Ana Catarina Santos Cardoso Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Universidade Fernando Pessoa Porto, 2015 Ana Catarina Santos Cardoso Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Universidade Fernando Pessoa Porto, 2015 “O cansaço físico, mesmo que suportado forçosamente, não prejudica o corpo, enquanto o conhecimento imposto à força não pode permanecer na alma por muito tempo.” Platão Ana Catarina Santos Cardoso Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Atesto a originalidade do trabalho: (Ana Catarina Santos Cardoso) Projeto de Pós-graduação apresentado à Universidade Fernando Pessoa como parte dos requisitos para obtenção do grau de mestre em Ciências Farmacêuticas. Orientador: Professor Doutor João Paulo Soares Capela Porto, 2015 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Resumo A vasopressina, também é designada por hormona antidiurética (ADH), a nível renal aumenta a permeabilidade das células dos túbulos à água, aumentando assim a sua reabsorção. Permite aumentar a concentração de sais na urina e diminuir o seu volume. Designa-se vasopressina, tendo em conta que promove a vasoconstrição arteriolar, aumentando a resistência periférica e consequentemente a pressão arterial. Em situações normais, a concentração de vasopressina circulante está bem abaixo do nível necessário para promover o efeito vasoconstritor. Existem alguns fármacos no mercado que permitem modular a ação da vasopressina. Tendo em conta que esta possui três tipos de recetores diferentes, V1a, V1b e V2, existem fármacos que atuam como agonistas e outros que atuam como antagonistas, podendo estes ainda ser seletivos ou não seletivos. Dos agonistas existentes em Portugal destacam-se a desmopressina e a terlipressina. Dos antagonistas que existem a nível hospitalar, podemos referir o conivaptan e o tolvaptan, sendo que apenas o tolvaptan foi aprovado em Portugal. O tolvaptan é um antagonista seletivo do recetor V2 da vasopressina, sendo que o conivaptan é um antagonista não competitivo não seletivo dos recetores V1a e V2. A desmopressina é um antidiurético usado essencialmente no tratamento da diabetes insípidus e enurese noturna. A terlipressina é indicada no tratamento de hemorragias digestivas por rotura das varizes esofágicas. O conivaptan e o tolvaptan são usados no tratamento da hiponatremia hipervolémica e euvolémica. O tolvaptan é usado como terapia crónica de várias doenças que envolvem a retenção de líquidos, tais como, problemas renais, cardíacos ou hepáticos e doenças de tiroide. Neste trabalho serão ainda abordados fármacos que ainda estão em fase de ensaios clínicos, tais como, o Lixivaptan, o Mozavaptan e o Satavaptan que são antagonistas seletivos do recetor V2. Provavelmente, alguns destes serão lançados no mercado pois são muito promissores. Quer os fármacos agonistas quer os fármacos antagonistas da vasopressina desenvolvidos demonstram ter um potencial enorme no tratamento de diversas patologias, pelo que é uma mais valia o seu estudo mais aprofundado assim como o desenvolvimento de novos fármacos. i Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Abstract Vasopressin is also called antidiuretic hormone (ADH). It is named ADH because, once in the kidneys, it increases the cellular permeability of the renal tubules to water, increasing its reabsorption. It allows increasing the concentration of urine and decreasing its volume. It is also named vasopressin, since it promotes arteriolar vasoconstriction, by increasing the peripheral resistance and, therefore, the blood pressure. Under normal circumstances, the concentration of vasopressin in the blood is well below the necessary level to promote vasoconstriction. There are some drugs in the market that allow modulating the action of vasopressin. Since it has three different types of receptors, V1a, V1b and V2, there are drugs that act as agonists and others that act as antagonists, and the latter can be either selective or non-selective. Desmopressin and terlipressin are among the existing agonists in the Portuguese market. Out of the antagonists existing at a hospital level, conivaptan and tolvaptan can be mentioned, but these haven’t been approved in Portugal. Tolvaptan is a V2-receptor selective antagonist of vasopressin, and conivaptan is a non-selective antagonist. Desmopressin is an antidiuretic primarily used in the treatment of diabetes insipidus and Nocturnal Enuresis. Terlipressin is indicated for the treatment of digestive bleeding due to the rupture of esophageal varices Conivaptan and tolvaptan are used for the treatment of hypervolaemic or euvolaemic hyponatremia. The tolvaptan is used as chronic therapy of several diseases related to the fluid retention such as kidney disease, heart or liver, and thyroid diseases and in the treatment of hyponatremia. In this work, we will also refer drugs that are still in the clinical trial stages, such as Lixivaptan, Mozavaptan and Satavaptan, which are V2 receptor selective antagonists. Probably, some of these drugs will be marketed, as they are very promising. Both the agonist and the antagonists drugs of vasopressin developed have shown a huge potential in the treatment of several pathologies. Therefore, it is an added value to study them further, but also to develop new drugs. ii Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Agradecimentos Ao meu orientador, João Paulo Capela, por toda a ajuda, calma e compreensão, Ao meu namorado, que sempre me deu força e acreditou em mim. Esteve sempre presente em todos os momentos. Para além de meu companheiro é o meu melhor Amigo, À minha melhor Amiga, que me transmitiu as energias positivas necessárias naqueles momentos menos bons, Ao meu afilhado, que sem se aperceber me deu tantas alegrias e vontade de seguir em frente, Ao meu padrinho e à minha madrinha de faculdade, que se disponibilizaram sempre para me ajudar quer em termos profissionais, quer em termos pessoais, Aos meus colegas, que durante cinco anos partilharam comigo momentos que jamais esquecerei, À minha família que sempre me apoiou, nos bons e nos maus momentos, em especial aos meus pais, ao meu irmão e aos meus avós, Durante os últimos cinco anos da minha vida, passei por diversos momentos. Uns mais felizes, outros menos bons, mas acima de tudo foram momentos de grande aprendizagem e crescimento. Conheci pessoas, que jamais ficarão esquecidas ou apenas lembradas como colegas de faculdade. Essas pessoas serão sempre lembradas com grande carinho e saudade. Espero que esta etapa, que agora termino, possa, de alguma forma, retribuir e compensar todo o carinho, apoio e dedicação que, constantemente recebi da minha família e do meu namorado. A eles, dedico todo este trabalho. iii Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Índice Abreviaturas................................................................................................................... viii 1. 2. Introdução.................................................................................................................. 1 1.1. Objetivos ............................................................................................................ 2 1.2. Metodologia ....................................................................................................... 2 Sistema da vasopressina ............................................................................................ 3 2.1. Síntese e funções biológicas da Vasopressina ................................................... 3 2.2. Fatores que estimulam a libertação de Vasopressina ............................................ 6 2.2.1. Estímulos osmóticos....................................................................................... 6 2.2.2. Estímulos não osmóticos ................................................................................ 7 3. 4. Recetores da vasopressina ......................................................................................... 8 3.1. Recetores V1a e V1b .......................................................................................... 11 3.2. Recetor V2 ........................................................................................................ 12 Agonistas dos recetores V1 e V2.............................................................................. 13 4.1. Desmopressina ................................................................................................. 13 4.1.1. Farmacocinética ........................................................................................... 15 4.1.2. Uso terapêutico ......................................................................................... 16 4.1.3. Efeitos adversos e contraindicações ......................................................... 18 4.2. Terlipressina ........................................................................................................ 18 5. 4.2.1. Farmacocinética ........................................................................................ 20 4.2.2. Uso terapêutico ......................................................................................... 20 4.2.3. Efeitos adversos e contraindicações ......................................................... 21 Antagonistas não seletivos dos recetores V1a e V2 .................................................. 22 5.1. Conivaptan ....................................................................................................... 22 5.1.1. Farmacocinética ........................................................................................ 23 5.1.2. Uso terapêutico .......................................................................................... 24 5.1.3. Efeitos adversos e contraindicações ......................................................... 26 iv Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 6. Antagonista seletivo dos recetores V2 ..................................................................... 27 6.1. Tolvaptan ......................................................................................................... 27 6.1.1. Farmacocinética ........................................................................................ 27 6.1.2. Uso terapêutico ......................................................................................... 28 6.1.3. Efeitos adversos e contraindicações ......................................................... 29 7. Perspetivas futuras................................................................................................... 30 8. Conclusão ................................................................................................................ 32 9. Referências bibliográficas………………………………………………………33 v Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Índice de figuras Figura 1. Processo de síntese da proteína vasopressina (adaptado de (Faduart, 2012)) .. 3 Figura 2. Estrutura da vasopressina (retirado de (IUPHAR, 2013b)) ............................. 4 Figura 3. Transporte de água na membrana basolateral das células do ducto coletor na presença e ausência da ADH (adaptado de (Katzung et al., 2009)). ................................ 5 Figura 4. Estrutura da oxitocina e da vasopressina humana. ........................................... 6 Figura 5. Recetor V1a humano (retirado de (Koshimizu et al., 2012)). ........................... 9 Figura 6. Recetor V1b humano (retirado de (Koshimizu et al., 2012). ............................ 9 Figura 7. Mecanismos de regulação dos fluídos corporais através dos recetores V1a e V2 (adaptado de (Koshimizu et al., 2012)). ......................................................................... 11 Figura 8. Estrutura da desmopressina (retirado de (IUPHAR, 2013b).......................... 14 Figura 9. Estrutura da terlipressina (Retirado de (Tetrahedron, 2010)) ........................ 19 Figura 10. Estrutura do conivaptan (retirado de (IUPHAR, 2013a)). ........................... 22 Figura 11. Ações do conivaptan (adaptado de (Ali et al., 2007)). ................................. 23 Figura 12. Ação do conivaptan da insuficiências cardíaca (retirado de (da Costa Antunes, 2011). .............................................................................................................. 25 Figura 13. Estrutura do tolvaptan (retirado de (IUPHAR, 2013b)). .............................. 28 vi Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Índice de tabelas Tabela 1. Distribuição, via de sinalização e funções dos recetores da vasopressina (Katzung et al., 2009). .................................................................................................... 10 vii Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Abreviaturas ACTH – hormona adenocorticotrófica ADH – hormona antidiurética AINEs – anti-inflamatórios não esteroides AMPc – adenosina monofosfato cíclico AQP-2 – canais de aquoporina ATP – adenosina trifosfato DAG – diacilglicerol FDA – Agência dos alimentos e medicamentos dos Estados Unidos da América (do inglês Food and Drug Administration) IP3 – inositol-1,4,5-trifosfato PIP2 – fosfatidilinositol PLC – fosfolípase C PKA – proteína cínase A PKC – proteína cínase C RIA – radioimunoensaio viii Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina SNC – sistema nervoso central SIADH – síndrome da secreção inadequada da hormona antidiurética TFG – taxa de filtração glomerular ix Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 1. Introdução A Vasopressina é um mediador químico produzido em grande parte pelo hipotálamo, contudo, também, pode ser produzida a nível do sistema límbico. Pode atuar ao nível do rim como hormona antidiurética (ADH) ou ao nível do sistema nervoso central (SNC) como neurotransmissor, sendo relevante no comportamento social e memória. Dependendo das funções que exerce, pode ter várias designações. Quando exerce a função de agente vasoconstritor ao nível do sistema vascular, atuando nos recetores V1a designa-se por vasopressina. Por outro lado, também é conhecida por ADH quando atua nos recetores V2 exercendo o seu efeito no rim, regulando o volume e a osmolaridade da urina. De acordo com Peixoto e co-autores, “É sintetizada na forma de pré-pró-hormona e, após remoção de um peptídeo sinalizador, forma-se a pró-hormona.” (Peixoto et al., 2003). A pró-hormona sofre novas clivagens dando origem às moléculas de ADH, neurofisina e copeptina, sendo que a ADH é a forma ativa da vasopressina (Brunton et al., 2012). 1 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 1.1. Objetivos Este trabalho tem como objetivo descrever alvos farmacológicos, dentro do sistema da vasopressina já usados na prática clínica ou que ainda estejam em estudo. Além disso, descrever os fármacos já disponíveis para as mais diversas patologias, abordando as potenciais vantagens e desvantagens de cada um deles. 1.2. Metodologia Para este trabalho de revisão, realizou-se uma pesquisa de artigos em vários motores de busca como o Pubmed (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed), o Science Direct (http://www.sciencedirect.com), o b-on (http://b-on.pt), assim como o Google Académico (http://scholar.google.pt). A partir dos motores de buscar utilizaram-se as palavras-chave vasopressina, recetores da vasopressina, agonistas e antagonistas da vasopressina. Foram ainda incluídas informações contidas em livros. O artigo mais antigo utilizado neste trabalho é do ano de 1973, contudo foram pesquisados artigos até ao ano atual de 2015. 2 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 2. Sistema da vasopressina 2.1. Síntese e funções biológicas da Vasopressina A vasopressina é sintetizada por neurónios dos núcleos supraóticos e paraventriculares. O processo de síntese (Figura 1) começa com a ativação da transcrição do gene que codifica a vasopressina localizado no cromossoma 20. O peptídeo sinalizador da pré-pró-hormona sofre clivagem e dá origem à pró-hormona. Durante o período de transporte do corpo celular do neurónio para as terminações nervosas esta sofre clivagem na zona dos péptidos codificados pelos intrões 1 e 2. Este transporte dura cerca de 12 a 24 horas e posteriormente a pró-hormona está incluída no complexo de golgi para ser transportada para o corpo celular do neurónio. Uma parte dos produtos finais são libertados por exocitose nas terminações nervosas e outra parte fica armazenada (Brunton et al., 2012). Figura 1. Processo de síntese da proteína vasopressina (adaptado de (Faduart, 2012)) As doenças relacionadas com a vasopressina (Figura 2) normalmente decorrem do excesso de produção/efeito ou falta de produção/efeito desta. Quando existe défice de ADH, ocorrem fenómenos de poliúria. A ingestão de líquidos irá permitir compensar a perda de água que ocorre na urina. Este efeito não altera a osmolaridade do sangue nem o distúrbio eletrolítico, contudo, se o acesso a 3 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina líquidos estiver restrito, ocorre hipernatremia e desidratação, tornando a urina hipotónica. Esta síndrome designa-se de diabetes insípidus (Esposito et al., 2011). Por outro lado, quando existe muita retenção de água, ocorrem fenómenos de hiponatremia. Esta elevada produção de ADH deve-se à síndrome de secreção inadequada da hormona anti-diurética (SIADH) (Esposito et al., 2011) ou, ainda, a fenómenos que levem à queda de pressão e desidratação, tais como, insuficiência cardíaca e hepática, hipertiroidismo e uso de diuréticos (Schrier, 2006). Figura 2. Estrutura da vasopressina (retirado de (IUPHAR, 2013a)) A vasopressina é responsável por atuar ao nível da função cardiovascular, aumentando a pressão sanguínea através da vasoconstrição em casos de hipotensão severa. Em condições normais os seus níveis encontram-se abaixo dos necessários para causar vasoconstrição (Ghali et al., 2009). A vasopressina neurohipofisária atua ao nível do rim, permitindo a retenção de água, sendo por este motivo designada por hormona antidiurética. De acordo com Seeley e co-autores, “o filtrado entra nos túbulos distais após passar pela ansa de Henle, passando em seguida para os tubos coletores” (Seeley et al., 2003). Este processo encontra-se ilustrado na (Figura 3). A vasopressina aumenta a permeabilidade à água das células dos túbulos de conexão e túbulo coletor, através da inserção de aquaporinas na membrana apical. Normalmente as células dos seguimentos distais do nefrónio já possuem aquaporinas integrais na sua membrana basolateral, designadas por aquaporinas 3 e 4. Segundo o 4 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina mesmo autor, as paredes das extremidades dos túbulos distais e dos tubos coletores são permeáveis à água se a ADH estiver presente. Esta não atravessa a membrana celular, contudo interage com o recetor V2 que ativa a proteína G, que posteriormente ativa a adenilcíclase. Esta converte a adenosina trifosfato (ATP) em adenosina monofosfato cíclico (AMPc), sendo que este segundo mensageiro ativa a proteína cínase A (PKA) (Peixoto et al., 2003). O AMPc promove o aumento da permeabilidade dos túbulos distais e tubos coletores à água através do aumento do número de canais de água na membrana plasmática (Barros et al., 2006; Seeley et al., 2003). Ou seja, estimula a inserção de vesículas intracelulares contendo canais de água (AQP-2) na membrana apical da célula, possibilitando a entrada de água por osmose. Na ausência da ADH, os canais de AQP2 sofrem endocitose, pelo que a membrana apical fica novamente impermeável à água. Assim, a água está dentro dos nefrónios e entra na composição da urina. Esta hormona contribui assim para o controlo homeostático (Peixoto et al., 2003). H2O: água AQP2/AQP3,4: canais de aquoporinas cAMP: adenosina monofosfato cíclico ADH: hormona anti-diurética rV2: recetor V2 da vasopressina Figura 3. Transporte de água na membrana basolateral das células do ducto coletor na presença e ausência da ADH (adaptado de (Katzung et al., 2009)). É curioso notar que a vasopressina apresenta muitas semelhanças estruturais com a oxitocina (Figura 4), as únicas diferenças são os aminoácidos na posição 3 e na posição 8. Enquanto a oxitocina possui os aminoácidos isoleucina e leucina, respetivamente nas posições 3 e 8, a vasopressina possui os aminoácidos fenilalanina e 5 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina arginina. A oxitocina é uma hormona produzida pelo hipotálamo e armazenada na neurohipófise. Promove as contrações musculares uterinas, reduz o sangramento durante o parto e estimula a libertação do leite materno. Os efeitos da oxitocina são mediados por recetores específicos de elevada afinidade acoplados à proteína G (Lee et al., 2009). Cist: cisteína; Tir: tirosina; Ile: isoleucina; Fe: fenilalanina; Glu: glutamato; Asp: aspartato; Pro: prolina; Arg: arginina; Gli glicina; NH2: grupo amina Figura 4. Estrutura da oxitocina e da vasopressina humana. 2.2. Fatores que estimulam a libertação de Vasopressina Os estímulos para a secreção da vasopressina podem ser classificados em osmóticos e não osmóticos, como por exemplo, o fator hemodinâmico (Robinson, 1985; Baylis, 1989). 2.2.1. Estímulos osmóticos A osmolaridade do plasma sanguíneo é detetada por recetores osmóticos localizados no hipotálamo, sendo que estes transmitem informação para os neurónios dos núcleos supraóptico e paraventricular, permitindo regular a produção de ADH (Brunton et al., 2012). Se houver aumento da osmolaridade, ou seja, pouca água no plasma, há estimulação da produção de ADH. A ADH passa para o sangue e vai atuar nos túbulos coletores e nos túbulos distais do nefrónio. Estas células ficam mais permeáveis à água, pelo que há maior reabsorção de água e a urina fica mais concentrada. Quando a 6 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina osmolaridade é baixa, há inibição da produção de ADH, logo, menor reabsorção de água pelos túbulos coletores e túbulos distais, pelo que há excreção do excesso de água e a urina fica mais diluída (Peixoto et al., 2003; Barros et al., 2006). A secreção de ADH aumenta quando a osmolaridade plasmática está acima de 280mOsm/l, sendo este valor considerado o limiar osmótico para a libertação de ADH. Abaixo deste valor não existe libertação de ADH. Acima deste valor a secreção de vasopressina é linear relativamente à osmolaridade plasmática. Acima de 290mOsm/l ocorre a sensação de sede, contudo neste ponto já a ADH está elevada (Verbalis, 2007). 2.2.2. Estímulos não osmóticos Quando ocorre perda de fluído associado ou não à hipotensão, existem recetores que detetam essa alteração e enviam estímulos para o hipotálamo para libertar a ADH (Verbalis, 2007). Segundo o mesmo autor, os barorrecetores estão localizados no arco aórtico e no seio carotídeo e percebem quando há quebra da pressão arterial. Os recetores de estiramento estão localizados nas grandes veias e detetam quando há quebra do volume circulante. Essa informação é transmitida pelos nervos vago e glossofaríngeo ao núcleo do trato solitário, sendo que deste partem fibras para os núcleos supra-ótico e paraventricular, havendo aumento de ADH (Brunton et al., 2012). 7 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 3. Recetores da vasopressina Segundo a União Internacional de Farmacologia Básica e Clínica (IUPHAR) existem três tipos de recetores: V1a, V1b e V2, sendo o recetor V1b também conhecido como V3 (Alexander et al., 2013). Os recetores da vasopressina são metabotrópicos, ou seja, recetores acoplados à proteína G. São recetores de membrana com sete hélices que atravessam a bicamada lipídica, têm um terminal N extracelular (amina) e um terminal C intracelular (carboxílico). Estes recetores estão acoplados a sistemas efetores intracelulares através de uma proteína G intermediária no processo de transdução, sendo que esta possui 3 subunidades (α, β, e γ) e a subunidade α tem atividade GTPase (Katzung et al., 2009). O recetor V1a é expresso na musculatura lisa vascular. Permite a ação vasoconstritora da vasopressina pela via da fosfolipase C (Jagadeesh et al., 2014; Katzung et al., 2009). Segundo os mesmos autores, o recetor V1b é expresso nas células da hipófise anterior. Medeia a secreção da hormona adenocorticotrófica (ACTH) pela via da fosfolípase C. A fosfolípase C (PLC) a partir do fosfatidilinositol (PIP2) forma os segundos mensageiros diacilglicerol (DAG) e inositol-1,4,5-trifosfato (IP3). O DAG ativa a proteína cínase C (PKC) e o IP3 aumenta a concentração de cálcio intracelular (Katzung et al., 2009). O recetor V2 é expresso na membrana basolateral dos túbulos coletores. Estimula a absorção de água, ou seja medeia a ação diurética, uma vez que promove a inserção de aquoporinas na membrana apical dos túbulos coletores e distais pela via da adenilcíclase (Jagadeesh et al., 2014; Katzung et al., 2009). O AMPc é um mediador celular que é sintetizado no interior da célula a partir do ATP sob ação da adenilcíclase. O AMPc é degradado pelas enzimas fosfodiesterases e ativa cinases proteicas dependentes do AMPc que promovem ações ao nível celular, como por exemplo, ativando a PKA. Em relação aos recetores da vasopressina, sabe-se que os resíduos de aminoácidos (Cisteína (Cis) – Tirosina (Tir) – Fenilalanina (Phe) – Glutamato (Glu) – Aspartato (Asp) – Cisteína (Cis) –Prolina (Pro) – Arginina (Arg) – Glicina (Gli)) são importantes na ligação aos recetores V1a (Figura 5) e V1b (Figura 6) humanos. No recetor V1b existem aminoácidos importantes que permitem a saída do recetor do retículo endoplasmático, sendo que estes estão representados a azul (Koshimizu et al., 2012). 8 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Extracelular Intracelular Figura 5. Recetor V1a humano (retirado de (Koshimizu et al., 2012)). Extracelular Intracelular Figura 6. Recetor V1b humano (retirado de (Koshimizu et al., 2012). 9 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Na tabela 1 encontram-se resumidas as vias de sinalização, funções e distribuição dos diferentes recetores da vasopressina (Koshimizu et al., 2012). Tabela 1. Distribuição, via de sinalização e funções dos recetores da vasopressina. Recetor Via de Localização principal Principal função conhecida Acoplado à Localiza-se na Promove a vasoconstrição Proteína G, musculatura lisa vascular sinalização V1a que ativa a via da fosfolípase c V1b Acoplado à Hipófise anterior e Promove libertação da Proteína G, medula supra-renal hormona adenocorticotrófica que ativa a (ACTH) e catecolaminas via da fosfolípase c V2 Acoplado à Localiza-se na membrana Promove inserção de Proteína G, basolateral dos túbulos aquoporinas na membrana que ativa a coletores apical dos túbulos coletores e via da distais adenilcíclase Os recetores V1a encontram-se em diversos tecidos contribuindo para a pressão sanguínea. O efeito direto da AVP sobre patologia cardíaca não é totalmente compreendido. Através deste recetor regula a contração, a libertação da aldosterona, a produção de renina e a atividade do sistema nervoso simpático. Por outro lado, a partir do recetor V1b, é induzida a libertação de ACTH e de catecolaminas, pela hipófise anterior e pela medula supra-renal, respetivamente. A AVP controla ainda a pressão 10 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina arterial através da retenção de fluídos corporais, usando o recetor V2 (Figura 7) (Koshimizu et al., 2012). Figura 7. Mecanismos de regulação dos fluídos corporais através dos recetores V1a e V2 (adaptado de (Koshimizu et al., 2012)). O significado fisiológico dos vários recetores tem sido elucidado pelo desenvolvimento de fármacos agonistas e antagonistas específicos. Uma compreensão da base molecular da função do recetor será fundamental para se desenvolverem novas moléculas seletivas dos diferentes recetores da vasopressina (Koshimizu et al., 2012). 3.1. Recetores V1a e V1b Os recetores V1a são encontradas em alta densidade na musculatura lisa e promovem vasoconstrição pela via da fosfolipase C, uma vez que promovem o aumento de cálcio intracelular (PHILLIPS et al., 1990). Por outro lado, segundo o mesmo autor, os recetores V1b encontram-se em grande quantidade na hipófise anterior, promovendo a libertação da ACTH igualmente pela via da fosfolipase C. 11 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 3.2. Recetor V2 A principal diferença entre o recetor V2 e o recetor V1 é o número de locais sensíveis à glicosilação. Apesar das semelhanças estruturais, o recetor V2 difere funcionalmente do recetor V1 (Patel et al., 1999). O efeito anti-diurético bem conhecido da vasopressina ocorre através da ativação do recetor V2. A maioria dos casos de diabetes insípidus pode ser explicada por mutações no gene do recetor V2, que está localizado na região do cromossoma 10q28 (Kambouris et al., 1988). Segundo o mesmo autor, o recetor V2 localiza-se na membrana basolateral dos túbulos coletores e promove a inserção de aquoporinas na membrana apical dos túbulos coletores e túbulos distais, pela via da adenilcíclase. Assim, ao atuar ao nível da PKA, induz a fosforilação da mesma e permite que se formem aquoporinas. Quando foram usados radioligandos seletivos de V1 e V2, em estudos in vitro de auto-radiografia de modo a estudar os locais de ligação destes recetores, verificou-se que nenhuma ligação foi demonstrada no endotélio do fígado, onde a desmopressina pode influenciar a libertação do fator de coagulação, ou no cérebro, espinal medula, coração ou musculatura lisa, onde a desmopressina pode causar vasodilatação. A única ligação específica apenas foi identificada no rim, o que é consistente com a função antidiurética conhecida do recetor V2 nos túbulos coletores renais (PHILLIPS et al., 1990). 12 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 4. Agonistas dos recetores V1 e V2 Os agonistas dos recetores V1 e V2 são nanopeptídeos com resíduos de cisteína nas posições 1 e 6 e têm uma ponte dissulfeto intramolecular entre 2 resíduos de cisteína, que é essencial para a atividade agonista. Possuem ainda aminoácidos conservados nas posições 5, 7 e 9, sendo eles a asparagina, prolina e glicina, respetivamente e um aminoácido básico na posição 8 (Brunton et al., 2012). Foram sintetizados muitos análogos da vasopressina com o objetivo de aumentar a duração da ação e seletividade pelos subtipos de recetores da vasopressina, ou seja, recetores V1 versus recetores V2 da vasopressina. Analisando a relação estrutura-atividade dos agonistas desenvolvidos, pode-se afirmar que a desaminação na posição 1 aumenta a duração da ação e a atividade antidiurética sem aumentar a atividade vasopressora (Brunton et al., 2012). 4.1. Desmopressina O fármaco veiculado em soluções injetáveis e as soluções para pulverização nasal foram aprovadas pela primeira vez em 2 de Abril de 1979. O comprimido foi aprovado a 10 de Fevereiro de 2001 e o liofilizado oral foi aprovado a 19 de Fevereiro de 2007 e (RCM-Minirin, 2011). A substituição da D-arginina pela L-arginina diminui muito a atividade vasopressora sem reduzir a atividade antidiurética. Dessa forma, a proporção de efeito antidiurético-vasopressor para a 1-desamino-8-D-arginina vasopressina, ou seja, para a desmopressina é aproximadamente 3000 vezes superior à da vasopressina, sendo o fármaco preferido no tratamento da diabetes insípidos (Brunton et al., 2012). O acetato de desmopressina está disponível como uma solução aquosa estéril acondicionada para injeção intravenosa ou subcutânea, numa solução para administração intranasal ou em comprimidos para administração oral (RCM-Minirin, 2011). Para investigar as vias envolvidas na resposta de cálcio intracelular ([Ca2+]i), foram feitas medições de [Ca2+]i em neurónios recém-dissociados usando microespetrofluorometria, sendo que a libertação da vasopressina foi medida a partir de núcleos supraóticos isolados. O aumento de [Ca2+]i e a libertação de vasopressina 13 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina induzida pelo agonista V1a foram fortemente inibidos por um bloqueador PLC, um antagonista do recetor IP3 e por um bloqueador PKC (Sabatier et al., 2004). Segundo o mesmo autor, um inibidor de AC não afetou a resposta V1a enquanto os inibidores de PKA reduziram significativamente as respostas de libertação de [Ca2+]i induzidas por V1a. O aumento de [Ca2+]i e a libertação de vasopressina solicitada pelo agonista V2 foram atenuados não só pelos bloqueadores da via AC, mas também pelos inibidores PLC. Surpreendentemente, o agonista V1b não mostrou nenhuma resposta de libertação de [Ca2+]i nem de vasopressina. Em conclusão, o agonista V1a ativa tanto a via PLC como a via AC, confirmando a expressão funcional de um recetor de vasopressina nos neurónios de vasopressina. A ativação pelo agonista V2 tanto da via PLC como da via AC poderiam resultar de uma ação num recetor desconhecido ligado ao PLC, e/ou do recetor duplo de vasopressina-angiotensina II ligado a AC (Sabatier et al., 2004). A desmopressina (Figura 8) é utilizada na prática clínica para tratar e diagnosticar a diabetes insípidos central, que provoca sede extrema e produção de grandes quantidades de urina diluída, enurese noturna em crianças com mais de 5 anos de idade e notúria, ou seja, micção frequente durante a noite em adultos (Brunton et al., 2012). É utilizada para reduzir a perda de sangue de indivíduos sujeitos a cirurgias complexas (Salzman et al., 1986). Figura 8. Estrutura da desmopressina (retirado de (IUPHAR, 2013a) 14 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 4.1.1. Farmacocinética Apenas 3% e 0,15% de desmopressina administrada pela via intranasal e oral, respetivamente, é absorvida. Após administração nasal, intravenosa e subcutânea a concentração plasmática máxima é alcançada após 1 hora (Brunton et al., 2012). Após administração oral, a concentração plasmática máxima é alcançada após 2 horas (RCMMinirin, 2011). Relativamente à solução injetável, a metabolização é feita pelo fígado e pelos rins, sendo esta mais lenta que a da vasopressina. Assim, nas primeiras 6 horas, este fármaco é excretado de forma inalterada na urina. Em relação à solução para pulverização nasal, a metabolização é feita pelos rins (RCM-Minirin, 2011). O metabolismo hepático pelo citocromo P450 é insignificante. Assim, o efeito da desmopressina na farmacocinética de outros fármacos provavelmente é baixo. Em relação à via oral, a clearance total do comprimido de desmopressina é de 7,6L/h. O tempo de semi-vida foi estimado em 2,8 horas. Em pacientes saudáveis, a fração média excretada inalterada foi 52% (44% - 60%) (RCM-Minirin, 2011). Avaliou-se a influência da insuficiência renal sobre a farmacocinética da desmopressina. Para isso, incluíram-se 24 pacientes num estudo, onde 18 deles sofriam de insuficiência renal e 18 eram voluntários saudáveis. Cada indivíduo recebeu uma dose via intravenosa de 2µg de desmopressina. Durante 24 horas colheram-se amostras de sangue e urina, nas quais foram feitos ensaios de radioimunoensaio (RIA). Neste estudo concluiu-se que a desmopressina é segura e bem tolerada por pacientes com insuficiência renal. No entanto, se os pacientes com insuficiência renal moderada ou grave chegarem a ser tratados com desmopressina deve ter-se grande cuidado, quando a dose for ajustada para um regime de dosagem eficiente, uma vez que se trata de uma dosagem superior (Agersø et al., 2004). 15 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 4.1.2. Uso terapêutico Por norma, o efeito terapêutico de uma única dose intranasal na maioria das pessoas resulta com duas tomas por dias para que o tratamento seja eficiente. Para manter o volume normal da urina, a dose deve ser ajustada individualmente, tendo em conta a variabilidade que existe na dose intranasal. A dose intranasal comum é de 1040µg ao dia como uma dose única ou dividida por doses. Contudo, para evitar intoxicações, a dose inicial para controlar a notúria deve ser de 2,5µg. Uma dose equivalente pela manha permite controlar a poliúria durante o dia. Se a administração for oral, a dose deve ser 10 a 20 vezes superior (RCM-Minirin, 2011). Num ensaio clínico, pretendeu-se determinar o poder antidiurético da desmopressina. Para isso, em 8 voluntários saudáveis do sexo masculino foi administrada uma infusão intravenosa de desmopressina de 4µg durante 10 minutos. Inicialmente estes ingeriram uma quantidade de água correspondente a 15ml/kg do peso corporal. Após 1,5 horas do processo de hidratação, foi recolhido o sangue e urina. Verificou-se que a infusão causou uma redução significativa do fluxo de urina (Callréus and Höglund, 1998). Um estudo diferente permitiu perceber que a desmopressina permite tratar diabetes insípidus. Em sete pacientes que tinham esta doença foi administrada uma única dose intranasal de desmopressina. O seu efeito antidiurético durou 20 horas (Boulgourdjian et al., 1997). Para avaliar a eficácia do tratamento com desmopressina oral, segundo este mesmo autor, foram escolhidos 20 pacientes entre os 5 e 20 anos de idade com diabetes insípidos central, sendo que estes foram seguidos durante três meses. Estes foram estudados durante 3 dias de internamento e durante 3 meses no ambulatório. No grupo controlo a taxa média de diurese foi 12.7ml/kg/h. Durante o tratamento, a osmolaridade da urina aumentou e em contrapartida a sua taxa de excreção diminuiu, contudo a pressão osmótica normalizou. Os pacientes receberam alta hospitalar com uma dose média de 500µg/d, contudo, durante o tratamento foi necessário um ajuste da dose em sete pacientes. O tratamento foi eficaz durante os 3 meses de seguimento dos pacientes, podendo concluir-se que a terapia oferece uma alternativa para o tratamento de diabetes insípidos central em crianças (Boulgourdjian et al., 1997). Em relação a um ensaio clínico distinto, constatou-se que o plasma de uma mulher no final da gravidez contém enzimas que inativam a vasopressina, contudo com 16 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina este estudo percebemos que a desmopressina não é destruída. Estes resultados foram conseguidos porque se incubou um plasma oriundo de pacientes grávidas com estas características que continha desmopressina marcada com iodo radioativo e verificou-se que esta não foi destruída, ou seja as enzimas que inativavam a vasopressina não inativam o seu análogo (Edwards et al., 1973). Num estudo clínico diferente avaliou-se a capacidade da desmopressina no tratamento da enurese noturna e notúria em pacientes com esclerose múltipla. Foram incluídos neste estudo 11 homens e 22 mulheres portadores de esclerose múltipla com enurese e notúria e com menos de 65 anos de idade. Durante o período noturno, administrou-se 20µg de desmopressina intranasal. A conclusão que se tirou deste estudo é que a desmopressina é um tratamento seguro e eficaz no tratamento da enurese e notúria em pacientes que sejam portadores desta doença. A desmopressina provocou uma redução na frequência urinária noturna, assim como o volume urinário. Para além disso, não se verificou uma queda significativa de sódio no plasma ao usar este fármaco, com exceção de dois casos em que se verificou hiponatremia assintomática (Eckford et al., 1994). Após as cirurgias cardíacas, surge uma grande preocupação, ou seja, o sangramento daí inerente. Foi estudada a possibilidade deste problema ser aliviado pela desmopressina, que permite aumentar o fator de von Willebrand no plasma e assim melhorar a hemostasia em hemofilia ligeira e outras condições associadas com a função das plaquetas defeituosa. Num estudo duplamente cego estudou-se o efeito do acetato de desmopressina em 70 pacientes submetidos a várias operações cardíacas, tendo-se verificado que esta reduziu significativamente a perda de sangue durante e após a cirurgia. Os níveis plasmáticos de fator de von Willebrand foi maior após o acetato de desmopressina do que após o placebo. Os pacientes antes da cirurgia tinham níveis relativamente baixos de fator de von Willebrand. Conclui-se que a administração de acetato de desmopressina pode ser recomendada para reduzir a perda de sangue em pacientes submetidos a operações cardíacas complexas (Salzman et al., 1986; Conceição, 2004). 17 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 4.1.3. Efeitos adversos e contraindicações Os efeitos adversos mais frequentes são rinite, aumento de temperatura e congestão nasal. Um dos efeitos menos comuns é a hiponatremia, sendo que esta causa dores de cabeça, náuseas e vómitos, dor abdominal, confusão, aumento de peso e dores abdominais (RCM-Minirin, 2011). Não se deve tomar desmopressina em caso de insuficiência cardíaca e renal. Também não se deve usar em caso de hiponatremia, em caso de SIADH e em caso de doença de Von Willebrand tipo IIB (distúrbio hemorrágico hereditário). É necessário ter cautela em caso de gravidez, contudo em caso de amamentação a desmopressina que é transferida para o leite materno não influencia a diurese. A desmopressina interage com as substâncias indutoras de SIADH, tais como, antidepressivos tricíclicos e inibidores da recaptura da serotonina. Como aumentam o efeito antidiurético, aumentam o risco de retenção de fluídos. Uma sobredosagem poderá prolongar o efeito da desmopressina e aumentar o risco de acumulação de água no corpo e de baixos níveis de sódio no sangue. Os sintomas de acumulação grave de líquidos incluem convulsões e inconsciência. Interage também com os antiinflamatórios não esteroides (AINEs) e com o cloridrato de loperamida uma vez que promove a retenção de líquidos e hiponatremia (RCM-Minirin, 2011). 4.2. Terlipressina O fármaco veiculado, sob a forma de pó e o solvente para solução injetável foram aprovados a 19 de Setembro de 2000, sendo administrada na forma de acetato de terlipressina, 1mg de pó para solução injetável e as soluções injetáveis foram aprovadas a 28 de Janeiro de 2009 (RCM-Glypressin, 2011). A terlipressina (Figura 9) é indicada para hemorragias digestivas por rotura das varizes esofágicas, sendo que apresenta maior segurança quando comparada com a vasopressina. De notar, que é designado como fármaco órfão para este uso, tendo em conta que não existe mais nenhum para este efeito (Vlavianos and Westaby, 2001; Kam et al., 2004). 18 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Como a terlipressina atua preferencialmente nos recetores V1a, apresentam menos efeitos adversos a nível cardiovascular em comparação com a vasopressina, sendo que esta tem mais afinidade para os recetores V2. Para além disso, tem efeitos terapêuticos mais prolongados (O'Brien et al., 2002). Num estudo clínico, quinze pacientes com choque séptico escolhidos aleatoriamente, foram tratados com noradrenalina, contudo, receberam um bólus intravenoso de terlipressina em associação. A terlipressina permitiu diminuir o débito cardíaco e aumentar de forma progressiva a pressão arterial. Para além disso, a administração de terlipressina aumentou a produção de urina em comparação à linha de base. A este aumento de produção de urina, associou-se ainda um aumento da depuração de creatinina. Em todos os doentes foi possível reduzir a dose de noradrenalina (Morelli et al., 2004). Os efeitos de doses baixas de terlipressina diferem dos efeitos dessas mesmas doses quando se administra AVP, tendo em conta que a terlipressina tem um tempo de semi-vida mais longo e ainda um mecanismo de ação diferente do da AVP. Apesar de uma dose baixa de terlipressina obter resultados superiores à AVP relativamente ao choque sético, a segurança, a eficácia e a dosagem desta deve ser determinada de forma mais detalhada (Rehberg et al., 2009). A terlipressina deve ser usada com precaução em doentes com disfunção cardíaca ou pulmonar subjacente. Em comparação com a vasopressina não deve ser privilegiada a sua escolha, excetuando o tratamento das hemorragias digestivas por rotura das varizes esofágicas (Pesaturo et al., 2006). Figura 9. Estrutura da terlipressina (Retirado de (Tetrahedron, 2010)). 19 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 4.2.1. Farmacocinética O tempo de semi-vida da terlipressina é de cerca de 55 minutos. Sob a ação das endopeptidases plasmáticas e tecidulares, a terlipressina é progressivamente metabolizada em lisina-vasopressina que é a hormona biologicamente ativa. Esta aparece no plasma 40 a 60 minutos após a injeção de terlipressina e a sua concentração máxima é observada ao fim de 2 horas. O efeito terapêutico dura no mínimo 3 horas devido à lenta clivagem dos grupos glicil da lisina vasopressina. Uma percentagem muito baixa da dose administrada é encontrada na urina, pelo que o metabolismo no fígado e rins é quase completo (Kam et al., 2004; RCM-Glypressin, 2011). 4.2.2. Uso terapêutico Uma das complicações da cirrose hepática são as varizes esofágicas hemorrágicas. Estas geram um obstáculo à passagem da circulação sanguínea pelo fígado até ao coração. Assim, o sangue segue através das veias das paredes do esófago, contudo, estas veias têm paredes muito finas, pelo que não estão preparadas para suportar uma pressão interna. Por conseguinte, estes vasos dilatam e formam-se varizes (Fonseca, 2014; Presa et al., 2001; Gratchev and Modcoicar, 2001). Segundo os mesmos autores, a existência de varizes esofágicas não provoca quaisquer sintomas, a menos que as veias dilatadas se rompam, originando uma hemorragia e o consequente derrame de sangue até à entrada do esófago. Por norma, a rutura depende de um fator desencadeador que origine um aumento da pressão intra-abdominal, no entanto, esta rutura pode desencadear-se a qualquer momento. Os melhores resultados no controlo do sangramento agudo são obtidos quando se recorre à terapêutica endoscópica associada aos fármacos que diminuam o fluxo sanguíneo, tais como a terlipressina. A terlipressina é o único fármaco que diminui em 34% a mortalidade associada a esta doença. Para além disso, este fármaco apresenta poucos efeitos adversos. A dose inicial é 2mg, seguida de 1-2mg de 4/4h durante dois a cinco dias (Fonseca, 2014). 20 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 4.2.3. Efeitos adversos e contraindicações Alguns dos efeitos adversos são dores de cabeça, batimentos cardíacos irregulares, frequência cardíaca muito lenta, circulação sanguínea insuficiente nos braços, pernas e pele, palidez da face, cãibras abdominais passageiras e diarreia passageira. Está contra-indicada na gravidez, pelo que diminui o fluxo sanguíneo fetal. Também não pode ser usada em caso de asma, insuficiência renal crónica e em indivíduos com idade superior a 70 anos (RCM-Glypressin, 2011). A terlipressina aumenta o efeito hipotensivo dos β-bloqueadores não seletivos da veia porta. Para além disso, esta quando administrada juntamente com medicamentos com efeito bradicárdico diminui os batimentos cardíacos uma vez que há aumento da pressão sanguínea e inibição reflexogénica da atividade cardíaca (RCM-Glypressin, 2011). 21 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 5. Antagonistas não seletivos dos recetores V1a e V2 Existem vários antagonistas não seletivos dos recetores V1a V2, contudo apenas o conivaptan, que será detalhado a seguir é usado a nível hospitalar. 5.1. Conivaptan O conivaptan (Figura 10) é antagonista não competitivo não seletivo dos recetores V1a e V2 e foi aprovado pela agência dos alimentos e medicamentos dos Estados Unidos (FDA) em 2005, contudo ainda não foi aprovado em Portugal. Segundo (Brunton et al., 2012), o conivaptan inibe o recetor V1a com um Ki de 6,3±1,8nM e o recetor V2 com um Ki de 1,1±0,2nM, ou seja, inibe mais fortemente o recetor V2, no entanto, não apresenta seletividade tendo em conta que são valores próximos. É usado para o tratamento de pacientes hospitalizados com hiponatremia, hipervolémica e euvolémica. A AVP quando se liga ao recetor V1a, promove a agregação plaquetária, a vasoconstrição e a hipertrofia ventricular, por outro lado quando se liga ao recetor V2, permite a reabsorção de água livre nos túbulos renais. Quando o conivaptan está presente, inibe a ação da AVP nestes recetores, pelo que diminui a agregação plaquetária, promove a vasodilatação e diminui a hipertrofia ventricular. Para além disso, aumenta a excreção de água livre nos túbulos renais. Estas e outras ações do conivaptan estão ilustradas a seguir na (Figura 11). Apenas pode ser administrado por via intravenosa (Ali et al., 2007). Figura 10. Estrutura do conivaptan (retirado de (IUPHAR, 2013b)). 22 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Figura 11. Ações do conivaptan (adaptado de (Ali et al., 2007)). 5.1.1. Farmacocinética Este fármaco liga-se fortemente às proteínas plasmáticas e a clearance total é de 9,5 a 10L/h, embora este valor esteja bastante reduzido nos idosos. A metabolização é feita pela isoenzima CYP3A4, sendo que é excretado em parte pelos rins. Como resultado da sua metabolização surgem quatro metabolitos ativos, sendo que os efeitos clínico destes é mínimo (Ghali et al., 2009). Segundo o mesmo autor, menos de 1% de fármaco intato é recuperado na urina. Para além disso, 83% de fármaco é eliminado nas fezes e apenas 12% na urina. A concentração máxima surgiu no final da dose de carga e foi de 619mg/ml (RCM-Vaprisol, 2012). Conivaptan deve ser usado com precaução em doentes com insuficiência renal ou hepática, tendo em conta que os metabolitos são eliminados principalmente pelo rim e fígado. Se estes órgãos não fizerem uma correta excreção dos metabolitos podem acumular-se no organismo e originarem toxicidade (Ghali et al., 2009). 23 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 5.1.2. Uso terapêutico A hiponatremia é o desequilíbrio de eletrólitos mais comum em pacientes hospitalizados. A presença elevada da vasopressina no plasma está relacionada, na maioria das vezes com os estados hiponatrémicos, pelo que o desenvolvimento de antagonistas da vasopressina marcou o início de uma nova possibilidade no tratamento de hiponatremia. Designa-se hiponatremia quando a concentração sérica de sódio está abaixo dos 135mM por litro e é responsável por grande parte das mortes entre pacientes com insuficiência cardíaca crónica e cirrose. O tratamento habitual com diuréticos, como a furosemida e restrição de água usado no tratamento da hiponatremia aguda e crónica na maior parte das vezes não é eficaz para além de que os pacientes não o toleram bem. O tratamento visa normalizar a concentração do sódio plasmático, assim como estabilizar o doente clinicamente e corrigir ou melhorar a causa de base. As manifestações clínicas de hiponatremia estão relacionados com um aumento do volume de fluido intracelular que causa edema cerebral, sendo que os principais sintomas são neurológicos e sua gravidade depende da rapidez de desenvolvimento de hiponatremia. A definição de hiponatremia baseia-se na concentração de sódio, pelo que não sabemos qual o volume de fluido extracelular onde o sódio é medido. Assim, podemos ter hiponatremia hipovolémica, se o fluído extracelular for reduzido, hiponatremia euvolémica, caso esteja normal ou hiponatremia hipervolémica, caso o fluído extracelular estiver aumentado (Ghali et al., 2009). Segundo o mesmo autor, de forma a evitar um aumento demasiado rápido de sódio no soro durante o tratamento, os seus níveis devem ser monitorizados. É o primeiro antagonista dos recetores da vasopressina a ser aprovado pela entidade supervisora FDA, para ser usado no tratamento da hiponatremia euvolémica e hipervolémica, como infusão intravenosa em ambiente hospitalar (Ghali et al., 2009). Administrado na forma de cloridrato de conivaptan. Está disponível numa formulação intravenosa de 4ml, contendo 20mg de cloridrato de conivaptan (Tahara et al., 1997). Administrou-se conivaptan em ratas e coelhas grávidas e verificou-se um atraso no crescimento fetal, desenvolvimento físico e maturação sexual, devido a este fato só deve ser usado na gravidez se o benefício justificar o risco para o feto. Também está contra-indicado durante o aleitamento, uma vez que foi encontrado no leite dos lactentes (Ali et al., 2007). 24 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Está a ser avaliado no tratamento da insuficiência cardíaca descompensada e insuficiência cardíaca crónica (Figura 12), contudo a segurança deste medicamento ainda não foi estabelecida. Apesar disso, foi bem tolerado nos diversos estudos clínicos. O regime de dosagem aprovado, ainda que não seja em Portugal, consiste numa dose de carga via intravenosa de 20mg, durante meia hora, seguido de uma infusão contínua de 20mg ao longo de 24 horas (Walter, 2007; da Costa Antunes, 2011). Figura 12. Ação do conivaptan na insuficiência cardíaca (retirado de (da Costa Antunes, 2011). 25 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 5.1.3. Efeitos adversos e contraindicações Os efeitos adversos mais comuns descritos para o uso a curto prazo do conivaptan incluem flebite no local de perfusão, dores de cabeça, poliúria, febre e constipação. Outros possíveis efeitos adversos mais graves são a hipotensão ortostática e sépsis (RCM-Vaprisol, 2012). O uso de conivaptan está contraindicado em pacientes que usem em simultâneo inibidores do CYP3A4 tais como o cetoconazol, o itraconazol e a claritromicina (Hline et al., 2008). Devido a este inconveniente, a preparação oral de conivaptan não foi desenvolvida (Hline et al., 2008; Upadhyay et al., 2006). A administração de conivaptan com digoxina reduz substancialmente a depuração e aumenta a concentração máxima do primeiro fármaco. Para além disso, se administrado juntamente com varfarina, também aumenta a sua concentração máxima. Quando se co-administra captopril ou furosemida com conivaptan, a farmacocinética deste fica alterada (RCM-Vaprisol, 2012). 26 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 6. Antagonista seletivo dos recetores V2 Existem vários antagonistas seletivos dos recetores V2, contudo apenas o tolvaptan (Figura 13), que será detalhado a seguir é usado a nível hospitalar. 6.1. Tolvaptan Tolvaptan é ativo por via oral. Aumenta a excreção de água livre sem afetar o equilíbrio de eletrólitos. É usado como terapia crónica de várias doenças que envolvem a retenção de líquidos, tais como, problemas renais, cardíacos ou hepáticos e doenças de tiroide. Foi aprovado a 3 de Agosto de 2009 (RCM-Samsca, 2011). Resultados clínicos de fase II demonstram que é um fármaco bem tolerado a nível neurológico. Permite reduzir o peso corporal, melhora o edema e também os níveis de sódio (Miyazaki et al., 2007). Está disponível em comprimidos de 15 e 30mg (Brunton et al., 2012). Segundo o mesmo autor, “a maioria dos seus efeitos na excreção renal de água livre ocorre nas primeiras 6 a 8 horas após administração” . Este fármaco inibe o recetor V2 com um Ki de 0,43±0,06nM e o recetor V1a com um Ki de 12,3±0,8nM. Assim, o tolvaptan é mais seletivo para o recetor V2, sendo que apresenta para este recetor uma seletividade 29 vezes superior em relação ao recetor V1a. 6.1.1. Farmacocinética Após administração oral, tolvaptan é rapidamente absorvido e demora 2 horas até atingir a concentração plasmática máxima. Pacientes com insuficiência cardíaca demoram mais tempo a depurar o tolvaptan e por este motivo atingem maiores concentrações plasmáticas de fármaco (Gheorghiade et al., 2005). O tempo de semi-vida do tolvaptan é de 8 horas (Gheorghiade et al., 2003), sendo que menos de 1% de fármaco é excretado na urina (Brunton et al., 2012). Segundo o mesmo autor, o tolvaptano é totalmente metabolizado pelas enzimas CYP3A4 no fígado. A co-administração com cetoconazol aumentou a sua concentração 27 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina plasmática, no entanto, a co-administração com amiodarona ou varfarina não afetou a sua farmacocinética (Shoaf et al., 2005; Gheorghiade et al., 2005). Apresenta uma biodisponibilidade absoluta de 56% e após doses orais únicas iguais ou superiores a 300mg ocorre saturação de absorção. Existe uma ligação reversível às proteínas plasmáticas de 98%. Apresenta ainda uma farmacocinética linear para doses entre 15 e 60mg (RCM-Samsca, 2011). 6.1.2. Uso terapêutico É usado a nível hospitalar, tendo em conta que é necessária titulação da dose e monitorização do sódio sérico. Está indicado no tratamento de adultos com hiponatremia secundária e SIADH (Schrier et al., 2006). A dose inicial é de 15mg/dia, sendo que esta dose pode ser aumentada para um máximo de 60mg/dia (RCM-Samsca, 2011). Figura 13. Estrutura do tolvaptan (retirado de (IUPHAR, 2013a)). Tolvaptano é indicado para o tratamento de hiponatremia hipervolémica e euvolémica. A sua eficácia foi avaliada em estudos duplamente cegos onde dos 448 pacientes que participaram no estudo, uns tinham hiponatremia euvolémica e outros hiponatremia hipervolémica. O aumento da área sob a curva para a concentração de sódio foi significativamente maior no grupo de pacientes que tomou tolvaptan do que no grupo que tomou placebo. Após se interromper o estudo, o sódio presente no soro diminuiu durante um período de 7 dias para níveis semelhantes aos do grupo placebo durante o ensaio (Schrier et al., 2006; Feldman et al., 2014). 28 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina Realizou-se um estudo distinto, onde 223 pacientes receberam placebo e 225 pacientes receberam tolvaptan, via oral em ambos os casos. Por dia era administrada uma dose de 15mg, no entanto, a dose de tolvaptan dia após dia foi aumentada para 30mg e 60mg consoante a concentração de sódio no soro (Llorens et al., 2012; Schrier et al., 2006; Hensen, 2015). Analisando os resultados durante os primeiros quatro dias e nos restantes dias até completar os trinta dias de tratamento, as concentrações séricas de sódio tiveram um maior aumento no grupo que tomou tolvaptan. Os doentes com hiponatremia leve viram o seu estado de saúde melhorado. No final do tratamento, ou seja, no dia trinta os pacientes deixaram de tomar tolvaptan, pelo que a hiponatremia retornou (Schrier et al., 2006). Concluindo, o tolvaptan foi eficaz em aumentar a concentração de sódio no soro em pacientes com hiponatremia (Llorens et al., 2012; Schrier et al., 2006; Hensen, 2015). 6.1.3. Efeitos adversos e contraindicações Alguns dos efeitos adversos mais relatados associados ao tolvaptan são náuseas, sede, xerostomia, poliúria, diarreia e cefaleias (RCM-Samsca, 2011). Segundo o mesmo autor, interage com outros tratamentos que aumentem os níveis plasmáticos de sódio, uma vez que provocam uma rápida correção de sódio sérico, sendo este um fator de risco no tratamento inicial. Par além disso, também interage com os inibidores da CYP3A4, tais como, cetoconazol, antibióticos macrólidos e diltiazem e indutores, tais como, rifampicina e barbitúricos. Tolvaptano ao ser administrado com os inibidores ou indutores da CYP3A4 promove o seu aumento ou diminuição dos níveis plasmáticos, respetivamente. Para além do efeito aquarético, bloqueia os recetores V2 da vasopressina que estão envolvidos na libertação de fatores de coagulação. Sendo assim, atenua o efeito da desmopressina na prevenção da hemorragia (RCM-Samsca, 2011). 29 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 7. Perspetivas futuras Além dos fármacos e alvos farmacológicos anteriormente referidos, a indústria farmacêutica continua a pesquisa nesta área. Nesse sentido novos fármacos que modulam a ação de ADH encontram-se em fase de investigação. O Satavaptan (SR121463) é ativo por via oral e é antagonista seletivo do recetor V2. Fizeram-se estudos para tentar perceber se este seria adequado no tratamento de SIADH. Na primeira parte deste estudo 34 pacientes foram tratados com satavaptan. Na segunda parte do estudo foi estudada a sua eficácia e segurança a longo prazo. Não foram registados efeitos adversos graves, pelo que tem um bom perfil de segurança e para além disso, este corrige adequadamente a hiponatremia leve ou moderada nestes pacientes (Soupart et al., 2006). O mozavaptan é também um antagonista seletivo do recetor V2. Este fármaco foi avaliado no tratamento da síndrome de ADH etópica, caracterizado por hiponatremia hipervolémica. A sua eficácia clínica foi avaliada num estudo clínico que envolveu 16 pacientes. Em apenas uma semana, a concentração de sódio no soro aumentou de forma significativa cerca de 122,8±6,7 a 133,3± 8,3mEq/L. Para além disso, os sintomas associados à hiponatremia melhoraram substancialmente. Em 2006, este fármaco já foi aprovado no Japão, sendo que é considerado fármaco órfão neste tipo de síndrome (Yamaguchi et al., 2011). Num outro estudo pretendeu-se avaliar o efeito aquarético do mesmo, ou seja, a capacidade de inibir a reabsorção de água no ducto coletor (Barros et al., 2006). Para isso, foram utilizados ratos machos, cães, e ratos da estirpe “Brattleboro”, sendo que estes ratos são do sexo feminino e sofrem de diabetes insípidus. Assim, avaliou-se a atividade antidiurética do mozavaptan. Administrou-se uma dose única de cloridrato de mozavaptan por via oral. Este permitiu um ligeiro aumento da excreção urinária de sódio nos ratos mas não nos cães. Nos cães o cloridrato de mozavaptan aumentou apenas a depuração de água livre. Por outro lado, os diuréticos tradicionais aumentam não só o volume de urina mas também a excreção urinária de sódio quer em cães, quem em ratos. No caso dos ratos “Brattleboro”, o cloridrato de mozavaptan não diminuiu o volume de urina nem aumentou a osmolaridade da mesma, pelo que ficou provado que este fármaco não tem qualquer atividade antidiurética nesta estirpe. Concluindo, o cloridrato de mozavaptan é um aquarético que induz a excreção de água livre seletivamente, em contraste com os diuréticos tradicionais. Contudo, este fármaco aumenta as concentrações séricas de 30 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina sódio em cães machos, pelo que é útil no tratamento da hiponatremia euvolémica e hipervolémica (Shigeki et al., 2006). O lixivaptan (VPA-985) é outro antagonista seletivo do recetor V2 que se encontra em ensaios clínicos de fase III. Foi avaliado em pacientes com hiponatremia e insuficiência cardíaca aguda. As doses deste fármaco foram ajustadas com base nos níveis séricos de sódio durante um estudo de 60 dias. Alguns doentes foram escolhidos aleatoriamente para tomar lixivaptan, sendo que outros ao acaso foram escolhidos para tomar placebo. O tratamento com lixivaptan resultou num aumento da concentração sérica de sódio desde o início até ao dia 7, contudo em pacientes que receberam lixivaptan a função cognitiva piorou. Ao longo do estudo, houve 57 mortes em pacientes que receberam lixivaptan e 46 mortes em pacientes que receberam placebo. No entanto, durante os primeiros 10 dias de tratamento, houve 15 mortes (4,7%) no grupo lixivaptan e apenas 4 mortes (1,2%) no grupo do placebo, dos quais 11 e 2, respetivamente, foram atribuídos ao agravamento de insuficiência cardíaca. Durante os primeiros 10 dias de tratamento o aumento da mortalidade observada não foi estatisticamente significativo, contudo, os resultados eram vistos com preocupação pelo que não houve aprovação de lixivaptan para o tratamento da insuficiência cardíaca em pacientes com hiponatremia pela FDA (Feldman et al., 2014). 31 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 8. Conclusão Neste momento, existem quatro fármacos usados na prática clínica, sendo eles designados por Conivaptan, Tolvaptan, Desmopressina e Terlipressina. Em Portugal o único fármaco que não está aprovado é o Conivaptan. Os fármacos agonistas da vasopressina apresentam vantagens em relação a esta, uma vez que têm uma maior duração de ação e uma maior seletividade para os recetores. Como agonistas temos a desmopressina e a terlipressina, sendo que a desmopressina pode ser usada no tratamento da diabetes insípidos central, enurese noturna e notúria e ainda permite reduzir a perda de sangue de indivíduos sujeitos a cirurgias complexas. A terlipressina é importante no tratamento de hemorragias digestivas por rotura das varizes esofágicas. Relativamente aos antagonistas, podemos concluir que o conivaptan está aprovado para o tratamento da hiponatremia hipervolémica e euvolémica, ainda que em Portugal não esteja aprovado. O tolvaptan permite melhorar os níveis de sódio, estando também aprovado no tratamento da hiponatremia e em doenças que envolvem retenção de líquidos, tais como, problemas renais, cardíacos ou hepáticos e doenças de tiróide. Num futuro próximo, é provável que vários dos fármacos que estão em fase de ensaios clínicos sejam lançados para o mercado, tendo em conta os seus potenciais terapêuticos, como foi referido anteriormente. 32 Fármacos que atuam modulando a ação da vasopressina 9. Referências bibliográficas Agersø, H.; Seiding Larsen, L.; Riis, A., et al. (2004). Pharmacokinetics and renal excretion of desmopressin after intravenous administration to healthy subjects and renally impaired patients. British journal of clinical pharmacology, 58, pp. 352-358. Alexander, S. P.; Benson, H. E.; Faccenda, E., et al. (2013). The concise guide to PHARMACOLOGY 2013/14: overview. British journal of pharmacology, 170, pp. 1449-1458. Ali, F.; Raufi, M. A.; Washington, B., et al. (2007). Conivaptan: a dual receptor vasopressin v1a/v2 antagonist. Cardiovascular drug reviews, 25, pp. 261-279. Barros, E.; Manfro, R. C.; Thomé, F. S., et al. (2006). Nefrologia: rotinas, diagnóstico e tratamento. Artmed. Baylis, P. H. 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