ENSINAR/APRENDER FIOSOFIA - Centro de Filosofia da

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Debate
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Leio-vos de um capítulo: «Uma nova reflexão se impõe. E, como
sempre, quando nos aventuramos numa terra desconhecida, as referências
antigas permanecem com a sua pertinência. Quem deixaria a bússola
quando atravessa uma zona de bruma? (...) Não é sua função [da Medicina] refazer o mundo. A Medicina sofreu demasiado e durante muito tempo o efeito dos dogmas para amanhã se autorizar a promulgar uns seus.
Não é sua função tornar-se auxiliar cego de um Estado que dela exigiria
um modelo de humanidade conforme [à sua vontade] (...). Não é sua
função responder a todas as solicitações que a fariam executar tarefas
diferentes» das que se enquadram no curar e no cuidar. «A sua missão
permanece (...); nas imensas mudanças técnicas e científicas, alguma
coisa não muda, ou mais exactamente, alguém: o doente» .
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Saber pensar é, pois, necessário. Urgente. Na linguagem do Gato
Fedorento (que, claramente, não se adequa a este fórum; as minhas desculpas!), "saber pensar, parecendo que não, facilita".
E no IPO de Lisboa, a partir da inquietação de colegas como Manuel
Silvério Marques e Jorge Melo foi possível, com alguns dos presentes,
fundar um Gabinete de Filosofia da Medicina. Exactamente para sermos
ajudados, na reflexão da nossa prática, a pensar a Medicina.
ENSINAR/APRENDER FIOSOFIA
O olhar de Évora no Secundário
Celestino Froes David
Professor do Ensino Secundário
As características próprias da disciplina de Filosofia no ensino
secundário e as condições actuais em que se desenvolve o ensino da Filosofia nas escolas não só não são favoráveis como se têm degradado acentuadamente, devido a constrangimentos que afectam os professores em
geral, como todos reconhecem. Trata-se de problemas que afectam a
autoridade do professor na sala de aula, na sua relação com os alunos, na
avaliação, no quotidiano da actividade docente que transformam os pro2 4
ID, 233-235.
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Debate
fessores em funcionarios burocratas, mais atentos a problemas administrativos do que às tarefas que constituem a sua verdadeira função de ensinar e desenvolver em si e nos alunos o gosto e o prazer pelo saber
filosófico. Sem esta satisfação pelo trabalho desenvolvido não há certamente resultados satisfatórios nem compensadores.
Neste contexto o ensino da Filosofia tem sido desqualificado e/ou
esquecido por quem tem responsabilidades no Ministério da Educação. É
este esquecimento que nos traz aqui, numa altura em que se menospreza a
formação filosófica nos curricula dos alunos e se extingue a necessidade
de um exame nacional desta disciplina como acesso ao ensino superior.
Perante estas preocupações os professores das três escolas secundárias de
Évora reuniram-se e sintetizaram as suas reflexões num manifesto que
exprime os aspectos considerados essenciais no debate sobre este tema.
Que este problema ultrapassa largamente os aspectos institucionais relacionados com o ensino secundário e superior e tem consequências negativas óbvias no desenvolvimento social e cultural do país, eis o que parece
notório para todos, excepto talvez para os que têm a função de tomar
decisões desta gravidade.
Em primeiro lugar devemos acentuar que a manutenção da disciplina
de Filosofia, anteriormente designada como Introdução à Filosofia, não
está posta em causa nos curricula dos 10.° e 11.° anos de todos os cursos
científico-humanísticos e cursos tecnológicos do ensino secundário como
disciplina de formação geral, pelo que nada nos leva a supor que a situação se venha a alterar. Acresce que as indicações da União Europeia,
como por exemplo o Relatório Delors (1996) e documentos da UNESCO, vão neste mesmo sentido de reconhecer e favorecer a formação filosófica no ensino secundário.
A criação de um exame nacional de Filosofia no I I ano que teve a
sua primeira época em 2006 e terá ainda continuidade em 2007, foi um
episódio lamentável que veio substituir o exame nacional de acesso ao
ensino superior até então realizado no 12.° ano. Foi esta substituição,
realizada sem qualquer fundamentação sólida, que veio lançar a confusão
e dar origem a outros equívocos que os professores de Filosofia do ensino
secundário bem conhecem. Refiro-me à introdução de umas chamadas
Orientações para a Leccionação dos programas de 10. e 11." anos e a
um novo modelo de exame para o 11° ano que foram adoptados pelo
Ministério com o beneplácito da Sociedade Portuguesa de Filosofia,
Associação de Professores de Filosofia e ainda a equipa responsável pelas
reformulações do Programa de Introdução à Filosofia (aprovado em
1991). Apesar das reservas manifestadas pela Associação de Professores
25
o
a
Delors, J. (dir.) (1996), Educação - um Tesouro a Descobrir, Porto, Asa.
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de Filosofia os documentos foram aprovados depois de várias reuniões
no Ministério. Os argumentos utilizados para justificar as ditas Orientações acentuavam a necessidade de compatibilizar o programa com um
novo exame nacional. Também não compreendemos a posição da equipa
revisora dos programas em vigor ao aceitar estes documentos que desvirtuam todo o trabalho realizado.
Quem quiser ter uma noção mais fiel do que aqui estava em causa
deverá consultar estas duas peças de má memória onde se detecta a
influência preponderante da Sociedade Portuguesa de Filosofia: as Orientações já referidas e a prova de Exame Nacional de 11.° Ano de 2006. As
primeiras, como dizia inicialmente a A.P.F., constituem uma substancial
e ilegítima alteração do Programa - e dizemos nós, uma subversão do
Programa tornando-o doutrinário no sentido da Filosofia Analítica, reduzindo significativamente a pluralidade filosófica, pedagógica e didáctica
que o caracterizavam. Os constrangimentos a que as ditas Orientações
obrigam vão ao ponto de estipular como devem ser leccionadas certas
temáticas e quais os autores e textos de referência obrigatórios. Trata-se
evidentemente de condicionar professores e alunos a um modelo de exame que não tem antecedentes no ensino da Filosofia e que chega ao
cúmulo de apresentar questões de escolha múltipla! Este fenómeno espúrio aconteceu pela primeira vez no exame nacional de 11.° ano de 2006 e
vai repetir-se este ano no último exame nacional previsto. Em boa hora o
Ministério da Educação resolveu suspender estas Orientações no início
do actual ano lectivo, último ano em que se prevê a realização do exame
de 11.° ano.
26
A questão que colocamos é muito simples: vale a pena propor um
exame nacional de 11.° ano para o ingresso no ensino superior? Se tivermos em conta os condicionalismos já apontados anteriormente, a resposta
é claramente negativa. Reconhecemos a necessidade de exames nacionais
e a sua função de proporcionar uma avaliação independente, justa e equitativa. Aliás, o Documento de Revisão Curricular já previa a realização
de um exame no final do 11.° ano. Ora as competências que o Programa
prevê para os alunos no final do 11.° ano são: saber recolher informação,
clarificar o significado e saber utilizar conceitos fundamentais, redigir
textos, participar em debates, analisar e compor textos argumentativos,
realizar um pequeno trabalho monográfico. Não são estas competências
2 6
Boletim Informativo da APF. III série n.°7, Julho 2005 - "Ao primeiro documento
(modelo de exame) respondemos com sérias reservas, mas construtivamente. Tratava-sc de aperfeiçoar apenas um modelo. Porém, quando num curto espaço de tempo tivemos que tomar posição perante um texto de trabalho intitulado Orientações para a Leccionação do Programa, do qual nos dissociámos quase sem reservas, verificámos que
não se tratava de melhorar um Programa e a sua leccionação mas de o alterar substancial e ilegitimamente."
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comparáveis com as assinaladas para o 12.° ano, onde se propõe uma
verdadeira preparação para o ensino superior. Percebe-se assim que os
primeiros anos de ensino da Filosofia, cujos programas tinham a designação de Introdução à Filosofia, não são necessariamente os mais indicados
para serem utilizados no ingresso ao ensino superior, e muito menos num
exame com este propósito.
O que propomos é a reintrodução do exame nacional de Filosofia no
12.° ano como prova de acesso ao ensino superior. Este Programa, sem as
alterações recentes que o tornaram inoperacional para provas de exame, é
sem dúvida o melhor instrumento propedêutico para o ensino superior.
Centrado na leitura integral e interpretação de três obras filosóficas de
três épocas diferentes, este programa proporcionava condições únicas e
estimulantes de trabalho hermenêutico e fornecia aos alunos a oportunidade do contacto com as obras de filósofos marcantes na história da filosofia. Os resultados obtidos nos exames de 12.° ano corroboram as virtudes do programa e mostram que o critério dos professores de Filosofia é
plenamente justificado e pode apresentar resultados satisfatórios.
E a inexistência do exame nacional de 12.° ano que está a provocar a
diminuição do número de alunos e de turmas, bem como a desqualificar o
ensino da Filosofia, pois como já referimos, era esse programa que sempre
tinha servido de acesso ao ensino superior e nunca o do 10° e 11.° anos.
Apelamos à ponderação sobre esta proposta que consideramos ser a
que melhor defende a qualificação dos alunos e do ensino da Filosofia no
ensino secundário, permitindo uma melhor qualidade no trabalho desenvolvido com repercussões positivas no ingresso no ensino superior.
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