Sistema intrauterino liberador de levonorgestrel para tratamento de

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estudo de caso
Sistema intrauterino liberador de levonorgestrel
para tratamento de hiperplasia endometrial
complexa com atipias celulares: relato de caso
Baltasar Melo Neto, Giuliano da Paz Oliveira, José Andrade de Carvalho Melo Júnior, Isadora de Melo Castro,
Marina Sousa Carvalho e Sabas Carlos Vieira
RESUMO
A hiperplasia endometrial caracteriza-se por proliferação anormal de glândulas e estroma, com
predominância do componente glandular, que determina graus variados de desarranjo arquitetural.
O risco da evolução de hiperplasia para carcinoma
está relacionado à presença e à intensidade da atipia celular. O diagnóstico é mais preciso por histeroscopia com biópsia. Para o tratamento de casos
com atipias, a histerectomia tem sido geralmente
recomendada, exceto quando a paciente tem forte desejo de engravidar ou alto risco cirúrgico.
Apresenta-se um caso de hiperplasia endometrial
complexa com atipias, tratada com sucesso por
meio de dispositivo intrauterino com levonorgestrel e ocorrência de gravidez a posteriori.
Palavras-chave. Hiperplasia endometrial; tratamento; sistema intrauterino liberador de
levonorgestrel
Trabalho realizado na Universidade Federal do Piauí
Baltasar Melo Neto – graduando, Faculdade de Medicina, Universidade
Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil
Giuliano da Paz Oliveira – graduando, Faculdade de Medicina,
Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil
José Andrade de Carvalho Melo Júnior – graduando, Faculdade de
Medicina, Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil
Isadora de Melo Castro – graduanda, Faculdade de Medicina, Faculdade
Integral Diferencial, Teresina, Piauí, Bras
Marina Sousa Carvalho – graduanda, Faculdade de Medicina,
Universidade Estadual do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil
Sabas Carlos Vieira – médico oncologista e mastologista, professor,
Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil
Correspondência: Baltasar Melo Neto. Rua Miosotis, 350,
bairro Jockey, CEP 64.048-130, Teresina, Piauí. Telefones: 86
99882330 e 86 32324222.
Internet: [email protected]
ABSTRACT
Levonorgestrel-releasing intrauterine system for
treatment of complex endometrial hyperplasia with
cellular atypia: A case report
Recebido em 5-6-2012. Aceito em 20-6-2012.
Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.
Endometrial hyperplasia is characterized by an abnormal proliferation of glands and stroma, with a predominance of the glandular component, which causes varying degrees of architectural disarrangement. The risk of
progression of hyperplasia to cancer is correlated with
the presence and intensity of cytological atypia. The diagnosis is more accurate when hysteroscopy with biopsy is performed. For the treatment of cases with atypia,
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ESTUDO DE CASO
hysterectomy has been generally recommended, except
when women have a strong desire for pregnancy or present surgical risk factors. We discuss a case of complex
endometrial hyperplasia with atypia successfully treated
with levonorgestrel-releasing intrauterine system, with
subsequent occurrence of pregnancy.
Key words. Endometrial hyperplasia; treatment; levonorgestrel-releasing intrauterine system
INTRODUÇÃO
A hiperplasia endometrial caracteriza-se por proliferação anormal de glândulas e estroma, com predominância do componente glandular, que determina
graus variados de desarranjo arquitetural. Pode ser
simples ou complexa, com atipia celular ou não.1
Existe risco de progressão de hiperplasia para câncer
endometrial relacionado principalmente à presença
e à intensidade de atipias celulares.2 Um estudo evidenciou que, em 23% das pacientes com hiperplasia
atípica complexa sem tratamento, houve malignização.1 Embora o câncer de endométrio seja mais
comum em mulheres na pós-menopausa, mulheres
na menacma também estão sujeitas a esse tipo de
neoplasia, mesmo com frequência bem inferior.3
O exame padrão-ouro para o diagnóstico de hiperplasia endometrial é o histopatológico. Esse é
feito em amostras, preferencialmente obtidas por
histeroscopia, o que fornece precisão superior à
ultrassonografia transvaginal, histerossonografia
e curetagem.3 Em virtude do potencial oncogênico
da hiperplasia endometrial com atipias, a histerectomia é preconizada como conduta na maioria das
vezes.4 O tratamento conservador, como a instalação de sistema intrauterino liberador de levonorgestrel (SIU-LNG), ainda é procedimento de exceção, reservado para mulheres que têm forte desejo
de engravidar ou de alto risco cirúrgico.5,6
Apresenta-se um caso de hiperplasia endometrial
complexa com atipias, tratado com o sistema intrauterino liberador de levonorgestrel, em que
houve a normalização do endométrio e a ocorrência de gravidez a posteriori.
132 • Brasília Med 2012;49(2):131-134
RELATO DO CASO
Paciente com 39 anos de idade, nuligesta, tentou
engravidar nos últimos seis meses antes da consulta e procurou o serviço com desejo de reprodução.
Sabidamente portadora de lúpus eritematoso sistêmico, fazia tratamento com sulfato de hidroxicloroquina e prednisona. A menarca ocorreu aos
13 anos etários, e os ciclos menstruais eram regulares. Não fez uso de hormônio. Não era tabagista e
não teve antecedentes familiares de neoplasias. Era
normolínea, e o índice de massa corporal foi 27 kg/
m2. Não foram evidenciadas alterações aos exames
físico geral e ginecológico.
O exame com ultrassom transvaginal na fase pré-menstrual mostrou útero em anteversoflexão
de contornos regulares e dimensões preservadas.
Havia imagem nodular hiperecogênica única na
cavidade endometrial, que sugeriu ser pólipo endometrial, e imagem hipoecoica de limites bem
definidos, com 3,6 centímetros de maior diâmetro,
que poderia ser mioma intramural. O endométrio
tinha espessura de doze milímetros. Realizada histeroscopia diagnóstica – óptica 30o, soro fisiológico
como meio de distensão – para fins de investigação
da região suspeita. Feita ressecção completa da lesão com aspecto de pólipo. O exame histopatológico mostrou tratar-se de hiperplasia endometrial
complexa com atipias.
A paciente manifestou desejo de uma segunda opinião, pois fora indicada histerectomia, e ela tinha
forte desejo de ser mãe. Foi proposto tratamento
com o SIU-LNG (Mirena®), e sua inserção ocorreu
após obtenção do seu termo de consentimento livre e esclarecido.
Depois de um ano – período durante o qual relatou ter
permanecido em amenorreia a maior parte do tempo,
exceto por dois episódios de sangramento transvaginal ocasional com duração de três dias cada –, retornou para controle do SIU-LNG e reafirmou seu desejo
de reprodução, motivo pelo qual foi retirado o sistema.
O exame por ultrassom após o procedimento mostrou apenas imagem hipoecoica de 3,9 centímetros
já observada no exame anterior, o qual sugeriu se
Baltasar Melo Neto e cols. • Hiperplasia de endométrio
tratar de mioma intramural. A histeroscopia com
biópsia endometrial de controle revelou reação
deciduoide sem evidências de atipias. Quatro meses depois da remoção do sistema intrauterino, a
paciente engravidou. Realizou acompanhamento
pré-natal em outro serviço, sem intercorrências
adversas, sendo submetida a cesariana na 37.a semana de gestação.
Dezessete meses depois do parto, período durante
o qual permaneceu sem método contraceptivo, nova histeroscopia com biópsia foi realizada, mesmo
com laudo ultrassonográfico de normalidade, por
ser tratamento usado excepcionalmente em mulheres com hiperplasia atípica de endométrio. O
exame histopatológico do tecido endometrial não
mostrou alterações.
DISCUSSÃO
A hiperplasia endometrial é definida como proliferação glandular, com aumento da relação glândula-estroma, quando comparada ao endométrio
proliferativo.7
O exame histopatológico de material obtido por
histeroscopia diagnóstica é o padrão-ouro para seu diagnóstico. A histeroscopia se impõe em
caso de suspeita clínica de hiperplasia endometrial, isto é, em casos de sangramento menstrual
irregular e ou aumentado, quando na menacma
ou próximo da menopausa ou, ainda, no período
pós-menopáusico.3
A classificação de hiperplasia endometrial, aprovada pela Sociedade Internacional de Patologistas
Ginecológicos e pela Organização Mundial da
Saúde, leva em consideração a presença ou ausência de alterações citológicas e o grau de complexidade da arquitetura. Consiste em quatro grupos:
hiperplasia simples (cística sem atipia); hiperplasia
complexa (adenomatosa sem atipia); hiperplasia
simples com atipia (cística com atipia) e hiperplasia
complexa com atipia (adenomatosa com atipia).7
A hiperplasia complexa com atipias se caracteriza pela presença de glândulas com brotamentos e
invaginações, além de células epiteliais alargadas,
hipercromáticas, com nucléolos proeminentes e
com aumento da relação núcleo-citoplasma.8 Sabese que a atipia celular é o mais importante fator
preditivo da capacidade de malignização de lesões
hiperplásicas do endométrio. Desse modo, hiperplasias simples e complexas sem atipias progridem
a taxas menores de malignização que as hiperplasias simples e complexas com atipias.7,8
A escolha do tratamento das hiperplasias endometriais leva em consideração as características
clínicas da paciente e o tipo histológico da lesão.
Na hiperplasia atípica, o tratamento tradicional
de eleição é o cirúrgico. O tratamento clínico fica
reservado para os casos de risco cirúrgico elevado
ou quando as pacientes desejam preservar o útero.
Os agentes progestacionais podem ser utilizados
e ocorre desaparecimento do quadro hiperplásico
na maioria dos casos.9,10 A cura da hiperplasia ou
do câncer de endométrio pela terapia progestagênica provavelmente sobrevém por ativação dos
receptores da progesterona, resultando em decidualização e subsequente diminuição da espessura do endométrio.11 Os progestagênios também
são potentes antiestrogênicos quando usados em
doses medicamentosas;12 estimulam a atividade
da 17-beta-hidroxiesteroidedesidrogenase e da
sufoniltransferase, que convertem o estradiol em
sulfato de estrona, o qual é rapidamente excretado da célula. Eles também diminuem os efeitos dos
estrogênios sobre as células-alvo, por inibição da
expressão dos receptores estrogênicos, supressão
da transcrição de oncogenes mediada pelos estrogênios e pelo efeito antimitótico e antiproliferativo
sobre o endométrio.13-15
Relatos de casos de hiperplasia endometrial complexa com atipias, tratadas com sucesso pelo sistema intrauterino de levonorgestrel, e a ocorrência de gravidez a posteriori já foram descritos. Dois
estudos relataram o tratamento eficaz de jovens
com hiperplasia endometrial com atipias e síndrome de ovários policísticos com desejo de manutenção do potencial reprodutivo por meio do SIULNG.16,17 Outro estudo apresentou dois casos com
pacientes inférteis com diagnóstico de hiperplasia
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ESTUDO DE CASO
endometrial complexa com atipias e tratadas com
o SIU-LNG, em que houve gestações após indução
da ovulação e retirada do sistema.18
A terapia conservadora com SIU-LNG pode ser,
pois, uma alternativa clínica para o tratamento
de pacientes jovens com hiperplasia de endométrio complexa com atipias que desejam concepção.
Entretanto, ressalta-se a importância de serem realizados mais estudos a respeito da segurança e da
aplicabilidade dessa opção terapêutica. Acrescentase, ainda, a necessidade de seguimento mais longo
para garantir a cura nessas mulheres.
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