A ESCOLA NA FORMAÇÃO ÉTICA E MORAL DO ALUNO Márcia Regina Pires1 - UNIUBE/UFTM Osvaldo Dalberio dal Bello2 - UFTM Resumo A escola mantém-se como a grande responsável pela transmissão dos conhecimentos universais e, como tal, é uma instituição que possibilita a construção e internalização do conhecimento, atuando, inclusive, na formação ética e moral do aluno. Considerando esse cenário, neste trabalho elucidamos os conceitos de ética e de moral, articulando-os à formação do ser humano, no processo de educação. Tivemos como objetivos demonstrar aspectos que compõem o conceito de ética e de moral; articular o conceito de ética e de moral, evidenciando suas diferenças; demonstrar fatos sociais morais, amorais e imorais; evidenciar os níveis humanos de amadurecimento moral; articular os conceitos de ética e de moral com a educação. Para isso, realizamos uma análise bibliográfica nos apoiando em Cortella e Filho (2014); em De La Taille (2013); Srour (2008), Freire (1998) e em Duska e Welhan (1994). Como resultado, constatamos que formar seres éticos exige da escola a sistematização de momentos significativos de discussão, obviamente com repertórios de desafios morais e a mediação qualificada de professores. Assim, os alunos podem, de fato, exercitar sua criticidade, sua capacidade de identificar soluções e fazer suas escolhas. Consideramos que a escola e, nela, o professor, devem possibilitar o desenvolvimento cognitivo e moral do aprendiz para que ele exerça com consciência plena a sua cidadania. Palavras-chave: Ética. Amadurecimento moral. Educação. Desenvolvimento. Introdução Muitos são os aspectos que compõem a formação do homem e a escolarização é apenas parte dessa formação, porque a educação pressupõe um todo dinâmico e contínuo que 1 Mestranda em Educação (UFTM), MBA em Administração e Gestão do Conhecimento (UNINTER); Especialização em Gestão de Pessoas (Faculdade Minas SENAC), em Formação de Professores EAD (UFPR), e em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna (UNIUBE). Graduada em Tecnologia em Processamento de Dados e Licenciada em Letras por esta universidade. Professora do curso de Letras e integrante da equipe de Produção de Materiais Didáticos da UNIUBE. Membro do grupo de estudos e pesquisas sobre Formação Ética do Professor (FEP –UFTM). [email protected] 2 Doutor em Serviço Social. Mestre em Educação, filósofo, escritor, líder e pesquisador do grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação Ética do Professor (FEP). Professor no programa de mestrado em educação da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. [email protected] [Digite texto] se inicia na família e ocorre durante toda a vida, nas interações que os seres humanos estabelecem com os outros e com o mundo. Assim, pensar na formação das pessoas obriganos a pensar em sua educação integral. O cenário da educação brasileira é bastante complexo, a mídia e as pesquisas mostram diferentes problemas: falta de valorização do professor; falta de estrutura; falta de apoio da família; crianças de famílias desestruturadas; uma cultura que não valoriza o ensino; entre outras questões. Entretanto, mesmo com tantas adversidades, no Brasil, a escola mantém-se como a grande responsável pela transmissão dos conhecimentos universais e como instituição que possibilita a construção e internalização do conhecimento, atuando, inclusive, na formação ética e moral do aluno. O professor, além de ter uma atitude de ensinante é um formador, porque a sua relação com os outros, com a vida e com seus próprios aprendizes, influencia sobremaneira seus educandos. Estes o avaliam e/ou internalizam as atitudes do educador, que são norteadas pelos seus princípios e valores, cotidianamente. Nesse sentido, o amadurecimento moral e a ética do professor são fundamentais no exercício de sua profissão. Considerando esse cenário, neste trabalho elucidamos os conceitos de ética e de moral, articulando-os com a formação do ser humano, no processo de educação. Tivemos como objetivos demonstrar aspectos que compõem o conceito de ética e que compõem o conceito de moral; articular o conceito de ética e o conceito de moral, evidenciando suas diferenças; demonstrar fatos sociais amorais, morais e imorais; demonstrar os níveis de amadurecimento moral; articular os conceitos de ética e de moral com a educação. Para isso, realizamos um estudo bibliográfico e nos apoiamos em Cortella e Barros Filho (2014); em Freire (1998), em Duska e Welhan (1994); em De la Taille (2013) e Srour (2008). 1 Ética e moral Discorrer sobre ética é bastante complexo, uma vez que tal conceito ainda não é claro para muitas pessoas. Quando a expressão ética é colocada ao lado da expressão moral, tornase, ainda, mais difícil explicá-la porque, os conceitos se confundem. Segundo Srour (2008, p. 7), ―A ética é um saber científico que se enquadra nas Ciências Sociais. É uma disciplina teórica, um sistema conceitual, um corpo de conhecimentos que torna inteligível os fatos morais‖. Nessa perspectiva, pode-se entender a ética como o estudo do juízo de análise que se refere à conduta humana, ao comportamento moral dos homens em sociedade. O autor diz, ainda, ―Mas o que são fatos morais? São fatos sociais que dizem respeito ao bem ou ao mal, juízos sobre as condutas dos agentes, convenções históricas sobre o que é certo e errado, justo e injusto, legítimo e ilegítimo, virtude e vício, justificável ou injustificável‖. (SROUR, 2008, p. 7). A moral, assim, depende da sociedade, de convenções determinadas por ela sobre o que é certo e o que é errado. Dessa forma, uma mesma conduta pode ser julgada como errada em uma determinada sociedade e correta em outra. Srour (2008, p. 8) cita o infanticídio praticado no Império Romano e na China contemporânea para regular a oferta de alimentos; os sacrifícios humanos de rituais realizados na Antiguidade, entre outros, como alguns exemplos de condutas aceitas como corretas na sociedade em que foram cometidas, mas que nos colocaria em estado de choque se fossem realizadas em nossa sociedade. Assim, podemos entender que a moral diz respeito a condutas específicas, em um determinado tempo, em uma determinada cultura, ou seja, refere-se a uma conduta da regra, de forma prática. Por outro lado, a ética é constituída pela reflexão, baseando-se em princípios que são permanentes e universais. Entretanto, nem todos os fatos sociais são fatos morais, ou seja, passíveis de afetar as pessoas para o bem ou para o mal, provocando efeitos positivos ou negativos para os agentes sociais (SROUR, 2008). Há fatos sociais que são moralmente neutros ou amorais como, por exemplo, realizar uma blitz. Entretanto, os fatos passam a estabelecer um caráter moral e de reflexão ética quando há opções que obrigam a uma escolha nessa dimensão, por exemplo, no caso de alguém oferecer um suborno ao guarda da blitz: se ele aceita o suborno comete um ato moralmente negativo ou imoral, mas se nega o suborno e apreende o motorista, realiza um ato moralmente positivo ou moral. Nos dois casos, o motorista que ofereceu o suborno cometeu um ato imoral. A reflexão ética se ocupa em analisar as escolhas feitas pelas pessoas, considerando a cultura da qual fazem parte. Os fundamentos da moral também são objeto de estudo da ética que visa identificar como os indivíduos valoram esses fundamentos e, ainda, como são os conflitos originados e constituintes dessa valoração. Na sociedade escravocrata brasileira do séc. XIX, por exemplo, eram moralmente aceitos o aprisionamento e os fortes castigos a que eram submetidos os escravos, por seus senhores. Mas, a reflexão ética de algumas pessoas sobre essa questão fê-las perceberem a injustiça que era cometida, assim, essas pessoas passaram a lutar por uma ruptura dessa situação, criando o movimento abolicionista que contribuiu sobremaneira para a evolução desse estado moral, mudando a sociedade. Ao questionar os fundamentos da moral e sua validade para o indivíduo e para a coletividade, a ética, num primeiro momento, leva o sujeito a avaliar-se diante de seus valores e princípios e, depois, avaliar os princípios do outro e da coletividade. A ética aqui é entendida como parâmetro para sua consciência, sua reflexão filosófica sobre como agir individualmente e na coletividade. Ao desenvolverem-se em relação à reflexão ética, as pessoas desenvolvem seu amadurecimento moral; e ao se amadurecerem moralmente, elas desenvolvem sua reflexão ética. Segundo Cortela e Barros Filho (2014), diferente de outros animais, não agimos conforme uma programação instintiva, somos seres cognitivos e, por isso mesmo, dependemos da aprendizagem para sobrevivermos. Este espaço potencial da aprendizagem e, portanto, do vir a ser que não é determinado, constitui-se no espaço da liberdade, usufruída apenas pelo homem. A liberdade humana se instaura pela capacidade que o homem tem de criar soluções e, também, de fazer escolhas, assim, a ética é liberdade. Entretanto, ser livre não é um privilégio sempre, porque a capacidade de escolher o que fazer da vida e de saber que somos responsáveis por ela gera uma enorme angústia. Para o homem, escolher é identificar a alternativa de maior valor para ele e isso exige dele dois aspectos: o primeiro é a capacidade cognitiva de perceber e criar as alternativas e o segundo é saber a hierarquia de seus valores e quais são seus princípios. Mas toda escolha se insere em um contexto, numa situação, em que os valores devem ser relacionados e confrontados, assim os valores são relativos, porque nossas escolhas dependem de uma circunstância inusitada que agrega muitas variáveis condicionantes, dentro de um contexto biológico, social, histórico, cultural e subjetivo, próprio. Ressaltamos que o fato deste contexto ser único no tempo, é que torna a circunstância inusitada. (CORTELA; FILHO, 2014). Para explicar essa questão, imaginemos uma mulher, de quarenta anos, numa sociedade ocidental contemporânea, por exemplo. Ela tem como seu maior valor a ―vida‖, mas ao deparar-se com seu amado animal de estimação definhando-se com uma doença incurável, relativiza esse valor ―vida‖ e o contrapõe com outro valor ―estar bem‖. Assim, problematiza a questão no seguinte dilema: é melhor deixá-lo viver definhando-se, sofrendo, ou o melhor é realizar a eutanásia, aniquilando sua vida, mas libertando-o do sofrimento? Em seguida, pensa: a eutanásia é lícita? Depois, pesquisa na internet, conversa com outras pessoas sobre como elas veem esse processo, reflete e, enfim, autoriza o procedimento. Então, ao viver esse processo inesperado, descobre como importante um valor que até então não o considerava no topo de sua hierarquia de valores: ―o estar bem‖. Obviamente, a sua escolha ética de sacrificar seu animal de estimação traz algumas consequências, entre elas, muita tristeza, a possibilidade de remorso, a crítica de familiares e amigos, o constrangimento em relação a seus colegas religiosos etc. A mulher é livre para decidir, mas, por ser ética, por ter consciência, não é livre das pressões das circunstâncias da decisão e da assunção da responsabilidade de tomá-la. Certamente, se pudesse, escolheria outra pessoa para decidir em seu lugar, mas a assunção consciente não lhe permite passar a outrem o que é de sua responsabilidade. Certamente, jamais tinha imaginado viver essa situação e o quanto seria difícil discernir sobre ela. Os desafios éticos são pessoais (enquanto escolha pessoal), inusitados e cotidianos. Outra pessoa, em seu lugar, poderia ter escolhido pela vida do animal, assim vemos a complexidade dos valores pessoais, nas situações que eles emergem, o que faz da ética algo tão complexo. Percebe-se que a ética não é uma prescrição, não é algo que possa ser decorado e executado. É essa complexidade de valores e de situações que ampliam ilimitadamente o espectro do universo de escolhas éticas e, por isso, garantem a liberdade humana de decidir (CORTELA; BARROS FILHO, 2014), pois não há como prever, regular e prescrever todas as situações, mesmo porque cada uma deflagra um contexto único. A ética, enquanto processo de escolha, é exercício de responsabilidade e de liberdade, por isso de autonomia. Para o psicólogo Yves De La Taille (2005, p.1), ―Do ponto de vista psicológico, a questão da norma, como devo agir, e a questão da felicidade, como quero viver, estão relacionadas‖. De La Taille explica que a primeira questão se refere à moral e a segunda à ética. 2 O desenvolvimento moral Piaget, psicólogo suíço, considerado um dos mais importantes pensadores do século XX, realizou estudos sobre a origem das estruturas cognitivas, bem como, sobre o julgamento moral nos primeiros anos de vida. Para Piaget, os seres humanos desenvolvem-se moralmente, evoluindo do estado de anomia, para o de heteronomia, e, depois, para o estado de autonomia. Segundo Duska e Whelham (1979, p. 20), para este estudioso, ―as crianças menores estão no estágio denominado ‗heteronomia‘ isto é, suas regras são leis externas, sagradas, porque são impostas pelos adultos‖. Porém, ao se desenvolver, este estágio de heteronomia diminui cadenciadamente em favor do estágio de autonomia, ―em que as regras são vistas como resultado de uma decisão liberal, dignas de respeito e aceitas pelo mútuo consenso‖. Kohlberg, professor de Psicologia Social e de Educação na Universidade Havard, também estudou sobre o processo evolutivo no juízo moral. Nesse sentido, desenvolveu uma pesquisa que avaliou o amadurecimento moral dos seres humanos. Por meio desta pesquisa, identificou seis estágios que – dois a dois – constituem três níveis de julgamento moral: pré- convencional − não atenção às convenções sociais −; convencional − atenção às convenções sociais −; e pós-convencional − reflexão para evolução das convenções sociais − (DUSKA, WELHAN, 1979, p. 56-58). Para Kohlberg, cada ser humano estaria em um desses estágios de desenvolvimento. Segundo ele, o estágio em que as pessoas estão determinam sua escolha por uma ou outra conduta. O estágio é caracterizado pela predominância de uma das crenças pessoais, a seguir. As pessoas decidem realizar ou não uma ação porque 1) podem ou não serem penalizadas (estágio 1 − orientação para punição e obediência); 2) porque todo mundo faz (estágio 2 − orientação relativista instrumental); 3) depende da situação (estágio 3 − orientação interpessoal do bom menino, boa menina) ; 4) porque respeitam a lei (estágio 4 – orientação à lei e à ordem constituída); 5) porque a honestidade é um valor que começa nelas (estágio 5 – orientação legalista para o contrato social) e, 6) porque podemos mudar o mundo (estágio 6 – orientação ao princípio ético e universal). É importante considerar que, segundo Kohlberg, os estágios são gradativos, mas nem todas as pessoas passam por todos os estágios e pouquíssimas chegam ao último. (DUSKA e WELHAN, 1979). A evolução cognitiva e a evolução moral, explicadas por Piaget e Kohlberg, deixam claro que os processos da evolução intelectual e da evolução moral estão interligados, uma vez que o processo cognitivo está na base dos vários estágios do juízo moral (DUSKA e WELHAN, 1979). Mostram ainda a mutabilidade dos estágios de amadurecimento moral que vive o ser humano e que tal evolução depende necessariamente de sua interação com o meio e com as pessoas, num processo de educação formal e informal. 3 A ética, a moral e a educação As escolhas humanas implicam em consequências que, por sua vez, na coletividade, trazem à tona o contraste entre a realidade e as ideias da realidade ou de comportamento. Assim, o homem, imerso no meio social, percebe que deverá responder por suas escolhas, na coletividade, a partir de sua reflexão ética, diante da moral desta sociedade. A escola, nesse processo, tem um papel fundamental, uma vez que é a instituição responsável por oportunizar a criança seu primeiro convívio social, sem a presença da família. Juntos, família e escola devem se responsabilizar pela formação humana dos aprendizes. Entretanto, embora a maior responsabilidade da formação dos valores seja da família, em grande parte a escola se vê obrigada a assumir quase que integralmente a formação para os princípios e valores universais. Nesse cenário, o papel do professor é ampliado. Segundo Freire (1998, p. 36), ―Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condição entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres humanos, longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela‖. Para Freire (1998, p.38), o caráter formador do exercício educativo exige a corporificação das palavras pelo exemplo, assim o professor não pode ser incoerente com o que defende, realizando a máxima ―faça o que eu mando e não o que eu faço‖. Tal perspectiva também é contemplada nos Parâmetros Curriculares do terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental que explicam A proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais é que a ética — expressa na construção dos princípios de respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade — seja uma reflexão sobre as diversas atuações humanas e que a escola considere o convívio escolar como base para sua aprendizagem, não havendo descompasso entre ―o que diz‖ e ―o que faz‖. Partindo dessa perspectiva, o tema transversal Ética traz a proposta de que a escola realize um trabalho que possibilite o desenvolvimento da autonomia moral, o qual depende mais de experiências de vida favoráveis do que de discursos e repressão. (BRASIL,1998, p.66). Segundo Duska e Welhan (1979, p. 33), para Piaget, ―entre os oito e os dez anos, quando aparece um forte desejo de participação, é que a criança experimenta a necessidade da verdade nas relações de respeito mútuo.‖ Nesse sentido, a criança, nos primeiros anos de escolaridade, já está se despertando para a análise da intencionalidade de suas ações e das ações dos outros. Assim os professores são alvos dessas análises e o compasso entre o que ―se diz‖ e o ―que se faz‖ torna-se ainda mais relevante para a relação professor-aluno. Isso exige que os professores mantenham, ainda mais, uma postura ética. A ética é teoria e a moral é prática, nessa perspectiva, o professor deve possibilitar aos educandos perceberem alternativas teóricas e práticas, levando-os a conhecer valores do que é certo, do que é errado, do que é bom, do que é ruim, ou seja, indicando valores sociais e culturais, por meio de suas próprias posturas. A estrutura de valores pessoais é construída pelas pessoas em sua história pessoal, por meio da internalização do que vivem em sua realidade. Para ilustrar, podemos citar uma situação ocorrida em uma palestra que foi realizada em um centro socioeducativo de menores infratores. Na ocasião, a professora ministrava o tema planejamento de vida, quando perguntou a um dos menores infratores, de aproximadamente dezesseis anos, sobre o que ele pensava em relação ao futuro do jovem. No momento, o adolescente hesitou, começou a pensar sobre o que dizer, inclusive, sentiu-se tão incomodado com a pergunta que colocava as mãos na cabeça, fechava os olhos, contorcia-se na carteira, tentando de todas as formas dominar o conceito ―futuro‖ e responder a pergunta. Depois de alguns minutos, respondeu ―Não. Eu não sei o que penso sobre futuro. Ninguém nunca me perguntou sobre futuro. De onde eu vim, ninguém pensa nisso, a gente vive o que existe naquele momento‖. Pelo que respondeu, fica claro entender a perplexidade do jovem diante da palavra futuro, uma vez que nunca ninguém tinha conversado com ele sobre o assunto, pelo menos que ele se lembrasse. O conceito pareceu-lhe muito complexo para ser pensado e concebido naquele momento. Ao considerarmos que o educando era um menor infrator, podemos ainda fazer outras reflexões: o que um adolescente que não compreende a concepção de futuro pode ter como perspectiva de vida? Quais julgamentos morais podem ser feitos a um adolescente ao qual foi negligenciada a discussão sobre futuro? Alguém que não concebe o futuro pode prever possíveis consequências de seus atos à sua vida e à vida de outras pessoas? Assim, entendemos que o ―futuro‖ até então não poderia ser um valor para aquele jovem, uma vez que, por suas experiências pessoais, ele sequer dominava esse conceito. Além disso, percebemos que a dificuldade em abstrair um significado para o conceito, indica que ele estava muito complexo para o nível de desenvolvimento intelectual do adolescente e, por último, o fato de não dominar o conceito, de não pensar no futuro poderia estar o impedindo de conjecturar as consequências de seus atos, de escolher a melhor opção diante das circunstâncias vividas. Vemos que as experiências pessoais do adolescente não oportunizaram a reflexão sobre futuro, alijando-o, de certa forma, da possibilidade de vislumbrar uma perspectiva de vida. Essa é a realidade de muitos jovens que vêm de famílias desestruturadas e às vezes miseráveis. Nesses casos, a escola pode ser a única oportunidade de parâmetro e acesso à reflexão sobre princípios, valores, condutas e possibilidades. Para Duska e Whellan (1994, p.106), ―Os fatos que influenciam o desenvolvimento moral são: o ambiente social, o desenvolvimento cognitivo, a empatia e o conflito cognitivo‖. Toda formação pressupõe tempo e intervenção pedagógica, assim ―Crescer moralmente não significa apenas mudar de opinião sobre um problema particular, mas transformar o modo de raciocinar, expandindo a própria visão até incluir nela critérios de julgamento ainda não considerados‖ (DUSKA; WHELLA, 1994, p.104). Nessa perspectiva, o desenvolvimento intelectual possibilita ao educando perceber as múltiplas variáveis que envolvem um fenômeno e como elas se articulam e o desenvolvimento moral permite a reflexão dessas variáveis na dimensão ética. Como valores e princípios são conceitos abstratos, é necessário que o educador possibilite aos aprendizes o desenvolvimento da capacidade de abstração, de compreender conceitos, sabendo articulá-los à vida prática e à sua experiência de mundo. Em relação ao estímulo e ao conflito cognitivo, Duska e Whellan (1994, p.106) explicam Criar estímulo cognitivo num programa de educação moral significa perturbar o equilíbrio do indivíduo, criando uma situação na qual ele, diante de um problema a resolver, experimente um conflito tal que o leve à percepção de que estruturas atuais do seu raciocínio são limitadas demais para incluir as novas perspectivas que o conflito apresenta. Experimenta-se o conflito cognitivo somente quando as novas considerações introduzidas provêm de um estágio moral superior ao estágio habitual de raciocínio. Nessa perspectiva, a discussão com os pares, mediada pelo professor, acerca de dilemas morais a partir de situações-problema, leva o aluno a deparar-se com questões ainda não pensadas e singulares, por isso, desafiadoras. Sendo assim, o professor deve possibilitar que o aluno levante hipóteses sobre as variáveis implicadas na situação, sobre as possíveis relações estabelecidas entre essas variáveis, principalmente as de causa e consequência; realize comparações; imagine processos que desencadearam o problema e que podem ser desencadeados por ele; busque informações que validem ou não as hipóteses levantadas; socialize experiências e pontos de vista, compreendendo a situação-problema de forma mais ampla e mais profunda. A empatia, ou seja, a capacidade de compreender emocionalmente outra pessoa, de se colocar no lugar do outro, também deve ser desenvolvida. Ela pode ser mediada pelo professor em diferentes momentos, por exemplo, quando ele dialoga com o educando sobre as ações deste e as consequências delas para a sua e para outras vidas; quando possibilita ao educando conjecturar ações e suas possíveis repercussões; quando os dois dialogam sobre acontecimentos ou experiências que impactaram a própria vida do educador e como ele tomou decisões diante da circunstância; quando o professor contribui para que o educando perceba e reflita sobre seus próprios sentimentos (DUSKA; WHELLA,1994). Além disso, possibilitar a leitura de textos literários e/ou assistir e participar de peças teatrais e filmes, discutindo acerca de histórias, refletindo sobre as condutas dos personagens, também contribuem para que o aluno se coloque no lugar de outras pessoas (mesmo que fictícias) e veja a vida sob outras perspectivas, considerando sentimentos e pontos de vistas diversos dos seus. Fomentar o diálogo, a leitura da arte e de experiências culturais de forma geral é crucial para o desenvolvimento empático. Considerações Finais Assim, formar seres éticos exige da escola a sistematização de momentos significativos de discussão, com repertórios de desafios morais (situações-problema) e a mediação qualificada de professores, para que os alunos possam de fato, exercitar sua criticidade, sua capacidade de identificar soluções e escolher. Entretanto, esse trabalho deve ser feito cotidianamente. A formação ética dos alunos é o que os possibilitará assumir sua responsabilidade diante da vida e realizar escolhas de forma mais consciente, preocupando-se com a melhor forma de conviver na coletividade. As posturas morais condizentes com os valores universais, oferecidas pela escola e pelo professor, bem como as intervenções destes, compõem a possibilidade do aprendiz de se amadurecer moralmente, evoluindo-se para uma reflexão dos pressupostos valorativos das ações cotidianas. Dessa maneira ele poderá exercer um comportamento moral mais consciente pautado numa reflexão ética consistente. Referências BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1998. CORTELLA, Mário Sérgio. BARROS FILHO, Clóvis de. Ética e vergonha na cara. Vídeo. In: Café Filosófico. Youtube. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=eEsFE9WqhsU>. Acesso em: 02 ago 2014. DALBERIO, Osvaldo. Ética Moral e Valores do professor e do aluno. 2011. Disponível em: <http://www.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/revistatriangulo>. Acesso em: 07 jul. 2013. DE LA TAILLE, Yves. Em busca dos valores morais e éticos. Entrevistadora: Luiza Oliva. Disponível em: <http://www.construirnoticias.com.br/asp/materia.asp?id=1206>. Acesso em: 07 jun. 2013. DUSKA, Ronald. WELHAN, Marielen. Desenvolvimento moral na idade evolutiva. São Paulo: Edições Loyola. 1994. FERNANDES, André Luís Teixeira. et al. Artigo Científico. Uberaba: Universidade de Uberaba, 2012. FREIRE. Paulo. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 1998. SROUR, Robert Henry. Ética empresarial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.