A PERDA DA DÉCADA DEPENDE DA IDEOLOGIA DO OLHAR Marcos Kruse Economista Doutorando em Direito Escrevo o presente artigo como comentário crítico ao interessante artigo proposto pelo colega economista Gilmar Mendes Lourenço, Mais uma Década Perdida para o Brasil, publicado no site do Corecon-PR em 29 de janeiro de 2.015. Não me atenho a pontuar o artigo do colega até porque isto seria, a meu ver, contra-produtivo. O que está em questão no presente artigo é destacar o elevado grau de aproximação ideológica que sustenta a analítica proposta pelo colega economista. A ciência da economia é sempre ciência social e, à medida em que se tenta separar ciência econômica de ciência social, incorre-se em multívocos de avaliação e equívocos de perspectiva. Ou seja, o que destaco no presente artigo é que avaliar a década de 2.002 a 2.012 como perdida se faz sempre e necessariamente, sob a ótica da ideologia assumida pelo analista. Então, esclareço que o viés ideológico assumido por mim é distinto daquele assumido implicitamente pelo artigo em comento. E, na distinção ótica e ideológica, há que perguntar-se, para quem a década teria sido perdida? Pelos próprios termos do artigo, a década referida experimentou “aumento no consumo do governo e das famílias” eis que este fora o eixo dinâmico da economia em tal período. Ainda se especifica o “reforço do acréscimo do poder de compra do salário mínimo”, quem sabe como suporte ao eixo dinâmico da economia. Pondera ainda o colega que a viga mestre de tal feito estaria dado pela poupança externa dada a “valorização dos termos de troca”. Em suma, a analítica proposta seria a de que teria havido aumento do consumo e este estabeleceria o fio condutor da política econômica que justificaria a perda da década. Como forma de justificar o olhar que se adota, são apontados diversos itens de pauta que fundamentariam os reajustes dos preços controlados como forma de evitar os problemas originados pela suposta década perdida. Até mesmo os juros praticados pela Caixa Econômica Federal estariam dentro de tal movimento de, digamos, camuflagem da equivocada política econômica adotada na década que se entende perdida. A conclusão não poderia ser mais deprimente. Entende-se que, “(...) a julgar pelo foco e insuficiência da política econômica, atestados pelas modestas indicações de otimismo e confiança dos atores sociais, a nação ruma a passos largos para mais uma década perdida.” Ouso discordar completa e totalmente do ilustre colega. Não porque tenha detectado alguma incorreção nos dados que apresenta e sim porque, tanto o olhar quanto a analítica do problema estão dependendo da posição ideológica assumida pelo economista. É uma ilusão de grandes proporções pretender que a economia seja uma ciência neutra. Até mesmo os números que se tomam não são neutros. Eles respondem a interesses implícitos para o que se pretende dizer. Neste sentido, o artigo é, no mais legítimo sentido, um artigo de economia política. E, traz a virtude e o mérito de colocar a política escancarada à frente da economia. Afinal de contas, para que serve a economia? Esta é a questão fundamental. A década é perdida para quem? Dos dados que são apontados pelo próprio artigo do colega economista, vejo que, se houve alguma perda, esta não se deu para o Brasil e nem para o povo a quem devem os economistas políticos haveriam de servir. Os problemas que ocorrem no mundo são altissonantes a indicar a persistência de fortes conflitos em torno dos objetivos da economia política. Então, em referência ao artigo em comento manifesto quase que total discordância. Esta discordância, por dar-se em função dos fundamentos da análise, não pode ser resumida em forma de artigos porque aí se perpetuaria uma discussão estéril e não qualificada, imprópria para o debate econômico. Trata-se, então, de pontuar que o artigo em comento é derivado de determinada visão ideológica e, minha discordância não se dá no nível do artigo e sim, no nível da ideologia que está pressuposta para a produção do artigo. Para não dizer que apenas me manifestei “do contra”, há um aspecto que considero de grande importância e que foi apontado pelo colega Gilmar. Diz ele: “No caso da educação, o aspecto mais saliente foi a alteração dos fluxos de pagamentos do financiamento estudantil (Fies) às entidades de ensino de terceiro grau, deixando metade dos reembolsos das mensalidades de 2015 para 2016. Lembre-se que, em números corrigidos, os desembolsos do programa passaram de R$ 1,1 bilhão, em 2010, para 13,5 bilhões, em 2014.” De fato, o financiamento estudantil (FIES) representou grande desembolso que se conta como investimento federal em educação de terceiro grau. Certamente que o governo apresenta o FIES como um dos seus programas de maior relevância porque permite o acesso de milhões de estudantes ao terceiro grau. Mas, devo concordar com a visão do economista Gilmar quanto ao levantamento de dificuldades do FIES. Contudo, enquanto o colega economista Gilmar olha para o reembolso das mensalidades eu olho para a causalidade do financiamento em si. O cuidado com a educação pública, que faz parte das atribuições intrínsecas do Estado, acabou sendo desviado para uma política de financiamento educacional. E esta política de financiamento educacional significa, na prática, transferência de gigantescos recursos para as entidades privadas de ensino. Na prática e no caso do ensino de terceiro grau, o Estado financia a atividade privada. Então, mesmo que se possa questionar os fundamentos macro-econômicos de tal transferência, ao perguntar-se pela década perdida, foi esta perdida para os milhões de estudantes que conseguiram terminar um curso universitário? Houve década perdida para os proprietários das inúmeras universidades privadas existentes no Brasil, as quais nascem como cogumelos, da noite para o dia e em pouquíssimo tempo se tornam potentados econômicos? Não porque a avaliação feita depende do olhar ou, para dizer de outro modo, depende da ideologia que sustenta o olhar. E, sem ideologia não dá pé; o incauto nadador há de sucumbir porque o mar social é sempre revolto. Os artigos de economistas divulgados pelo CORECONPR são da inteira responsabilidade dos seus autores, não significando que o Conselho esteja de acordo com as opiniões expostas. É reservado ao CORECONPR o direito de recusar textos que considere inadequados.