PsicoDOM – número 4 – junho 2009 – pag. 42 a 54 www.dombosco.com.br/faculdade O TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO E A VIDA COTIDIANA DE SEUS PORTADORES Edilaine Cristina Hudzinski Aluna do curso de Psicologia da Faculdade Dom Bosco Josiane Schmidt Gonçalves Aluna do curso de Psicologia da Faculdade Dom Bosco Fabio Thá Psicólogo, Doutor em Estudos Linguísticos, Professor do curso de Psicologia da Faculdade Dom Bosco RESUMO A proposta deste estudo é analisar a vida cotidiana de pessoas portadoras de TOC. Esta investigação está em andamento e tem por objetivo entender como os portadores de TOC percebem sua doença e a veem no outro. A partir da criação de um grupo de apoio, pretende-se propiciar um espaço de exercício da cidadania a portadores e familiares, buscando diminuir a vergonha, o preconceito e a discriminação que estigmatizam os portadores desse transtorno. Para tal objetivo, a metodologia utilizada embasou-se nos fundamentos de abordagem qualitativa, e usou a entrevista como instrumento para a coleta de dados. Foram realizadas oito entrevistas com portadores de TOC de ambos os sexos, e algumas palestras informativas para divulgação do tema. A análise dos dados considerou a abordagem cognitivo-comportamental como base para a interpretação dos resultados. Os resultados parciais apontam a ansiedade como determinante principal da doença, demonstram que a falta de informação é uma das razões pelas quais a busca de tratamento não ocorre, e que existe grande dificuldade de lidar com os rituais devido à vergonha e ao preconceito. Seu início ocorre geralmente na adolescência, e seu diagnóstico muitas vezes não é realizado. O grupo de apoio está em fase inicial, reunindo até o momento pequeno número de participantes e, dessa maneira, os dados obtidos até o momento não apontam resultados conclusivos. PALAVRAS-CHAVE Obsessão; compulsão; ritual; ansiedade. 1 INTRODUÇÃO PsicoDOM – número 4 – junho 2009 www.dombosco.com.br/faculdade Os transtornos emocionais e psiquiátricos estão cada vez mais presentes em nossa sociedade. Fala-se no estresse como o mal do século, na depressão como resultado de alguns problemas emocionais, e na hiperatividade para as crianças que não têm bom desempenho escolar. Mesmo assim, a falta de informação a respeito dos transtornos psiquiátricos ainda causa desconforto, preconceito, medo e até vergonha naqueles que possuem algum. Nossos estudos têm por objetivo apresentar contribuições para a vida cotidiana dos portadores do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), esclarecendo a população que este é um problema de saúde sério, mas que existe tratamento. Trata-se de pesquisa em andamento, que busca reunir portadores em grupo, propiciando trocas de experiências e apoio mútuo. O TOC, considerado uma doença mental grave, está entre as dez maiores causas de incapacitação, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (ROSÁRIO-CAMPOS; MERCADANTE, 2000). Aproximadamente 10% dos casos tendem a um agravamento progressivo, podendo incapacitar os portadores para o trabalho e acarretar sérias limitações à convivência com outras pessoas, além de submetê-los a um grande e permanente sofrimento. Esta iniciativa tem grande importância para a população, pois visa a aprimorar o conhecimento desse transtorno, proporcionar a identificação e diminuir a vergonha dos portadores, além de trazer informações para população, pacientes e profissionais de saúde, que terão a oportunidade de esclarecer dúvidas, trocar experiências, aprender a conviver com o TOC e principalmente incentivar as pessoas a procurar tratamento. Descreve-se o Transtorno Obsessivo-Compulsivo como um transtorno mental entre os transtornos de ansiedade, incluído pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana (DSM-IV). Caracterizase pela presença de obsessões ou compulsões que causam um mal-estar intenso, consomem muito tempo e interferem na vida cotidiana da pessoa. A principal forma de tratamento é o uso de medicamentos, além de técnicas psicoterápicas, sendo mais utilizadas as chamadas cognitivas comportamentais (TCC). 2 METODOLOGIA 43 PsicoDOM – número 4 – junho 2009 www.dombosco.com.br/faculdade Inicialmente realizou-se uma revisão bibliográfica sobre o transtorno obsessivo-compulsivo. Em seguida, utilizou-se um roteiro semiestruturado de entrevista aberta como instrumento para coleta de informações que abordava nome, idade, escolaridade, sexo e questões voltadas à história individual de cada um, seus rituais, suas dúvidas e crenças. Também se abordam questões referentes ao cotidiano dos portadores, seu trabalho, seus relacionamentos e amizades. Realizaram-se oito entrevistas com portadores de TOC, ambos os sexos, da cidade de Curitiba, encontrados no meio social e via on line, em sites de relacionamento. Três dessas entrevistas foram realizadas pessoalmente, sendo duas destas gravadas e depois transcritas. As outras entrevistas foram feitas via on line. Adotou-se como critério de participação o diagnóstico do transtorno. Na sequência foram realizadas três palestras informativas para as agentes de saúde de duas unidades básicas de saúde da cidade de Curitiba, abordando o transtorno obsessivo-compulsivo e os objetivos da pesquisa. Solicitou-se apoio dessas agentes para divulgar o trabalho na comunidade, a fim de identificar portadores desse transtorno. As palestras tiveram duração média de 1h30min, contando com recurso áudio-visual, cartazes e fôlderes explicativos. Em seguida foram feitas duas visitas nas unidades de saúde para explicar e divulgar a proposta de estudo. Posteriormente foram distribuídos em cada unidade de saúde folhetos explicativos e cartazes com ilustrações sobre o TOC. A divulgação desta proposta também foi realizada na internet, em sites de relacionamento. Submeteu-se, então, o material obtido nas entrevistas e palestras à análise de conteúdo, procedendo-se uma leitura dos depoimentos e abstraindo-se as principais ideias sobre o tema. Os dados coletados neste estudo foram transcritos na íntegra e de forma literal. Em seguida realizou-se a articulação da fundamentação teórica levando em conta os dados obtidos. A divulgação desta pesquisa na comunidade e na internet tornou possível reunir algumas pessoas para palestras informativas a respeito do transtorno obsessivo-compulsivo, de modo a mensurar o interesse da comunidade em participar do grupo de apoio que se está formando, aberto a familiares, amigos e portadores desse transtorno. Até o momento aconteceram cinco encontros. Em dois deles não houve participação; os outros tiveram em média cinco participantes por encontro. 44 PsicoDOM – número 4 – junho 2009 www.dombosco.com.br/faculdade 3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS Há muitos séculos, pessoas com pensamentos obsessivos, blasfemos ou sexuais eram consideradas possuídas, e o tratamento focava-se na expulsão do mal. A primeira descrição do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) teve como principais interlocutores Janet e Esquirol, na França. No início do século XIX, considerava-se o TOC uma doença de fundo emocional, que enfatizava aspectos de angústia, insegurança e culpa. No final do século XIX, passou a ser considerado manifestação de melancolia ou depressão. No início do século XX, as teorias da neurose obsessiva compulsiva voltaram-se para explicações psicológicas. Hoje o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é descrito como transtorno mental entre os transtornos de ansiedade, incluído pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana (DSM-IV). O Transtorno Obsessivo-Compulsivo caracteriza-se pela presença de obsessões ou compulsões que causam mal-estar intenso, consomem muito tempo e interferem na vida cotidiana da pessoa em diversos aspectos: trabalho, atividades sociais, convívio familiar... Os sintomas do TOC interferem de forma acentuada na vida da família. A doença altera rotinas, exige adaptações aos sintomas. É comum a restrição ao uso de sofás, camas, roupas, toalhas, louças e talheres, bem como ao acesso a determinados locais da casa. Outros sintomas típicos são a demora no banheiro e as lavagens excessivas das mãos, das roupas e do piso da casa. Os portadores do TOC normalmente obrigam os demais membros da família a fazerem o mesmo, mas os medos exagerados, os cuidados excessivos e as exigências nem sempre são compreendidos ou tolerados pelos demais. De modo geral, essa diferença provoca discussões, atritos, exigências irritadas no sentido de não interromper os rituais ou de participar deles, dificuldades para sair de casa e atrasos que comprometem o lazer e as rotinas. Não raramente, as atitudes e dificuldades de relacionamento provocam a separação de casais ou a demissão de empregos. (CORDIOLI, 2004, p. 9). As pessoas que sofrem de TOC tendem a ocultar o problema, podendo não procurar ou demorar a buscar tratamento. Só se considera o Transtorno Obsessivo-Compulsivo uma patologia quando as obsessões ou compulsões causam sofrimento acentuado, desconforto ou prejuízo significativo, ou seja, interferem nas rotinas diárias e consomem mais de uma hora por dia da pessoa, além de preencher os critérios do DSM-IV. 45 PsicoDOM – número 4 – junho 2009 www.dombosco.com.br/faculdade Conhecido também como o transtorno das manias, o TOC caracteriza-se pela necessidade que a pessoa tem de repetir seus atos de forma compulsiva, ou seja, a pessoa não consegue evitar o ato por sua vontade. Manifesta-se sob a forma de alterações de comportamento, pensamentos e emoções. Obsessões são pensamentos – ou ideias, impulsos, imagens, cenas – que invadem a consciência de forma repetitiva, persistente e estereotipada, seguidos ou não de rituais destinados a neutralizá-los. São experimentados como intrusivos inapropriados ou estranhos, causando grande ansiedade e desconforto. São ideias impostas ao psiquismo, de forma incômoda, e sentidas como involuntárias. As obsessões estão tão enraizadas na consciência que não podem ser removidas por simples aconselhamento razoável nem por livre decisão. Essas ideias obrigatórias, quando exageradas e promovedoras de significativa ansiedade ou sofrimento, constituem quadro patológico. A temática das ideias obsessivas pode ser extremamente variável, entretanto, em grande número de vezes diz respeito à preocupação excessiva preocupação com com simetria, sujeira, germes ou contaminação, exatidão, ordem, sequência ou dúvidas, alinhamento, pensamentos, cenas ou impulsos indesejáveis e impróprios relacionados a sexo (comportamento sexual violento, abusar sexualmente de crianças, falar obscenidades, etc.), preocupação em armazenar, poupar, guardar coisas inúteis ou economizar, religiosidade (pecado, culpa, escrupulosidade, sacrilégios ou blasfêmias), pensamentos supersticiosos (preocupações com números especiais, cores de roupa, datas e horários, palavras, nomes, cenas ou músicas intrusivas e indesejáveis que podem provocar desgraça). As pessoas tentam ignorar ou suprir tais pensamentos, impulsos ou imagens e neutralizá-los com outros pensamentos ou ação. Reconhecem serem eles produtos de sua mente, e não exposições exteriores, como no caso de inserção do pensamento. (MAJ et al. 2005, p. 14). Compulsões são comportamentos repetitivos e intencionais, motores ou mentais, que têm como objetivo reduzir ou prevenir a ansiedade ou diminuir sentimentos desagradáveis e sofrimentos. Trata-se de comportamentos ou atos mentais repetitivos, realizados em resposta a obsessões, para prevenir algum evento ou situação temida e que não possuem conexão realística com o que visam a neutralizar ou evitar. 46 PsicoDOM – número 4 – junho 2009 www.dombosco.com.br/faculdade As compulsões aliviam momentaneamente a ansiedade associada às obsessões, levando a pessoa a realizá-las sempre que sua mente é invadida por uma obsessão. As compulsões possuem uma relação funcional (aliviar a aflição) com as obsessões. E como são bem sucedidas, as pessoas são atraídas a repetilas, em vez de enfrentar seus medos, o que acaba por perpetuá-los, tornando-se prisioneiras de seus rituais. Existem compulsões desvinculadas de medos específicos ou estruturados, que simplesmente aliviam uma sensação ruim ou angústia, ou ainda de que algo está incompleto ou incorreto. As compulsões mais comuns são lavar excessivamente as mãos; verificar várias vezes se portas e janelas estão trancadas, se as luzes estão apagadas, se o gás está desligado, repetições ou confirmações, contagens, ordem, simetria, sequência ou alinhamento, acumular, colecionar ou guardar coisas inúteis, economizar ou poupar, tocar, olhar, confessar, estalar os dedos. As compulsões mentais não são percebidas por outras pessoas, pois não acontecem mediante comportamentos motores observáveis, embora tenham a mesma finalidade, ou seja, reduzir a aflição associada a um pensamento. Alguns exemplos são rezar, contar ou repetir números, repetir palavras ou frases, relembrar cenas ou imagens, marcar datas, tentar afastar pensamentos indesejáveis, substituindo-os por pensamentos contrários. As obsessões são episódios mentais e as compulsões, episódios comportamentais. O modelo funcional do TOC implica que as compulsões não podem existir sem as obsessões, mas permite que as obsessões existam sem as compulsões (obsessivos puros). Os dados do estudo de campo para o DSM-IV indicam que a vasta maioria (acima de 90%) dos obsessivoscompulsivos manifesta tanto as obsessões como as compulsões comportamentais. (BARLOW, 1999, p. 218) Uma das preocupações mais comuns no TOC relaciona-se com a possibilidade de falhar e, em consequência, ocorrer algum desastre ou dano. Essas preocupações se manifestam através da dúvida, da incerteza, as quais, por sua vez, levam os portadores de TOC a realizar verificações ou repetições como forma de ter certeza e aliviar-se da aflição. Devido a críticas sociais e consequente vergonha dos portadores em relação aos sintomas, o TOC tende a ser secreto, podendo ser descrito como uma doença 47 PsicoDOM – número 4 – junho 2009 www.dombosco.com.br/faculdade oculta. Alguns não sabem que existe tratamento e ocultam os sintomas até mesmo de familiares e amigos; outros evitam até mesmo falar de seus medos por receio que se realizem de fato. Estudos constataram que a maioria dos portadores de TOC procuram ajuda não para os sintomas obsessivos-compulsivos, mas sim para ansiedade, depressão, estresse ou problemas de relacionamento. Grande parte dos portadores de TOC apresenta sintomas leves e leva uma vida considerada normal. Entretanto, em formas mais graves prejudicam significativamente os relacionamentos sociais e afetivos, bem como o desempenho profissional e acadêmico, levando alguns pacientes à esquiva generalizada, confinando o indivíduo em sua casa para realizar seus rituais. Segundo Maj (et al., 2005), o TOC pode iniciar em qualquer idade, desde a fase pré-escolar até adulta. Os quadros de TOC em criança são similares aos adultos, e ambos tendem a realizar seus rituais em casa e não na frente de professores, colegas e estranhos. Dificilmente as crianças pedem ajuda, e os sintomas podem não ser ego-distônico. O TOC é igualmente comum em homens e mulheres na vida adulta, sendo raro seu início depois dos 40 anos. Tem curso geralmente crônico, e se não tratado pode manter-se por toda a vida. Na infância predomina em meninos com idade entre 6 e 15 anos. “Dados epidemiológicos mostram que o TOC é muito mais prevalente entre adolescentes do que se imagina”. (MAJ et al., 2005, p. 123). A taxa de concordância para o Transtorno Obsessivo-Compulsivo é maior entre gêmeos monozigóticos do que nos dizigóticos. Também é maior nos parentes biológicos em primeiro grau de indivíduos com Transtorno Obsessivo-Compulsivo e em parentes biológicos em primeiro grau de indivíduo com Transtorno de Tourette, em relação à população em geral. (DSM-IV, 2002) O aparecimento do TOC na infância tende a ser uma característica familiar. Embora com pequena probabilidade, há chances de uma criança que tem um dos pais com TOC desenvolvê-lo também. Segundo Cordioli (2004), diante de algum caso de TOC na família, a chance de ocorrer outro caso aumenta de quatro a cinco vezes. Nesse caso, a natureza geral do TOC aparentemente é hereditária, mas não os sintomas – a criança poderá, por exemplo, ter rituais de repetições, ao passo que a mãe lava excessivamente as mãos ou tem mania de limpeza. 48 PsicoDOM – número 4 – junho 2009 www.dombosco.com.br/faculdade Na maioria dos casos, o TOC é uma doença crônica, que exibe um curso de melhora e piora. Mesmo que o paciente esteja em tratamento, curas completas e duradouras dos sintomas são raras. Os tratamentos mais efetivos no momento incluem o uso de medicamentos e algumas técnicas psicoterápicas. Os medicamentos geralmente são a primeira escolha dos pacientes, principalmente quando, além do TOC, existem outros problemas associados, como depressão e ansiedade, por exemplo. O problema do uso dos medicamentos são os efeitos colaterais indesejáveis, e o fato de raramente eliminarem por completo os sintomas. As medicações mais comumente utilizadas para o tratamento do TOC são os inibidores da recaptação da serotonina (IRSs). Incluem o antidepressivo tricíclico clomipramina e os IRSs seletivos (IRSs) fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina e sertralina, os quais têm demonstrado eficácia no tratamento de pacientes com TOC. (GREIST et al.,1990; JENIKE, 1992 Apud RANGE, 2001 p. 240) Uma das técnicas psicoterápicas mais utilizadas é a terapia cognitivocomportamental (TCC), efetiva especialmente quando predominam rituais, quando não existem outros problemas psiquiátricos graves e quando os pacientes se envolvem efetivamente nas tarefas de casa, parte fundamental dessa forma de tratamento. Segundo Cordioli (2008), a técnica segue etapas: avaliação do paciente e indicação do tratamento; motivação do paciente, informações psicoeducativas e estabelecimento da relação terapêutica; treinamento na identificação dos sintomas; listagem e hierarquização dos sintomas pelo grau de aflição associada; sessões de terapia; técnicas comportamentais de exposição e prevenção de resposta; modelação; estratégias especiais para o tratamento de obsessões; técnicas cognitivas para correção de pensamentos e crenças disfuncionais; prevenção de recaída, alta e terapia de manutenção. 4 ANÁLISE DOS RESULTADOS Após o levantamento dos dados, analisaram-se registros de visitas, conversas e entrevistas. A partir das entrevistas e conversas com portadores de TOC, percebeu-se que essas pessoas apresentam visão bastante crítica sobre seus comportamentos – acreditam que suas próprias ideias e ações são "bobas", 49 PsicoDOM – número 4 – junho 2009 www.dombosco.com.br/faculdade "ridículas", "absurdas" –, mas mesmo assim não conseguem evitar ou controlar seus pensamentos e ações. Por isso a grande maioria sente muita vergonha, e passa a esconder ou justificar seus rituais, não contando para ninguém, nem mesmo para familiares ou pessoas próximas. Esses dados permitem concluir que a ausência de informação reflete diretamente no tratamento que, na maioria dos casos, não ocorreu ou, quando ocorreu, não teve sequência. Nos portadores de TOC , expectativa ansiosa é fator característico, podendo ser considerada uma das causas da doença. Ansiedade também é muito comum, principalmente durante a realização dos rituais, que propiciam aplacamento da ansiedade, ou ainda quando estes não podem ser realizados. Relatos dos entrevistados, a respeito de sua vida cotidiana, traduzem grande dificuldade em conciliar os afazeres do dia-a-dia e o transtorno, visto que os portadores de TOC tendem a ocultar sua real condição e seu transtorno, limitandoos, quando possível, a ambientes onde tenham total privacidade. A realização desses rituais traz grande constrangimento. Os entrevistados relataram que muitas vezes se sentem humilhados, pelas críticas que recebem. Comentários como "isso que você faz é ridículo", "você faz isso porque quer", "se quisesse mesmo, você controlava esses comportamentos", faz com que eles se omitam ainda mais, aumentando seu sofrimento e a crença de que realmente não devem contar a ninguém. As dificuldades diárias trazem repercussão na organização da vida desses portadores, que passam a modificar sua rotina, seus hábitos e costumes, na tentativa de integrar os rituais às suas atividades. Tentam tornar suas manias, seus rituais e comportamentos algo "normal", que faça parte de seu dia-a-dia, porque assim consideram ser mais fácil encarar o transtorno. Acreditam que se o ritual fizer parte de suas vidas, se for considerado hábito e não obrigação, não há motivo para sofrimento. A maioria dos entrevistados relatou que já se acostumou a realizar os rituais, que estes fazem parte de sua vida, fazem parte deles, confundindo-os com uma característica de sua personalidade. Alguns chegaram a relatar que se trata de uma forma de passar o tempo. Percebe-se que essa forma de lidar com os rituais representa uma tentativa de autoexplicação – a explicação para a realização dos rituais é automática. Cada um dos entrevistados relatou que tem uma resposta pronta para cada ritual e, mesmo quando não são questionados, vão logo se 50 PsicoDOM – número 4 – junho 2009 www.dombosco.com.br/faculdade explicando, o que demonstra tratar-se de uma tentativa de amenizar o sofrimento e diminuir a ansiedade. Segundo os entrevistados, dessa forma seguem a vida com menos sofrimento, mas sabem que o que fazem não resolve o problema, apenas disfarça os sintomas. Problemas familiares e profissionais também foram descritos como consequências do transtorno. Muitas vezes, a realização de certos rituais ou a falta de compreensão dos familiares provocam discussões, atritos e conflitos em família. Em relação à vida profissional, o problema ocorre quando os rituais precisam ser realizados no ambiente de trabalho ou quando exigem a participação de um terceiro, como chefe ou colega de trabalho. Esse fato, segundo alguns entrevistados, já foi motivo de constrangimento, ridicularização e advertências. A partir das visitas, e dos primeiros encontros realizados, foi possível perceber que amigos, familiares e portadores de TOC têm interesse em obter maiores informações a respeito desse transtorno, mas a dificuldade em falar a respeito do assunto, a vergonha e o medo de se expor como portador dificultam uma participação mais efetiva do grupo. Esses interessados muitas vezes não comparecem no dia marcado para o encontro, mas depois nos procuram para saber como foi o encontro e para dar explicações como, por exemplo, “não sabia onde era”, “tenho vergonha”, “não quero falar na frente de ninguém”, “não sei se vou conseguir falar”, e afirmar que nos próximos encontros não faltarão. Em razão das justificativas recebidas, após cada encontro percebeu-se a necessidade de oferecer sessões individuais aos interessados, com o intuito de construir sentimentos de confiança e segurança, assim os preparando para a entrada no grupo, além de demonstrar que se trata de espaço seguro, de um lugar onde as pessoas trocam experiências e encontram apoio e compreensão, e que será uma oportunidade, para muitos, de ouvir depoimentos de pessoas com o mesmo transtorno, tornando possível aprender e proporcionar apoio ao outro. Os resultados apresentados até o momento, mesmo sendo parciais, reforçam a idéia de que o transtorno obsessivo-compulsivo traz grande sofrimento e muitas dificuldades para a vida cotidiana de seus portadores, alterando hábitos e rotinas, interferindo no convívio familiar e profissional. Tais conclusões nos conduzem a afirmar que a intervenção terapêutica é fator fundamental para melhora da qualidade de vida. 51 PsicoDOM – número 4 – junho 2009 www.dombosco.com.br/faculdade O grupo de apoio permite que os portadores de TOC reconheçam entre si seu transtorno obsessivo-compulsivo. Ali se apresentam alternativas para desenvolverem novas condutas diante de suas ansiedades, concedendo-lhes a oportunidade para uma nova condição de vida, fato que os remete a procurar tratamento psicoterapêutico. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo teve por objetivo contribuir para a vida cotidiana dos portadores de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), esclarecendo a eles e à população que se trata de sério problema de saúde, tentando assim reuni-los em um grupo que propicie espaço para trocas de experiências e apoio mútuo. A partir das reflexões apresentadas, observou-se que para cumprir esses objetivos é necessário conhecer a realidade concreta vivenciada pelos portadores do transtorno obsessivo-compulsivo, suas dificuldades de interação, de aceitação, suas dúvidas e seus medos. Por meio da divulgação desta pesquisa na comunidade, foi possível reunir algumas pessoas para palestras informativas a respeito do transtorno obsessivo-compulsivo e, assim, saber sobre o interesse da comunidade em participar do grupo de apoio que se está formando. Esse grupo é voltado a familiares, amigos e portadores do transtorno. Os resultados obtidos até o momento são parciais. Em razão da resistência e vergonha dessas pessoas, o número de participantes nas reuniões tem sido pequeno, possibilitando reunir no grupo de apoio uma média de cinco pessoas por encontro. Mesmo assim, já foi possível perceber que o TOC traz dificuldades para o cotidiano de seus portadores, e que o apoio e o tratamento são essenciais para sua vida. Nesse sentido, pode-se perceber que a atuação do psicólogo é fundamental. Embora o projeto se encontre em fase inicial de desenvolvimento, observa-se que as reuniões têm se constituído em espaço de orientação, informação, esclarecimentos e troca de experiências. A divulgação deste trabalho foi muito gratificante. Verificar que a comunidade se interessa pelo assunto, e que há apoio irrestrito das agentes de saúde, trouxe grande motivação para a sequência das pesquisas e do projeto de formação do grupo. Percebeu-se que os cartazes, folders e palestras foram recursos imprescindíveis para a divulgação de informações, cujo objetivo foi propiciar melhor 52 PsicoDOM – número 4 – junho 2009 www.dombosco.com.br/faculdade qualidade de vida aos portadores e seus familiares. Mesmo considerando que muitos não tenham procurado o projeto para obter maiores informações, aqueles que participaram dos primeiros encontros já tiveram a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o transtorno, percebendo sua gravidade e até mesmo quebrando seus próprios preconceitos. Pretende-se dar continuidade a essa investigação por considerar-se que a temática é abrangente e pode ser aprofundada. Conclui-se, com isso, que o psicólogo tem muito a contribuir na vida cotidiana dessas pessoas. 6. REFERÊNCIAS BALLONE, G. J. Transtorno Obsessivo-Compulsivo. In: PsiqWeb Internet. Disponível em: <http://www.psiqweb.med.br/obscomp.html>. Acesso em: 15 mar. 2007. BARLOW, David H. Manual clínico dos transtornos psicológicos. 2. ed. Tradução de: Maria Regina Borges Osório. Porto Alegre: Artmed, 1999. CORDIOLI, Aristides Volpato. Vencendo o transtorno obsessivo-compulsivo: manual da terapia cognitivo-comportamental para pacientes e terapeutas. Porto Alegre: Artmed, 2004. _____. 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