NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 Hiperinsulinismo Congénito Revisão Teórica e Série de Casos Anabela Bandeira1, Cátia Cardoso2, José Sizenando3, Elisa Proença4, Esmeralda Martins5 RESUMO O hiperinsulinismo congénito constitui a causa mais frequente de hipoglicemia persistente no recém-nascido e lactente e engloba um grupo heterógeneo de defeitos genéticos que afectam o metabolismo da secreção de insulina. Os autores apresentam três casos clínicos de hiperinsulinismo congénito. Os três casos ilustram a diversidade na apresentação clínica, desde a iritabilidade, a um quadro clínico de sepsis ou convulsões neonatais. A necessidade de grandes aportes de glicose para corrigir e manter a normoglicemia pode levantar a suspeita do diagnóstico, assim como a resposta clínica ao glucagon. Num dos casos foi realizado cateterismo pancreático por imagem suspeita na ecografia abdominal e noutro caso foi realizado cintilograma (PET com 18F-fluoro-L-Dopa). A distinção entre as duas formas: focal e difusa é muito importante uma vez que o tratamento é diferente. O tratamento com diazóxido permite o controlo glicémico em alguns casos. O diagnóstico precoce e a correcção imediata das hipoglicemias previne a lesão cerebral e melhora o prognóstico neurológico destas crianças. Palavras-chave: hiperinsulinismo congénito, diazóxido, hipoglicemia. INTRODUÇÃO O hiperinsulinismo congénito é a causa mais frequente de hipoglicemia persistente na infância(1). A secreção inapropriada de insulina causa hipoglicemia que necessita de correcção precoce para evitar sequelas neurológicas. A incidência estimada é de 1/30.000 a 1/50.000 nados vivos(2). O hiperinsulinismo transitório está associado a diabetes materna, asfixia neonatal, policitemia e incompatibilidade Rh. Os critérios de diagnóstico(1) (Quadro I) incluem hipoglicemia (<54 mg/ dl) em jejum e pós-prandial com concomitante hiperinsulinemia (> 3 mU/L) e necessidade de perfusão de glicose superior a 10 mg/kg/minuto para manter valores de glicemia acima de 54 mg/ dl, resposta positiva à administração de glucagon e persistência da hipoglicemia ao longo do primeiro mês de vida. Na ausência de níveis anormais de insulina concomitantes com a hipoglicemia pode ser realizado um teste de jejum de 4 a 6 horas, com o doseamento dos corpos cetónicos, ácidos gordos livres e aminoácidos de cadeia ramificada no plasma, que se encontram baixos. O hiperinsulinismo pode ser classificado, de acordo com o início da hipoglicemia, como neonatal ou tardio (aparecimento na infância). Existem duas formas histológicas distintas: a lesão focal por hiperplasia adenomatosa das ilhotas de Langerhans, medindo cerca de 2,5 a 7,5 mm de diâmetro ou lesão difusa que consiste no alargamento anormal nuclear das células β em todo o pâncreas. Estas lesões histológicas são clinicamente indistinguíveis. CLÍNICA A hipoglicemia pode ser grave, com risco de convulsões e lesão cerebral. Cerca de 60% dos doentes apresentam sintomas nas primeiras 72 horas de vida. As manifestações no período neonatal podem ser convulsões em 50% dos casos, sintomas não específicos em 30% e hipoglicemia assintomática em 20% dos casos3. Outros sintomas: tremores, hipotonia, cianose, hipotermia ou ALTE. A hipoglicemia é persistente e ocorre tanto em jejum como no período pós-prandial. A maioria dos recém-nascidos são macrossómicos ao nascimento e podem apresentar hepatomegalia ligeira. A apre- Quadro I - Critérios de diagnóstico de hipoglicemia hiperinsulinémica persistente Nascer e Crescer 2008; 17(3): 133-138 __________ 1 2 3 4 5 Interna Complementar de Pediatria do HGSA-CHP Interna Complementar de Pediatria, Hospital do Funchal Assistente Hospitalar de Pediatria do HMPCHP Assistente Hospitalar de Pediatria, CHPovoa de Varzim/Vila do Conde Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria do HMP-CHP - Hipoglicemia em jejum e pós-prandial (< 54 mg/dl ou 3 mmol/L) com concomitante hiperinsulinemia (> 3 m U/L) - Necessidade de perfusões altas de glucose (> 10 mg/kg/minuto no período neonatal) para manter glicemias superiores a 54 mg/dl - Resposta positiva à administração subcutânea ou intramuscular de glucagon (aumento da glicemia em 36 a 54 mg/dl após 0,5 mg de glucagon) - Hipoglicemia persistente no primeiro mês de vida casos clínicos 133 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 sentação clínica não depende da forma histológica ou genética4. O hiperinsulinismo pode associar-se a hiperamoniémia moderada (Sindrome hiperinsulinismo hipoglicémico / hiperamoniemia) respondendo bem, nestes casos, ao diazóxido e à restrição proteica. Está associado também aos síndromes de Usher tipo Ic ou distúrbios congénitos da glicosilação tipo Ia e Ib, síndrome de Beckwith-Widemann, Perlman, SimpsonGolabi-Behmel ou Sotos5. A taxa de glucose intravenosa necessária para prevenir a hipoglicemia é elevada (geralmente 17 mg/kg/minuto) no período neonatal. Quando o diagnóstico é feito no lactente as necessidades de glicose são mais baixas (12-13 mg/kg/ minuto). Nestes, a hipoglicemia é melhor tolerada pelo que o diagnóstico pode ser atrasado. Os níveis de glucose aumentam 3654 mg/dl em resposta à administração SC ou IM de glucagon (0,5 mg). Os múltiplos diagnósticos diferenciais da hipoglicemia no período neonatal implicam uma história clínica e fami- liar exaustiva, exame físico completo e pedido de alguns exames complementares de diagnóstico, nomeadamente: doseamento da amónia, lactato e piruvato séricos, cromatografia dos aminoácidos séricos e urinários, cromatografia dos ácidos orgânicos urinários, perfil de acilcarnitinas e pesquisa de substâncias redutoras na urina. Doseamento do cortisol e hormona do crescimento também fazem parte dos exames na hipoglicemia persistente6. FISIOLOGIA No hiperinsulinismo congénito existe uma hipersecreção de insulina pelas ilhotas de Langerhans. A insulina inibe a libertação do glicogénio hepático, a gluconeogénese e aumenta a captação de glicose pelas células musculares diminuindo o nível sérico de glicose. Isto explica a necessidade elevada de glicose para corrigir a hipoglicemia e a resposta ao glucagon7. A glucocinase é a enzima que inicia o metabolismo da glicose na célula β. Níveis elevados de glicose aumentam a taxa de fosforilação da glicose pela glucocinase e o nível ATP/ADP resultante da glicólise. Níveis aumentados de ATP activam o receptor da sulfonilureia (SUR1) e fecham o canal de potássio ATP dependente. Isto conduz a uma despolarização da membrana, com influxo de cálcio e libertação de insulina (Figura 1). A leucina estimula a secreção de insulina através da glutamato desidrogenase, aumentado a taxa de oxidação do glutamato. Isto conduz a hiperamoniémia, aumento do alfa cetoglutarato e aumento da actividade do ciclo de Krebs e da relação ATP/ADP, com aumento da secreção de insulina. O diazóxido inibe a secreção de insulina por ligação a SUR1. GENÉTICA A transmissão genética pode ser esporádica, autossómica recessiva ou dominante. A lesão focal é geralmente de ocorrência esporádica, a lesão difusa pode ser recessiva (a maioria das vezes) ou dominante (raro). Foram encontradas mutações genéticas em cerca de 50% Figura 1: Sequência funcional da célula β e possíveis alterações genéticas. 134 casos clínicos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 dos doentes, podendo existir muitos outros genes envolvidos (Quadro II)8. A hiperplasia focal das ilhotas está associada a uma mutação paterna, herdada em hemizigotia ou homozigotia, nos genes do receptor da sulfonilureia (SUR1) ou canal de potássio (kir6.2) no cromossoma 11p15. A perda do alelo materno conduz a uma expressão aumentada de imprinting genes, que incluem o gene do factor de crescimento ou supressores tumorais. O hiperinsulinismo difuso envolve vários mecanismos e genes: as canalopatias (envolvem genes que codificam o receptor da sulfonilureia ou canal de potássio), o distúrbio metabólico envolvendo a enzima glucokinase (gene GGK) ou a enzima glutamato desidrogenase (gene GLUD 1) e situações em que a hiperamoniémia está associada a hipoglicemia. Pode ocorrer uma forma dominante de hiperinsulinismo ligada ao exercício por um defeito metabólico na enzima SCHAD ou um defeito no receptor da insulina humana. CASOS CLÍNICOS 1º caso clínico: lactente do sexo feminino, com 10 meses de idade, fruto de uma gravidez vigiada, sem intercorrências. Pais jovens, saudáveis, não consanguíneos. Parto distócico por fórceps às 40 semanas com Apgar 9/10. Peso 3160 g (P 25-50), comprimento 48.5 cm (P 25) e perímetro cefálico 35 cm (P 75). Internada aos 4 dias de vida por recusa alimentar, hipotonia e hipoglicemia. Rastreio séptico negativo. Fez bólus de glicose a 10% e perfusão de glicose a 11,5% durante 48 horas. Teve alta com o diagnóstico de hipogalactia materna com leite adaptado suplementado com maltrodextrina. Reinternada aos 23 dias de vida por choro forte e irritabilidade (hipoglicemia 6 mg/dl) necessitando aporte de glicose de 22 mg/kg/minuto para normoglicemia. Doseamento de insulina 23 μU/ml em hipoglicemia (14 mg/dl) sendo o valor normal de insulina no plasma <5 μU/ml em hipoglicemia. Restante estudo endócrino (cortisol e hormona de crescimento) e metabólico (amónia, lactato e piruvato, aminoácidos séricos e perfil de acilcarnitinas, ácidos orgânicos na urina) sem alte- rações. Realizou TAC abdominal que foi normal. Iniciou tratamento com diazóxido 10 mg/kg/dia com boa resposta clínica. Teve alta orientada para consulta externa de doenças do metabolismo. Internamento de curta duração aos 4 meses de idade por hipoglicemia em contexto de otite média aguda e aos 4 meses e meio por recusa alimentar e hipoglicemia aumentando a dose de diazóxido para 15mg/kg/ dia. Novo internamento aos 5 meses por vómitos alimentares com necessidade de um aporte de glicose ev de 8 mg/kg/minuto e alimentação contínua nocturna por falta de resposta ao diazóxido. Efectuou 3 tomas de octreótido de acção prolongada (5 mg intramuscular) sem resposta clínica e posteriormente iniciou tratamento com nifedipina sem resultados favoráveis. Realizou ressonância magnética nuclear abdominal que foi relatada como normal. O PET com 18F-L-Dopa revelou imagem de hipercaptação na cabeça do pâncreas (Figura 2).Nesta altura, foi orientada para Centro de Referência de Doenças do Metabolismo (Hospital Necker em Paris) devido à ausência de resposta ao tratamento médico. Após realização de novo PET com 18F-L-Dopa foi submetida a pancre- atectomia parcial com excelente resposta clínica. Actualmente com 10 meses de idade apresenta boa evolução estaturoponderal e desenvolvimento psico-motor adequado à idade, sem necessidade de qualquer tratamento. O estudo molecular efectuado não foi conclusivo. 2º caso clínico: criança do sexo feminino, com 18 meses de idade, fruto de uma gravidez gemelar, sem intercorrências. Parto por cesariana às 36 semanas com Apgar 9/10. Peso 2660 g (P 50), comprimento 48 cm (P 50), perímetro cefálico 31,5 cm (P 10-25). Aos 2 dias de vida iniciou gemido, choro fácil, hipotonia com pouca reactividade a estímulos e reflexo de sucção débil com glicemia de 30 mg/dl. Fez perfusão de soro glicosado a 10% mas manteve hipoglicemias (37 mg/ dl), sem acidose metabólica. Necessidade de perfusão de glicose 9 mg/kg/minuto. Realizou estudo metabólico (amónia, lactato, piruvato, aminoácidos séricos, perfil de acilcarnitinas, ácidos orgânicos urinários) e pesquisa de substâncias redutoras na urina que foram normais. A insulina doseada em hipoglicemia revelou nível de 13,4 μU/ml pelo que iniciou Quadro II – Genes implicados na patogénese do hiperinsulinismo congénito Proteína Fisiologia Gene /Locus Receptor da sulfonilureia 1 (SUR 1) Defeito no canal K-ATP com despolarização da membrana e libertação de insulina mesmo com glicemias baixas. ABCC8 11p15.1 Autossómica recessiva ou dominante Subunidade Kir 6.1 Defeito no canal K-ATP KCNJ11 11p15.1 Autossómica recessiva ou dominante Síndrome hiperamoniémia / hiperinsulinismo Enzima glutamato desidrogenase Resposta intensa da insulina após bolus intravenoso de leucina GLUD 1 10q23.3 Enzima glucocinase Mutações activadoras da glucocinase Hipoglicemia sensível ao diazóxido GCK 7p15-p13 Enzima L-3 hidroxiacil Co A desidrogenase de cadeia curta (SCHAD) Autossómica recessiva HADHSC 4q24-q25 casos clínicos 135 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 tratamento com diazóxido 10 mg/kg/dia. A ecografia transfontanelar revelou área focal hiperecogenica a nível da charneira entre o tálamo e núcleo caudado, com 5 mm de diâmetro, provável foco hemorrágico. Por apresentar algumas dismorfias faciais minor e hipotonia axial colheu cariótipo do sangue periférico: del (9)(pter p 23) 46 XX. Realizou ecocardiograma pela presença de sopro sistólico que revelou comunicação intra-auricular tipo osteum secundum. Aos 11 meses de idade apresenta peso no P10, comprimento no P 50 e microcefalia com perímetro cefálico abaixo do P5. Apresenta hipotonia axial com restante desenvolvimento normal. Suspendeu o tratamento com diazóxido mantendo valores glicémicos normais. Aos 14 meses apresentou episódio de recusa alimentar e convulsão tónico-clonica por hipoglicemia (glicemia 38 mg/dl, insulinémia 4.8 μU/ml) tendo necessitado de perfusão de glicose a 8 mg/kg/minuto, pelo que reiniciou tratamento com diazóxido (10 mg/kg/dia). A ressonância magnética cerebral realizada aos 17 meses revelou focos de hipersinal nas regiões peritrigonais, sem outras alterações relevantes. As lesões observadas não são características das lesões de hipoglicemia. 3º caso clínico: rapaz com 7 anos de idade, fruto de uma gravidez vigiada, sem intercorrências. Pais jovens, saudáveis e não consanguíneos. Parto por cesariana às 38 semanas com Apgar 9/10. Peso 3500 g (P 25), comprimento 50 cm (P 25) e perímetro cefálico 35 cm (P 50). Ao mês e meio de vida iniciou movimentos rápidos dos olhos, no sentido horizontal, com duração de cerca de 4 minutos. Aos 2 meses apresentou duas crises tónico-clónicos generalizadas antes da mamada da manhã que não foram valorizadas. Aos 2 meses e meio agravamento com movimentos oculares anormais, postura do membro superior esquerdo em extensão e movimentos tónico-clónicos. Realizou rastreio séptico que foi negativo (não fez glicemia). Realizou TAC cerebral que foi normal e EEG sem alterações. Três dias depois, crises múltiplas, sonolência e hiporeactividade. Ao exame físico apresentava-se hipotónico. O estudo analítico revelou uma glicemia de 16 mg/dl e nível de insulina 23 μU/ml. Doseamento do cortisol e hormona de crescimento e estudo metabólico (amónia, lactato, piruvato, aminoácidos séricos, perfil de acilcarnitinas, ácidos orgânicos urinários) foram normais. Iniciou tratamento com hidrocortisona e octreótido que posteriormente foram substituídos pelo diazóxido (15 mg/kg/dia). Necessitou de aporte de glicose máximo de 20 mg/kg/minuto. A ecografia abdominal revelou imagem local complexa na cauda do pâncreas com 11 mm de diâmetro pelo que realizou angiografía pancreática que foi normal. Teve alta do internamento aos três meses e meio medicado com diazóxido 10 mg/kg/dia. Actualmente com 7 anos de idade apresenta boa evolução ponderal, hirsutismo e Figura 2 - PET com 18F-fluoro-L-Dopa com visualização de hipercaptação na cabeça do pâncreas. 136 casos clínicos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 dificuldades na aprendizagem. Mantém terapêutica com diazóxido 7 mg/kg/dia com bom controlo metabólico. DISCUSSÃO Os três casos clínicos ilustram a diversidade da apresentação clínica do hiperinsulinismo congénito, desde a irritabilidade, ao quadro clínico de sepsis ou a convulsões neonatais. A necessidade de grandes aportes de glicose para corrigir e manter a glicemia em níveis normais, podendo ser necessário um cateter venoso central para administração de glicose associado a alimentação entérica contínua, levanta a suspeita do diagnóstico, assim como a resposta clínica à perfusão de glucagon (1-10 μg/kg/hora). O objectivo é manter a glicemia entre 54-108 mg/dl 9. No primeiro caso clínico, o doseamento de insulina em hipoglicemia permitiu o estabelecimento do diagnóstico. O desenvolvimento psicomotor da lactente é excelente, uma vez que o tratamento foi instituído rapidamente prevenindo a lesão cerebral irreversível. A evolução clínica permitiu verificar a resistência ao tratamento com diazóxido pela necessidade de perfusão endovenosa de glicose para manter os níveis de glicemia. A maioria das formas neonatais (84 %) é resistente ao diazóxido. Este é usado, por via oral, numa dose que varia de 5 a 25 mg/kg/ dia, dividido em 3 tomas. Dois valores de glicemia (< 54 mg/dl) em 24 horas com alimentação oral e sem aporte de glicose endovenosa, faz com o doente seja considerado não responsivo ao diazóxido. Os efeitos adversos mais frequentes deste fármaco são: hirsutismo, efeitos hematológicos e retenção de fluidos. O hirsutismo secundário ao tratamento era bastante notório nesta lactente. Os análogos da somastotatina (octreótido) podem ser usados isoladamente ou em associação com o glucagon e podem ser tentados antes da cirurgia nos casos não responsivos ao diazóxido. As doses variam de 15 μg/kg/dia a 60 μg/dia, usualmente o tratamento é iniciado com uma dose de 40 μg/kg/dia, dividido em 3-4 doses SC ou perfusão endovenosa (1 a 4,5 μg/kg/hora) ou intramuscular nas formas de libertação prolongada. Alguns doentes apresentam vómitos e/ou diar- reia e distensão abdominal que resolvem espontaneamente em 7 a 10 dias. Os bloqueadores dos canais de cálcio, nifedipina, 0,5 a 2 mg/kg/dia, são por vezes eficazes. No primeiro caso clínico verificou-se uma resposta positiva inicial mas que não foi duradoura. Os glucocorticoides não estão indicados no tratamento do hiperinsulinismo. Não existe nenhuma característica clínica que distinga entre as duas formas histológicas: focal e difusa10. A ecografia, a TAC ou a RMN não conseguem localizar as formas focais. A cateterização venosa pancreática e a arteriografia pancreática são utilizadas para localizar o local de secreção de insulina. Os doentes com uma lesão focal têm indicação cirúrgica, uma vez que as lesões focais tratadas cirurgicamente conduzem à cura mas, antes de qualquer cirurgia uma forma transitória (< 1 mês) tem que ser excluída. Os doentes com lesão difusa podem ser submetidos a pancreatectomia parcial, se o tratamento médico falha. Os riscos após esta intervenção são a hipoglicemia numa fase inicial (2-3 anos) e a longo prazo a diabetes mellitus que ocorre em cerca de 90% dos doentes antes dos 15 anos de idade. A insuficiência pancreática exócrina pode necessitar de enzimas pancreáticas. A vigilância anual é realizada através de glucose em jejum e pós prandial, insulina, hemoglobina glicosilada e teste de tolerância oral à glicose. O uso recente do PET (18 F fluoro-Ldopa positron emission tomography) permite detectar o hiperfuncionamento das ilhotas de tecido pancreático sem necessidade de técnicas invasivas11. Uma captação anormal focal de 18 F fluoro-L dopa permite localizar lesões focais. Este exame não está a ser realizado no nosso país pelo elevado custo e dificuldades de transporte do radiofármaco. No 1º caso clínico, a sua realização permitiu a identificação de uma lesão focal com posterior excisão cirúrgica por pancreactectomia lesional. O follow-up, embora pequeno, permite verificar uma evolução muito favorável. No 2º caso clínico a prematuridade e o doseamento do nível de insulina sem hipoglicemia poderá ter atrasado o diagnóstico. Para além disso esta lactente apresenta algumas dismorfias faciais e hipotonia axial. O cariótipo revelou delecção do braço curto do cromossoma 9, que está associado a trigonocefalia, hipoplasia do corpo caloso que esta criança não apresenta. A maioria dos doentes tratados medicamente são fármaco dependentes, embora existam alguns casos de remissão. Isto justifica a paragem do tratamento médico uma vez por ano, sob supervisão médica, para avaliar a possível recuperação espontânea. No 2º caso clínico verificou-se descompensação em situação de doença com recusa alimentar pelo que houve necessidade de reinstituir terapêutica com diazóxido. O 3º caso clínico apresentou um quadro mais exuberante com convulsões neonatais mas com boa resposta ao diazóxido. O aparecimento de uma imagem suspeita na ecografia abdominal conduziu à realização de angiografia pancreátrica para excluir um lesão focal com necessidade de tratamento cirúrgico. A cateterização pancreática percutânea é realizada sob anestesia geral. O diazóxido e qualquer outro fármaco é interrompido 5 dias antes da intervenção, sendo administrada uma perfusão de glicose para manter a glicemia entre 54-108 mg/dl. Amostras de sangue venoso são recolhidas da cabeça, do corpo e da cauda do pâncreas para medição da insulina, glucose e peptideo C. Os doentes com lesão focal apresentam elevação da insulina e peptideo C num local do pâncreas. O seguimento clínico e analítico posterior deste caso clínico permitiu verificar um bom controlo metabólico com doses baixas de diazóxido permitindo a vigilância com tratamento médico. Mas o atraso no diagnóstico e as sucessivas convulsões tónico-clónicas generalizadas no período neonatal podem justificar as dificuldades na aprendizagem. O prognóstico mental e neurológico está relacionado com a duração e a severidade do episódio inicial de hipoglicemia. Existem muito poucos dados acerca da evolução a longo prazo destas crianças. Em algumas séries de doentes 44% apresentam atraso do desenvolvimento psicomotor. Os autores pretendem alertar para os episódios recorrentes e persistentes de hipoglicemia no período neonatal que casos clínicos 137 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2008, vol XVII, n.º 3 podem ser devidos a hiperinsulinismo congénito. O diagnóstico atempado permite evitar a lesão cerebral e um melhor prognóstico neurológico nestas crianças. permits a better neurological prognostic for these children. Keywords: congenital hyperinsulinism, diazoxide, hypoglycaemia Nascer e Crescer 2008; 17(3): 133-138 CONGENITAL HYPERINSULINISM – CLINICAL REVIEW AND CASE REPORT BIBLIOGRAFIA ABSTRACT Congenital hyperinsulinism is the most important cause of persistent hypoglycaemia in early infancy. Mutations in at least five genes have been associated with dysregulated insulin secretion. The authors present three clinical cases of congenital hyperinsulism. This clinical cases show the diversity in clinical presentation: from asymptomatic hypoglycaemia, to neonatal sepsis-like or seizures. The need of high glucose perfusions to obtain the normalization of blood glucose levels often leads to the diagnosis. The clinical response to glucagon also helps in diagnosis. In one of the clinical cases it was realized a trans-hepatic portal venous insulin sampling and in another a PET scan with 18F-fluoro-L-Dopa. The distinction between the focal and diffuse forms is very important because the treatment differs. The treatment with diazoxide permits the metabolic control in some cases. A precocious diagnosis and immediate correction of glycaemia avoids the neurodevelopment complications and 1. Lonlay P, Touati G, Robert J-J, Saudubray J-M. Persistent hyperinsulinaemic hypoglicaemia. Semin Neonatol 2002; 7: 95-100 2. Lonlay P, Giurgea I, Sempoux G, Joaubert F, Rahier J, Ribeiro M-J et al. Dominantly inherited hyperinsulinaemin hypoglycaemia. J Inherit Metab dis 2005; 28:267-76 3. Guerrero-Fernández J, González C, Colindres LE, Bouthelier RG. Hiperinsulinismo congénito. Revisión de 22 casos. An Pediatr (Barc), 2006; 65:22-3 4. Giurgea I, Ribeiro M-J, Boddaert N, Touati G, Robert J-J, Saudubray J-M, Jaubert F et al. L’hyperinsulinisme congenital du nouveau-né et du nourrisson. Archives de pédiatrie 2005;12:1628-1632 5. De León DD, Stanley CA. 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