Selênio Definição/Estrutura e Propriedades O selênio foi primeiramente descoberto pelo químico sueco Jons Jacob Berzelius em 1817 e recebeu a denominação selenium, palavra grega para lua. É reconhecido como um micronutriente essencial com propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e imunológicas para animais e seres humanos. Com um peso atômico de 78,96, existe na forma de moléculas orgânicas (exemplo: SE II) e sais inorgânicos como o selenato (SE VI) ou selenito (SE IV). As principais fontes dietéticas de selênio são: pães, cereais, leites, ovos, peixe, carne e nozes. A ingestão dietética varia pelo mundo, pois depende do solo ser rico ou pobre em selênio, tanto para o cultivo das plantas como para o pasto dos animais. Alguns lugares possuem solos tão ricos em selênio que é possível o consumo excessivo e tóxico pela população local residente nestas áreas, exemplos da China, Rússia e algumas regiões da América do Sul e Norte. Na América do Norte, Japão, Austrália, Nova Zelândia e maioria dos países europeus a ingesta de selênio na dieta é apenas adequada e em certas regiões da China e leste europeu a ingesta é insuficiente. O SE é necessário para a síntese de selenocysteína, também conhecido como aminoácido 21, encontrado em mais de 25 selenoproteínas no genoma humano. A presença de um RNA específico transferidor para incorporar a selenocysteína nas proteínas dos mamíferos confirma o papel essencial que o SE tem nestes seres. Existem 25 selenoproteínas nos tecidos humanos (Tabela 1 pagina 562- gastroenterology vol 137, nº 5, vol. 137). Evidências sugerem que o status de SE corporal influencia em aspectos da imunidade humoral e celular, relacionados a processos inflamatórios envolvidos na produção de espécies de oxigênios reativos (ROS) e controle do processo REDOX, além de atuar no metabolismo do hormônio da tireóide. A produção de ROS aumenta a expressão de citoquinas pró-inflamatórias através da super-regulação da atividade do fator nuclear kappa ß. Linfócitos, macrófagos e principalmente neutrófilos requerem ROS e moléculas pró-inflamatórias para ativação, diferenciação e fagocitose. Quando incorporado a selenoenzimas, o SE atua como um crucial antioxidante influenciando as rotas inflamatórias que modulam o ROS pela inibição da cascata do fator de necrose kappa ß e assim suprimindo a produção de interleucinas e TNFå. A deficiência de SE diminui a atividade de antioxidação e assim prejudica a neutralização de radicais livres. Consequentemente se conclui que o SE compõe um dos pilares do sistema de defesa antioxidante do corpo humano na doença crítica. Nas situações em que seu déficit se apresenta com manifestações clínicas de doenças, há muitas descobertas sobre o uso do selênio. Uma das primeiras apresentações foi a doença de Keshan, uma cardiomiopatia que ocorre em regiões de solo pobre em SE da China, a qual pode ser prevenida pela suplementação de SE. Desde então muitos casos de deficiência de SE foram descritos durante a NP, incluindo cardiomiopatias reversíveis ou não, miopatias músculo esqueléticas, anormalidades em unhas e cabelos e anemia macrocítica. Uma intrigante característica é que apenas uma proporção dos pacientes com estoque corporal muito baixo de SE desenvolvem sinais clínicos da deficiência, fato que leva a suspeitar da necessidade um agente de estresse para desencadear os sintomas. A deficiência de SE também é implicada na mutação do gene do vírus Cocksakie benigno para uma forma virulenta produtora de miocardite (Beck et al-ref 14). Desordens inflamatórias que se apresentam com déficit de SE incluem pancreatite, hepatite, doenças inflamatórias intestinais e SIRS (síndrome da resposta inflamatória sistêmica), que geralmente envolve estresse oxidativo com depleção de antioxidantes. Sepse Grave também é caracterizada pelo aumento no ROS e redução da capacidade endógena antioxidativa. Muitos pacientes sépticos exibem profunda depleção de SE que se correlaciona com aumento na taxa de morbidade e mortalidade. Concluiu-se a partir daí que a restituição do status de SE corporal pode reduzir a gravidade e severidade da doença no paciente crítico, melhorando a evolução clínica, reduzir complicações infecciosas e diminuir mortalidade. As Selenoenzimas As selenoenzimas mais características são as da família glutationas peroxidases (GPx), que consistem em oito isoformas que catalisam as reações de redução de vários hiperóxidos mas diferem em sua especificidade: GPx1 citosol, GPx2 gastrintestinal, GPx3 plasmática, GPx4 colesterol e fosfolípides hidroperóxidos. A GPx3 atua como parâmetro do status de SE no paciente e sua deficiência está associada a doença cardiovascular, AVC/IAM e sepse. A selenoproteína P é produzida no fígado e é a mais abundante em circulação plasmática, pois contém mais de 10 enzimas-cofatores selenocysteína, indicando seu alto potencial antioxidante. Tem como importante característica a capacidade de vincular ao endotélio, justificando o seu mecanismo de recrutamento no sítio inflamatório. Como avaliar a existência de deficiência de Selênio Selênio no plasma SE total no plasma é o teste mais usado, reflete o montante de selenoproteínas existentes no plasma, a maior parte delas compostas pela Selenoproteína P, que corresponde a mais de 50% do total e GSHPx-3 (glutationa perodase extra-celular). Uma concentração plasmática de 7 µg/dL (0,8 µmol/L) corresponde a ingesta alimentar adequada de SE, níveis maiores que 7µg/dL de concentração tecidual tendem a formar um platô, concluindo-se que a necessidade basal já fora alcançada. A reposição de SE para atingir a concentração tissular e plasmática deve ser avaliada com cautela, pois o SE orgânico na forma de selenometionina pode estar incorporado no lugar da metionina, sem refletir nenhuma mudança no estado funcional das selenoproteínas. É importante notar que a concentração de SE no plasma de pacientes sépticos ou com trauma é obrigatoriamente diminuída e que Selênio a resolução destes quadros leva a aumento dos níveis séricos de SE, parece que o SE acaba sendo perdido pela transudação tecidual e redistribuição das selenoproteínas, processo semelhante ao que ocorre com a albumina na SIRS. Dessa forma, é necessário muito cuidado ao interpretar um resultado de SE plasmático baixo isoladamente; para maior acurácia diagnóstica, este deve ser avaliado em conjunto e, sequencialmente, com a dosagem da PCR ou pró-calcitonina, por exemplo, a fim de diagnosticar em que contexto a reposição pode ser necessária. Glutationa Peroxidase Plasmática GSHPx-3 extracelular pode ser medida no plasma e corresponde fiel e acuradamente à resposta do aporte de SE no plasma. Correlaciona-se com a concentração de SE plasmática, entretanto contribui com menos de 20% do SE plasmático total. Glutationa Peroxidase de células vermelhas sanguíneas GSHPx-1 pode ser medida e corresponde mais ao montante de selênio existente num período de tempo porque está diretamente relacionado ao tempo de vida do eritrócito. Refletindo um status de SE ao longo dos últimos 74-90 dias, e é mais difícil de ser medido. Selenoproteína P É a maior selenoproteína no plasma e é metabolizada mais lentamente que a GSHPx. É provavelmente o melhor marcador da ingesta de SE, mas os ensaios enzimáticos não se encontram disponíveis na prática clínica. Selênio no cabelo e unhas Devido a confiança limitada nas amostras e complexidade na análise, a medida de SE nas unhas e cabelos é reservada apenas para ambiente de pesquisa. Toxicidade do Selênio O SE antes de ser reconhecido com um elemento essencial na nutrição foi descoberto por seus efeitos tóxicos nas regiões de solo muito rico em SE. O SE em concentrações fisiológicas funciona como um antioxidante, mas em altas doses pode funcionar como um pró-oxidante e causar dano celular oxidativo. O SE inorgânico é mais potencialmente tóxico do que as formas orgânicas, como a selenometionina. Em pacientes que apresentem sinais clínicos de toxicidade crônica (alopecia e unhas quebradiças), a concentração sérica de SE costuma estar mais que dez vezes o valor normal, em torno 16µg/dL. Em regiões de solo rico em SE não foi observado nenhum efeito adverso na administração de até 800µg/d. Alguns estudos atuais usaram doses de 1600µg/d para pacientes críticos em fase aguda por período de tempo limitado sem efeitos colaterais relatados. Os sintomas de intoxicação por SE podem ser náuseas, vômitos, alterações ungueais, alopecia, edema dos dedos, fadiga, irritabilidade, halitose. Necessidades de Selênio em Situações Clínicas Estabelecer as necessidades diárias de SE é assunto controverso, devido aos diferentes esquemas usados e objetivos terapêuticos almejados, que podem ser prevenir os sintomas de deficiência clínica ou otimizar a função bioquímica como imunomodulador. A dose inicialmente estabelecida foi de 20 µg/dia, determinada pela dose mínima necessária em áreas livres da doença de Keshan em crianças. A seguir, um esquema mais fisiológico foi buscado a fim de otimizar as funções das selenoproteínas: os diversos estudos sugerem doses que variam de 52-90µg/dia para adultos saudáveis atingirem SE no plasma em torno de 8,0-9,5µg/dL, dosagem que é facilmente conseguida através da dieta oral comum na maioria dos países do mundo. O SE oriundo da dieta está na forma de selenomethionina e selenocysteína e sua absorção no trato gastrointestinal é de 90%. O SE inorgânico (selenito ou selenato) tem absorção mais variável, em torno de 50-90%. A forma de SE mais usada em Nutrição Parenteral é o selenito, o qual é diretamente incorporado a selenocysteína. A selenomethionina também pode ser usada endovenosa, mas é incorporado primeiramente a outras proteínas tissulares ou plasmáticas não específicas e necessita ser convertido a selenocysteína antes das selenoproteínas serem sintetizadas. O excesso de SE da dieta é excretado via renal. • Necessidades em Nutrição Parenteral: para pacientes estáveis aventa-se 55-70µg/dia, assim como seria ingerido na dieta habitual, não existem estudos que determinem uma dosagem ótima. A WHO/FAO recomenda a dose de 30-40µg/d para otimização da atividade da GPHx-3 em paciente previamente nutridos e 70µg/d em pacientes com deficiência prévia; • Necessidades em Nutrição Parenteral domiciliar: em torno dos mesmos valores acima, entretanto há subgrupos que necessitam de 85µg/d para manter a concentração plasmática, sendo esta necessidade provavelmente relacionada à doença de base e estado basal dos estoques corporais ao início da terapia parenteral; • Necessidades de pacientes em pós operatório: dois estudos sugerem que 32µg/d é adequado para manter os estoques de SE durante um período curto de NP em pacientes estáveis, entretanto pacientes em situação de hipermetabolismo ou que tenham perdas por fístulas de médio e alto débito também necessitam de maiores suplementações, recomendando-se a dose de 60-100µg/d; • Necessidades em Pacientes Críticos: Queimados/Sepse/Trauma, pacientes críticos, especialmente em sepse, podem necessitar de suplementação muito maior de SE devido ao aumento importante que apresentam no estresse oxidativo e perdas através de drenos, diálise e feridas. Queimados necessitam em torno de 210µg/d para manter seu balanço normal de SE e, para compensar as enormes perdas através das feridas, um montante de 315-380µg/d parece reduzir pneumonia nosocomial e melhorar desfechos, segundo estudos da Dra Berger. Em TMO a dose de 120µg/d parece ser satisfatória para produzir resposta bioquímica. Segundo Angstwurm et al, pacientes sépticos em UTI podem se beneficiar de um curso de Selênio nove dias de administração de SE em altas doses, um outro estudo mais recente do mesmo autor encontrou resultados de melhor desfecho com dose de 1000µg/d por quatorze dias. Outros estudos não conseguiram demostrar o mesmo resultado, permanecendo a recomendação atual de no mínimo 60-100µg/d e a consideração de dose máxima segura de 400µg/d por 2-3 semanas em grandes queimados e pacientes críticos por autores mais conservadores e até 900-1000µg/d por autores mais recentes como Dr. Heyland, Dr. Vicent e Dr. Fouceville, que não tiveram efeitos colaterais manifestados em seus estudos. • Necessidades em Pediatria: as recomendações variam pelo mundo, USA 2,1-2,2µg/kg/d, Australia 12-15µg/d, WHO/FAO 6-10µg/d para idades 0 a 12 meses; para idade 1 a 13 anos também há uma variação, USA 20-40µg/d, Austrália 25-50µg/d, WHO/FAO 17-32µg/d. As recomendações da FAO/WHO são menores e se baseiam na atividade máxima da GSHPx. Neonatos devem receber 1-2µg/kg/d tanto para bebês pré-termos e a termo. O Selênio no Doente Crítico O selênio em níveis pré doença sub-ótimos predispõe a deficiência grave de SE na doença crítica, situação em que as necessidades de SE são maiores devido ao estresse oxidativo. Na doença crítica, a concentração plasmática de SE encontrada se correlaciona bem com o desfecho clínico, indicando que o SE pode ser um preditor precoce de sobreviventes e de morbidade em UTI, segundo estudos de Forceville et al. O grupo de pesquisa clínica do Dr Manzanares e Dr Hardy encontrou que SE e GPX-3 estão significativamente reduzidas nas SIRS e na SDMOS de pacientes em UTI, ( P=0,0001 e P=0,002, respectivamente), foi possível demostrar através de análise univariada que o SE é um bom preditor de mortalidade em UTI (P=0,034), mas a GPX-3 não é boa preditora (P=0,056), sendo usado o cut-off de 60µg/d para SE plasmático e 0,5U/mL de GPX-3 para predição de SDMOS, com especificidade de 81,2% e 93% respectivamente. Etiologia da depleção de selênio no doente crítico: • Baixos estoques pré hospitalização, decorrentes de alcoolismo, senilidade, HIV/AIDS, tabagismo, desnutrição, desidratação, uso de heroína, etc. • Exudações cutâneas, queimados e feridas. • Alto débito urinário. • CRRT/diálise. • Diarréia, fístulas, vômitos. • Grande volume de resíduo gástrico. • Peritoneostomia. • Drenos, de tórax e abdome. • Drogas, como diuréticos, estatinas, corticoides. • Extravazamento capilar (SIRS) • Hemodiluição devido a fluidoterapia. • Regimes insuficientes de SE em NE ou NP. Bases para a Suplementação de Selênio no Doente Crítico Além das diferentes formas químicas de SE, o modo de administração parece influenciar a farmacocinética da terapia com SE e gerou resultados conflitantes de estudos. As opções são: monoterapia ou combinação com outros imunonutrientes, bolus versus infusão contínua, bolus+ infusão contínua ou incorporação de SE em regimes de NP. Os compostos selenito de sódio e ácido selenioso são as formas parenterais mais eficientes para a suplementação que visa a otimização da atividade da GPx-3. Compostos de SE orgânico, como a selenometionina, não estão disponíveis para uso IV. Acredita-se que uma dose precoce na fase inicial da SIRS pode gerar os seguintes efeitos: • inibição da síntese de citoquinas pró-inflamatórias • indução de apoptose e citotoxidade em células pro-inflamatórias ativadas em nível de microcirculação • efeito direto bactericida e viruscida. A ação antioxidante de altas doses de SE é secundária a incorporação de resíduos de Selenocisteína ao sítio ativado das selenoenzimas. Em pacientes com choque séptico, a administração combinada de um bolus seguido de infusão contínua estimula a síntese de selenoproteína P, causando uma ação protetora que pode gerar diminuição da disfunção endotelial e falência orgânica. Manzanares et al, em 2011, demonstraram otimização dos níveis de GPx-3 com este esquema de altas doses, após o 7º dia o nível de GPx-3 caiu independente da reposição de SE e o desfecho clínico foi similar em ambos os grupos. Estudos em animais mostraram que a infusão do bolus de SE em modelos de sepse produziram queda na interleucina 6 plasmática dos animais, fato que se correlacionou com a melhora do estado hemodinâmico geral (PA, índice cardíaco, volume sistólico, resposta a fluído) sugerindo que em doentes com choque séptico/sepse grave o processo anti-inflamatório poderia ser modulado pelo bolus de SE. Estas evidências formam o racional fisiológico para a suplementação de SE em pacientes críticos, embora careçam de estudos maiores para comprovação. Baseada nestes estudos recentes a Farmoterápica desenvolveu duas apresentações de selênio, 6 mcg/mL e outra mais concentrada com 100 mcg/mL para atender a todas as situações clínicas da paciente. Selênio Referências Bibliográficas 1. 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Position Paper: Recomendations for Changes in Commercially Available Parenteral Multivitamin and Multi-Trace Elements Produts. Nutr Clin Pract . Aug 2012 440-491; 9. Shenkin A. Selenium in Intravenous Nutrition. Gastroenterology Expediente: Direção do projeto: Dr. Michel Kfouri Filho Conteúdo Técnico: Dra. Daiane Emanuelli Vieira Revisão de conteúdo: Dra. Carmem Maldonado Projeto Gráfico: Raphael Duarte Gerencia de Marketing: Sirlei Souza Selênio