reforma neoliberal e seguridade social

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REFORMA NEOLIBERAL E SEGURIDADE SOCIAL: BREVES ANOTAÇÕES SOBRE A
AMÉRICA LATINA
NEOLIBERAL REFORM AND SOCIAL SECURITY: TRANSIENT NPTES ABOUT LATIN
AMERICAN
Edith Maria Barbosa Ramos
RESUMO
O texto procura sublinhar, de forma inicial, o processo de constituição da seguridade social na América
Latina, concebendo-o de modo plural, ou seja, determinado pelas vicissitudes e peculiaridades de cada país;
bem como, compreender as linhas fundamentais do processo de reformas neoliberais no sistema de proteção
social, efetuadas a partir da crise do Estado do bem-estar social e da crise econômica, com destaque aos
antecedentes, o histórico do debate, a força avassaladora da hegemonia neoliberal e o retorno da ortodoxia.
A partir disso, pretende indicar as possíveis implicações da fragmentação e precarização da seguridade social
como forma de fragilização dos próprios direitos fundamentais sociais na região.
PALAVRAS-CHAVES: Seguridade Social. Reforma Neoliberal. Direitos Sociais. Proteção Social. Estado.
Trabalho.
ABSTRACT
The text seeks to underline, in the beginning, the process of establishment of social security in Latin America,
conceiving in a plural way, in other world, determined by the vicissitudes and
peculiarities of each country as well as understand the fundamental lines of the neoliberal reform process in
social protection system, made from the crisis of the Welfare State and the economic crisis, with emphasis on
antecedents, on history of the debate, on overwhelming dominance force of neoliberal hegemony and the
return of orthodoxy. From this, it is intended to indicate the possible implications of fragmentation and
instability of social security as a way of
weakening itself the fundamental social rights in the region.
KEYWORDS: Social Security. Neoliberal reform. Social Rights. Social Protection. State. Work.
1 INTRODUÇÃO
Todo Estado Democrático de Direito tem como objetivo fundamental a coexistência pacífica de
seus cidadãos, direcionando-se à permanente busca do valor justiça, ou seja, deve-se compreender o Direito
como instrumento para concretização da justiça. Assim, falar-se em direitos sociais é perseguir a efetivação
da justiça social.
Para evitar a formação de privilégios e discriminações entre os indivíduos no Estado, delineou-se
um sistema hierarquizado de normas com o estabelecimento de regras e princípios norteadores de toda
sociedade, configurando a Constituição como norma suprema do Estado.
Nesta perspectiva, a Constituição declara direitos sociais como fundamentais e determina que é
objetivo do Estado a concretização de tais direitos. Houve, assim, a necessidade do desenvolvimento de um
conjunto de regras e princípios que garantissem proteção a certos grupos sociais. Desta forma, se tornou
“obrigatória” a prestação de serviços, inicialmente, públicos de seguridade social por parte do Estado. Ou
seja, o Estado responsabilizou-se pela criação de instrumentos capazes de delinear direitos e prerrogativas,
consagrados no próprio texto da Constituição, para resguardar sua população.
Com a inserção da seguridade social nos textos constitucionais elevou-se os direitos de proteção
social a categoria de direitos fundamentais, e, por conseguinte, obrigou-se o Estado a regulamentar, em
normas de ordem pública, com exigibilidade judicial um conjunto de garantias ao cidadão em situação de
fragilidade ou infortúnio.
A seguridade social é um direito humano e social segundo o texto dos artigos 22 e 25 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Na América Latina, o direito de acesso da população à proteção pela seguridade social precisa ser
analisado com extremo cuidado. Em certas constituições existem preceitos de proteção social que se
tornaram obsoletos; que deixaram de ter conformidade com a realidade cotidiana ou que não têm
aplicabilidade concreta alguma, ressalte-se, ainda, que no substrato da seguridade social latino-americana o
elemento político pesa muito mais que o social, e que o elemento econômico pesa muito mais que o humano.
Cada país tem o livre arbítrio de eleger e adotar o tipo de seguridade social que melhor lhe acomode
em razão, notadamente, das circunstâncias políticas, econômicas, histórias, culturais e da realidade social de
cada estrutura estatal.
Não há um só modelo na América Latina, logo os sistemas de seguridade social se desenvolvem e
funcionam, nos diferentes países, e em virtude de suas peculiaridades, de forma diversa e com características
próprias.
Em todos os países da América Latina, de alguma forma, houve a instituição de sistemas de
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seguridade social. Evidente que tais sistemas não são homogêneos, muito estudos demonstram sua
heterogeneidade, além disso, o termo seguridade social não é utilizado univocamente para se referir ao
mesmo conjunto de políticas sociais.
No Brasil, foi a Constituição da República de 1988 que sistematizou a seguridade social, e acolheu
em seu bojo as políticas de previdência, saúde e assistência social. Parte das produções teórico-acadêmicas
sobre a questão, e mesmo estudos, planos e relatórios institucionais, acabam por restringir a seguridade
social, apenas, ao seguro previdenciário ou analisa cada uma das políticas que a compõe isolada e
autonomamente, tentando relacioná-las a uma suposta seguridade social que, efetivamente, está longe de
existir.
A análise fragmentária da seguridade social não é uma prática exclusiva do Brasil, e a maioria das
análises sobre a seguridade social na América Latina, ao se referir às políticas securatórias, limita-a às
pensões e aposentadorias (MESA-LAGO, 2003)e isolada e autonomamente, tentando
relacionvidenciprocesso de reformas neoliberais no sistema de proteçe a
Neste estudo objetiva-se delinear traços iniciais do processo de constituição da seguridade social na
América Latina, bem como, compreender as linhas fundamentais do processo de reformas neoliberais no
sistema de proteção social, para indicar as possíveis conseqüências da fragmentação e precarização da
seguridade social como forma de fragilização dos próprios direitos fundamentais sociais.
2 AMÉRICA LATINA: reforma neoliberal e Seguridade Social
Objetiva-se abordar a temática da Seguridade Social na América Latina. Analisar-se-á,
fundamentalmente, a questão das reformas estruturais neoliberais, com destaque aos antecedentes, o
histórico do debate, a força avassaladora da hegemonia neoliberal e o retorno da ortodoxia.
A discussão sobre a crise do Estado de bem-estar social assola o ambiente político e social desde
1970. Neste texto, centraliza-se o debate na relação entre crise do bem-estar social e a crise econômica,
quando a questão se colocava em termos antagônicos, ou seja, ou o Estado de bem-estar social provocou a
crise econômica ou a crise capitalista provocou a crise do bem-estar social.
Para Soares (2003, p. 37) a crise do estado de bem-estar social é fruto de uma crise capitalista
monumental, no mundo inteiro, portanto fruto da crise econômica.
No que se refere a efetivação de uma política de bem-estar social, a concepção que prevalece na
América Latina é que a região nunca vivenciou um Estado de bem-estar, nem sequer chegou a constituir este
projeto como prioridade de Estado ou de governos.
Além de não ter instituído uma política de bem-estar, a América Latina é alvo constante da agressão
ideológica ao Estado, caracterizada pela idéia da supremacia do privado sobre o público. Embora, percebase, a péssima prestação dos serviços privatizados, a ideologia induz a classe média a desprezar e considerar
ineficaz o serviço público.
O impacto do ajuste neoliberal nas políticas de Seguridade Social na América Latina refere-se ao
perverso processo de exclusão de um grande contingente populacional do manto de proteção social do
Estado. O Brasil, assim como os demais Estados latino-americanos, corria e ainda corre, riscos do ponto de
vista do seu projeto social e da construção, se não de um Estado de bem-estar social, de algo equivalente, de
um sistema de proteção social que se direcione em direção à universalidade.
A ortodoxia das políticas neoliberais nos países periféricos foi avassaladora do ponto de vista da
construção de propostas no campo social.
Segundo Soares (2003, p. 38), o processo de ajuste neoliberal teve um duplo impacto: o
agravamento da situação anterior e o surgimento de novas situações de desigualdade e exclusão.
Destaque-se que o ajuste neoliberal além de não solucionar a histórica estrutura de miséria e de
desigualdade, determinou uma nova exclusão, constituída por um enorme contingente de desempregados e
com a classe média precarizada, ou seja, um contingente de trabalhadores qualificados, mas desempregados.
Ressalte-se que além desse impacto direto do ajuste neoliberal da pobreza latino-americana, ocorreu
o desmonte das já precárias políticas sociais da América Latina. Para Soares (2003, p.39), dependendo do
grau de destruição dessas políticas, se tornar muito difícil a sua reconstrução, caso o Estado priorize a
promoção e proteção de direitos sociais.
O Chile, protagonista latino-americano a vivenciar de forma institucionalizada e mais radical o
ajuste neoliberal, foi, também, o país que primeiro sofreu as conseqüências devastadoras de sua experiência,
pois houve uma total e radical privatização do sistema de proteção social.
Clarifique-se, segundo Soares (2003, p. 39), a existência de diferenças do impacto do ajusto
neoliberal nos países latino-americanos, um primeiro padrão foi o impacto radical sobre a política, como foi o
caso chileno, o outro padrão foi aquele adotado nos Estados mais frágeis quanto ao bem-estar social, aos
aparatos públicos de proteção social e às políticas sociais.
Nesta perspectiva, Soares (2003, p. 39) afirma que
“Nesses países, o neoliberalismo deu “de lavada”, porque diante de estruturas frágeis de proteção ele se
introduziu com uma avalanche de políticas focalizadas de combate à pobreza, de substituição do Estado
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por organizações não-governamentais etc. O caso do Peru é um dos mais radicais nesse sentido.
Lembro-me de ter dado um curso de mestrado em Saúde Publica no norte do Peru em que todos os
meus alunos eram de organizações não-governamentais. Quer dizer, o estado não assume seque a Saúde
Pública”.
No Brasil vivenciou-se a tentativa de destruição ou desmontagem de estruturas já consolidados,
exemplifica-se o sistema de previdência, ou de estruturas em processo de constituição em novas bases com o
Sistema Único de Saúde – SUS. Ocorreu no Brasil um processo de desmontagem da construção de uma
estrutura social que estava em andamento.
Relata Soares (2003, p. 40) que,
‘Estávamos avançando na segunda metade dos anos 1980 – culminando com a Constituição de 1988 e
com a construção da Seguridade Social, o projeto de proteção social mais generoso da América Latina.
Nos anos 1980, quando estávamos definindo e votando a nossa Constituição, éramos considerados pelo
Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial a “ovelha negra” da América Latina.
Éramos o único país da América Latina, na ocasião, que não seguia à risca o modelito. Ao contrário,
votamos uma Constituição que ampliava a proteção social brasileira.”
Assim, para o Brasil o modelo adotado pelo ajuste neoliberal é de uma tentativa de interrupção,
mediante o desmonte e a deterioração. Houve a conservação do Sistema Único de Saúde (SUS), mas em
contrapartida, os baixo salários, as más condições de trabalho dos servidores, a falta de investimentos e a
queda da qualidade representaram a estratégia do ajuste suso mencionado para garantir os interesses de
mercado no processo de formação da proteção social no Brasil.
Na esteira de Soares (2003, p. 40)
“Esta foi a estratégia utilizada em toda a América Latina: desmontar e tornar o serviço público tão ruim
que as pessoas deixassem de procura-lo, sobretudo a classe média. O crescimento dos seguros privados
de saúde prosperou nesse modelo”.
Há diversos tipos de conformação de Seguridade Social na América Latina. Vale destacar, que
embora sob a égide do regime autoritário (questão emblemática), o Brasil conseguiu construir um sistema
bastante abrangente, inclusive do ponto de vista da cobertura, desde a unificação da Previdência.
Esta unificação da Previdência Social representou a possibilidade de constituir um sistema cuja
cobertura ultrapassou a média da América Latina. Houve, com isso, a possibilidade, entre outros elementos,
a cobertura dos trabalhadores rurais, que na maioria dos países latino-americanos continuaram excluídos dos
sistemas de proteção.
No Chile, por exemplo, como modelo inaugural de reformas neoliberais, as reformas da Seguridade
Social sempre estiveram conjugadas aos pacotes de financiamento do Fundo Monetário Internacional (FMI),
melhor dizendo, a reforma previdenciária chilena esteve radicalmente incluída nos acordos do Fundo.
A idéia central do debate tornou-se a questão ideológica dominante na América Latina, qual seja, o
caráter imprescindível das reformas para o ajuste sob pena de o Estado “falir”, seguido pela estabilização e,
quem sabe, pelo crescimento econômico.
Ressalte-se que as condicionalidades do Fundo Monetário Internacional (FMI) eram, entre outras:
a) diminuir o déficit fiscais;
b) promover a reforma do Estado;
c) aumentar a competitividade das empresas reduzindo custos sociais;
d) flexibilização de mão-de-obra;
e) reformas da Seguridade Social.
O Brasil foi retardatário no processo de entrada no neoliberalismo, como expõe Sulamis Dain:
“Para nós, brasileiros, a comparação com a América Latina é particularmente dolorosa por
demonstrar que, assim como na industrialização, também no plano das políticas sociais o
Brasil foi a região que mais avançou na direção da construção de um modelo de base sólida
na garantia de direitos universais (não estou dizendo aqui que conseguimos construí-lo, mas,
se comparado com o resto da América Latina, nós fomos o que mais avançamos) e que
resistiu por mais tempo ao ideário ortodoxo. Nele, e em suas conseqüências, estamos
entretanto mergulhados (naquela ocasião, em 1998, com Fernando Henrique) numa adesão
tardia, porém profunda, às virtudes do mercado”. (SOARES, 2001)
Para Soares (2003, p. 42),
“Este é outro ponto, o Brasil entra tardiamente, mas sempre “recupera o tempo” com rapidez
e profundidade. Quer dizer, Fernando Henrique conseguiu em oito anos o que muitos países
da América Latina não conseguiram 20 ou em 15 anos”.
O impacto econômico e social das reformas da América Latina, segundo relatório da Comissão
Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) são devastadores.
As reformas resultaram, em relação a toda questão da imprescindibilidade das mudanças para o
crescimento, o oposto para a realidade. Os países que adotaram as reformas neoliberais tiveram um
crescimento econômico medíocre ou inexistente, cuja vulnerabilidade financeira se aprofundou, em que o
endividamento público aumentou, em que houve uma generalização da precarização do trabalho, altas taxas
de desemprego (com índices inéditos na história dos países latino-americanos).
Destaque-se o caso emblemático da Argentina, em que o efeito do neoliberalismo foi gritante,
houve o desmonte das instituições públicas estatais, a redução e a eliminação da universalidade dos serviços,
e, ainda, a focalização com acompanhamento da exclusão social. ( Soares, 2003, p. 42).
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Para Soares (2003, p. 43)
“Há um comentário inédito nesse relatório da CEPAL, em que se reconhece que a perda da
universalidade das políticas sociais latino-americanas levou a um aumento da exclusão. E que o excesso
de focalização do gasto social nos pobres não só não incluiu todos os pobres, como também deixou de
fora boa parte da classe média precarizada, sem emprego, que hoje está numa grave crise de acesso a
serviços de infra-estrutura básica na América Latina”.
Ressalte-se que o relatório da CEPAL concluiu que a classe média latino-americana provavelmente
esta “em extinção”. Essa classe tem vivido em condições próximas da pobreza. A questão é que o
empobrecimento da classe média não representou um padrão de maior igualdade social. Além disso, houve
um brutal aumento da precarização, com uma queda generalizada de todos os empregos, principalmente dos
empregos públicos.
Isto significa, em outras palavras, que os estados latino-americanos foram, de tal forma,
desmontados que se tornou inviável a sua própria reforma. Ou seja, o Estado se fragilizou no aspecto social
na maioria dos países, com péssima qualidade dos seus serviços, com servidores mal-remunerados e com
perda de emprego.
Na América Latina, deve-se, ainda, chamar a atenção para a situação do emprego informal. As
pequenas empresas privadas aumentaram apenas 3%. De 65% a 95% dos ocupados hoje, na América Latina,
não têm nenhum contrato de trabalho. De 65% a 80% da população latino-americana não têm proteção
social nem de saúde. E a cada dez novos empregos criados na América Latina, na década passada, nove
foram na área de serviços e 8,1 foram informais. Ou seja, nessa condição se encontram 80% dos empregos
gerados na América Latina na década de 90. (SOARES, 2003, p.43-4).
A CEPAL afirma que a maioria do trabalho não formal na América Latina é precário, com
empregos de baixa produtividade e baixos salários. E, ainda, o desemprego aberto atingiu taxas históricas,
em alguns casos, na década de 90, chegado à patamares de 30% ou 40% da população.
No que se refere a reforma neoliberal idealizada pelo Banco Mundial, deve-se ressaltar três pilares
fundamentais, quais sejam: a) previdência básica, b) seguro social e c)previdência voluntária.
A previdência básica é fundada num sistema de repartição, gerenciado pelo Estado, embora de
caráter assistencial, configura-se como uma Previdência para os pobres, que objetiva garantir alguma renda
mínima (assistência social). O financiamento é fiscal.
O modelo de seguro social privilegia os planos privados de poupança individuais ou planos
ocupacionais, ou seja, os chamados Fundos de Pensão, são considerados os mais importantes e financiados
pela contribuição de salários. É obrigatório e gerenciado pelo sistema privado (seja de sociedades abertas ou
fechadas).
A previdência voluntária é uma poupança adicional ao seguro em que cada pessoa, individualmente,
vai buscar um Fundo de Pensão privado, bancário, para complementar a renda.
Segundo Soares (2003, p. 44-5
“Vários países já fizeram a reforma previdenciária: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El
Salvador, México, Nicarágua, Peru, República Dominicana e Uruguai. Na época em que se realizou
esse estudo, no final dos anos 1990, apenas Brasil, Venezuela, Equador, Guatemala e Paraguai ainda
não haviam feito a reforma com base no modelo do Banco Mundial”.
A característica comum da reforma neoliberal na América Latina foi a “racionalização” e a
unificação dos chamados regimes gerais e especiais. Nos países que adoram as reformas, o papel do Estado
mudou e passou de uma função de financiamento e administração direta da Seguridade para uma função
essencialmente financiadora complementar e reguladora. O Estado deixou de ser o prestador final da
previdência, pois esta função passou para os Fundos de Pensão Privados.
Com a saída do Estado do sistema de proteção social esperava-se (a reforma neoliberal) uma
redução nos custos da previdência, pois regulada pelas leis do mercado estaria sujeita a concorrência o que
exigiria melhor prestação do serviço a preços mais baixos. A concorrência entre os vários agentes dos
Fundos de Pensão (ação esperada no mercado) não reduziu os custos dos fundos de administração (como se
imaginava), pelo contrário houve concentração e monopolização dos preços. O Chile tem hoje cerca de oito
grandes fundos, sendo que três deles concentram mais de 60% dos cotistas, portanto é um mercado
oligopolizado. (SOARES, 2003, p. 45).
O processo de privatização não tornou o sistema de Seguridade Social mais eficiente. Ao contrário,
segundo Soares (2003, p. 45-6)
“(...) os custos de administração desses fundos são elevadíssimos, oscilando entre 19,2%, no México, e
quase 25% na Argentina. Tudo financiado exclusivamente pela contribuição do trabalhador contribui é
para os Fundos de Pensão fazerem propaganda e marketing deles mesmos e dos seus serviços.
Vale a pena comparar com o Brasil, em 2001, onde os resultados dos custos administrativos do INSS
foram de 6,2% da arrecadação total, evidenciando que o nosso custo foi extremamente inferior, mesmo
no sistema público centralizado, se comparado aos dos Fundos de Pensão.
Um dos aspectos centrais da crise fiscal da Argentina foi a Reforma da Previdência: o resultado fiscal
dessa reforma foi passar de um superávit de 2,2 bilhões de dólares, em 1993, para um déficit de quase 7
bilhões de dólares no final da década. Isso pelo dado fiscal. Já o déficit previdenciário corrente passou
de 900 milhões de dólares para 6,7 bilhões de dólares. Eis o déficit previdenciário da Argentina ao
mudar seu sistema.
Contrariando, portanto, a suposição de que um sistema privado resultaria também na transferência
regular de contribuições e na redução da evasão, existem sérias divergências entre os estudiosos desse
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modelo. Dos contribuintes ativos, entre o número de filiados e a correlação de filiados e contribuintes
ativos nos sistemas, temos hoje somente entre 48% e 53%, na média, na Argentina, na Colômbia e no
Chile”.
Os principais problemas do modelo privado de Fundos de Pensão são a péssima cobertura dos
trabalhadores e o não-incentivo à filiação. Os autônomos ou informais continuam não se vinculando e a taxa
de exclusão continuou elevada.
Para Soares (2003, p. 46-7)
“Hoje, no Chile, do ponto de vista do rendimento desses fundos – e esse é o dado mais incrível -, 40%
das aposentadorias mínimas, que correspondem a 80% do valor do salário mínimo, são complementadas
pelo Estado chileno. Isto é, nos Fundos de Pensão a capitalização não consegue sequer cobrir uma
aposentadoria mínima ao término do período de contribuição legalmente previsto. O presidente da
Central Única dos Trabalhadores chilena afirma claramente, como vários outros críticos, que o sistema
pode entrar em colapso em 2005...O déficit da transição chilena foi de 25% do PIB nos anos 1980, e a
previsão é de que o déficit continue até 2030, e o Estado terá que continuar a “dar cobertura” para
compensar essas “falhas” do sistema privado”.
É cediço que a maior parte dos recursos dos Fundos de Pensão foi para o mercado financeiro e,
sobretudo, para financiar o pagamento dos títulos da dívida pública dos respectivos Estados e governos.
Ocorre que a poupança gerada pelos Fundos de Pensão é monumental, mas é privada, ou melhor,
tem-se uma situação de transferência de poupança pública para poupança privada. E o problema é que a
poupança privada não gera necessariamente crescimento, desenvolvimento e emprego.
Soares (2003, p. 47), destaca o caso chileno
“(...) o Chile, que é o modelo, a coqueluche dessa história dos Fundos de Pensão e que tem 45% de
poupança gerada por esses fundos, não conseguiu diminuir as suas taxas de desemprego, apresentando
um crescimento econômico que, se em algum momento foi o maior da América Latina, não foi por
causa dos Fundos de Pensão. Os próprios economistas chilenos hoje reconhecem que foi muito mais
por um modelo exportador de commodities. Enfim, eles conseguiram um nicho no mundo que permitiu
criar um modelo exportador que possibilitou algum grau de crescimento econômico. Nada a ver com os
Fundos de Pensão. Em contrapartida, o nível de emprego não aumenta, a pobreza não diminui, muito
menos a informalidade etc.”
Os principais problemas da capitalização (sejam fundos abertos ou fechados) é a taxa de reposição
extremamente incerta, um custo altíssimo de transição e manutenção, e nenhum poder redistributivo. Sendo
um modelo individualizado, não tem poder distributivo. Há uma extrema transferência da poupança pública
para a poupança privada, e nenhum retorno para os empregos.
3 CONCLUSÃO
As medidas da reforma neoliberal adotadas em quase todos os países da América Latina e do Caribe
provocaram uma reestruturação do Estado e uma desregulamentação das relações econômicas e sociais
(Soares, 1999). Submeteu o Estado nacional aos ditames do capital internacional e de organismos
internacionais como Organização das Nações Unidas (ONU), Banco Mundial, Fundo Monetário
Internacional (FMI) e Organização Mundial do Comércio (OMC).
Essas contra-reformas assinalaram uma mudança de direção nas políticas sociais após as décadas de
1970/1980, alcançam e remodelam o Estado em três áreas estratégicas:
a) as funções típicas do Estado (segurança nacional, emissão de moeda, corpo diplomático e
fiscalização);
b) as políticas públicas (saúde, cultura, ciência e tecnologia, educação, trabalho e previdência); e
c) o setor de serviços (empresas estatais estratégicas – energia, mineração, telecomunicações,
recursos hídricos, saneamento e outros) (Andes, 2007)
Para os neoliberais, a proteção social garantida pelo Estado social, por meio de políticas
redistributivas, sobretudo as de seguridade social, é lesiva para o desenvolvimento econômico, pois majoram
o consumo e reduzem a poupança da população (NAVARRO, 1998).
Tais argumentos escoraram uma ação baseada na não intervenção do Estado na regulação do
comercio exterior e dos mercados financeiros, na configuração de políticas monetaristas e limitação dos
gastos sociais, com conservação de uma taxa “natural” de desemprego, integrada a reformas fiscais, com
diminuição de impostos para os altos rendimentos (ANDERSON, 1995, p. 11), e reformas das políticas de
previdência, na perspectiva da privatização com o fito de aumentar a poupança interna. Tais medidas
ganharam hegemonia na década de 1970 em diversos países da Europa, nos Estados Unidos, e na América
Latina e no Caribe (ANDERSON, 1995, p. 11)
As contra-reformas que alcançaram fortemente a seguridade social na América Latina e Caribe nas
décadas de 1980/1990 se nutriram de ajustes estruturais com caracteres e determinações semelhantes:
política econômica regressiva, que beneficia o capital financeiro em detrimento do capital produtivo, elevadas
taxas de juros, majoração da carga tributária com maior tributação sobre os rendimentos advindos do
trabalho e do consumo e menos do capital, política fiscal conservadora que privilegia paramentos dos juros
da dívida pública, determinados pelos acordos firmados com o FMI.
Essas medidas de ajuste fiscal trazem conseqüências negativas para as políticas sociais de um modo
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geral e para a seguridade social de modo mais específico, que passam a sofrer “reformas” com orientação
liberal e reestruturam os modelos construídos na América Latina e Caribe até então.
Melhor dizendo, em todos os debates sobre as reformas da seguridade social, e em especial da
previdência social, não se verificam sugestões reais no sentido de congregar os milhões de trabalhadores que
vivem relações precarizadas de trabalho, não contribuem para a seguridade social e, portanto, não têm acesso
aos direitos previdenciários.
Nesse sentido, as propostas de reforma, mais que apresentar alternativas para incluir os
trabalhadores que hoje estão fora do sistema, direcionam-se para diminuir benefícios daqueles que ainda
possuem trabalho estável e acesso à previdência social. As avaliações dos sistemas após as reformas
estruturais empreendidas (MESA-LAGO, 2003, p. 251) revelam seus efeitos perversos:
a) queda na cobertura baseada nos contribuintes ativos;
b) crescente informalização da força de trabalho;
c) flexibilização do trabalho;
d) concorrência inadequada das administradoras;
e) aumento significativo da acumulação de capital e
f) elevado custo fiscal.
Segundo a CEPAL,
“Apesar da maior correlação entre contribuições e benéficos, não se observam nos países com reformas
estruturais aumentos significativos ou sistemáticos das taxas de cobertura provisional. O que se
percebe, entretanto, é antes uma tendência ao estancamento. Dos países incluídos nessa análise,
somente a Colômbia dá mostras de melhoria significativa de sua cobertura a partir da reforma de 1994.
De fato, na metade dos casos, a reforma dói seguida de uma baixa desse indicador. No caso do Chile, a
cobertura em 1999, e, praticamente idêntica à do ano anterior à reforma, e a Argentina apresenta baixa
permanente de sua cobertura desde 1987”. (CEPAL, 2006, p. 130)
“Além da redução da cobertura, os participantes dos sistemas de capitalização se encontram, na prática,
“subssegurados”, pois o período mínimo necessário de contribuição para garantir o direito ao benefício
varia entre 10 e 30 anos. Se, porventura, o segurado deixar de fazer uma contribuição mensal, o saldo
registra aporte insuficiente e o benefício tende a ser baixo e restrito a um período limitado de tempo, o
que acaba gerando benefícios de reduzida qualidade. Por outro lado, há a incapacidade do sistema de
capitalização para incluir trabalhadores que vivem relações informais e precarizadas de trabalho, e seu
efeito destrutivo para a solidariedade inerente ao sistema de repartição”. (CEPAL, 2006, p. 131)
A saída encontrada por esses países para aliviar os efeitos das reformas no sistema previdenciário
tem sido a expansão de benefícios não contributivos, de natureza assistencial, focalizados em situações de
extrema pobreza e montantes reduzidos. (BOSCHETTI, 2007, P. 97)
Essa não uma tendência apenas dos países que realizaram reformas estruturais. Também aqueles
como o Brasil, que realizaram reformas não estruturais, adotam o caminho da ampliação dos programas de
transferência como compensação da carência de rendimentos do trabalho.
A evidência em programas de transferência de renda, em prejuízo de investimentos produtivos e
geração de empregos estáveis, têm implicação direta na restrição de acesso aos direitos do trabalho
estabelecidos na seguridade social e demonstra uma disposição das políticas sociais de diminuir a pobreza e
indigência e compensar a incapacidade de reduzir desigualdades com políticas estruturais. (BOSCHETTI,
2007, P. 97)
As tendências da seguridade social na América Latina e no Caribe revelam um cenário de forte
ofensiva conservadora, que tende a destruir históricas conquistas da classe trabalhadora. As mudanças nas
condições sociais e de vida da população latino-americana, contudo, requerem a ampliação da seguridade
pública e universal, que continua sendo um horizonte possível e necessário. (BOSCHETTI, 2007, P. 97)
Referências
ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. In. SADER, Emir; GENTILI, P (org). Pósneoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
ANDES. Universidade Nova: a face oculta da contra-reforma universitária. Brasília, mar. 2007.
Disponível em: http://www.andes.org.br/. Acesso em 01 set. 2008.
BOSCHETTI, Ivanete. Seguridade social na America Latina após o dilúvio neoliberal. Disponível
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