Quando as Manias se Tornam um Problema

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Quando as Manias se Tornam um Problema: O Transtorno ObsessivoCompulsivo.
Denis Roberto Zamignani
Helena não aguenta mais lavar as mãos e continua com a impressão de que elas estão sujas.
Amanda perde quase todo o seu tempo livre arrumando os objetos de sua escrivaninha, de seu quarto
e seu guarda-roupa. Luciano não consegue tirar da cabeça que seu carro está contaminado com
produtos radioativos... mesmo tendo checado várias vezes e ouvido que não há nada errado. O que
essas três personagens têm em comum é a convivência com um problema que é conhecido como
Transtorno Obsessivo-Compulsivo, o TOC. O portador de TOC sofre devido a pensamentos ou imagens
indesejáveis, que lhe invadem a consciência e se repetem insistentemente – o que chamamos de
obsessões. Isso faz com que ele realize alguns comportamentos para “tirar da cabeça” os pensamentos
ou imagens – o que é chamado de compulsão ou ritual. Esse tipo de experiência é, em geral,
acompanhado de muita ansiedade e/ou angústia. Isso porque o pensamento obsessivo é geralmente
algo muito desagradável e a sua repetição incessante leva a pessoa à “beira da loucura”.
O portador de TOC sabe que sua preocupação é excessiva e que os rituais que realiza são inúteis,
mas não consegue deixar de fazê-los. E é exatamente por essa consciência do quão estranho é tudo
isso que ele sofre ainda mais – e tem muita vergonha de contar para as pessoas sobre os seus temores.
Entretanto, o TOC é um problema que pode ser tratado com bastante sucesso e o quanto antes esse
tratamento começar, maior a chance de melhora.
As obsessões e compulsões podem variar muito. Desde temas religiosos, sexuais, medo de
câncer, AIDS, contaminação por germes, sujeira ou radiação, medo de cometer erros no trabalho, de
perder pessoas queridas por violência ou acidente, de esquecer alguma porta ou janela destrancada,
botijão de gás aberto, de que algo de ruim aconteça a um ente querido, de tornar-se ou ser
identificados como homossexual, entre muitos outros. E para evitar tudo isso, os portadores passam
parte importante da vida conferindo, contando, limpando, arrumando, acumulando, evitando...
Sabe-se que a causa do TOC é uma combinação de fatores – há uma vulnerabilidade genética
que pode ou não se manifestar, dependendo da história da pessoa. Mas a sua persistência se deve, em
grande parcela, ao modo com que a pessoa se relaciona com as obsessões e a ansiedade. O
pensamento obsessivo incomoda. Ao tentar livrar-se dele, entretanto, a pessoa continua concentrada
nele... tentar não pensar em algo só é possível se você estiver com esse algo na cabeça. Parece
estranho, mas a única forma de se livrar de um pensamento obsessivo é parar de brigar com ele. Aceitar
o pensamento, por mais que lhe pareça estranho.
Os rituais funcionam de modo muito semelhante. É impossível ter controle sobre tudo. E quanto
mais a pessoa faz coisas para garantir que nada vai dar errado, mais as coisas se complicam. Embora
eu tenha checado a janela inúmeras vezes, a dúvida persiste... para eliminar a dúvida eu checo mais
uma vez, o que elimina o incômodo apenas momentaneamente. Mas isso não faz com que eu enfrente
o problema de fato. Se, em vez de ceder à exigência de checar, eu repetidamente me negar a fazê-lo,
há uma tendência do meu organismo a “se adaptar” para conviver com a dúvida ou com a ansiedade,
o que é chamado habituação.
Mas nem sempre é possível enfrentar sozinho o TOC, especialmente quando a ansiedade e o
sofrimento são muito intensos. A boa notícia é que há muitos recursos terapêuticos, tanto da
psicologia, quanto da medicina. O melhor é combinar o tratamento psiquiátrico com a terapia
comportamental. Nos últimos anos, a medicina desenvolveu novos medicamentos com bons
resultados terapêuticos e poucos efeitos colaterais. A terapia comportamental, por sua vez, tem
desenvolvido procedimentos terapêuticos bastante efetivos para os mais diferentes tipos de TOC. Uma
marca da terapia comportamental atual é o esforço em abranger o comportamento da pessoa como
um todo, para a sua reintegração em suas atividades cotidianas.
Se você está sofrendo com pensamentos ou comportamentos repetitivos, não deixe de buscar
a ajuda de um profissional. O conhecimento que temos hoje sobre os problemas de comportamento
nos permite identificar e tratar com bastante sucesso boa parte das queixas de TOC. O TOC não é
indicativo de loucura ou inferioridade e não deve ser motivo de vergonha ou culpa. Quanto mais cedo
você procurar ajuda, menos prejuízo o problema trará para a sua vida e para sua convivência social.
Além disso, a melhor arma que temos contra o preconceito é a informação. Se parte da
comunidade ainda tem dificuldade em conviver e aceitar as pessoas que sofrem com algum problemas
psiquiátrico é porque ainda há muita desinformação. Se você conhece alguém que sofre com
problemas desse tipo, procure orientá-lo e sugerir que ele procure ajuda. Todos nós só temos a ganhar
com uma cultura mais tolerante.
Literatura indicada:
A vida em outras cores: superando o transtorno obsessivo-compulsivo e a Síndrome de Tourette.
Organizado por Denis Roberto Zamignani e Maria Cecília Labate. ESETec Editores Associados,
2002. Com o patrocínio da ASTOC.
Medos, dúvidas e manias: orientações para pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo e seus
familiares. Organizado por Albina Rodrigues Torres, Roseli Gedanki Shavitt e Eurípedes
Constantino Miguel. Editora Artmed, 2001.
O menino que não conseguia parar de se lavar. J. L. Rapoport. Editora Marques-Saraiva, 1990.
Sem medo de ter medo: um guia prático para ajudar pessoas com pânico, fobias, obsessões,
compulsões e estresse. Tito Paes de Barros Neto. Casa do psicólogo, 2000.
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Denis Roberto Zamignani é Presidente da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina
Comportamental. Graduado em Psicologia e mestre em Psicologia Experimental: Análise do
Comportamento pela PUC-SP e doutor em Psicologia Clínica pela USP. Atua no Núcleo Paradigma como
terapeuta, coordenador e docente do mestrado profissional em Análise do Comportamento Aplicada,
além de supervisor e docente no curso de Especialização em Clínica Analítico-Comportamental e
coordenador do grupo de pesquisa sobre processo-resultado em terapia analítico-comportamental. É
membro do corpo editorial de Perspectivas em Análise do Comportamento (periódico editado pelo
Núcleo Paradigma) e da Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, publicada pela
ABPMC. É membro da Society for Psychotherapy Research e da Sociedade Brasileira de Psicologia e
sócio da ABPMC desde 1994. Foi vice-presidente da ABPMC na gestão 2010-2011, tendo sido presidente
do XIX e XX Encontros da ABPMC e do I Encontro Sul-Americano de Análise do Comportamento.
Contribuiu na organização e gestão dos VI e VII Encontros da ABPMC e, atualmente, contribui para a
gestão 2013-2014 da Associação como membro eleito do Conselho Consultivo e da Comissão de
Acreditação de Analistas do Comportamento.
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