Caderno de Estudos de nº 4 MÁQUINAS ELÉCTRICAS A C o rre n t e E lé ct rica d e M ag n e t iz ação e A F o rmação do C ircu it o E q u ivale n t e M an u e l V az Gu e d e s (Prof. Associado com Agregação) N ú cle o d e E st u d o s d e M áq u in as E lé ct ricas Fa c u l d a d e d e E n g e n h a r i a d a Un i v e r s i d a d e d o P o r t o Nos transformadores, o fluxo magnético, necessário ao funcionamento desta máquina eléctrica, é mantido pela circulação permanente de uma corrente eléctrica — a corrente eléctrica de magnetização — no enrolamento primário. Por isso, este fenómeno tem de aparecer representado em qualquer modelo do transformador. Devido ao carácter não linear das propriedades magnéticas do circuito magnético do transformador, a forma de onda da corrente eléctrica de magnetização é não sinusoidal. Por isso, é não linear o circuito eléctrico equivalente, capaz de modelizar os correspondentes fenómenos físicos, como o modelo que, actualmente, é utilizado nos estudos do funcionamento em regime transitório de um transformador aplicado em circuitos de medida, ou de protecção. Os conceitos envolvidos nesse tipo de modelização analógica, servem, também, para o desenvolvimento de um modelo matemático programável para integrar na simulação computacional dos regimes transitórios nos sistemas eléctricos. Apesar dos problemas com a excitação do transformador, com a corrente de magnetização e com as perdas no ferro já terem sido apresentados em diversos textos, [1] [2] [3], de uma forma que se tornou clássica, actualmente, torna-se necessário a sua apresentação de uma forma que realce os problemas de não linearidade, inerentes às necessidades de estudo do funcionamento de um transformador real nos sistemas eléctricos contemporâneos. 1 A Corrente Eléctrica d e Magnetização No transformador, a ligação magnética entre os enrolamentos é feita por um fluxo magnético comum ψ(t), variável no tempo, que percorre um núcleo de material ferromagnético, e que é criado pela Caderno de Estudos de MÁQUINAS ELÉCTRICAS, nº 4, pp. 3–13, Dezembro de 1992 2 A Corrente Eléctrica de Magnetização e A Formação do Circuito Equivalente passagem de uma corrente eléctrica num dos enrolamentos que envolve o núcleo. Quando o enrolamento indutor é formado por uma bobina de fio condutor com N espiras, que envolve um núcleo maciço de ψ i material ferromagnético, e que é percorrida por uma corrente eléctrica de valor instantâneo i(t), cria-se uma força magnetomotriz, F = N·i, que u N devido ao comprimento l do circuito magnético ser constante vai ser responsável pelo aparecimento de um campo magnético de valor H = N·i/l. Como o material do núcleo é ferromagnético, a relação entre Circuito Magnético Maciço o valor do campo magnético H e o valor da indução magnética B é não linear. Como o circuito magnético tem uma secção constante S, a indução magnética vai ser responsável pelo aparecimento de um fluxo de indução magnética totalizado ψ = B·S, que encadeia as N espiras do enrolamento indutor. Não sendo iguais os fluxos de indução magnética através da cada uma das espiras da bobina, considera-se φ = ψ/N como o fluxo de indução magnética médio por espira. Habitualmente, considera-se que na situação de vazio o fluxo magnético de fugas ψf é nulo; nessa situação o fluxo que, realmente, atravessa cada espira coincide com o fluxo médio por espira. i F H B ψ As relações entre as diversas grandezas que entram na caracterização do fenómeno da magnetização de um circuito ferromagnético, como o que forma o núcleo de um transformador, provam que há uma relação não linear ψ (i) entre o valor do fluxo magnético totalizado ψ e o valor da corrente eléctrica que o cria i. Essa relação depende das propriedades do material ferromagnético que constitui o núcleo, e é representada, com outras escalas, pela curva característica que relaciona a indução magnética com o campo magnético B(H). O núcleo do transformador é construído com materiais ferromagnéticos, isto é, com materiais que adquirem uma magnetização elevada quando são submetidos a um campo magnético externo. Quando, esses materiais são submetidos a uma primeira magnetização, para valores crescentes do campo magnético H, a indução magnética B assume valores que se podem relacionar através de uma curva de magnetização inicial, ou, simplesmente, curva de magnetização. Uma curva de magnetização, para um B material ferromagnético, pode ser dividida (T) 1,7 naturalmente em três regiões. Numa primeira III região (I) a curva parte da origem com uma 0,8 inclinação dada pelo valor da permeabilidade magnético do vazio µo. Nesta região a curva II de magnetização é, usualmente, reversível. Na 0,4 I 200 400 600 Curva de Magnetização segunda região (II) a curva de magnetização tem uma grande inclinação e é, H (A/m) praticamente, rectilínea, mas irreversível. A terceira região (III) da curva de magnetização é separada da segunda por um “joelho”, e tem 2 3 A Corrente Eléctrica de Magnetização e A Formação do Circuito Equivalente um andamento rectilíneo. Nesta terceira região, o valor da indução magnética é quase independente do valor da intensidade do campo magnético e, portanto, a inclinação da curva é pequena, voltando a curva a ser reversível numa grande extensão. Este comportamento da curva de magnetização de um material ferromagnético resulta do comportamento destes materiais durante a magnetização, principalmente do alinhamento dos pequenos volumes de matéria onde os spins dos electrões estão espontaneamente alinhados — os domínios (P. Weiss, 1906). Depois de efectuada a primeira magnetização, a relação entre o campo magnético e a indução por ele criada deixa de B Br ser unívoca, porque para cada valor do campo magnético existem dois valores da indução magnética, conforme aquele H Hc valor está a aumentar ou a diminuir segundo uma variação simétrica relativamente ao campo magnético nulo. Nas Br — Indução Remanente magnetizações subsequentes, o andamento da característica Hc — Força Coerciva de magnetização dependerá das anteriores situações de magnetização; porque o material irá conservar um “registo” do Ciclo Histerético seu anterior estado de magnetização — o valor da indução remanente. Assim, para uma magnetização alternada simétrica a relação entre os valores da indução magnética e o valor do campo magnético que os cria B(H) é um ciclo fechado — o ciclo histerético. Associado ao ciclo histerético de um material ferromagnético há uma B B1 informação sobre a densidade de energia posta em jogo durante o processo de magnetização. Quando é feita uma magnetização por aplicação de um H 0 H1 campo magnético alternado simétrico, durante a fase de crescimento do campo, de 0 a H1, é consumida uma quantidade de energia por unidade de volume de material que é dada por wmc = W/v = ⌠ ⌡B 1 H dB , que é 0 proporcional à área limitada pelo ramo inferior do ciclo histerético, pelo semi-eixo positivo da indução magnética e por um segmento de recta paralelo ao eixo das abcissas e que passa por B1. Quando, na sequência da magnetização, o valor do campo é diminuído de H1 até 0, é devolvida uma quantidade de energia por unidade B B1 de volume de material que é dada por wmd = W/v = H 0 H1 ⌠ ⌡0 H dB , que é B 1 proporcional à área limitada por um segmento de recta paralelo ao eixo das abcissas e que passa por B1, pelo semi-eixo positivo da indução magnética e pelo ramo superior do ciclo histerético. De uma forma análoga, e devidamente adaptada, é possível verificar que ocorre algo semelhante durante a alternância negativa da magnetização, 0 → – H1. Durante um ciclo de magnetização, é gasta no trabalho de orientação dos domínios magnéticos uma quantidade de energia por unidade de volume proporcional à área contida no interior do ciclo histerético. No volume do material que constitui o núcleo magnético, esta energia é dissipada, sob a forma de calor: constitui a energia de perdas por histerese. Quando o campo magnético indutor da magnetização 4 A Corrente Eléctrica de Magnetização e A Formação do Circuito Equivalente é variável no tempo, periódico com uma frequência f, existem f ciclos de magnetização em cada segundo e, consequentemente, haverá uma dissipação de energia devida à histerese magnética, com uma densidade volúmica f·wm; isto é, as perdas por histerese são proporcionais à frequência de magnetização. Mas, devido à variação, no tempo, do campo magnético existem, também, perdas de energia motivadas pelas correntes de Foucault. A variação no tempo do fluxo magnético dá origem ao aparecimento de um campo eléctrico no meio magnético do núcleo (Lei de Faraday). Nesse meio, formam-se circuitos fechados, nos quais ψ (t) se induz uma força electromotriz, que é proporcional à frequência do fluxo magnético indutor. A presença dessa força electromotriz induzida, num circuito fechado, provoca a circulação de uma corrente eléctrica. Ao conjunto dessas correntes eléctricas que aparecem no Correntes de Foucault material ferromagnético, percorrido por um fluxo magnético variável no tempo, chama-se correntes de Foucault. Como os circuitos fechados têm uma dada resistência eléctrica, a circulação da corrente eléctrica nesses circuitos traduz-se por uma libertação de calor, por efeito Joule. A energia dissipada ψ (t) em calor constitui a energia de perdas por correntes de Foucault. Uma forma de diminuir essas perdas de energia consiste na diminuição do valor da corrente eléctrica através da diminuição do comprimento dos circuitos fechados onde se induz a força Correntes de Foucault (Laminagem) electromotriz; o que se consegue com a divisão da área transversa em diversas pequenas áreas, por utilização de um material laminado. O valor da corrente eléctrica também é diminuído, através do aumento do valor da resistência do circuito fechado, por um aumento da resistividade do material ρ, o que se consegue com a adição de substâncias (silício) ao ferro em fusão. Como consequência do efeito magnético das correntes de Foucault, surge o efeito pelicular, que provoca a alteração da distribuição da indução magnética, perto do centro da lâmina de material ferromagnético, por acção do campo magnético de reacção criado por aquelas correntes parasitas. Este efeito é pronunciado quando o campo magnético indutor tem uma frequência elevada (> 950 Hz; 19º harmónico). À soma das perdas de energia, num transformador, motivadas pelo acção de um campo magnético variável no tempo, devidas à histerese magnética do material ferromagnético e às correntes de Foucault que circulam nesse material, chama-se perdas no ferro. A densidade volúmica destas perdas de energia é dada por uma fórmula do tipo, wFe = WFe/v = wh + wcF = k1·f·Bm2 + k2 ·f2·Bm2 Quando se procuram reduzir as perdas por correntes de Foucault, por utilização de um núcleo formado por um empacotamento de lâminas de material ferromagnético, surge um outro problema que tem influência no valor da corrente eléctrica de magnetização. Devido à forma como é realizado o empacotamento da chapa, essencialmente, devido à impossibilidade de se obter um ajuste perfeito 5 A Corrente Eléctrica de Magnetização e A Formação do Circuito Equivalente entre a chapa das colunas e das travessas, surgem pequenos entreferros nos percursos do fluxo magnético. São zonas de permeabilidade magnética constante, mas baixa, µo = 4π·10–7 H/m, o que cria a necessidade de uma corrente eléctrica de magnetização maior, para que nesses percursos o fluxo magnético permaneça com o mesmo valor constante, que tem nos percursos feitos no interior do material ferromagnético. Para além deste, existem, ainda, outros fenómenos com efeitos cumulativos, como o desenvolvimento de correntes de Foucault entre lâminas, que ocorrem devido à execução do empacotamento do núcleo. O valor do acréscimo da corrente eléctrica de magnetização depende de muitos parâmetros construtivos: pressão do empacotamento, tolerâncias no corte da chapa, aspectos de montagem do núcleo, etc… Step–Lap Joint Butt–Lap Joint Os diferentes fenómenos inerentes à utilização de um núcleo formado por um empacotamento de lâminas de material ferromagnético, traduzem-se, através dos contributos das suas componentes, nas características da corrente eléctrica de magnetização: forma de onda, amplitude, esfasamento… Como a relação entre o fluxo magnético totalizado e a corrente eléctrica que o cria — a corrente eléctrica magnetizante [4, 05.25.115] — tem uma forma peculiar, um ciclo histerético, para o fluxo magnético ter uma variação sinusoidal no tempo, a corrente eléctrica de magnetização apresenta uma variação não sinusoidal. φ ψ1 φ i1 ψ1 i1 i i 0 t1 t Construção Gráfica A forma de onda da corrente magnetizante pode ser obtida através de uma construção gráfica, em que nas respectivas escalas, são representadas as curvas de variação no tempo do fluxo totalizado ψ(t) e a curva de variação do fluxo com a corrente ψ(i) para o material ferromagnético do núcleo. Fazendo 6 A Corrente Eléctrica de Magnetização e A Formação do Circuito Equivalente corresponder, para um dado instante t1, o valor do fluxo indutor ψ1 e o valor corrente magnetizante necessária para o criar iψ1, obtém-se um ponto (iψ1, t1) da curva de variação no tempo da corrente magnetizante consumida para manter um determinado valor de fluxo no núcleo magnético, iψ. De uma forma análoga podem ser determinados os pontos, da curva de variação da corrente eléctrica magnetizante, correspondentes ao ciclo negativo do fluxo magnético. Esta construção gráfica, com um carácter pedagógico notável, é actualmente substituída pela determinação numérica da curva de variação da corrente magnetizante no tempo iψ(t), a partir da expressão da variação no tempo do fluxo totalizado, ψ = ψm·cos(ωt), e da representação analítica do ciclo histerético, através de funções exponenciais ψ = kr·(1–exp(–ks·iψ)), ou através de expressões fraccionárias, ou através de séries de potências fraccionárias iψ = ∑r kr·ψαr, com αr < 1 . Normalmente, o ciclo histerético encontra-se globalmente definido por várias expressões analíticas, válidas apenas para uma gama de valores da corrente eléctrica magnetizante. Obtém-se, por cálculo, uma amostragem dos valores da forma de onda da corrente eléctrica magnetizante, iψk(tk). A forma de onda da corrente magnetizante, tem um andamento não sinusoidal. Devido à simetria do ciclo histerético a forma de onda é constituída por duas semi-ondas com igual andamento, mas de sinal contrário. Uma análise harmónica desta onda [5], permite verificar que devido à semi-onda positiva ter andamento igual à semi-onda negativa, ela não possui termo contínuo, e apenas possui termos harmónicos de ordem ímpar, e, na situação em estudo em que há simetria da onda da corrente eléctrica relativamente ao eixo das ordenadas, essa onda apenas possui termos com variação em cosseno. Verifica-se, ainda que a forma de onda da corrente eléctrica magnetizante possui um valor de pico elevado, e que existe um ângulo de esfasamento entre a corrente eléctrica e o fluxo magnético: o ângulo de atraso magnético. Também os termos harmónicos além da amplitude decrescente com a ordem do harmónico, possuem um esfasamento (phase) próprio ϕh. Uo = 55,7 V Io = 1,66 A Po = 12,5 W h 1 3 5 7 9 11 13 |ih| A 1,99 1,03 0,22 0,06 0,04 16·10-3 12·10-3 / ih ° – 1 1 8,5 – 9,9 100,3 46,6 147,2 105,6 – 172,1 Núcleo Ferromagnético Saturado A importância dos termos harmónicos componentes da forma de onda de corrente eléctrica magnetizante é grande, sendo habitual salientar-se as consequências da existência do terceiro harmónico. Nos transformadores trifásicos de potência a possibilidade de circulação desse terceiro harmónico condiciona a escolha do tipo de ligação das bobinas dos enrolamentos do transformador, devido aos problemas criados nas redes de telecomunicações pela circulação do terceiro harmónico nas linhas de transporte de energia. Nos transformadores de sinal, a existência de uma terceiro harmónico na corrente magnetizante, com uma frequência tripla da frequência do termo fundamental e esfasado relativamente a esse termo, pode provocar problemas de distorção no sinal. Em qualquer destas situações, a existência de termos harmónicos com diferentes frequências pode provocar problemas de ressonância, para qualquer uma dessas frequências, no circuito eléctrico em que está inserido o transformador. Quando, por simplificação, se considera que o ciclo histerético de um material ferromagnético tem A Corrente Eléctrica de Magnetização e A Formação do Circuito Equivalente 7 um andamento esbelto, em que o valor da força coerciva Hc é muito inferior ao valor do campo magnético de saturação Hs, e, apenas, se considera representada pela curva de magnetização a variação do fluxo magnético com a corrente eléctrica ψ(i), pode-se determinar a forma de onda da corrente magnetizante por uma construção gráfica análoga à anterior, ou por meio de determinação numérica, a partir das expressões representativas das relações entre as grandezas envolvidas, t, ψ, iψ. Uma forma analítica de representar a relação i(ψ) é através incompleto de da um polinómio forma i = α·ψ + ß·ψ2m+1, com m>1 {m=3 ; m=4 ; m=5 }, (ver Apêndice). Com uma expressão deste tipo, torna-se fácil elaborar um programa de computador capaz de determinar valores da corrente magnetizante e proceder à respectiva análise harmónica [5]. Programa CORMAG Definir constantes pi, f, psim, m, np Dimensionar as matrizes i( ), psi( ), a( ), ik( ) Ler os np valores de i( ) e psi( ) Chamar subrotina MINQUA9(m,np,i( ),psi( ), Para cada valor do tempo tk psi = psim*cos(2*pi*f*tk) ik(tk) = a(1)*psi + a(2)*psi ↑m repetir Chamar FOURIER_1 4, p. 21] !% Imprimir tk, ik( ), Bh( ), Ch( ) Fim Nas condições desta hipótese de estudo, a forma de onda de variação da corrente eléctrica magnetizante iψ(t), ainda está representada por uma forma de onda não sinusoidal, com termos harmónicos de ordem ímpar e com variação em cosseno, mas o ângulo de atraso magnético é nulo, isto é, não existe esfasamento entre o fluxo magnético e a corrente eléctrica de magnetização. Note-se, que no estudo computacional apresentado podem surgir outros termos harmónicos, não previstos, mas resultantes de uma má aproximação da característica de magnetização pela expressão analítica apresentada. Nesta aproximação à realidade, a curva de magnetização ainda possui termos harmónicos, com importância nas aplicações do transformador tanto para potências elevadas, como no domínio do sinal. Uma última hipótese de estudo, consiste em considerar que durante todo o regime de funcionamento do transformador não ocorre saturação magnética, ou que o seu ponto de funcionamento está sempre colocado na parte rectilínea da característica de magnetização (zona II). Nessa hipótese de estudo, a característica de magnetização é linear, e consequentemente a forma de onda da corrente magnetizante é sinusoidal. Tal pode ser verificado por construção gráfica, ou por um simples programa de computador…. Esta situação de estudo, que não corresponde à realidade do funcionamento do transformador, pode ser necessária para aplicação de métodos de tratamento analítico, como o método simbólico de representação de grandezas sinusoidais, ou para permitir a representação das relações do fluxo magnético com a corrente eléctrica que o cria, através de parâmetros (indutâncias) constantes, como ocorre em certas aplicações da Teoria Generalizada das Máquinas Eléctricas. Para que exista um determinado fluxo magnético ψ(t), com variação sinusoidal no tempo, no núcleo do transformador é necessário que seja fornecido ao transformador uma corrente eléctrica magnetizante iψ(t), que tem uma variação no tempo não sinusoidal. Mas a presença do fluxo magnético variável no tempo, no núcleo ferromagnético do transformador, provoca o aparecimento de correntes de Foucault, com um valor proporcional à variação do fluxo no tempo, mas com um sentido tal que cria uma força magnetomotriz com um sentido, que se opõe ao da variação do fluxo magnético ψ. Essa acção tem de ser contrariada por uma componente sinusoidal da força magnetomotriz, criada por uma corrente eléctrica sinusoidal, com a mesma frequência que o fluxo magnético, que tem de ser fornecida ao transformador. A Corrente Eléctrica de Magnetização e A Formação do Circuito Equivalente 8 Só desta forma o fluxo magnético permanece no valor necessário para criar uma força electromotriz, e(t) = = – dψ/dt, no enrolamento indutor, que verifique a equação eléctrica do enrolamento: u = Ri – e. Existe, por isso, uma componente sinusoidal da corrente eléctrica de magnetização icF(t) que está em fase com a força electromotriz induzida e(t), e em quadratura avanço sobre o fluxo magnético ψ(t). Desta forma verifica-se para a corrente de magnetização i(t) que: i(t) = iψ(t) + icF(t). Por isso, a corrente final mantem-se distorcida, e aumenta o ângulo de atraso magnético. Mas devido à construção laminada do núcleo do transformador, mesmo quando efectuada com a melhor tecnologia (step-lap joint) e cuidado, existe a necessidade de fornecer uma corrente eléctrica de magnetização superior ao valor necessário para contrariar a acção das correntes de Foucault e para criar uma determinada onda sinusoidal de fluxo. Esse valor que depende do tipo, e modo, de construção do núcleo, pode ser determinado por curvas de magnetização para os entreferros (joint), próprias para o tipo de construção do núcleo utilizado, [1, p. 10]. Assim, o valor da corrente de magnetização, é: i(t) = iψ(t) + icF(t) + nj·iψj(t) não ultrapassando um valor de 5 % do valor da corrente do enrolamento, quando está alimentado pela respectiva tensão nominal. Por exemplo, para um transformador de distribuição trifásico actual com isolamento seco, (500 kVA, 15 000/400 V, Dy11, 50 Hz), verifica-se que a corrente de magnetização i ≅ Io2 = 10,47 A (1,45 %). Para um transformador com uma capacidade inferior a 1 kVA, aquela relação entre correntes eléctricas pode ser bastante diferente. A A determinação da corrente eléctrica, necessária à W manutenção de um determinado fluxo magnético no núcleo V f real de um transformador, pode ser feita recorrendo ao cálculo através das curvas características das propriedades do material ferromagnético, ou por via experimental, mediante uma montagem de medida análoga à figurada [6, § 8.2]. Só há que Circuito de Medida atender ao carácter não linear da corrente eléctrica de magnetização, e, consequentemente, utilizar aparelhos de medida adaptados a uma onda não sinusoidal. Em todo este estudo considerou-se que o fluxo magnético tinha uma variação sinusoidal no tempo. Actualmente, devido à poluição harmónica introduzida nas redes eléctricas por cargas não lineares, sucede que a tensão de alimentação do transformador, e, portanto, o fluxo magnético são não sinusoidais. Nessa situação, todos os fenómenos descritos vêm agravados, e as Normas [6, § 8.4] prevêem a redução da corrente eléctrica de magnetização a uma base de tensão sinusoidal. Conhecida a forma de variação no tempo da corrente eléctrica de magnetização, assim como os fenómenos que ocorrem num núcleo de material ferromagnético laminado, resta procurar um modelo que permita efectuar estudos sobre o funcionamento de transformadores em qualquer regime: permanente ou transitório. Esse modelo, independentemente do seu tipo, deve representar os fenómenos característicos do funcionamento do núcleo: a criação do fluxo magnético, e as perdas de energia inerentes à situação física daquela criação. Quando se considera que o transformador está a funcionar na zona linear da característica de magnetização e se desprezam os efeitos dos entreferros do circuito magnético, e que portanto a corrente eléctrica magnetizante é sinusoidal, mas que existem perdas magnéticas, devidas às correntes 9 A Corrente Eléctrica de Magnetização e A Formação do Circuito Equivalente de Foucault, resulta que a corrente de eléctrica de magnetização é sinusoidal e i ≡ Io, considerando-se como resultante da adição de duas componentes, Io = Im + Ia: uma, a corrente eléctrica magnetizante Im, que é responsável pela criação do fluxo magnético, e a outra, a corrente eléctrica de perdas, que é responsável pelas perdas no circuito magnético, Ia. A corrente de perdas está em fase com a força electromotriz e em quadratura avanço sobre a componente magnetizante da corrente de magnetização, que nesta situação está em fase com o fluxo magnético. Este modelo descritivo, pode traduzir-se por um outro modelo — Io um circuito eléctrico de parâmetros concentrados — que apresente um Ia Im R L comportamento eléctrico análogo ao do núcleo do transformador. A adição das duas componentes sugere que o circuito eléctrico é formado por um paralelo de dois ramos de circuito eléctrico, um, puramente óhmico, onde circula a corrente eléctrica de perdas Ia, o outro, puramente indutivo, onde circula a corrente magnetizante Im. Ao circuito encontra-se aplicada uma tensão igual ao valor da força electromotriz que se induz no respectivo enrolamento. Quando se considera que as propriedades do circuito magnético ficam integralmente representadas pela característica de magnetização, a corrente eléctrica magnetizante tem um forma de onda distorcida, e sendo decomposta em série de termos harmónicos verifica-se que é formada por um conjunto de termos de ordem ímpar. Par que a corrente eléctrica de magnetização (= iψ(t) + icF(t) + nj ·iψj (t)) pudesse ser representada por uma corrente eléctrica sinusoidal era necessário que essa corrente eléctrica produzisse os mesmos efeitos que a corrente de magnetização, o que implica que se procure uma corrente eléctrica com o mesmo valor eficaz. Assim, passa-se a considerar que o núcleo é percorrido por uma corrente eléctrica sinusoidal com o valor eficaz da corrente eléctrica de magnetização, Ief = ∑ h I2hef , formada por duas componentes ( Im, Ia), e utiliza-se um circuito eléctrico equivalente análogo ao primeiro. io (t) ia (t) Im Mas, a presença dos termos harmónicos de mais alta frequência (h > 9), apesar da sua pequena amplitude, traduzir-se-ia por um aumento de perdas magnéticas com a frequência, que o modelo não representa. Há, para isso, que substituir a resistência linear por uma Rnl L resistência não linear. Este modelo poderia representar o núcleo de um transformador com consideração da influência das frequências presentes na corrente eléctrica de magnetização, quando o fluxo magnético é sinusoidal. Isso exigia que as restantes resistências eléctricas existentes no transformador, principalmente a resistência do enrolamento primário, fossem modelizadas atendendo ao seu comportamento real face à frequência dos diferentes harmónicos presentes na corrente eléctrica. Quando existe a necessidade de considerar o real io (t) ia (t) comportamento do núcleo do transformador, então a corrente eléctrica de magnetização tem de ser representada pelo seu valor instantâneo io(t) ≡ i(t), que corresponde à adição de uma corrente devida ao efeito das correntes de Foucault, com uma forma de onda não sinusoidal da corrente eléctrica magnetizante necessária para Rnl i m (t) A Corrente Eléctrica de Magnetização e A Formação do Circuito Equivalente 10 criar o fluxo sinusoidal ψ. Esta corrente só pode resultar da aplicação de uma tensão sinusoidal, igual à força electromotriz induzida no enrolamento primário e(t), a uma bobina não linear. Resulta assim um circuito eléctrico equivalente não linear, com os parâmetros concentrados definidos por expressões analíticas, do tipo : iψ = ∑r kr·ψαr, e icF = kcF·eß+ ic. Com este modelo perde-se o interesse, e a simplicidade, característicos do circuito eléctrico equivalente quando utilizado na modelização de um fenómeno físico, envolvendo circuitos eléctricos. Existe, por isso, a necessidade de desenvolvimento de um modelo puramente computacional, que poderá ter um carácter qualitativo, mas que, mesmo quando for apenas quantitativo será complicado e de difícil determinação das expressões que definem os parâmetros. Os modelos apresentados tornar-se-iam ainda mais complicados se fosse considerado comportamento não sinusoidal da tensão de alimentação de algumas redes eléctricas, e, portanto do fluxo magnético. Nessa situação, o valor das perdas magnéticas, que dependem do valor da indução magnética, seria afectado pela amplitude dos harmónicos e pelo seu esfasamento, o que complicaria as respectivas expressões analíticas. Os circuitos equivalentes apresentados podem ser utilizados na análise do funcionamento dos transformadores de medida, em regime transitório, desde que não se considere que o regime de funcionamento altera o valor da indução remanente, ou, na sua forma computacional, podem ser integrados nos programas de análise do regime transitório de sistemas eléctricos. 3 Conclusão Devido às características não lineares das propriedades magnéticas dos materiais ferromagnéticos utilizados nos núcleos dos transformadores a corrente eléctrica de magnetização necessária à criação e manutenção do fluxo magnético, é não sinusoidal e existem perdas magnéticas, por histerese e por correntes de Foucault. A consideração destas correntes eléctricas não sinusoidais, e das perdas de energia permite o desenvolvimento de modelos do fenómeno de magnetização do núcleo do transformador, que representam integralmente as reais condições de magnetização. Abandonando considerações simplificativas usuais, surgem novos modelos, baseados em circuitos eléctricos equivalentes de parâmetros concentrados, mas não lineares, que podem representar os fenómenos principais. Surgem, também, modelos computacionais que apenas estabelecem relações entre expressões analíticas, de difícil determinação… Mas, as modernas condições de exploração dos sistemas eléctricos, e o regime de funcionamento transitório de alguns transformadores, impõem uma adopção criteriosa destes modelos. Referências Bibliográficas [1] E. E. Staff MI T; Magnetic Circuits and Transformers, MIT Press 1943 [2] L. F. Blume A. Boyajian G. Camilli; Transformer Engineering, John Wiley & Sons 1958 [3] Carlos Castro Carvalho; Transformadores, AEFEUP 1983 [4] CEI–05; Vocabulaire Electrotechnique Internationale — Définitions Fondamentales, CE I 1954 [5] Manuel Vaz Guedes; Grandezas Periódicas Não Sinusoidais, NE ME 1992 [6] ANSI/IEEE C57.12.90; IEEE Standard Test Code for Liquid–Immersed Distribution, Power, and Regulating Transformers and…, IEEE 1987 [7] Manuel Vaz Guedes; Métodos Numéricos Para Análise do Campo Magnético das Máquinas Eléctricas, dissertação de doutoramento, FEUP 1983 11 A Corrente Eléctrica de Magnetização e A Formação do Circuito Equivalente Apêndice ψ ) de um Material Ferromagnético Aproximação da Curva i(ψ Quando se considera a natureza não linear das propriedades de um material magnético, torna-se, frequentemente, necessário conhecer uma expressão algébrica que represente precisamente aquela curva característica. Programa MINQUA9 Definir constantes m, np Dimensionar as matrizes i( ), psi( ), S( ), t( ), a( ) Ler os np valores de i( ) e psi( ) Anular os elementos de [S] e {t} Para cada ponto ip até np S(1,1) = S(1,1) + psi(ip)*psi(ip) pk = psi(ip) ↑(2*m+1) S(1,2) = S(1,2) + pk*psi(ip) S(2,2) = S(2,2) + pk*pk t(1) = t(1) + i(ip)*psi(ip) t(2) = t(2) + i(ip)*pk repetir S(2,1) = S(1,2) denom = S(1,1)*S(2,2) – S(2,1)*S(1,2) !%* Cramer a(1) = (t(1)*S(2,2) – t(2)*S(1,2))/denom alfa !%* a(2) = (S(1,1)*t(2) – S(2,1) *t(1))/denom beta !%* Imprimir a(1), a(2) Fim Existem vários tipos de expressões que permitem aproximar a curva de magnetização: expressões algébricas, ou transcendentes, do tipo funções spline, [7]. Um tipo de expressões, de cómoda utilização na representação da relação i(ψ), são as expressões polinomiais completas, de terceira ou de quarta ordem, que apresentam a vantagem de poderem ser facilmente diferenciadas ou integradas: i = ∑ r a r ·ψr . O critério de aproximação utilizado pode ser o que resulta da aplicação do método dos mínimos quadrados. No entanto, na utilização da expressão polinomial completa verifica-se que existem alguns membros que têm parâmetros ar com valores numéricos muito pequenos. Por isso, na aproximação da curva i(ψ) também se utiliza uma expressão polinomial reduzida, como: i = α·ψ + ß·ψ2m+1 com m>1, { m=3, m=4, m=5} A determinação dos parâmetros {α, ß} é feita com a utilização do método dos mínimos quadrados. Pretende-se minimizar a expressão do quadrado dos resíduos, ∑r [i(ψ r ) – ir ]2 = F(α,ß) Diferenciando em ordem aos parâmetros, resulta o sistema de equações, ∂F = 2·∑ α ψr + β ψr2m+1 – ir · ψr = 0 ∂α r ∂F ∂β = 2·∑ α ψr + β ψr2m+1 – ir · ψr2m+1 = 0 r A este sistema de equações pode ser dada a forma: ∑r ψr2 ∑r ·α + ψr2m + 2 ∑r ψr2m+1 ·α + ∑r ·β = 2 ψr2m+2 ∑r irψr ·β = ≡ [S]·{a} = {t} ∑r irψr2m+1 A solução deste sistema de equações pode ser, rapidamente, determinada recorrendo à regra de Cramer. Com o auxílio de um pequeno programa de computador, onde se considera que a amostragem foi feita em np pontos, determina-se os valores dos parâmetros {α, ß} que ficarão no vector {a}. – MVG.92 –