Dólar barato: os benefícios compensam os prejuízos?

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Dólar barato: os
benefícios compensam
os prejuízos?
Poucos temas relativos à conjuntura econômica atual estão provocando tanta polêmica quanto à valorização
do câmbio. O governo, claro, enfatiza os efeitos positivos do dólar baixo. O setor empresarial, por sua vez,
reclama da perda de competitividade. Para aprofundar o debate sobre a questão, a Revista Abinee convidou
três respeitados economistas: Antonio Corrêa de Lacerda, Cláudio Adilson Gonçalez e Delfim Netto.
Confira nas matérias a seguir o ponto de vista de cada um
O risco da desindustrialização
Antonio Corrêa de L acerda
Um câmbio muito valorizado tem efeito positivo sobre a
inflação. O custo dos produtos
importados cai mais rapidamente e os fabricantes locais são obrigados a diminuir seus preços.
Também fica mais barato para as
empresas importarem máquinas,
equipamentos e insumos. Mas es-
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ses benefícios são de curto prazo, enquanto os
malefícios são de médio e longo prazo.
O dólar baixo não só desestimula as exportações, como também desestrutura a produção
local. Isto afeta negativamente o crescimento
da economia, a geração de empregos e renda
e dificulta a absorção de novos investimentos.
Muitas empresas cancelam projetos que estariam sendo realizados no Brasil, transferindoos para outros países, cuja taxa de câmbio e os
fatores de competitividade são mais favoráveis,
como a carga tributária, taxas de juros, burocracia, infra-estrutura e logística.
Propor às empresas que aumentem a produtividade para compensar essa variação é
algo inviável. Para entender o porquê, acompanhe o raciocínio: se o custo de uma unidade ­produzida, em 2005, era de R$ 2,50, com
o câmbio próximo de R$ 2,50, ele equivalia
a US$ 1,00. Passados dois anos, digamos que
o custo tenha sido elevado em 10%. Considerando-se o aumento da matéria prima, dos
salários, tarifas públicas, entre outros itens, o
custo atual, em reais, seria, portanto, de R$
2,75. Como a taxa de câmbio caiu para R$
1,95, isso quer dizer que o custo de produção
equivalente em dólares agora é de US$ 1,41,
ou seja, 41% a mais.
É possível obter um ganho de produtividade, mas jamais será um ganho de 41%, porque
as empresas já têm um nível de competitividade comparável ao restante do mundo. O mais
provável é que a indústria deixe de exportar e
pode até não produzir mais localmente, porque vai conseguir importar o produto pronto
por menor custo. O câmbio, desta forma, provoca uma desindustrialização no país.
A perspectiva de elevar os preços dos produtos em dólar, no caso do setor ­eletroeletrônico,
não existe porque a alta competitividade internacional só faz os preços cairem. Esse cenário inviabiliza plataformas de produção, de
exportação e de pesquisa e desenvolvimento
no Brasil. Perdemos espaço para os asiáticos,
para o México, na América Latina, e, mais recentemente, para países do Leste Europeu.
Não se conhece na história econômica
mundial algum país que tenha conseguido se
industrializar e se desenvolver com câmbio
valorizado. Normalmente é o contrário. E aí
está o problema. O Brasil está concorrendo
com países que adotam a política de desvalorização do câmbio e que têm condições competitivas melhores também, como a Índia, a
China e a Coréia do Sul.
A primeira medida para corrigir a distorção é baixar radicalmente as taxas de juros
domésticas. As condições brasileiras evoluíram espetacularmente, no último ano, em
termos de reservas cambiais, contas externas,
contas públicas. No entanto, a nossa taxa real
de juros continua quatro vezes a média internacional.
Antonio Corrêa de Lacerda, doutor em economia pela UNICAMP, professor-doutor da
PUC-SP, é diretor do Departamento de Economia da Abinee
Medidas artificiais não resolvem
Cláudio Adilson Gonçalez
vejo contenção de investimentos. No nível microeconômico, existem, de fato,
indústrias que enfrentam
dificuldades para concorrer
no exterior, como a têxtil,
a de calçados e alguns segmentos do complexo eletroeletrônico. Mas trata-se
de alguns setores, não são
todos.
A saída para essas empresas é melhorar os processos produtivos e investir no aumento da produtividade. Há três
anos, o setor automotivo afirmava ser inviável trabalhar no Brasil com o dólar a R$ 3,00.
O setor empresarial se queixa, mas a valorização cambial traz óbvios benefícios para
a economia. Os salários em reais ficam mais
altos e o poder aquisitivo do trabalhador aumenta, porque os preços estão vinculados ao
dólar. As vantagens se estendem também às
indústrias, que podem comprar matérias primas e equipamentos mais eficientes, com menor custo, além de renovar o parque de máquinas.
Para a economia, o dólar baixo aparentemente não está trazendo grandes problemas. O
Brasil está crescendo acima de 4% e a ­balança
comercial tem superávits ­ portentosos e não
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Mesmo com o dólar em torno de R$ 2,00, as
indústrias automobilísticas conseguiram elevar
os preços dos automóveis em cerca de 25% (em
dólar) nos últimos dois anos.
A melhor medida para ajudar os
setores a enfrentar a concorrência
externa é a redução dos impostos
que são excessivamente elevados e
prejudica a vida das empresas. Prefiro as políticas compensatórias na
forma de desoneração tributária do
que a proteção tarifária. A opção de
taxar produtos estrangeiros vai contra o próprio consumidor que perde o acesso a bens de melhor qualidade. Além disso, o governo precisa
trabalhar fortemente para diminuir os custos
relativos à infra-estrutura do Brasil. É preciso
melhorar estradas, portos, ferrovias.
Na área macroeconômica, o Brasil deveria
cortar vigorosamente os seus gastos correntes.
A despesa pública de custeio do governo está
subindo de 14 a 15% ao ano. Se fizer um corte
rigoroso, essa medida produziria queda na taxa
de juros de forma significativa e duradoura. E
isso ajudaria a recuperar o câmbio por dois caminhos: 1) o menor diferencial entre os juros
domésticos e os juros externos desestimularia
as operações de arbitragem no mercado financeiro; 2) o Brasil cresceria mais, aumentaria a
importação, o que acabaria reduzindo o saldo
da balança comercial e conduzindo a uma taxa
cambial mais alta.
Não adianta esperar que via redução de juros a taxa de câmbio se deprecie. Trabalhos
estatísticos mostram o contrário. E o Banco
Central não deve fazer política monetária para
controlar o câmbio, o seu horizonte é o controle da inflação. Comprar dólares, acumular
estoques enormes de reservas, queda brusca
de taxa de juros (não olhando a inflação, mas
olhando o dólar), isto tudo não passa de medidas artificiais sem efeito duradouro.
Cláudio Adilson Gonçalez, doutor em Economia pela Universidade de São Paulo, é diretor
da MCM Consultoria.
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Danos em dose dupla
“A desvalorização do dólar não
é um problema brasileiro. O nosso
problema é que permitimos uma
sobrevalorização do Real quando
optamos por restringir a atividade econômica a título de garantir
a estabilidade”, afirma o ex-Ministro da Fazenda, professor Delfim
Netto. Conheça o seu ponto de vista na entrevista a seguir.
Que impactos o dólar barato
produz na economia brasileira?
Há dez anos a moeda norte-americana vem se
desvalorizando em relação às demais moedas do
mundo, de forma que a ‘fraqueza’ do dólar não
traz nenhum problema particular para a economia
brasileira, especificamente. Nosso problema é que
além da valorização natural que as outras moedas tiveram, nós permitimos uma sobrevalorização
do Real quando optamos por restringir a atividade econômica a título de garantir a estabilidade.
A ferramenta utilizada foi a elevação das taxas de
juros, não de forma cautelosa e moderada, e sim,
com a aplicação de verdadeiras overdoses. Atingiu
o objetivo de reduzir a inflação. Mas, a garantia de
altos juros, por sua vez, atraiu os fundos de capital especulativo de todo o mundo que passaram a
comprar Reais, e a moeda se valorizou ainda mais.
Como aconteceu com tantos outros governos, o
atual não resistiu à tentação de usar o câmbio valorizado como linha auxiliar no combate à inflação,
pelo barateamento das importações.
De que forma a política cambial afeta a
produtividade industrial?
A atividade industrial sofre duplamente. Primeiro, com a redução das condições de competição nos mercados externos. A desvantagem cambial é mortal sobretudo para as exportações das
empresas pequenas e médias, que são postas fora
dos mercados pelos concorrentes dos países que
mantêm o câmbio em equilíbrio ou a moeda subvalorizada, como é o caso chinês, cujos produtos
são nossos habituais competidores. Além do câmbio
que favorece a importação, os fabricantes nacionais
perdem terreno no mercado interno oprimidos pela
enorme carga tributária e pelo custo do crédito.
Dá para enfrentar a concorrência externa,
compensando a sobrevalorização do câmbio
com ganhos de produtividade?
Há muita conversa fiada a propósito do ‘extraordinário aumento da produtividade’, fruto do esforço
que a sobrevalorização cambial exige do setor industrial. É preciso medir a diferença desses ganhos
de produtividade em fases de câmbio em equilíbrio
e nos períodos de congelamento cambial e sobrevalorização. O que está medido, e bem medido, é que a
taxa de câmbio sobrevalorizada desses últimos três
anos destruiu uma parte sadia de nosso parque industrial, particularmente, mas não exclusivamente,
nos setores calçadista, moveleiro, têxtil e vestuário
e, até mesmo, no dinâmico eletromecânico que a
duras penas vinham se recuperando da fase negra
da ‘âncora cambial’ do período entre 1994 e 1998.
É lógico que o câmbio oferece a oportunidade
do setor industrial importar máquinas e tecnologia
mas isso é restrito a um espaço limitado, dado o desenvolvimento da indústria nacional de bens de capital que, hoje, tem capacidade de atender à quase
totalidade das encomendas de novos equipamentos.
Obviamente que as importações desses produtos e
as próprias encomendas aos fabricantes brasileiros
só se intensificam quando o horizonte é de retomada do crescimento e de crença na queda das taxas
de juros, como começa a acontecer este ano.
Quais são os fatores que estão fazendo o
dólar cair tanto?
A queda do valor relativo da moeda americana
é reflexo da insegurança dos mercados diante do
aparente descontrole fiscal americano e do risco
que representa o crescimento de seu déficit comercial. Mas se considerarmos a cotação do dólar em
relação ao Real, a explicação é que os fundos especulativos e os agentes dos mercados financeiros de
um modo geral começam a desconfiar que a taxa
de juros no Brasil vai continuar caindo, talvez mais
rapidamente, e, por isso, estão aumentando suas
apostas para não perderem ‘o fim de festa’.
O dólar tão baixo implica em risco de desindustrialização?
Tenho tentado mostrar que a razão principal
do Brasil ter entrado na contramão do crescimento mundial, desde a segunda metade dos anos 80,
foi, sem sombra de dúvida, o recurso ao congelamento cambial como instrumento de combate à
inflação. O Brasil só cresceu mais do que a economia mundial quando suas exportações também
cresceram num ritmo superior ao crescimento dos
demais exportadores (seus concorrentes) e mais do
que a média mundial. As sucessivas interrupções
do esforço exportador brasileiro tiveram efeitos
devastadores nas decisões de investimentos para a
fabricação de produtos que incorporam novas tecnologias e que não podem sobreviver sem acesso
permanente aos mercados externos. Ao mesmo
tempo, quando o país não exporta, a economia
não cresce, o mercado interno enfraquece, cai a
renda do consumidor, o que impede que o investimento atinja a escala de produção suficiente
para competir com possibilidade de sucesso
tanto interna quanto externamente.
Que ações o governo deveria tomar
para obter o equilíbrio no câmbio?
Não há nenhum elemento que contradiga a expectativa de continuidade de
níveis baixos de inflação, nada que ameace as metas, mesmo a médio prazo. O
governo tem, portanto, condições de
mostrar ao Banco Central que não há
justificativa para moderar o processo de redução da taxa Selic, de preferência intensificando a queda.
Se o senhor fosse, hoje, o
Ministro da Fazenda, que
medidas tomaria?
O atual Ministro da Fazenda sabe o que deve e o
que pode ser feito, mas,
atenção, a desvalorização
do dólar não é um problema brasileiro, como
tentei explicar no começo.
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