivíduos saudáveis, podem ser desastrosas em pacientes idosos e desidratados. A fisiopatologia da NTA é complexa, mas o entendimento dos fatores causais continua melhorando com o passar dos anos. Isso pode ser visto com mais detalhes em revisão mais recente. A NTA isquêmica e nefrotóxica têm similaridades em sua fisiopatologia. A isquemia prolongada provoca hipóxia nos túbulos, as células necrosam e obstruem a luz tubular. Essas células lesadas promovem o que se chama de fluxo retrógrado, com o filtrado glomerular retornando à circulação, contribuindo, assim, para a diminuição da filtração glomerular. Outro fator que contribui para a fisiopatologia da NTA é a vasoconstricção intrarrenal que pode comprometer a circulação em até 50%, o que dificulta a liberação de oxigênio, agravando a isquemia. As alterações vasculares e tubulares explicam, em parte, as alterações na NTA. Durante a fase inicial de NTA isquêmica, a restauração do fluxo sanguíneo renal pode restabelecer a taxa de filtração glomerular (TFG), porém, a partir do primeiro e segundo dias, o aumento desse fluxo pode não elevar a TFG, cuja queda 12 fica desproporcional ao aumento desse fluxo. Essa diminuição inicial do fluxo sanguíneo permanece com etiologia desconhecida, podendo estar envolvidos fatores como o sistema renina-angiotensina, sensibilidade anormal do sistema adrenérgico, tromboxano, etc. De qualquer forma, o que chama a atenção é que as células renais têm susceptibilidade maior à lesão, quando o rim está hipoperfundido. Várias observações clínicas e experimentais sugerem que a hipoperfusão e a nefrotoxicidade das drogas agem sinergicamente, aumentando a probabilidade de NTA. 1.3 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Em alguns casos, pode ser difícil diferenciar a insuficiência renal pré-renal e NTA. Com o intuito de fazer essa diferenciação, pode-se analisar: 1.3.1 Densidade urinária A densidade de uma substância consiste no volume que determinada massa dessa substância ocupa. Pode ser obtida a partir da fórmula: densidade = peso molecular/volume. Convencionou-se que a densidade da água a 37º C na pressão atmosférica ao nível do mar tem densidade de 1.000 mg/1L. Assim, soluções como a urina tem suas respectivas densidades avaliadas em relação à densidade da água. É influenciada pelo número de partículas de soluto por unidade de volume, mas principalmente pelo peso de cada partícula. A densidade urinária pode ter variação normal entre 1005 mg/L a 1030 mg/L mas considerando o estado de hidratação habitual de um ser humano encontra-se acima de 1015 mg/L. Quando a densidade urinária se encontra na faixa de 1010-1015 próxima à do plasma (que é aproximadamente 1010 mg/L) denominamos de isostenúria, o que seria compatível com NTA. Na IRA pré-renal, a densidade, geralmente, se encontra acima de 1020. Sofre alterações quando na urina se encontram dextranas, proteínas, carbenicilina, contraste radiológico, manitol e glicose. Essas substâncias podem passar mais facilmente para a urina quando há lesão renal, dando resultados alterados da densidade, que não correspondem à realidade da concentração. A densidade urinária é um teste não específico e não fisiológico da reabsorção de água. Embora a densidade aumente proporcionalmente à osmolaridade urinária, em 13 indivíduos normais, esse aumento fica prejudicado quando há lesão renal. A análise da densidade perde, portanto, valor numa diferenciação entre IRA e NTA. 1.3.2 Uréia e creatinina plasmáticas Sob circunstâncias normais, a relação entre uréia e creatinina plasmáticas gira em torno de 10-15:1. Como a IRA pré-renal aumenta a difusão retrógrada da uréia filtrada e não da creatinina, a depuração de uréia cai rapidamente em relação à depuração da creatinina. Essa desproporção, que pode atingir níveis de até 60:1, é fortemente sugestiva de azotemia pré-renal. Entretanto, na presença de NTA a queda das depurações de ambas as substâncias são semelhantes de tal maneira que as elevações dos seus níveis plasmáticos fazem retornar a relação para 1015:1. É interessante ressaltar que o aumento desproporcional da uréia pode ocorrer na NTA quando há sangramento gastrintestinal, sepse e terapia com tetraciclina. 1.3.3 Índices urinários A partir de amostra de urina colhida aleatoriamente, mesmo que de pequeno volume (10 ml ou menos) e de uma amostra de sangue, pode-se obter parâmetros importantes para a diferenciação de IRA pré-renal e NTA. Essas são as duas situações clínicas mais frequentes de IRA e que causam dificuldade diagnóstica nas primeiras horas após sua instalação. O primeiro e um dos mais importantes desses parâmetros é a Fração de Excreção de Sódio (FENa+), que pode ser definida como o percentual de sódio excretado em relação àquele que foi filtrado. A FENa+ pode ser calculada a partir da seguinte fórmula: FENa = [Na+] U x [Creat] P x 100, onde [Na+]P x [Creat] U U = urina e P = plasma 14 A fração de excreção de sódio (FENa) é uma medida de quanto o rim está ativamente reabsorvendo sódio. Na IRA pré-renal, o rim está hipoperfundido; portanto reabsorve ativamente sódio e a FENa é frequentemente baixa (< 1%), e a concentração de sódio na urina, geralmente, é menor que 20 mEq/l. Ao contrário, quando há lesão do parênquima ou IRA pós-renal, a FENa está usualmente > 3% e a concentração de sódio na urina acima de 40 mEq/l. Infelizmente, há uma faixa de valores intermediários que, às vezes, não auxiliam no diagnóstico. A osmolaridade urinária não é influenciada pelo tamanho das partículas e sim pelo seu número, logo, a presença de proteinúria, glicosúria ou agentes de contraste radiológico não interfere com a sua medida. Na NTA, a osmolaridade urinária tende a ser igual à do plasma (280 mOsm/l) e fica em torno de 300 a 369. Na faixa entre 350 a 500, há dificuldade de interpretação pois pode haver superposição dos resultados entre a IRA pré-renal e a NTA, e acima de 500 mOsm/l é grande a probabilidade de azotemia pré-renal. Há situações que podem atrapalhar a interpretação desses índices: utilização prévia de diuréticos, insuficiência renal prévia e alcalose metabólica. 1.3.4 "Testes diagnósticos" Utilizados de maneira prática na diferenciação entre NTA e IRA pré-renal. Comumente pode-se expandir o volume sanguíneo, infundindo-se 1000 ml de solução salina isotônica, num espaço de uma (1) a duas (2) horas, de acordo com a avaliação clínica da volemia, ou administrar 25 g de manitol ou 80 mg de furosemide endovenoso. Nos casos do manitol e furosemide, pode-se repetir a dose a cada hora, no máximo duas a três vezes para o manitol e de uma certa forma mais vezes 15 para o furosemide, que por não causar expansão do volume, é o mais utilizado. Em casos de IRA pré-renal, geralmente, consegue-se diurese acima de 60 ml na primeira hora, o que não ocorre, na NTA. Quando identificados em tempo hábil, a maioria dos pacientes com quadros atípicos de insuficiência renal aguda apresenta doenças passíveis de tratamento clínico ou cirúrgico. O Anexo 2 descreve as principais alterações clínicas e laboratoriais para o diagnóstico diferencial etiológico da IRA. Anexo 2 – Diagnóstico etiológico da IRA DIAGNÓSTICO ESTRUTURA LABORATÓRIO PROTEINÚRIA SEDIMENTO HIPERTENSÃO CLÍNICA Necrose Tubular Aguda Túbulos - 1-2 + Cilindros Granulosos Incomum Sepse/ Hipovolemia Hipotensão Nefrotoxina Nefrite Intersticial Aguda Túbulos/ Interstício Eosinofilia 1-2 + ou > Piúria/ Cilindros leucocitários Eosinófilos Incomum Febre/ Rash cutâneo Glomerulonefrite Aguda Capilares glomerulares Sorologia (FAN, C3, C4, Anticorpo anti-MBG) 2-4 + Hematúria/ Cilindros Hemáticos Comum Síndrome Nefrótica Doença Sistêmica Vasculites Capilares glomerulares/ Pequenas Artérias ANCA 1-4 + Normal/ Hematúria Incomum na fase inicial Doença Sistêmica Microvascular (SHU e Ateroembolia) Pequenas Artérias Hemólise/ Eosinofilia 1-3 + Normal/ Hematúria Comum Pele / Fundo Olho Macrovascular (embólia, trombose) Grandes Artérias Dislipidemia, Trombofilia 0-2 + Normal/ Hematúria Comum Fibrilação atrial / Embolia Periférica Certamente, diversos fatores contribuem para a manutenção do quadro de insuficiência renal aguda, ressaltando-se a maior gravidade e o maior número de 16 comorbidades que os pacientes atuais apresentam. Alguns fatores têm sido consistentemente associados a um pior prognóstico: oligúria, falência de múltiplos órgãos e septicemia. A despeito deste quadro grave e do aumento da incidência hospitalar da IRA, há evidências recentes de queda da mortalidade nos últimos anos. Além disto, tem sido relatado taxas de morbidade e mortalidade mais elevadas a longo prazo para aqueles pacientes sobreviventes de IRA, indicando a necessidade de seguimento ambulatorial destes pacientes após a alta hospitalar. 1.4 PREVENÇÃO Orientações da Sociedade Brasileira de Nefrologia para prevenção da IRA: 1. “Expansão do volume intravascular. Manter pressão arterial média acima de 80 mmHg, hematócrito acima de 30% e adequada oxigenação tecidual . 2. Evitar hiperhidratação, pois pode causar edema, hipertensão, insuficiência cardíaca e hiponatremia. IRA é um processo hipercatabólico e um paciente que não estiver perdendo ao redor de 300 g de peso corporal por dia quase certamente está em balanço positivo de água. Lembrar que o melhor parâmetro para diagnosticar precocemente hiperhidratação é o peso diário. 3. Previnir a hipercalemia diminuindo a ingestão de potássio e evitando drogas que interfiram com a sua excreção. Tratar agressivamente hipercalemias graves ou sintomáticas através de infusão endovenosa de cálcio, soluções polarizantes (glicose e insulina), uso de agonistas ß2, correção da acidose, resinas de troca iônica e hemodiálise. 4. Tomar precauções extremas contra processos infecciosos. Evitar antibioticoterapia desnecessária, quebras da barreira cutâneo-mucosa (sondas, cateteres, etc) e pesquisar cuidadosamente a presença de focos infecciosos. A maior causa de mortalidade em pacientes com IRA é septicemia. 5. Nutrir o paciente. Tentar obter o balanço nitrogenado menos negativo possível através da administração de uma relação calórico/protéica adequada. Evitar restrições alimentares severas. “Se a sobrecarga de volume for um problema não contornável clinicamente, inicie diálise precocemente ou a intensifique.” 17 1.5 PROGNÓSTICO DA IRA: O prognóstico da IRA continua grave, com mortalidade ao redor de 50%, apesar dos avanços tecnológicos no manejo de pacientes graves e das técnicas de diálise. Certamente, diversos fatores contribuem para a manutenção deste quadro, ressaltando-se a maior gravidade e o maior número de comorbidades que os pacientes atuais apresentam. Alguns fatores têm sido consistentemente associados a um pior prognóstico: oligúria, falência de múltiplos órgãos e septicemia. A despeito deste quadro grave e do aumento da incidência hospitalar da IRA, há evidências recentes de queda da mortalidade nos últimos anos. Além disto, tem sido relatado taxas de morbidade e mortalidade mais elevadas a longo prazo para aqueles pacientes sobreviventes de IRA, indicando a necessidade de seguimento ambulatorial destes pacientes após a alta hospitalar. Este quadro grave e complexo reforça a necessidade de prevenção da IRA, como a opção terapêutica mais eficaz e a atenção às características da doença crítica como um todo, ao invés da simples preocupação com os aspectos exclusivamente nefrológicos do tratamento. O sucesso final do tratamento dependerá da capacidade de interação produtiva entre os múltiplos profissionais, médicos (nefrologistas, intensivistas e outros especialistas) e profissionais de saúde (enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas e técnicos) envolvidos na atenção a estes pacientes portadores de IRA. 1.6 Objetivo do estudo Avaliar os fatores relacionados ao chamado do nefrologista e seu impacto na evolução e prognóstico dos pacientes portadores de insuficiência renal aguda em uma unidade de terapia intensiva no município de Parnaíba-PI. 18 CAPÍTULO II PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 2. Tipo de Estudo/ Local de Estudo/ Coleta de Dados Trata-se de um estudo prospectivo, de natureza quantitativa, realizado no período de 10/04/2012 a 25/09/2012, em uma Unidade de Terapia Intensiva da rede pública, localizado na cidade de Parnaíba - Piauí. Para definição de IRA foi utilizado o sistema RIFLE de classificação. Os dados para a confecção desta pesquisa foram obtidos por meio da verificação dos prontuários de pacientes admitidos na UTI no período descrito, após solicitação de parecer nefrológico. Desses prontuários foram obtidos dados como idade, sexo, motivo de encaminhamento a UTI, doença de base, tempo de internação e medicação utilizada, exames laboratoriais na admissão (com principal foco na creatinina de entrada na UTI) e no momento da solicitação do parecer do nefrologista, bem como a evolução destes pacientes. Nenhuma informação que pudesse identificar a instituição em que essa pesquisa foi realizada ou os pacientes arrolados no estudo será divulgada. 19 CAPÍTULO III RESULTADOS No período de compreendido entre os dias 10/04/2012 a 25/09/2012, em uma Unidade de Terapia Intensiva da rede pública, localizado na cidade de Parnaíba – Piauí se observou 307 internações, sendo solicitado o parecer do nefrologista para 33 pacientes (10,75% da população da UTI), destes 57,57% (19) eram do sexo masculino e 42,43% (14) do feminino. O tempo do chamamento do parecer nefrológico em relação a data da internação variou entre 01-10 dias, com maior prevalência em torno de 03 dias, após a internação em UTI. Com relação a estes pacientes: a idade verificou-se que a faixa de 61 a 80 anos teve uma frequência de 48,5% (16 pacientes), a faixa de 41 e 60 anos 27,3% (09 pacientes), 12,12% (04 pacientes) tinham entre 14 a 40 anos e 12,12% (04 pacientes) tinham idade superior a 81 anos. Verificou-se que, com relação à natureza das internações na UTI, 87,87% (29 pacientes) eram casos clínicos e 12,13% (04 pacientes) cirúrgicos. O tempo de permanência na UTI variou: 9,1% (03) dos pacientes permaneceram internados de um a cinco dias, 51,51% (17) de seis a dez dias, 27,27% (09) de 11 a 15 dias, 12,12% (04) de 16 a 30 dias. Quanto ao controle hídrico 57,57% (19) dos pacientes, cursou com oligúria, 24,24% (08) com anúria, 18,19%(06) com poliúria. O tipo de IRA de maior ocorrência foi a pré-renal com 72,73% (24 pacientes), renal ou intrínseca com 21,21% (07 pacientes) e pós-renal com 6,06% (02 pacientes). Dentre as doenças de base encontradas 9,1% dos pacientes tinham problemas cardíacos (02 choque cardiogênico, 01 infarto agudo do miocárdio), 24,24% diabetes mellitus (08 pacientes), 6,06% com problemas respiratórios (01 insuficiência respiratória aguda e 01 edema agudo de pulmão), 9,1% Acidente vascular encefálico (03 pacien tes), 9,1% patologias cirúrgicas (01 abdome agudo e 02 traumatismo cranioencefálico),na grande maioria dos pacientes (54,55%, correspondendo a 18 pacientes) o diagnostico foi de choque séptico/sepse e em 18,19% com diagnostico inicial de insuficiência renal aguda (06 pacientes) e insuficiência renal crônica apareceram em 21,21% (07) dos pacientes. Todas essas doenças muitas vezes estavam associadas num mesmo paciente. Quanto ao tratamento da IRA, 13 pacientes (39,40%) receberam tratamento conservador com orientação quanto a hidratação venosa, manutenção da 20 PAM (pressão arterial média) acima de 80 mmHg, hematócrito acima de 30%, adequada perfusão tecidual, evitar o uso de drogas nefrotóxicas e reajuste de dose das drogas de acordo com o clearence de creatinina estimado. Sendo que 20 pacientes (60,60%) receberam tratamento dialítico, a modalidade de diálise escolhida foi a hemodiálise diária. Destes pacientes 18,19% (06 pacientes) permaneceram em diálise após alta hospitalar. 21,21% (07 pacientes) tiveram retorno da função renal, recebendo alta definitiva pela nefrologia. 21,21% (07 pacientes) evoluíram para óbito apesar da terapêutica dialítica. CAPÍTULO IV REFLEXÕES FINAIS Apesar de não existir na literatura consenso em relação ao inicio da terapêutica dialítica, o melhor método dialítico a ser utilizado e a dose (adequação) de diálise a ser administrada; foi observado que quanto mais precoce se inicia a terapêutica, melhor sobrevida há para o paciente, pois evita as complicações urêmicas e congestivas, e se evita expor o paciente a riscos desnecessários. No paciente em ambiente de UTI, essa discussão ganha importância particular, diversos trabalhos sugerem que o início tardio da substituição renal assim como doses insuficientes de diálise tenha impacto clínico sobre a mortalidade, ficando esta bastante elevada, em torno de 40-50%. Nos pacientes que receberam doses maiores de hemodiálise, com controle mais rigoroso da uremia e volemia, obtiveram diversos benefícios, como a redução de complicações associadas ao suporte dialítico, redução no tempo de recuperação da IRA, e menor taxa de mortalidade. O nefrologista deve escolher o método que tenha maior familiaridade e que seja adequado para o momento do paciente. Seja qual for o método dialítico, deve-se oferecer a maior dose possível de diálise ao paciente, pois parece estar associada a maior sobrevida. A mortalidade neste trabalho manteve-se em 21,21% um pouco menor em relação a literatura. Provavelmente devido a maior dose de diálise e intervenção dialítica precoce. 21 __________________________________________________ REFERENCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. MILLER, S.B, KLAHR, S. Acute oliguria. N Engl J Med 1998;338:671-5. SCHOR, N. Acute renal failure and the sepsis syndrome. Kidney 2002;61:764-76. SILVESTER W, BELLOMO R, COLE L. Epidemiology, management, and outcome of severe acute renal failure of critical illness in Australia. Crit Care Med2001;29(10):1910-5.Disponível em:www.medicinanet.com.br/conteudos/102/insuficiencia_renal_aguda.htm acessado em 16/05/2012 KNOBEL, ELIAS. Condutas no paciente grave: Insuficiência renal Aguda. São Paulo: Atheneu,1994. 26 (386-397p). RATTON, J.L. Medicina Intensiva: Insuficiência renal Aguda 2. Ed. São Paulo: Atheneu, 1997. 27(258-263p). LERNIA, E.V., BERNS, J.S., NISSENSON,A.R., Current- Nefrologia e Hipertensão: Diagnóstico e Tratamento: Insuficiência renal Aguda. Porto Alegre: AMGH, 2011. Seção II (89-148p). CRUZ,J., PRAXEDES, J.N., Nefrologia: Insuficiência renal aguda. 2.ed. São Paulo: Sarvier, 2006. 18(239-247p) RIELLA,M.C., Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos: Insuficiência Renal Aguda. 4.ed. Rio de janeiro: Guanabara Koogan S.A., 2003. 21 (388-400p). BARRETO,M., SALDANHA, S., Rotinas em terapia intensiva: Insuficiência Renal Aguda. Métodos dialíticos. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2001. 26 (263283p) LIMA, E.Q., BURDMANN, E. A., YU, L., Adequação de diálise em insuficiência renal aguda : Grupo de Insuficiência Renal Aguda da Disciplina de Nefrologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. SP, Brasil. bDisciplina de Nefrologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, Brasil J Bras Nefrol 2003;25(3):149-54