O Que é Plasticidade Cerebral?

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O Que é Plasticidade Cerebral ?
Autora: Daniela Cunha Agonilha
Plasticidade cerebral é a denominação das capacidades adaptativas do SNC – sua
habilidade para modificar sua organização estrutural própria e funcionamento. É a
propriedade do sistema nervoso que permite o desenvolvimento de alterações estruturais
em resposta à experiência, e como adaptação a condições mutantes e a estímulos
repetidos.
Este fato é melhor compreendido através do conhecimento do neurônio, da natureza das
suas conexões sinápticas e da organização das áreas cerebrais. A cada nova experiência do
indivíduo, portanto, redes de neurônios são rearranjadas, outras tantas sinapses são
reforçadas e múltiplas possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis.
Existem variáveis importantes no sentido de entender o potencial para a recuperação
funcional após lesão. São elas: idade do indivíduo, local e tempo da lesão e a natureza da
mesma.
Como Se Dá a Plasticidade Cerebral?
Podemos encontrar várias teorias sobre como se dá a recuperação das funções perdidas
em uma lesão cerebral: ela poderia ser mediada por partes adjacentes de tecido nervoso
que não foram lesadas, e o efeito da lesão dependeria mais da quantidade de tecido
poupado do que da localização da lesão; pela alteração qualitativa da função de uma via
nervosa íntegra controlando uma função que antes não era sua; através de estratégias
motoras diferentes para realizar uma atividade que esteja perdida, sendo o movimento
recuperado diferente do original embora o resultado final seja o mesmo.
Estudos com neuro-imagens de indivíduos com AVC, indicaram modelos de ativação póslesão que sugerem reorganização funcional. Foram feitos a partir de lesões focais corticais
experimentais, que induziram mudanças no córtex adjacente e no hemisfério contralateral.
Investigações morfológicas mostraram que este tipo de plasticidade é mediado por
proliferação de sinapses e brotamento axonal (apenas poucos milímetros).
As alterações celulares que acompanham estas teorias são:
Brotamento: é definido como um novo crescimento a partir de axônios. Envolve a
participação de vários fatores celulares e químicos:
1- a resposta do corpo celular e a formação de novos brotos;
2- alongamento dos novos brotos;
3- cessação do alongamento axonal e sinaptogênese.
Existem duas formas de brotamento neural no SNC: regeneração, que diz respeito a um
novo crescimento em neurônios lesados, e o brotamento colateral, um novo crescimento
em neurônios ilesos adjacentes ao tecido neural destruído. Essas alterações sinápticas
difusas podem ser o mecanismo fisiológico subjacente a uma reaprendizagem ou processo
compensatório.
O brotamento é caracterizado por uma fase inicial rápida, seguida de outra muito mais
lenta que dura meses. Brotamentos a partir de axônios preservados aparecem e se
propagam sobre os campos próximos, entre 4 a 5 dias após a lesão. Outra característica do
fenômeno é sua seletividade tanto em termos do local, quanto do tipo de fibras que sofrem
o processo.
Ativação de Sinapses Latentes: quando um estímulo importante às células nervosas é
destruído, sinapses residuais ou dormentes previamente ineficazes podem se tornar
eficientes.
Supersensitividade de Desnervação: quando ocorre desnervação a célula pós sináptica
torna-se quimicamente supersensível. Dois possíveis mecanismos são responsáveis pelo
fenômeno:
1- desvio na supersensitividade (pré sináptica) causando acúmulo de acetilcolina na fenda
sináptica;
2- alterações na atividade elétrica das membranas .
Estas formas de regeneração no SNC são crucialmente dependentes do ambiente tissular
no qual os novos axônios estão crescendo. Eles podem não conseguir estabelecer conexões
sinápticas apropriadas, devido aos fatores tróficos, condições desfavoráveis de substratos
extracelulares, barreiras mecânicas, como de cicatrizes gliais densas, ou outros
mecanismos inibitórios.
As áreas motoras do SNC demonstram os princípios do brotamento e da sinaptogênese
reativa. O brotamento colateral já foi identificado no córtex, no núcleo vermelho e outras
regiões cerebrais, sugerindo que este é um fenômeno generalizado. Supersensitividade de
desnervação, por outro lado, já foi demonstrada no núcleo caudado. A base das mudanças
reorganizacionais é a presença de conexões intracorticais que permitem interações
variáveis entre neurônios no córtex motor primário .
Outro mecanismo ainda em fase de testes é o de transplante de células. O uso do
transplante, combinado com um treinamento adequado, demonstra que pode haver
recuperação através deste associado com programas de reabilitação, com melhora na
habilidade motora .
Reabilitação e Plasticidade Cerebral
Até os anos 50, aproximadamente, existia a idéia entre os clínicos que a falta de
capacidade dos neurônios se dividirem supunha a impossibilidade de se fazer algo quando
as conexões e neurônios eram perdidos em conseqüência da lesão cerebral. A repercussão
direta desse conceito era a inércia terapêutica, esperando que a natureza fizesse algo para
a recuperação espontânea das funções danificadas.
Um paciente que experimenta os fenômenos da recuperação após lesão cerebral possui um
SNC anormal ou atípico, não só em termos das disfunções alteradas ou perdidas, mas
também em termos de conexões sinápticas, circuitos e vias destruídas ou modificadas,
devido à reorganização por que passa o SNC. Esta reorganização é também responsável
pelas modificações que são observadas clinicamente no sistema neuromuscular dos
pacientes. Por esses meios, diz-se que o indivíduo pode reaprender atividades
desenvolvidas por ele previamente de forma espontânea e harmoniosa. Porém, este
processo é lento e gradual, devendo ser valorizados os pequenos progressos de cada dia.
A reabilitação do cérebro lesado pode promover reconexão de circuitos neuronais lesados.
Quando há uma pequena perda de conectividade, tende a uma recuperação autônoma,
enquanto uma grande perda terá perda permanente da função. Também existem lesões
potencialmente recuperáveis, mas que para tanto necessitam de objetivos precisos de
tratamento, mantendo níveis adequados de estímulos facilitadores e inibidores.
As mudanças organizacionais dependem da localização da lesão e são encontrados em
ambos os hemisférios cerebrais, dependem de áreas lesadas e íntegras pré-existentes,
processamento de redes difundidas e organizadas sem a formação de novos centros.
O conhecimento dos mecanismos celulares e funcionais dos fenômenos da plasticidade
tanto no SNC como no SNP, contribui para o esclarecimento das causas dos desequilíbrios
cinesiopatológicos, no diagnóstico das perdas da independência funcional dos pacientes
(objetivo fundamental da avaliação fisioterapêutica). Além disso, tem a função de nortear o
programa de intervenção terapêutica a ser estabelecido. Isso contribui para o
estabelecimento de limites, duração da intervenção, ou seleção de métodos e técnicas que
sejam mais apropriadas na facilitação da recuperação funcional normal do sistema nervoso
após lesões que o acometem .
Para ficar mais claro, selecionei um trecho de uma matéria divulgada no site do Dr. Drauzio
Varella, em linguagem simples e direta. Vejamos:
Plasticidade neuronal
"Eu fiquei completamente arrasada. Achei que fossem tirar só uma parte do cérebro do
meu filho, mas não o lado esquerdo inteiro", conta Jackie Mullis, mãe de Harrison.
Imagine o impasse dessa mãe: ver o filho morrer aos poucos ou apostar todas as fichas
numa cirurgia arriscadíssima, uma operação para retirar metade do cérebro do menino.
Para tomar a decisão, a mãe teve de confiar na capacidade fantástica de adaptação do
cérebro humano. É o que os médicos chamam de plasticidade neuronal. Guarde bem essa
expressão.
Harrison tem 6 anos. Logo depois que nasceu, um vaso sanguíneo se rompeu dentro de
sua cabeça. Resultado: uma epilepsia gravíssima.
"Meu filho tinha um tipo perigoso de convulsão, que a gente nem conseguia perceber. Ele
passava mais de uma hora mastigando, sem ter nada na boca. De repente, ficava
agressivo, atirava tudo o que via em nossa direção", conta Jackie.
Harisson foi examinado em um centro especializado em epilepsia, na Inglaterra. Os exames
mostraram que, mesmo que o menino estivesse quietinho, seu cérebro vivia num
constante turbilhão. Como em uma tempestade de impulsos elétricos, ele sofria pequenas
convulsões, uma atrás da outra. Também foi descoberta uma lesão gigantesca no lado
esquerdo do cérebro.
Não havia mais tempo a perder. Os médicos ofereceram à mãe de Harrison a única saída
para salvar o filho: retirar a metade doente do cérebro.
"Só decidi aceitar a cirurgia quando percebi que poderia perder meu filho a qualquer
momento, numa convulsão", conta Jackie.
O lado esquerdo do cérebro é responsável por atividades importantes, entre elas a
linguagem e o movimento do lado direito. Como Harrison viveria sem essa metade?
"O indivíduo adulto que perdesse completamente o hemisfério, ia apresentar uma
incapacidade de mover o outro lado do corpo e não ia enxergar metade do campo visual do
outro lado", explica o neurologista Luiz Henrique Martins Castro, da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (USP).
Depois da cirurgia, a mãe esperou angustiada que o filho voltasse à consciência. Foram
três dias de tensão.
"De repente ele fez um movimento para se levantar. Mal o peguei, começou a falar. Foi a
primeira vez em seis anos que vi meu filho juntar quatro palavras numa frase, e foi tudo
num minuto", recorda Jackie.
O controle de Harrison sobre o lado direito do corpo foi afetado. Mas com fisioterapia
intensiva, o menino melhora a cada dia. Reaprendeu a falar e até canta.
Quando uma criança sofre uma lesão no cérebro, as células nervosas sadias assumem as
tarefas das que foram destruídas. Isso se chama plasticidade neuronal. Em Brasília, um
centro especializado usa exames de altíssima tecnologia para acelerar essa incrível
habilidade do cérebro.
O princípio do exame de ressonância magnética funcional é simples. Quando o cérebro
funciona, as áreas que vão sendo ativadas consomem mais oxigênio. Para elas poderem
consumir mais oxigênio, deve aumentar o fluxo de sangue que chega até elas. A
ressonância tem a capacidade de detectar esse aumento de fluxo de sangue. Desenhando a
área, aparece uma luz no local que está funcionando. Dessa maneira, através da
ressonância magnética funcional, podemos ver o pensamento dentro do cérebro.
"A criatividade, o processo decisório, a memória, a linguagem, a escrita, a atenção, todas
são características do pensamento e a ressonância funcional permite ver cada uma delas",
explica a neuropsicóloga Lucia Willadino Braga.
Essa tecnologia é fundamental para acompanhar a plasticidade dos neurônios em casos
graves de lesões no cérebro, como o de Rodrigo de Albuquerque Castro, de 10 anos.
Vítima de um grave acidente de carro em Brasília há um ano, Rodrigo ficou dois meses em
coma, com várias lesões cerebrais. "No caso dele, o que surpreende muito é que danificou
a área motora, memória, linguagem, escrita, leitura. Até a fala para ele no início era
difícil", conta Lucia Willadino.
A recuperação de Rodrigo anima os médicos. Tudo graças à plasticidade neuronal típica das
crianças. "É difícil para ele memorizar certas coisas, mas já está conseguindo voltar à vida
social. Já lê, fala e se comunica perfeitamente. Ele está feliz, tem uma série de amigos,
está indo para escola, retomando o prazer de viver tranqüilamente", ressalta a
neuropsicóloga.
"Eu estou bem, cara", afirma Rodrigo fazendo um sinal de OK.
A plasticidade neuronal em adultos não é tão ativa quanto nas crianças. Mas é também por
causa dela que a veterinária Maria de Lourdes Cavalheiro pode contar sua história.
Atropelada por um ônibus há quase dois anos, ela ficou 40 dias em coma.
"A primeira coisa que eu consegui lembrar é que sou veterinária. Eu não conseguia andar.
Ficava numa cadeira de rodas. Não conseguia falar nada", conta Maria de Lourdes.
"Ela tem dificuldade em saber o que tomou no café da manhã, mas o que estudou na
faculdade de veterinária, ela explica com tranqüilidade", explica Lucia Willadino.
"Eu olho bichos que estão doentes e digo que remédio tem que dar. Isso eu faço", afirma a
veterinária.
O circuito que transforma acontecimentos recentes em memória dentro do cérebro de
Maria de Lourdes ainda está em reconstrução. Mais uma vez, é com exames de ressonância
magnética funcional que os médicos acompanham as mudanças. A intenção é descobrir
quais as novas redes de neurônios que estão sendo formadas e, a partir daí, adequar o
tratamento.
"Na hora de ela utilizar a memória auditiva, ela ativa com muita intensidade uma área
vizinha à lesão, como se os neurônios daquela vizinhança tentassem suprir aquele território
que foi destruído", afirma a neuropsicóloga.
Concluindo, a atuação correta e eficaz da equipe de reabilitação na estimulação da
plasticidade é de fundamental importância para a recuperação máxima da função motora
do indivíduo. Isso implica na escolha certa do tratamento e na intensidade do mesmo no
período de maior recuperação da área lesada e sua atividade funcional.
Daniela Cunha Agonilha - Fonoaudióloga - CRFa 13538 - Graduação: USP / Pós-Graduação: Hospital das
Clínicas
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