A PEDAGOGIA E A ECONOMIA POLÍTICA DA ALFABETIZAÇÃO Dione Maribel Lissoni Figueiredo Centro Universitário de Votuporanga Mestre em Educação – Universidade Mackenzie – São Paulo Para os promotores de campanhas contra o analfabetismo ser analfabeto no novo milênio é um flagelo, e a erradicação dessa flagelo é um ato de justiça social. Mas que pensam os próprios analfabetos? Para eles, aprender a ler e a escrever seria uma coisa importante, necessária, desejável? Quais seriam as motivações que os levariam a se interessarem pela própria alfabetização? O fator essencial de toda atividade de alfabetização é o meio onde ela ocorre. Podemos tomar quatro meios distintos para examinar o analfabetismo é o meio onde ela ocorre. Podemos tomar quatro meios distintos para examinar o analfabetismo: 1 – O meio pré-alfabetizado, se caracteriza pela oralidade no nível das comunicações; nele, o recurso à comunicação oral tem predomínio quase exclusivo nas múltiplas relações da vida cotidiana. Em tal meio, é como se não existissem a escrita e a palavra imprensa. Os raros alfabetizados comportam-se como se jamais tivessem aprendido a ler. 2 – Há um segundo meio, onde predomina o analfabetismo, mas, já existe uma minoria alfabetizada que como tal se comporta, ao contrário do que ocorre num meio pré-alfabetizado. Nesse meio o índice de analfabetismo ainda é alto da população adulta e há poucas motivações para a alfabetização, que se reduz a ensinar a ler e a escrever. 3 – Um terceiro meio é aquele que está em vias de se tornar alfabetizado. Nele, a maioria das pessoas faz uso da leitura e da escrita com finalidades pessoais ou coletivas. O índice de analfabetismo fica teoricamente entre 25 e 50% e a maior parte é constituída por mulheres e comportam-se como deficientes intelectuais, excluídas da vida social e atividades públicas da comunidade. 4 – Há, por fim, um meio alfabetizado, onde o índice de analfabetismo é inferior a 25% e o fato de saber ler e escrever é normal, reconhecido e aceito pela grande maioria da população. O analfabetismo se restringe a pequenos grupos e a indivíduos isolados. Nesse meio, onde a maior parte das comunicações se efetua através da palavra imprensa ou escrita, o analfabetismo tende a tornar-se um problema ultrapassado, onde o analfabeto defronta-se a todo instante com a necessidade de alfabetizar-se. Cada campanha de alfabetização pede uma política, objetivos, duração e uma metodologia que atenda às necessidades específicas de cada situação. O analfabetismo é um das facetas do subdesenvolvimento; é sinônimo de ausência de mudança e está vinculado à reprodução de modelos sociais que repetem o passado. A alfabetização é, em si mesma, um mudança, a passagem de uma cultura oral a uma cultura fundada na escrita. Mas tal mudança só se produz em determinada sociedade após outras mudanças derivadas de forças internas ou externas: reconstrução nacional, construção de uma sociedade nova que implique dinâmica de mudança. Assim, a alfabetização se torna, aos olhos da população, uma atividade significativa e motivadora, cuja finalidade essencial é a adaptação às mudanças que afetam a sociedade. Na verdade, não se alfabetiza os homens, os homens é que se alfabetizam. Só à medida que os analfabetos perceberem sua ignorância da palavra e do número escrito como um entrave a sua marcha para o progresso é que assumirão sua própria formação. E depois da alfabetização? Uma das funções básicas de qualquer processo de alfabetização é produzir, adquirir e utilizar material pedagógico adequadamente. Esse material pode ser impresso, pode valer-se dos meios modernos de comunicação de massa ( rádio, televisão audio-visuais, informática, etc. ) ou dos meios tradicionais ( teatro, folclore, atividades lúdicas, etc. ). O material impresso, comumente chamado de material de leitura, tem diferentes formas e funções e pode ser classificado em duas categorias principais: textos e outros materiais de leitura. O modo de organizar o conteúdo desse material pode variar muito. O objetivo é dar mais uma oportunidade de educação a toda clientela e aos jovens que se desligaram prematuramente da escola formal. Na América Latina, sobretudo no Brasil, em Cuba e na Venezuela, os cursos por rádio são uma solução paralela para o acesso ao sistema formal de educação, pela instauração de graus de equivalência e pelo fornecimento de diplomas aos ouvintes assíduos que são aprovados nos exames. A eficácia pedagógica do rádio e da televisão será aumentada e os caminhos que se abrem oferecem, embora com muitas desigualdades, novas perspectivas. Todo processo de alfabetização tem de conter os elementos da identidade cultural – que deriva do simples bom senso. Mas esse princípio nem sempre foi entendido. A alfabetização preocupa hoje tanto os países do Terceiro Mundo quanto os industrializados, ou países de Primeiro Mundo. Toda ação educativa é, em essência, cultural no sentido que lhe atribui Paulo Freire. Não basta respeitar a identidade cultural; é preciso tentar integrar ao máximo os valores da cultura da civilização da sociedade onde se vive e trabalha. A escolha de técnicas e de material, a definição de programas de sensibilização e pósalfabetização constituem oportunidades para integrar ou eliminar elementos importantes das culturas nacionais. Toda política coerente de alfabetização tem obrigação de valorizar os elementos viáveis, organizá0-los e inseri-los num trabalho educativo, até para permitir uma reflexão crítica sobre eles e facilitar o diálogo e seu confronto com valores do mundo interdependente de hoje. Tanto a alfabetização do homem feudal quanto a educação do homem burguês tem uma finalidade muito bem definida: adaptar as novas gerações a um modelo de sociedade. Mas será que a alfabetização é apenas isso? Será apenas um processo de formação de homem para adaptá-lo a viver numa sociedade “dada”? Não existirá uma concepção de alfabetização que, ao contrário, vise despertar as novas gerações para a construção de outra sociedade? Uma alfabetização emancipadora que as desafie para o amanhã? O que representa o educador nessa outra alfabetização e como pode ela surgir no interior de uma sociedade velha, de metodologia ultrapassada e recalcadoras do conhecimento da criança? Todas essas questões não são novas. Só que em cada épocas elas são colocadas de maneira diferente, iluminadas por novas experiências educacionais, por novas práticas pedagógicas, pela reflexão acumulada, pela renovação e inovação educacional no que tange a alfabetização. Hoje os educadores se perguntam até que ponto a alfabetização numa nova proposta metodológica construtivista e colocada em prática poderá tornar-se um instrumento de libertação de uma pedagogia tradicionalista/elitista e em precárias condições físico-material de elevar-se em qualidade e quantidade. Hoje, nós educadores, consideramos indispensável que a reflexão e conscientização do educador não visem apenas a reconstituição histórica da educação, como fundamento, mas como uma metodologia que fundamente e direcione o trabalho do educador como instrumento para superar as contradições de um meio sócio-econômico e social discriminativo do qual as maiorias das criança são provenientes. Só uma proposta metodológica de alfabetização verdadeiramente comprometida com o desenvolvimento e a construção do conhecimento da criança poderá transformar essa sociedade de hoje. A formação de um educador competente não é suficiente. É preciso que a competência técnica esteja fundamentada num compromisso político. A ECONOMIA POLÍTICA DA ALFABETIZAÇÃO É sabido que a alfabetização constitui um problema econômico. Tanto o custo individual da alfabetização – como os benefícios que ela acarreta ( maior produtividade e melhores salários ) podem ser avaliados com precisão. Contudo, esquece-se que esses benefícios são tanto de ordem econômica como política, o que pode ser constatado de duas maneiras distintas, porém complementares. Primeiro, a alfabetização deve ser considerada um direito fundamental justamente porque constituiu um requisito para a participação na vida social e política. A população analfabeta de um país costuma concentrar-se em grupos sociais e zonas demográficas sistematicamente privadas de meios de expressão política e de acesso ao poder social. Segundo, as formas de gratificação social que levam os indivíduos a se alfabetizarem e depois manterem e aperfeiçoares os conhecimentos assim obtidos são tanto políticas quanto econômicas. A existência de formas populares de representação e participação democráticas – nas quais o saber ler e escrever torna-se um ato social significativo e gratificante – constitui requisito indispensável para o êxito dos programas de alfabetização. Os aspectos políticos da alfabetização podem ser mais bem aceitos em uma sociedade progressista que seja suficientemente organizada para não se sentir ameaçada pela maturidade política de seus cidadãos e que não tema o poder e os conhecimentos de uma população alfabetizada. Assim, creio que a primeira etapa de uma campanha de alfabetização eficaz consiste em debilitar as forças elitistas que se sentem ameaçadas pela perspectiva de um poder popular. Portanto, para que a alfabetização seja eficaz é preciso rejeitar uma série de noções estabelecidas de teoria pedagógica que serviriam aos interesses das elites, mas não corresponde às necessidades da maioria. Por exemplo, o ensino é visto muitas vezes como uma relação entre professor ativo e aluno passivo, na qual os conhecimentos são transmitidos por um iniciador que controla um receptor que é controlado. Eis porque as instituições de ensino em geral e os programas de alfabetização em particular quase nunca se ajustam aos critérios da participação democrática. Esse modelo ativo/passivo aplicado à alfabetização freqüentemente fracassa por duas razões inter-relacionadas que dizem respeitosa à natureza antidemocrática do processo de ensino. Primeiro, a verdadeira aprendizagem ocorre quando os indivíduos adquirem uma capacidade pessoal ao exercerem controle sobre seu meio. Reduzir o aluno à condição de instrumento passivo do professor priva a relação pedagógica do meio mais eficaz para a aquisição de conhecimentos. Segundo, a reação natural do aluno diante de sua impotência no ambiente de ensino é rejeitar a autoridade daquele que detém o poder. Assim, não aprender torna-se um ato positivo de auto-afirmação e preservação da dignidade pessoal. Contrariamente, a economia política do ensino se baseia no princípio de que este é mais eficaz e mais bem aceito pelos alunos quando o meio educacional lhes concede algum poder e os estimula a exercerem-no ativamente no plano tanto individual como coletivo. O ensino e a alfabetização em particular é freqüentemente considerado uma esfera à parte da vida social, devendo portanto ser ministrados em ambientes outros que não o lar, a comunidade e o trabalho. Eis aí, um grande equívoco, pois o ensino não é uma atividade localizada, mas sim uma prática e um projeto com vistas a favorecer o pleno desenvolvimento da capacidade pessoal de cada indivíduo. Como todas as outras atividades sociais, as práticas pedagógicas podem-se desenvolver em qualquer lugar. Mas a realidade é outra. O ponto de vista mais difundido é o de que o ensino é ministrado em instituições especiais que preparam as pessoas para ingressar em outros tipos de instituições sociais, como a política e o trabalho. Mas, na verdade, a educação é uma prática que tem por objetivo a “produção” de pessoas. Onde elas são “produzidas”? Podemos afirmar que elas são produzidas – e portanto educadas – em todo e qualquer meio social de que participem, sobretudo a política e o trabalho e em especial, na escola. A política não produz apenas líderes e decisões, mas também cidadãos educados. A economia não produz apenas bens e serviços, mas também gente. Em suma, a educação é uma prática que, consciente ou inconscientemente, planejada ou não, constitui um aspecto do desenvolvimento econômico igualitário . Quando um grupo, ou mesmo o poder público funda uma escola não é para se atender o direito individual do acesso à educação e à cultura? O homem é político e exerce sua natureza política, ao nível de grupos para melhor satisfazer suas necessidades tanto materiais como espirituais. A Educação é Política, diz respeito à educação como um componente do amplo projeto de uma sociedade, porque tem intenções nas suas ações e metas. Na educação e cultura, a falta de educação política, provoca a marginalização, alienação, dependência científico-tecnológica, e a sociedade perde suas identidade e sua memória, tornando-se presa fácil de aventureiros ou aproveitadores. Por isso, se o homem é político, a educação é política, deverá ser na escola que estas funções desabrocham porque é nela que ambas caminham juntas. A Escola será uma miniatura da grande sociedade nacional, pois nela temos funções globais, exercidas pelo professor, aspirações individuais, floradas pelos alunos, e funções grupais, abrangendo a totalidade da população da escola: alunos, professores, funcionários e comunidade. Portanto, a liberdade e a igualdade juntamente com a formação e o desenvolvimento cultural, são os componentes essenciais do grupo escola. A Escola também deve extrapolar seu próprio espaço e abrir-se para a comunidade: seu bairro ou vila, município, estado, país e quiçá, até mesmo o mundo. O clima de liberdade e igualdade, poderá possibilitar o surgimento de especializações, que se dediquem a ângulos dos problemas, e posteriormente se integrarão numa visão global. Todas as individualidades podem se manifestar, possibilitando um amplo espaço no qual as diversidades encontrem um lugar. Este clima, faz crescer um homem político, isto é, um cidadão cônscio de suas potencialidades individuais, com segurança na participação dos grupos e responsável por tudo que é de todos. Assim entendida a Escola é a aula prática da democracia. O aluno por sua vez, inserido nesta filosofia política, encontrará o ambiente para exercitar e exercer seus dons e capacidades individuais, por si mesmo, e em grupos de interesses afins. ALFABETIZAÇÃO: UMA NOVA PROPOSTA METODOLÓGICA Novas necessidades na economia, proporcionadas pelo avanço da industrialização, e ao mesmo tempo que permitem em maior acesso às oportunidades educacionais – revelado pelo aumento do número de escolas – questionam a escola dos rudimentos do ler, escrever e contar. As funções sociais do uso da escrita se ampliam, estabelecendo novos parâmetros para a formação de leitor, que passa a conviver com situações de leitura cada vez mais complexas e diversificadas. Esses fatores provocaram a reavaliação dos pressupostos da pedagogia tradicional e a instituição dos princípios do movimento que se convencionou Escola Nova ou Escola Renovada. A concepção de alfabetização que professávamos repousa, imóvel. Acreditávamos que, para aprender a ler, o único caminho era aquele concebido a séculos: ensina-se a família do b de “barriga”, a família do f de “foguete”, a família…. No brasil hoje, temos como parâmetro as investigações realizadas por Emília Ferreiro e Ana Teberosky sobre a psicogênese da língua escrita, a escola ensaia uma nova didática para a prática alfabetizadora. As repercussões desses estudos também já ultrapassaram as reflexões teóricas e avançaram em direção às salas de aula através de experiências pioneiras. O novo milênio chega marcando uma reavaliação dos pressupostos de alfabetização e a psicogênese da língua escrita pressupõe a criança como um sujeito cognoscente, um sujeito que constrói ativamente o saber. Para a incorporação das informações à estrutura cognitiva e percebidas no mundo exterior, estas devem ser transformadas pelo esquema de assimilação do sujeito, através de um processo de reestruturação das hipóteses já elaboradas pelo sujeito da aprendizagem. Os avanços da Psicolinguística se devem particularmente às descobertas de Chomsky sobre os fenômenos lingüísticos, aos estudos de Piaget na área da Psicologia Genética e Vygotsky e Wallon, onde postula que o conhecimento é constituído pela interação no meio, entendido como o físico, humano e das representações. A história da vida do homem constitui o conhecimento social, mente posto, assim como a própria linguagem e esta linguagem traz em si esta história. A contribuição desses teóricos nos remete a inegável evidência de que a atividade de conhecer é de extrema complexidade.