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Revista do Direito nº 14 – 2013
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CONTROLE JURISDICIONAL DE CONVENCIONALIDADE DAS NORMAS
INTERNAS EM FACE DOS TRATADOS E CONVENÇOES INTERNACIONAIS
SOBRE DIREITOS HUMANOS EQUIVALENTES ÀS EMENDAS
CONSTITUCIONAIS
Waldir Alves
Resumo: O estudo pretende analisar a possibilidade do controle de convencionalidade
das normas internas em face dos tratados e convenções sobre direitos humanos
equivalentes às normas constitucionais, tanto no âmbito do controle difuso como do
controle concentrado de convencionalidade, na perspectiva do fortalecimento do
princípio democrático do acesso do cidadão ao controle jurisdicional de
convencionalidade das normas.
Palavras-chave: Controle jurisdicional de convencionalidade das normas. Controle
difuso e concentrado de convencionalidade. Tratados e convenções sobre direitos
humanos equivalentes às normas constitucionais. Princípio democrático.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Emenda Constitucional nº 45/2004 inovou ao inserir o § 3º no art. 5º da
Constituição, trazendo o procedimento de aprovação, por três quintos dos votos de cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, de tratados e convenções internacionais
sobre direitos humanos, garantindo-lhes a equivalência de emendas constitucionais.
A inovação constitucional ampliou o instrumental jurídico para dar efetividade
aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, além dos mecanismos
já previstos originariamente no art. 5º, §§ 1º e 2º, da Constituição.
2. DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS
Na Inglaterra surgiram os primeiros documentos de importância aos direitos
humanos ou individuais, que são a Magna Charta Libertatum (outorgada em 1215 pelo
rei João Sem-Terra, compelido por seus barões, e tornada definitiva em 1225;
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confirmada em 1297 por Eduardo I, por intermédio da Confirmatio Chartarum1), a
Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Act (1679) e o Bill of Rights (1689)2.
Na América surgiu a Declaração de Direitos de Virgínia (12 de junho de 1776),
que, em sentido moderno, é considerada a primeira declaração de direitos3, e a
Constituição norte-americana, de 1787 (especialmente por intermédio das dez primeiras
emendas, aprovadas em 1791, constituindo o Bill of Rights americano4)5.
Em seguida vem a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
(empreendida pela Assembleia Constituinte francesa, de 27 de agosto de 1789) e a
Constituição francesa (1791)6.
1 Era hábito dos soberanos britânicos confirmarem a Magna Carta ao ascenderem ao trono, o
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que foi feito mais de trinta vezes (Cf. MOTT. Due Process of Law. 1926, p. 04; Apud
GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do direito de ação. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1973, p. 23).
A Declaração de Direitos inglesa foi antecedida pela Revolução Gloriosa inglesa, por
intermédio da qual “se firmara a supremacia do Parlamento, impondo a abdicação do rei
Jaime II e designando novos monarcas, Guilherme III e Maria II, cujos poderes reais
limitavam com a declaração de direitos a eles submetida e por eles aceita.” (SILVA. José
Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 27. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 153).
“Pero las primeras tablas de derechos em el sentido moderno son los bills de las colonias
americanas al separarse de la metrópoli.” (GARCÍA-PELAYO, Manuel. Derecho
Constitucional comparado. 1ª reimpressão, Madrid: Alianza, 1987, p. 151).
Somente onze anos após a independência, em 4.7.1776, nasceu o Estado federal norteamericano: “A Constituição dos EUA aprovada na Convenção de Filadélfia, em 17.9.1787,
não continha inicialmente uma declaração dos direitos fundamentais do homem. Sua entrada
em vigor, contudo, dependia da ratificação de pelo menos nove dos treze Estados
independentes, ex-colônias inglesas na América, com que, então, tais Estados soberanos se
uniriam num Estado Federal, passando a simples Estados–membros deste. Alguns,
entretanto, somente concordaram em aderir a esse pacto se se introduzisse na Constituição
uma Carta de Direitos, em que se garantissem os direitos fundamentais do homem. Isso foi
feito, segundo enunciados elaborados por Thomas Jefferson e James Madison, dando origem
às dez primeiras Emendas à Constituição de Filadélfia, aprovadas em 1791, às quais se
acrescentaram outras até 1975, que constituem o Bill of Rights do povo americano...” (SILVA.
José Afonso da, Curso de Direito Constitucional positivo, p. 155).
O antecedente histórico norte-americano é a independência das colônias inglesas da América
do Norte, em 1776.
O acontecimento histórico decisivo para os documentos franceses foi a Revolução Francesa,
de 1789. Apesar de alguns autores ressaltarem a influência norte-americana na Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, as “fontes filosóficas e ideológicas das declarações de
direitos americanas como da francesa são europeias, como bem assinalou Mirkine
Guetzévitch, admitindo que os franceses de 1789 somente tomaram de empréstimo a técnica
das declarações americanas, ‘mas estas não eram, por seu turno, senão o reflexo do
pensamento político europeu e internacional do século XVIII – dessa corrente da filosofia
humanitária cujo objetivo era a liberação do homem esmagado pelas regras caducas do
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O primeiro documento de caráter multinacional, declarando os direitos do
homem, foi a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (aprovada pela
IX Conferência Internacional Americana, reunida em Bogotá de 30 de março a 02 de
maio de 1948), até chegar, por intermédio dos esforços das Nações Unidas, na
Declaração Universal dos Direitos Humanos (aprovada pela terceira sessão ordinária da
ONU, de 10 de dezembro de1948, em Paris).
Depois surgiu a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e
das Liberdades Fundamentais, também denominada Convenção Europeia de Direitos
Humanos (aprovada no dia 04 de novembro de 1950, em Roma).
Mais recentemente foram firmados o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(aprovados pela Assembleia Geral da ONU em 16 de dezembro de 1966, em Nova
York), e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa
Rica, de 22 de novembro de 1969), o que evidenciou uma significação e universalização
cada vez maior dos direitos da pessoa humana7.
A configuração dos direitos nas constituições americanas tem, por um lado, seu
fundamento na natureza e essência do homem, apresentando-se como direitos inatos,
inalienáveis e inseparáveis do homem e, de outro lado, a limitação concreta do poder do
Estado por esses direitos, com isso abrindo passagem para o Estado constitucional
moderno8.
absolutismo e do regime feudal.” (SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional
positivo, p. 157).
7 Cf. STERN, Klaus; SACHS, Michael. Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland.
München: Beck, 1988, Bd. III/1, p. 209 ss.
8 “Segundo eles, o indivíduo é sujeito de direitos não pelo Estado, senão, por sua natureza,
deve ser respeitado pelo Estado. Ele tem direitos inalienáveis, invioláveis que o Estado deve
reconhecer como posições de direito e de liberdade juridicamente especializadas e
concretizadas, dirigidos para uma atuação determinada. Assim, o poder do Estado não mais é
absoluto, senão limitado pela constituição criada pelo poder constituinte do povo que possui
uma hierarquia maior do que as leis.” (HECK, Luís Afonso. Direitos fundamentais e sua
influência no direito civil. Revista de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 29, jan.-mar./1999, p. 41).
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Algo diverso ocorreu com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
francesa, centrada na igualdade social, preocupada com a fixação de um programa para
a modificação das relações sociais então existentes, porém não convertido em norma
concreta9. No entanto, nem por isso deixou de contribuir na apresentação à Europa de
um modelo teórico de liberdade, com o reconhecimento de direitos ao cidadão10.
A questão que se apresentou com a evolução das declarações de direitos foi o
seu reconhecimento no texto das Constituições, pois as declarações careciam de força e
mecanismos jurídicos que lhes dessem a necessária e suficiente efetividade por
intermédio de meios e recursos jurídicos. Biscaretti di Ruffia referiu que “no curso do
século XIX, a enunciação dos direitos e deveres dos indivíduos sofreu uma dupla
transformação”, a partir da qual “passou para o próprio texto das Constituições,
imprimindo às suas fórmulas, até então abstratas, o caráter concreto de normas jurídicas
positivas (ainda que de conteúdo geral e de princípio)”, que passaram a ser “válidas para
os indivíduos dos respectivos Estados (dita subjetivação)” e, “não raro, integrou-se
também de outras normas destinadas a atuar uma completa e pormenorizada
regulamentação jurídica de seus pontos mais delicados, de modo a não requerer
9 “Algo diferente se passa com a declaração dos direitos humanos e civis francesa, de 26.0803.11.1789. A sua característica estava mais na igualdade social, vinculada com um
programa para a modernização das relações feudo-estamentais existentes. Mas este programa
não é convertido normativamente, com a qualidade constitutivo-jurídica. Essa declaração não
pretendeu ser constituição concreta, pois os franceses estavam mais interessados na filosofia
dos direitos, não em sua validez jurídica. Com base nessa situação diz Boutmy: ‘Para os
franceses, a declaração é somente uma obra-prima de oratória, os artigos estão nela em
pureza abstrata, somente no brilho de sua majestade e do domínio da verdade sobre os
homens. Nenhum tribunal pode empregá-los como meio jurídico ou para a fundamentação da
sentença. Para a instrução de todo o mundo escrevem os franceses’.” (HECK, Luís Afonso,
Direitos fundamentais e sua influência no direito civil, p. 41).
10 “Aunque evidentemente influídos por el sistema del Common Law britânico, y representado
en muchos aspectos una decantación del mismo, las declaraciones americanas significan, con
todo, algo nuevo en la Historia, pues no se apela al Derecho histórico ni a la tradición, sino a
los derechos de naturaleza humana y de la razón; no aparecen como emanación de un orden
concreto, sino como supuesto de todo orden. Después de los estudios de Jellinek, es
indubidable la influencia de estos bills en la Declaración francesa de 1789; mas este
precedente no quita significado universal a dicha Declaración, porque ‘lo que da a la
Declaración francesa una importancia histórica de primer orden, todavía mayor que la de los
bills of rights americanos, es el haber ofrecido a todos los pueblos de Europa... un modelo
teórico de libertad, en el cual se inspiraron, mejor que en níngún otro, para sus
reivindicaciones políticas, asociando, desde entonces en adelante, la idea de un gobierno
liberal con la de una determinación fundamental de los derechos del ciudadano'.” (GARCÍAPELAYO, Manuel, Derecho Constitucional comparado, p. 151 s.).
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ulteriormente, a tal propósito, a intervenção do legislador ordinário (ou seja, sua
positivação)”11.
A Lei Fundamental alemã coloca o catálogo dos direitos fundamentais no seu
início (arts. 1º a 1912), ao que parece determinar o seu conceito como sendo aqueles
que o Direito vigente qualifica como direitos fundamentais13. Porém, diante do Direito
positivo esse conceito se mostra insuficiente, pois outros direitos são considerados (arts.
20, alíneas 4, 33, 38, 101, 103 e 10414).
11 Cf. SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional positivo, p. 167. Biscaretti di Ruffia
acrescentou que essa dupla transformação encontrou sua primeira e integral afirmação na
Constituição Belga de 1831, que no Título II inscreve os direitos fundamentais dos belgas,
marco a partir do qual as constituições liberais democráticas passaram a trazer um capítulo
em que são subjetivados e positivados os direitos fundamentais do homem da respectiva
vinculação estatal. No entanto, José Afonso da Silva observa que Biscaretti di Ruffia
certamente não conhecia a Constituição do Império de 1824, senão verificaria que a primazia
da subjetivação e da positivação não cabe à Constituição belga, mas à brasileira, que as
enunciou no seu art. 179: “A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos
Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é
garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte.” (SILVA, José Afonso da,
Curso de Direito Constitucional positivo, p. 167). Ou seja, a subjetivação como
reconhecimento dos direitos do homem aos brasileiros. Ao que se segue um rol de direitos
em 35 incisos, consistente na positivação, garantindo um rol dos direitos do homem na
Constituição.
12 Art. 1 [dignidade humana, vinculação aos direitos fundamentais]; Art. 2 [livre
desenvolvimento da personalidade, direito à vida; à integridade corporal, liberdade da
pessoa]; Art. 3º [igualdade]; Art. 4 [liberdade de fé, de consciência e de profissão, objeção de
consciência]; Art. 5 [liberdade de opinião, de imprensa, radiodifusão, liberdade de artes e
ciência]; Art. 6º [casamento e família]; Art. 7º [sistema escolar]; Art. 8º [liberdade de
reunião]; Art. 9º [liberdade de associação]; Art. 10 [segredo epistolar, postal e de
comunicação]; Art. 11 [liberdade de circulação]; Art. 12 [liberdade de profissão]; Art. 12a
[serviço militar e obrigação de prestação de serviço substitutivo]; Art. 13 [Inviolabilidade da
habitação]; Art. 14 [propriedade, direito de herança, desapropriação]; Art. 15 [socialização];
Art. 16 [expatriação, extradição]; Art. 16a [direito de asilo]; Art. 17 [direito de petição]; Art.
17a [restrição de direitos fundamentais aos prestadores de serviço obrigatório]; Art. 18
[perda de direitos fundamentais]; e, Art. 19 [limitações de direitos fundamentais, garantia da
via jurídica].
13 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha.
Tradução de “Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland”, por Luís
Afonso Heck. Porto Alegre: Fabris, 1998, n. 277, p. 225.
14 Enumeração esta, contida no art. 93, alínea 1, número 4a: Art. 20, alínea 4 [direito de
resistência]; Art. 33 [direitos e obrigações cívicas, funcionário público]; Art. 38 [proposições
fundamentais eleitorais, mandato representativo, capacidade eleitoral]; Art. 101: [tribunais de
exceção, tribunais especiais]; Art. 103 [Direitos fundamentais do réu]; e Art. 104: [privação
de liberdade].
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Esse conceito, do qual parte o art. 93, alínea 1, número 4a15, da Lei
Fundamental, “é meramente formal e, por causa disso, não está em condições de
expressar
algo
sobre
a
peculiaridade
e
significado
material
dos
direitos
fundamentais”16.
De modo geral, os direitos fundamentais previstos na Lei Fundamental alemã
circunscrevem-se, basicamente, aos clássicos direitos humanos e civis17, podendo ser
inseridos casos novos, como apontado pela doutrina jurídica em relação ao livre
desenvolvimento da personalidade da pessoa humana18.
Além da Lei Fundamental, algumas Constituições dos Estados Federados
alemães (Länder) também possuem um rol de direitos fundamentais, que vigoram como
Direito do Estado Federado, mas que não podem contrariar a Lei Fundamental,
possuindo importância considerável nas matérias de competência exclusiva dos Estados
da Federação (v.g., direito escolar, ensino superior e procedimento de jurisdição
constitucional estadual)19.
15 Art. 93 [Competência do tribunal constitucional federal]
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18
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(1) O tribunal constitucional federal decide:
4a. sobre recursos constitucionais, que podem ser promovidos por cada um com a afirmação
de estar sendo violado pelo poder público em um dos seus direitos fundamentais ou em um
dos seus direitos contidos no artigo 20, alínea 4, artigos 33, 38, 101, 103 e 104 da lei
fundamental.
HESSE, Konrad, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, n.
277, p. 225.
Segundo Hesse: “No obstante, considerados en conjunto, los derechos fundamentales de la
Ley Fundamental se circunscriben básicamente a los clásicos derechos humanos y civiles”
(HESSE, Konrad. Significado de los derechos fundamentales. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER,
Werner; VOGEL, Hans-Jochen; HESSE, Conrad; HEIDE, Wolfgang (Coord.). Manual de
derecho constitucional. Tradução de “Handhuch des Verfassungsrechts der Bundesrepublik
Deutschland”, por Antonio López Pina. Madrid: Instituto Vasco de Administración Pública;
Marcial Pons, 1996, n. 8, p. 87).
Nipperdey também refere que “a maioria das determinações do catálogo dos direitos
fundamentais contém, por outro lado, autênticos (clássicos) direitos fundamentais”
(NIPPERDEY, Hans Carl. Grundrechte und Privatrecht. In: NIPPERDEY, Hans Carl (Hrsg.).
Festschrift für Erich Molitor zum 75. Geburtstag. München; Berlim: Beck, 1962, S. 22). No
entanto, ao tratar do livre desenvolvimento da personalidade da pessoa humana, ressalva que
“O direito fundamental do Art. 2 I não é um clássico direito fundamental; ele é desconhecido
pelas antigas constituições. Ele é incontestavelmente um caso novo do nosso Direito
Constitucional” (NIPPERDEY, Hans Carl. Freie Entfaltung der Persönlichkeit. In:
Bettermann, Karl August; NIPPERDEY, Hans Carl (Hrsg.). Die Grundrechte: Handbuch der
Theorie und Praxis der Grundrechte. Berlim: Duncher & Humblot, Bd. 4, Halbband 2,
1962, S. 742).
A previsão de direitos fundamentais nas Constituições de alguns Estados alemães é tanto
àquelas que já estavam em vigor antes da Lei Fundamental (Baviera, Bremen, Hessen,
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Na Constituição brasileira de 1988, os direitos fundamentais estão especialmente
previstos no Título II (arts. 5º a 17), além de outras previsões esparsas (v.g., arts. 15020,
22521 e 226), os quais não excluem outros direitos decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte (§
2º do art. 5º)22, que, especificamente, no caso de tratados e convenções internacionais
sobre direitos humanos, aprovados pela maioria qualificada do Congresso Nacional,
serão equivalentes às emendas constitucionais (§ 3º do art. 5º).
Renânia-Palatinado e Sarre), que contêm um rol mais completo que a própria Lei
Fundamental, como as criadas posteriormente (Renânia do Norte-Vestfália e BadenWürttenberg), que ao mesmo tempo em que remetem para a Lei Fundamental a sua
incorporação, também garantem direitos mais avançados. Outros não contêm direitos
(Hamburgo, Baixa Saxônia e Schleswig-Holstein), nos quais regem os direitos fundamentais
da Lei Fundamental (Cf. HESSE, Konrad, Significado de los derechos fundamentales, n. 9-10,
p. 88).
20 “... 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2, autorizou a União a
instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse
dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica ‘o art. 150, III, ‘b’ e VI’, da Constituição,
porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não
outros): 1. – o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5.,
par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, ‘b’ da Constituição); 2. – o princípio da
imunidade tributária recíproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros)
que é garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I, e art. 150, VI, ‘a’, da C.F.); 3. – a norma
que, estabelecendo outras imunidades, impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre:
‘b’): templos de qualquer culto; ‘c’): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos,
inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de
educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e ‘d’):
livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequência, é
inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos,
nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de
reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, ‘a’, ‘b’, ‘c’ e ‘d’ da C.F. (arts. 3., 4. e 8.
do mesmo diploma, L.C. n. 77/93)...” (STF, ADI 939/DF, Pleno, v.m., j. 15.12.1993, Rel.
Min. Sydney Sanches, DJ 18.03.1994, p. 5.165).
21 Cf. GAVIÃO FILHO, Anízio Pires. Direito fundamental ao ambiente. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2005, p. 37.
22 É o caso do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (aprovados pela Assembleia Geral da ONU em
1966), em relação aos quais o Governo Brasileiro depositou sua Carta de Adesão em
24.01.1992, entrando em vigência em 24.04.1992. Foi incorporado ao direito interno com
sua aprovação pelo Congresso Nacional, por intermédio do Decreto-legislativo 226, de
12.12.1991, sendo promulgado pelo Presidente da República por intermédio do Decreto 591,
de 06.07.1992, que lhe conferiu publicidade e executoriedade no âmbito interno. Como
escreve Valerio Mazzuoli: “Desde que em vigor no plano internacional, os tratados
ratificados pelo Estado, promulgados e publicados, passam a integrar o arcabouço normativo
interno e, consequentemente, a produzir efeitos na ordem doméstica. Tais instrumentos, uma
vez insertos no Direito brasileiro, passam a obedecer, com pouquíssima variação, às mesmas
regras sobre vigência e eficácia aplicáveis às demais leis do País.” (MAZZUOLI, Valerio de
Oliveira. Direito dos tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 386).
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Do mesmo modo, as Constituições dos Estados também podem enumerar
direitos fundamentais (art. 25), observados os princípios da Constituição. As normas
definidoras dos direitos fundamentais têm aplicação imediata, vinculando Legislativo,
Executivo e Judiciário (art. 5º, § 1º).
Ou seja, os direitos fundamentais são essencialmente direitos do homem
transformados em direito positivo, ordinariamente institucionalizados por intermédio de
sua previsão em texto constitucional23, momento a partir do qual costumam adquirir
aplicação imediata24, vinculando os Poderes de Estado.
Esse procedimento, inclusive, pode decorrer do dever estabelecido em tratados e
convenções internacionais, de os Estados-partes adotarem disposições de direito interno,
de modo a garantirem o exercício dos direitos e liberdades mencionados ainda não
garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, necessárias para tornar
efetivos os direitos e liberdades25.
Com isso, enquanto os direitos fundamentais atuam no âmbito interno, pois
previstos na Constituição, sendo, portanto, objeto do Direito Constitucional26, os
23 “Direitos fundamentais são essencialmente direitos do homem transformados em direito
positivo. Direitos do homem insistem em sua institucionalização. Assim, existe não somente
um direito do homem à vida, mas também um direito do homem a isto, que exista um estado
que impõe tais direitos. A institucionalização abarca, necessariamente, justicialização.”
(ALEXY, ROBERT. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no
estado de direito social. In: ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Traduzido por
Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 63).
24 É o caso da Constituição brasileira: Art. 5º (…) § 1º - As normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata.
25 Esse é o caso da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa
Rica, de 1969), a qual estabelece no seu Art. 2º (Dever de adotar disposições de direito
interno): “Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver
garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-Partes comprometemse a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta
Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar
efetivos tais direitos e liberdades.”
26 “... Direitos fundamentais – é expressão mais afeta à proteção constitucional dos direitos dos
cidadãos. Ligam-se, assim, aos aspectos ou matizes constitucionais (internos) de proteção, no
sentido de já se encontrarem positivados nas Constituições contemporâneas.” (MAZZUoli,
Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, p. 822). No mesmo sentido: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos
fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 30. A Constituição brasileira, originariamente,
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direitos humanos estão elencados em documentos internacionais (v.g., tratados,
convenções, pactos), assumindo a condição de direitos previstos no Direito
Internacional Público27.
No entanto, o § 3º do art. 5º da Constituição acrescentou a possibilidade de os
tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos poderem adquirir a
equivalência de emendas constitucionais, atuando, portanto, de forma direta no âmbito
interno.
2. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
A Emenda Constitucional nº 45/2004, ao inserir o § 3º no art. 5º da
Constituição28, prevendo a possibilidade de os tratados e convenções internacionais
sobre direitos humanos terem a equivalência de emendas constitucionais, desde que
aprovados, em dois turnos, por três quintos dos votos de cada Casa do Congresso
também acolheu essa conceituação no § 1º de seu art. 5º: “As normas definidoras dos direitos
e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”
27 “... Direitos humanos – são, por sua vez, direitos inscritos (positivados) em tratados ou em
costumes internacionais. Ou seja, são aqueles direitos que já ascenderam ao patamar do
Direito Internacional Público.” (MAZZUoli, Valerio de Oliveira, Curso de direito
internacional público, p. 822). Essa distinção técnica também foi introduzida na Constituição
brasileira, em seu art. 5º, § 3º: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por
três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais.” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). Já para outros
autores, enquanto os direitos fundamentais são manifestações positivas do Direito, com
aptidão para produzir efeitos no plano jurídico, os direitos humanos seriam tratados no
âmbito dos direitos morais: “De um ponto de vista histórico, ou seja, na dimensão empírica,
os direitos fundamentais são, originariamente, direitos humanos. Contudo, estabelecendo um
corte epistemológico, para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, devemos
distingui-los, enquanto manifestações positivas do Direito, com aptidão para a produção de
efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas ético-políticas,
‘direitos morais’ (cf. A. RUIZ MIGUEL, 1990; GREGORIO ROBLES, 1992, p. 25 s.;
VERNENGO, 1992/1993, p. 213 s.; LUIS PRIETO, 1994, p. 181 s.; VILLALON, 1994, p.
160 s.), situados em uma dimensão supra-positiva, deonticamente diversa daquela em que se
situam as normas jurídicas – especialmente aquelas de Direito interno (cf. MÜLLER, 1990;
PEREZ LUÑO, 1991, p. 45; ROIG, 1992, p. 32 s.; HÄBERLE, 1994, p. 94 s.;
COMPARATO, 1996, p. 44 e s.)” (GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional
e Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos, 2001, p. 37).
28 “Art. 5º (…) § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
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Nacional, abriu o debate na doutrina nacional sobre o controle de convencionalidade no
Direito brasileiro, sendo pioneiramente tratado em obra específica por Valerio de
Oliveira Mazzuoli29, o que somente vinha sendo tratado no âmbito do controle de
convencionalidade realizado pelas Cortes Internacionais30.
Ou seja, a previsão do § 3º ao art. 5º da Constituição abriu a possibilidade de os
tratados internacionais de direitos humanos adquirirem (desde que ratificados e em vigor
no plano internacional) a condição de serem materialmente e formalmente
constitucionais, equivalentes às emendas constitucionais.
Essa previsão constitucional possibilitou um novo tipo de controle normativo no
Direito brasileiro, até então não realizado, o controle de convencionalidade das leis,
compatibilizando as normas internas com os tratados de direitos humanos ratificados
pelo governo brasileiro e em vigor no País31.
De grande importância para o debate estabelecido, além de contribuir para a
fixação dos contornos da inovação constitucional, foi a decisão do STF tomada nos REs
29 A inauguração do debate sobre o
controle de convencionalidade no Direito brasileiro foi
procedido por Valerio de Oliveira Mazzuoli, em obra específica sobre o seu impacto no
Direito brasileiro: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da
convencionalidade das leis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
30 Sobre o controle de convencionalidade feito pela Corte Interamericana de Direitos Humanos,
afetando o Brasil, destaca-se o escrito de André de Carvalho Ramos: “De fato, exemplo
marcante do controle de convencionalidade efetuado por mecanismo coletivo, afetando o
Brasil, é aquele feito pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, quer na sua jurisdição
contenciosa, quer na sua jurisdição consultiva.” (CARVALHO RAMOS, André de. A expansão
do direito internacional e a Constituição brasileira: Novos desafios. In: SAMPAIO, José
Adércio Leite (org.). Crise e desafios da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.
297).
31 “Pois bem, como se sabe e já se falou anteriormente (v. supra) a Emenda Constitucional n.
45/2004, que acrescentou o § 3º ao art. 5º da Constituição, trouxe a possibilidade de os
tratados internacionais de direitos humanos serem aprovados com um quorum qualificado, a
fim de passarem (desde que ratificados e em vigor no plano internacional) de um status
materialmente constitucional para a condição (formal) de tratados 'equivalentes às emendas
constitucionais'. Tal acréscimo constitucional trouxe ao direito brasileiro um novo tipo de
controle à produção normativa doméstica, até hoje desconhecido entre nós: o controle de
convencionalidade das leis. À medida que os tratados de direitos humanos ou são
materialmente constitucionais (art. 5º, § 2º) ou material e formalmente constitucionais (art. 5º,
§ 3º), é lícito entender que, para além do clássico 'controle de constitucionalidade', deve ainda
existir (doravante) um 'controle de convencionalidade' das leis, que é a compatibilização da
produção normativa doméstica com os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo
e em vigor no País.” (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Tratados internacionais de direitos
humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 185).
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349.703/RS32 e 466.343/SP33, em 3.12.2008, na qual foi analisada a possibilidade de
prisão civil do depositário infiel diante do Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos (art. 1134), e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San
José da Costa Rica (art. 7º, 735).
Enquanto anteriormente o STF reconhecia a possibilidade da prisão civil do
depositário infiel36, fundamentando seu entendimento em expressa permissão
constitucional (art. 5º, inc. LXVII, da Constituição37), a doutrina jurídica minoritária
corajosamente sustentou que estava vedada a prisão civil por dívida, exceto aquela de
natureza alimentícia, em decorrência de tratado internacional que vinculava o País à
norma proibitiva de Direito Internacional Público38.
32 STF, RE 349.703/RS, Pleno, v.u., Rel. p/ o Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 03.12.2008,
DJE 05.06.2009.
33 “Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da
Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do
depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos
humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da
Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados
internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a
legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de
adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do CC de 1916 e com o Decreto-Lei 911/1969, assim
como em relação ao art. 652 do novo CC (Lei 10.406/2002).” (STF, RE 466.343/SP, Pleno,
v.u., Rel. Min. Cezar Peluso, j. 03.12.2008, DJE 05.06.2009).
34 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), ratificado pelo Brasil em
24.01.1992, aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo 226/1991) e
incorporado ao ordenamento normativo brasileiro por força do Decreto Presidencial 592, de
06.07.1992, dispõe no seu Artigo 11: “Ninguém poderá ser preso apenas por não poder
cumprir com uma obrigação contratual.”
35 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), ratificada pelo Brasil e aprovada
pelo Decreto Legislativo 27/1992, de 25.09.1992, incorporada ao ordenamento normativo
interno pelo Decreto Presidencial 678, de 06.11.1992, dispõe em seu Artigo 7 (Direito à
liberdade individual), item 7: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não
limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de
inadimplemento de obrigação alimentar.”
36 V.g., STF, HC 72.131, Plenário, j. 23.11.1995, Rel. p/ o Acórdão Min. Moreira Alves, DJ
01.08.2003; STF, HC 84.484, 1ª Turma, j. 30.11.2004, Rel. Min. Carlos Britto, DJ
07.10.2005.
37 “Art. 5º (…) LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”
38 Em escrito corajoso e pioneiro, mesmo diante de posição consolidada no STF que reconhecia
a possibilidade de prisão civil do depositário infiel, Valerio de Oliveira Mazzuoli contestou a
prática da prisão civil ao depositário infiel no caso de alienação fiduciária em garantia, diante
da impossibilidade de utilizar esse meio para satisfação do crédito, compelindo o devedor a
satisfazer uma obrigação contratual, por meio da imposição de prisão civil (Cf. MAZZUOLI,
Valerio de Oliveira. Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica: especial
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Nessa decisão, o STF situou os tratados e convenções sobre direitos humanos no
ordenamento jurídico brasileiro. A maioria de seus ministros entendeu que os tratados e
convenções internacionais de direitos humanos que não forem aprovados, pelo
Congresso Nacional, no rito especial do art. 5º, § 3º, da Constituição, têm natureza
supralegal, situados abaixo da Constituição, porém prevalecendo sobre qualquer norma
infraconstitucional, conforme expresso no voto condutor do Min. Gilmar Mendes39. Já a
posição minoritária lhes conferiu nível constitucional, conforme o voto do Min. Celso
de Mello, sustentando a hierarquia constitucional de todos os tratados e convenções
sobre direitos humanos, aprovados ou não pelo rito especial do art. 5º, § 3º, da
Constituição40.
A decisão do STF foi no controle incidental de constitucionalidade, na qual não
houve a rejeição da norma, apesar de ser precedido o exame de sua
constitucionalidade41. Submetida ao exame de constitucionalidade as normas que
enfoque para os contratos de alienação fiduciária em garantia. Rio de Janeiro: Forense,
2002, p. 21 ss.).
39 Conforme o Min. Gilmar Mendes, “os tratados sobre direitos humanos seriam
infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos
normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade”, ou
seja, “os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da
Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à
legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção
dos direitos da pessoa humana.” (STF, RE 349.703/RS, Voto do Rel. p/ o Acórdão Min.
Gilmar Mendes, p. 29).
40 O entendimento expresso no voto condutor do Min. Gilmar Mendes, que retomou o voto do
Min. Sepúlveda Pertence proferido no HC 79.785/RJ (j. 29.03.2000, DJ de 23.05.2003), foi
seguido pela maioria dos ministros Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e
Menezes Direito. A corrente minoritária, encabeçada pelo Min. Celso de Mello, que revendo
seu entendimento anterior favoravelmente ao nível legal dos tratados sobre direitos humanos,
sustentou que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil
integrariam o ordenamento jurídico como norma de nível constitucional (STF, RE
349.703/RS, Pleno, v.u., Rel. p/ o Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 03.12.2008, DJE
05.06.2009; RE 466.343/SP, Pleno, v.u., Rel. Min. Cezar Peluzo, j. 03.12.2008, DJE
05.06.2009).
41 Ao exercer o controle normativo incidental (art. 102, inc. III, alínea “a”, da Constituição),
que ocorreu no quadro de um conflito jurídico concreto, tendo por objeto a juridicidade de
um contrato de abertura de crédito, garantido pela alienação fiduciária dos bens financiados,
no qual o devedor estava em mora (art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei 911/1969), havendo a
instituição bancária credora requerido a “conversão do pedido de busca e apreensão em ação
de depósito”, era relevante a decisão sobre a constitucionalidade e vinculatividade da norma
fiduciária que estava na base do pedido de prisão civil do devedor, que precisou ser
esclarecida e decidida como questão prejudicial. A comprovação incidental da
inconstitucionalidade conduziria a uma não aplicação ao caso concreto, e por tratar-se de
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previam a prisão civil do depositário infiel, apesar de a Constituição autorizá-la (art. 5º,
inc. LXVII, da Constituição), foi reconhecido que referidas normas autorizativas
deixaram de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante dos tratados42.
Segundo o STF, considerando o caráter especial dos tratados internacionais de
proteção dos direitos humanos, sua internalização no ordenamento jurídico, por
intermédio do procedimento constitucional de ratificação, paralisa a eficácia jurídica das
normas infraconstitucionais que com eles conflite43.
Portanto, a conclusão do STF foi de que não há mais base normativa para a
prisão civil do depositário infiel: “PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM
FACE
DOS
TRATADOS
INTERNACIONAIS
DE
DIREITOS
HUMANOS.
INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA
DOS
TRATADOS
INTERNACIONAIS
DE
DIREITOS
HUMANOS
NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer
reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7),
ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel,
pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes
reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição,
porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados
internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação
decisão do STF poderia afetar a lei, com a suspensão de sua execução (art. 52, inc. X, da
Constituição), com vinculatividade geral.
42 “Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos
normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art.
5°, inciso LXVII) não foi revogada pelo ato de adesão do Brasil ao Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto
de San José da Costa Rica (art. 7°, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito
paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a
matéria, incluídos o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e o Decreto-Lei nº 911, de 1° de
outubro de 1969.” (STF, RE 349.703/RS, Voto do Rel. p/ o Acórdão Min. Gilmar Mendes, p.
35-36).
43 É explicativo o voto do Min. Gilmar Mendes: “Portanto, diante do inequívoco caráter
especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é
difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento
de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e
qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante.” (STF, RE
349.703/RS, Voto do Rel. p/ o Acórdão Min. Gilmar Mendes, p. 35).
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infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão.
Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n°
911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n°
10.406/2002).”44
Do mesmo modo, no caso concreto julgado pelo STF, ficou expresso que a
prisão civil do devedor fiduciante, por criar uma figura atípica de “depósito por
equiparação” no âmbito do contrato de alienação fiduciário em garantia45, viola o
princípio da proporcionalidade46: “ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA.
DECRETO-LEI N° 911/69. EQUIPAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO
DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM FACE DO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil do devedor-fiduciante no
âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da
proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-
44 STF, primeira parte do Acórdão do RE 349.703/RS.
45 No Voto condutor do Min. Gilmar Mendes foi expressamente citada a obra de Valerio
Mazzuoli (STF, RE 349.703/RS, Voto do Rel. p/ o Acórdão Min. Gilmar Mendes, p. 61), o
qual seis anos antes da histórica decisão do STF já escrevera: “É necessário, de início, deixar
bem fixado que, em se tratando de depósito, a constituição Federal de 1988 somente permite
a prisão por dívida civil no caso de infidelidade do depositário propriamente dito, ou seja,
nos casos estritos de depósito, entendido este na sua conceituação clássica, genuína, isto é,
naquelas hipóteses em que alguém, por força de impostação legal ou do contrato, recebe
objeto móvel alheio para guardá-lo, até que o depositante o reclame, e não nos casos de
depósitos atípicos instituídos por equiparação visando apenas reforçar as garantias em favor
dos credores. Por isso, não cabe a prisão do alienante fiduciário por equiparação, com base
na circunstância de que, no caso não ocorreria, em verdade, depósito, mas situação bastante
diversa que a lei ordinária equipara a depósito, o que não poderia fazê-lo em face do texto
constitucional.” (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Prisão civil por dívida e o Pacto de San
José da Costa Rica, p. 36).
46 Ao tratar do princípio da proporcionalidade, expressando a preocupação com os contornos da
decisão que seria tomada pelo STF, o Min. Gilmar Mendes referiu Robert Alexy na
formulação da lei de ponderação: “Como ensina Alexy, 'o postulado da proporcionalidade
em sentido estrito pode ser formulado com a lei de ponderação cuja fórmula mais simples
voltada para os direitos fundamentais diz: quanto mais intensa se revelar a intervenção em
um direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores dessa
intervenção'.” (STF, RE 349.703/RS, Voto do Rel. p/ o Acórdão Min. Gilmar Mendes, p.
44). Esta é a lei de ponderação, segundo a qual a medida permitida de não cumprimento ou
de prejuízo de um dos princípios depende do grau de importância da satisfação do outro, o
que manifesta claramente que o peso dos princípios não é determinado em si mesmo ou
absolutamente, podendo-se falar tão-somente de pesos relativos (Cf. ALEXY, Robert.
Theorie der Grundrechte. 3. Aufl. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1996, p. 146. Esse livro foi
traduzido para a língua espanhola: Teoria de los derechos fundamentales. Tradução de
Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 161.
Posteriormente também para a língua portuguesa: Teoria dos direitos fundamentais.
Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 167).
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executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma
que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa
no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice
configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e b) o
Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedorfiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou
uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da
expressão "depositário infiel" insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e,
dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o
que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.”47
A fim de dar vinculatividade geral à decisão do STF, esse precedente foi
fundamento para a Súmula Vinculante 25, do STF: “É ilícita a prisão civil de
depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”.
Além disso, segundo a corrente majoritária do STF, tais tratados e convenções
também podem ter estatura constitucional, desde que aprovados pelo Congresso, em
votação de dois turnos nas duas Casas do Congresso, com maioria de três quintos.
Aliás, a Corte Interamericana de Direitos Humanos – cuja competência
contenciosa o Brasil aceita desde 1998 (Decreto Legislativo 89, de 3 de dezembro de
1998) – entendeu que o Poder Judiciário dos Estados-partes da Convenção Americana
exerçam o efetivo controle de convencionalidade das normas de direito interno. Ao
julgar o Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile, em 2006, a Corte Interamericana
apontou ser obrigação do Judiciário estatal o exercício de compatibilidade das leis
internas não só com a Constituição do respectivo Estado, mas, também, com os
tratados de direitos humanos em vigor no país, de modo especial a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos48.
47 STF, segunda parte do Acórdão do RE 349.703/RS.
48V. CIDH, Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile, Sentença de 26-9-2006, Série C, n.
154, § 124s: “A Corte tem consciência de que os juízes e tribunais internos estão sujeitos ao
ímpeto da lei e, por isso, estão obrigados a aplicar as disposições vigentes no ordenamento
jurídico. Porém, quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção
Americana, seus juízes, como parte do aparato do Estado, também estão submetidos a ela, o
que os obriga a velar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam
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Portanto, o autêntico controle de convencionalidade é o que se realiza, em
primeiro plano e independentemente de qualquer manifestação internacional, pelos
juízes e tribunais internos49. Essa compreensão decorre da própria jurisprudência das
instâncias internacionais de direitos humanos, segundo a qual incumbe justamente aos
tribunais nacionais controlar em primeiro lugar a convencionalidade das leis locais 50.
3. CONTROLE DIFUSO E CONCENTRADO DE CONVENCIONALIDADE
A inserção do § 3º ao art. 5º da Constituição, dando equivalência constitucional
aos tratados e convenções sobre direitos humanos, definitivamente disponibilizou ao
Judiciário brasileiro a possibilidade do controle de convencionalidade das leis51. Esse
prejudicados pela aplicação de leis contrárias ao seu objeto e fim, e que desde o seu início
carecem de efeitos jurídicos. Em outras palavras, o Poder Judiciário deve exercer uma
espécie de ‘controle de convencionalidade’ entre as normas jurídicas internas que aplicam
nos casos concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Nesta tarefa, o
Poder Judiciário deve ter em conta não somente o tratado, senão também a interpretação que
do mesmo tem feito a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana.”
(grifou-se).
49 Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de direito internacional público, p. 393.
Igualmente, V. Relatório Anual da OEA (Washington, D.C., de 29-3-2007), in AG/Doc.
4761/07, p. 12.
50 CIDH, Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile, Sentença de 26-9-2006, Série C, n. 154,
§ 124; e Caso Trabalhadores Demitidos do Congresso (Aguado Alfaro e outros) vs. Peru,
Sentença de 24-11-2006, Série C, n. 158, § 128: “Quando um Estado ratifica um tratado
internacional como a Convenção Americana, seus juízes também estão submetidos a ela, o
que os obriga a velar para que o efeito útil da Convenção não se veja diminuído ou anulado
pela aplicação de leis contrárias às suas disposições, objeto e fim. Em outras palavras, os
órgãos do Poder Judiciário devem exercer não somente um controle de constitucionalidade,
senão também 'de convencionalidade' ex officio entre as normas internas e a Convenção
Americana, evidentemente no âmbito de suas respectivas competências e dos regulamentos
processuais correspondentes. Esta função não deve se limitar exclusivamente às
manifestações ou atos dos postulantes em cada caso concreto...”.
51 Nesse ponto novamente deve ser atribuído a Valerio Mazzuoli o pioneirismo na sustentação
dessa possibilidade: “Não se trata de técnica legislativa de compatibilização dos trabalhos do
Parlamento com os instrumentos de direitos humanos ratificados pelo governo, nem de
mecanismo internacional de apuração dos atos do Estado em relação ao cumprimento de
suas obrigações internacionais, mas sim de meio judicial de declaração de invalidade de leis
incompatíveis com tais tratados, tanto por via de exceção (controle difuso ou concreto) como
por meio de ação direta (controle concentrado ou abstrato).” (MAZZUOLI, Valerio de
Oliveira, O controle jurisdicional da convencionalidade das leis, p. 71).
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controle normativo pode ser concentrado e difuso, cujo par conceitual aponta para os
tribunais competentes para a decisão52.
No controle normativo concentrado a competência para o exame e para a
rejeição da norma está reservada ao STF. Na sua decisão o STF rejeita a norma, e em
razão da declaração de sua inconvencionalidade ela perde sua validez.
Quanto ao objeto do litígio, no controle normativo principal somente a questão
de convencionalidade e inconvencionalidade da lei é objeto do procedimento, não
estando relacionado a nenhum conflito jurídico concreto. A decisão tornar-se-á coisa
julgada e terá vinculatividade geral, pois uma norma não pode ser nula para uma ou
algumas pessoas, permanecendo, de resto, eficaz (diversamente no caso de declaração
de nulidade parcial, que – condicionada materialmente – pode ter repercussões pessoais
diferentes). Pela declaração de nulidade principal a lei também é eliminada
formalmente.
Assim, o controle normativo principal é sempre um controle normativo
concentrado, que deve ser realizado pelo STF, pois o âmbito do efeito da declaração de
inconvencionalidade deve corresponder ao âmbito de validez da lei.
Qualquer norma que desrespeitar Tratado ou Convenção Internacional sobre
Direitos Humanos, aprovado pela maioria qualificada do § 3º ao art. 5º da Constituição,
pode ser questionada diretamente no STF pelos legitimados do art. 103 da Constituição,
em ação de controle concentrado (v.g. ADI, ADPF, ADC).
Nesse sentido, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo, assinados em Nova York em 30 de março de 2007, aprovados por
52 Segundo os escritos mais recentes, a formação jurídico procedimental do controle normativo
pode ser regulada diferentemente, devendo-se distinguir: (i) quanto ao objeto do litígio, entre
controle normativo principal e incidental; (ii) quanto ao motivo do controle, entre controle
normativo abstrato e concreto; (iii) quanto ao os tribunais competentes para a decisão, entre
controle normativo concentrado e difuso; e (iv) quanto à jurisdição constitucional, entre
controle normativo especial e integrado. Na prática, esses conceitos podem se cruzar e se
relacionar, não tendo somente natureza processual, mas, também, repercussão jurídico
material (Cf. MAURER, Hartmut. A revisão jurídico-constitucional das leis pelo tribunal
constitucional federal. In: MAURER, Hartmut. Contributos para o direito do estado.
Traduzido por Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 286 ss.).
20
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intermédio do Decreto Legislativo 186, de 9 de julho de 2008, cujo instrumento de
ratificação dos referidos atos foi depositado pelo Governo brasileiro junto à Secretária
Geral das Nações Unidas em 1º de agosto de 2008, e promulgados em 25 de agosto de
2009, por intermédio do Decreto Presidencial 6.949, possui status de emenda
constitucional, pois aprovados com quórum de emenda constitucional.
Essa promulgação reveste-se de especial importância no Brasil pelo fato de
terem sido a citada Convenção e seu Protocolo Facultativo aprovados pelo Congresso
Nacional (Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008) segundo o procedimento
estabelecido no art. 5º, § 3º, da Constituição de 1988, ou seja, por três quintos dos votos
de cada Casa do Congresso, em dois turnos, o que lhes garante a equivalência de
emendas constitucionais53. Com isso, e pela primeira vez desde a entrada em vigor da
Emenda Constitucional 45/2004, o direito constitucional brasileiro passará a contar com
a possibilidade de se controlar a convencionalidade das leis (ou seja, sua
compatibilidade vertical com um tratado internacional de direitos humanos) de forma
concentrada no Supremo Tribunal Federal.
A redação original do art. 20, § 2º, da Lei 8.742/1993, estabelecia que “para
efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho”. Com a aprovação da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com ela se tornou
incompatível, diante do conceito de pessoa com deficiência, estabelecido pelo art. 1º da
Convenção: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdades de condições com as demais pessoas.”
53 No procedimento de aprovação do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, o
Congresso Nacional não precisou utilizar o processo legislativo próprio das emendas
constitucionais (art. 60, § 2º, da Constituição), nem foi promulgado pelas mesas da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal (art. 60, § 3º, da Constituição), apenas editou decreto
legislativo aprovando – em dois turnos em cada Casa do Congresso Nacional – por maioria
qualificada a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo e autorizando o Presidente da República a ratificá-lo (art. 49, inc. I, da
Constituição), para dar-lhe equivalência à emenda constitucional.
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Isso porque, na sua redação original a deficiência somente era reconhecida se
estivesse presente a “incapacitada para a vida independente e para o trabalho”, o que foi
francamente alterado pela Convenção, que afastou a exigência relacionada ao aspecto de
sua atuação com finalidade econômica, bastando para o seu reconhecimento “uma
restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a
capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou
agravada pelo ambiente econômico e social.”
Assim, em 10 de julho de 2009 foi ajuizada pela Procuradoria Geral da
República a ADF 182, na qual é buscado seja reconhecido que “o art. 20, § 2º, da Lei nº
8.742/93 não foi recepcionado pela Convenção dos Direitos da Pessoa Portadora de
Deficiência, que foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 186/2008, de acordo com o
procedimento previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, integrando, portanto, o
bloco de constitucionalidade brasileiro”, bem assim em relação ao “conceito de pessoa
com deficiência, estabelecido no art. 1º da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com
Deficiência, é de uso imperativo no direito interno brasileiro, sendo imediatamente
aplicável no que tange aos critérios para a concessão dos benefícios de prestação
continuada disciplinados pela Lei nº 8.743/93”.
Posteriormente sobreveio a Lei 12.435, de 6 de junho de 2011, que atendendo ao
comando da Convenção dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, ajustou a
redação do art. 20, § 2º, da Lei 8.742/1993, inserindo o inc. I: “§ 2º Para efeito de
concessão deste benefício, considera-se: I - pessoa com deficiência: aquela que tem
impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade com as demais pessoas.” Após, dando maior precisão aos conceitos da
alteração legislativa, a Lei 12.470, de 31 de agosto de 2011, deu nova redação ao art. 20,
§ 2º, da Lei 8.742/1993: “Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa
com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas.”
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23
Com isso, antes mesmo de o STF analisar a ADF 182, a Lei 12.435/2011, com a
redação posterior dada pela Lei 12.470/2011, atendeu o comando da Convenção dos
Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, e ajustou a redação do art. 20, § 2º, da Lei
8.742/1993, o que terá que ser analisado pelo STF ao julgar o feito.
Já no controle normativo difuso de normas, tanto o STF como qualquer juiz ou
tribunal possuem a competência de exame e de rejeição, podendo rejeitar os efeitos da
norma, deixando de aplicá-la quando a considere inconvencional54.
O controle normativo difuso sempre é um controle normativo incidental,
relacionado a algum conflito jurídico concreto, que tem um objeto específico (v.g., a
juridicidade de um ato estatal), devendo ser previamente esclarecida e decidida como
questão prejudicial a questão da convencionalidade e vinculatividade da norma,
relevante para a decisão (v.g., uma lei que esteja na base do ato estatal). O
reconhecimento incidental da inconvencionalidade e nulidade de uma lei, num primeiro
momento, somente conduz a uma não aplicação ao caso concreto.
No entanto, a partir da decisão do STF, pode haver a extensão da eficácia da
decisão individual, como no caso de edição de Súmula Vinculante, conforme ocorreu na
proibição da prisão civil do depositário infiel (Súmula Vinculante 25).
A disponibilização do controle de convencionalidade ao cidadão, na verdade,
remete à referência de Robert Alexy, para o qual a jurisdição constitucional também
possui relação com o princípio democrático, que exige compreender tanto a atividade do
Parlamento, que representa o cidadão politicamente, como a atividade do Tribunal
Constitucional, que faz a “representação argumentativa” do cidadão55. Nisso pode-se
54 O mesmo ocorre no controle de constitucionalidade: “Já no controle difuso de normas,
segundo o art. 97 e o art. 102, inc. III, da Constituição, tanto o STF como qualquer juiz ou
tribunal possuem a competência de exame e de rejeição. No entanto, na decisão do caso
concreto individual qualquer juiz ou tribunal pode rejeitar os efeitos da norma, deixando de
aplicá-la quando a considere inconstitucional. A partir da decisão do STF pode haver a
extensão da eficácia da decisão individual, após a edição de resolução pelo Senado Federal
que suspenda a execução da norma (art. 52, inc. X, da Constituição).” (Cf. ALVES, Waldir.
Inexigibilidade de título judicial fundado em lei ou ato normativo declarado inconstitucional
ou interpretado pelo STF como incompatível com a Constituição. Revista dos Tribunais. São
Paulo: Revista dos Tribunais, v. 916, fev./2012, nota de rodapé 61, p. 433).
55 “A chave para a solução é a distinção entre a representação política e a argumentativa do
cidadão. A proposição fundamental: ‘Todo o poder estatal provém do povo’ exige conceber
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falar de uma luta pela interpretação dos direitos fundamentais, compatível com o
princípio democrático56.
Com essa atuação, um Tribunal Constitucional até pode se dirigir não contra o
povo, senão em nome do povo contra uma deliberação de seus representantes políticos
no Legislativo, com isso não só fazendo valer negativamente que o processo político
fracassou, mas também exigindo positivamente a aprovação pelos cidadãos dos
argumentos do tribunal, se eles aceitarem seu discurso jurídico-constitucional
racional57.
Nesse sentido, quando o Tribunal Constitucional é aceito como instância de
reflexão do processo político, quando seus argumentos encontram eco na coletividade e
nas instituições políticas, conduzem a reflexões e discussões que resultam em
convencimentos examinados, e se um processo de reflexão entre coletividade,
Legislador e Tribunal Constitucional se estabiliza duradouramente, pode-se falar de uma
institucionalização dos direitos do homem no Estado constitucional democrático que
não só o parlamento como, ainda, o tribunal constitucional como representação do povo. A
representação ocorre, certamente, de modo diferente. O parlamento representa o cidadão
politicamente, o tribunal constitucional, argumentativamente” (ALEXY. Robert. Direitos
fundamentais no estado constitucional democrático: para a relação entre direitos do homem,
direitos fundamentais, democracia e jurisdição constitucional. In: ALEXY, Robert.
Constitucionalismo discursivo. Traduzido por Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007, p. 53 s.).
56 “Tudo isso explica porque em todos os estados, dotados com catálogo de direitos
fundamentais e jurisdição constitucional, sobre a interpretação dos direitos fundamentais,
não só é refletido com calma, mas também ligado na arena política. Pode falar-se de uma
luta pela interpretação dos direitos fundamentais. Juiz arbitral nessa luta, porém, não é o
povo, mas o tribunal constitucional respectivo. Isso é compatível com o princípio
democrático, cujo núcleo, no artigo 1, parágrafo único, da constituição brasileira, assim
como no artigo 20, alínea 2, proposição 1, da lei fundamental, é expressado com a
formulação clássica: ‘Todo o poder estatal provém do Povo’” (Robert Alexy, Direitos
fundamentais no estado constitucional democrático, p. 51 s.).
57 “Com isso, deve ser dito que a representação do povo pelo tribunal constitucional tem um
caráter mais idealístico do que aquela pelo parlamento. O cotidiano da exploração
parlamentar contém o perigo que as maiorias imponham-se desconsideradamente, emoções
determinem o ocorrer, dinheiro e relações de poder dominem e simplesmente sejam
cometidos erros graves. Um tribunal constitucional que se dirige contra tal não se dirige
contra o povo, mas, em nome do povo, contra seus representantes políticos. Ele não só faz
valer negativamente que o processo político, segundo critério jurídico-humanos e jurídicofundamentais, fracassou, mas requer também positivamente que os cidadãos iriam aprovar os
argumentos do tribunal se eles aceitassem um discurso jurídico-constitucional racional”
(Robert Alexy, Direitos fundamentais no estado constitucional democrático, p. 54).
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deu certo58. Assim, haverá uma reconciliação entre direitos fundamentais e democracia,
assegurando, como resultado, que o ideal do qual fala a Declaração Universal dos
Direitos Humanos pode ser realizado e não precisa fracassar em uma contradição
interna entre direitos fundamentais e democracia59.
Segundo Konrad Hesse, a relação de equiparação hierárquica entre o Tribunal
Constitucional Federal e outros órgãos superiores do Estado depende do respeito
recíproco entre eles, produzindo o resultado de que o poder do tribunal se assenta sobre
a consideração das suas decisões e sobre a força persuasiva de seus argumentos60. Uma
atuação do Tribunal Constitucional de respeito ao papel do Legislador e do Governo,
conservando uma atitude reservada, evita casos de conflito pela recusa do cumprimento
de suas decisões, garantindo o elemento essencial da sua tarefa, que é a conservação da
Constituição61.
Portanto, do mesmo modo como pode ser dito relativamente ao controle de
constitucionalidade62, também pode-se dizer que impedir o acesso do cidadão ao
controle jurisdicional de convencionalidade das normas afeta o princípio democrático,
pois enquanto o Parlamento representa o cidadão politicamente, o Tribunal
Constitucional faz a sua representação argumentativa.
58 “A representação argumentativa dá bom resultado quando o tribunal constitucional é aceito
como instância de reflexão do processo político. Isso é o caso, quando os argumentos do
tribunal encontram uma repercussão no público e nas instituições políticas, que levam a
reflexões e discussões, que resultam em convencimentos revisados. Se um processo de
reflexão entre público, dador de leis e tribunal constitucional estabiliza-se duradouramente,
pode ser falado de uma institucionalização, que deu bom resultado, dos direitos do homem
no estado constitucional democrático” (Robert Alexy, Direitos fundamentais no estado
constitucional democrático, p. 54).
59 “Direitos fundamentais e democracia estão, então, reconciliados. Com isso, está fixado,
como resultado, que o ideal, do qual fala a declaração de direitos do homem universal, pode
ser realizado e não precisa fracassar em uma contradição interna entre direitos fundamentais
e democracia” (Robert Alexy, Direitos fundamentais no estado constitucional democrático,
p. 54).
60 Cf. Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha,
n. 567, p. 422.
61 Cf., a propósito, Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da República Federal
da Alemanha, n. 567, p. 423.
62 Com base no mesmo fundamento, em análise mais detida relativamente ao controle de
constitucionalidade das normas: ALVES, Waldir. Direito fundamental do cidadão de acesso à
jurisdição constitucional. In: Direito e Política: Divergências e convergências. BIGONHA,
Antônio Carlos Alpino; MARTINS DA COSTA, Paula Bajer Fernandes. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011, p. 84 ss.
25
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4. DIREITOS FUNDAMENTAIS NACIONAIS E DIREITOS HUMANOS EUROPEUS
Questão interessante para o debate é a Convenção Europeia de Direitos
Humanos (Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais), aprovada no dia 4 de novembro de 1950, em Roma, que trata do sistema
regional europeu de proteção dos direitos humanos, nos mesmos moldes da Convenção
Americana sobre direitos Humanos, principal documento para a proteção dos direitos
humanos no sistema regional interamericano63.
A Convenção Europeia de Direitos Humanos contém um catálogo de direitos
que obriga seus Estados-parte a garantir e proteger os direitos e liberdades nela
previstos. Uma particularidade da proteção dos direitos humanos segundo a Convenção
Europeia de Direitos Humanos diante de outros tratados regionais de proteção de
direitos humanos, é a configuração da Corte Europeia de Direitos Humanos em
Estrasburgo (instituído definitivamente desde o Protocolo nº 11 à Convenção Europeia),
que tem como tarefa assegurar a observância das obrigações da Convenção64.
Não há o preestabelecimento de como a Convenção Europeia de Direitos
Humanos deve se situar no ordenamento jurídico nacional, podendo ser distinguidas três
possibilidades diversas: com status constitucional, como no caso da Áustria e Holanda;
com status supralegal, em grau superior às leis, porém não no mesmo grau da
Constituição, sendo exemplos a Suíça, Liechtenstein, Bélgica. França, Grécia,
Luxemburgo, Malta, Portugal, Espanha e Chipre; e com status de lei ordinária, à qual é
recorrido como auxílio para a interpretação dos direitos fundamentais nacionais, como
ocorre na Alemanha, Itália, San Marino, bem como em Estados escandinavos como a
63 Para um estudo detido sobre os sistemas regionais (Interamericano, Europeu e Africano) de
proteção dos direitos humanos, por todos: MAZZUoli, Valerio de Oliveira, Curso de direito
internacional público, p. 895 ss.
64 Artigo 19 (Criação do Tribunal): “A fim de assegurar o respeito dos compromissos que
resultam, para as Altas Partes Contratantes, da presente Convenção e dos seus protocolos, é
criado uma Corte Europeia dos Direitos Humanos a seguir designada 'a Corte', a qual
funcionará a título permanente.”
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Dinamarca, Noruega e Suécia, que somente incorporaram a Convenção nos últimos
anos65.
Na Alemanha, segundo o art. 59, alínea 2, da Lei Fundamental66, os tratados
internacionais possuem grau de direito federal ordinário67. Como consequência, para a
ratificação desses tratados é necessária a forma de aprovação das leis federais.
Conforme o Tribunal Constitucional tem confirmado em suas decisões, a
Convenção Europeia de Direitos Humanos possui na Alemanha o grau de direito
ordinário68. Porém, em razão da amistosidade do Direito Internacional, a Convenção
Europeia de Direitos Humanos possui algumas peculiaridades: não se aplica a regra lex
posterior, não sendo afastadas as normas da Convenção pelas leis federais que entrem
posteriormente em vigor; também não se aplica a regra lex specialis, pois o Legislador
não poderia se furtar ao cumprimento das normas do tratado69.
Como não há critério de especialidade entre o art. 2570 e o art. 59, alínea 2, da
Lei Fundamental, o Direito dos Tratados Internacionais Públicos pode ser visto, ao
65 GRABENWARTER,
Christoph. Nationale Grundrechte und Recht der Europäischen
Menschenrechtskonvetion. In: MERTEN, Detlef; PAPIER, Hans-Jürgen. Handbuch der
Grundrechte: in Deutschland und Europa. Heidelberg: Müller, 2009, Bd. VI/2, n. 6, 7 e 8, p.
36-37.
66 Art. 59 [Poder representativo no âmbito internacional, aprovação parlamentar para tratados]
(2) Os tratados que regulem as relações políticas da Federação ou que se refiram a matérias
sujeitas à legislação federal necessitam da aprovação ou da participação, sob a forma de lei
federal, dos respectivos órgãos competentes na respectiva matéria da legislação federal. Aos
convênios administrativos se aplicam, por analogia, as disposições relativas à Administração
Pública.
67 “Ao lado da Lei Fundamental, a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e
Liberdades Fundamentais europeia, de 4.11.1950 (BGBI II S. 686), normaliza direitos
fundamentais que, conforme o artigo II da Lei sobre a Convenção para Proteção dos Direitos
do Homem e Liberdades Fundamentais, de 7.8.1952 (BGBI II S. 685), são aplicáveis intraestatalmente como direito (federal). Como a convenção não é ‘regra geral de Direito
Internacional Público’ ela não tem parte na primazia dessas regras (artigo 25, frase 2, da Lei
Fundamental); ela vale com a força de uma lei federal ordinária (comparar supra, número de
margem 103).” (HESSE, Konrad, Elementos de Direito Constitucional da República Federal
da Alemanha, n. 278, p. 226).
68 BverfGE 74, 358 (370); 82, 106 (120); 111, 307 (317).
69 Cf. GRABENWARTER, Christoph, Nationale Grundrechte und Recht der Europäischen
Menschenrechtskonvetion, n. 13, p. 39.
70 Art. 25 [Direito Internacional Público e Direito federal]
27
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mesmo tempo, como regra geral de Direito Internacional Público que, segundo o art. 25,
2ª frase, da Lei Fundamental71, prevalece sobre o Direito federal72.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A inserção do § 3º ao art. 5º da Constituição, dando equivalência constitucional
aos tratados e convenções sobre direitos humanos, disponibilizou ao Judiciário
brasileiro a possibilidade do controle de convencionalidade das normas. Esse controle
normativo pode ser concentrado e difuso, cujo par conceitual aponta para os tribunais
competentes para a decisão.
No controle abstrato o STF analisa a convencionalidade da norma,
conformando-a com o tratado ou convenção sobre direitos humanos, elevado a nível
constitucional.
As normas gerais do Direito Internacional Público são parte integrante do Direito federal.
Elas prevalecem sobre as leis e produzem diretamente direitos e deveres para os habitantes
do território nacional.
71 “Uma tal mudança efetua o artigo 25 da Lei Fundamental, quando ele declara as regras
gerais de Direito Internacional Público partes integrantes do direito federal. Debaixo disso
devem ser entendidas aquelas regras do Direito Internacional Público que, pelo número
muito maior dos estados – não necessariamente pela República Federal –, são reconhecidas,
por exemplo, as regras sobre o estado jurídico das delegações estrangeiras ou normas do
direito de guerra, como a proibição de pilhagem ou do tratamento desumano dos
prisioneiros. A essas regras, o artigo 25 da Lei Fundamental dá primazia sobre as leis e, com
isso, também sobre normas jurídicas de hierarquia inferior, de modo que elas prevalecem
sobre cada norma jurídica estatal que fica atrás delas ou as contradiz, não, ao contrário, sobre
a própria Constituição, na qual assenta aquela validez intra-estatal como direito federal e que
não conhece direito federal que está, em hierarquia, sobre ela. As regras gerais de Direito
Internacional Público tornaram-se, com isso, em virtude do Direito Constitucional,
obrigatórias diretamente para o poder legislativo, executivo e judiciário. Na medida em que
elas, como regras de Direito Internacional Público, fundamentam direitos e deveres para o
particular, criam elas também direitos e deveres diretamente para os habitantes do território
federal. Nessa proporção, o artigo 25 da Lei Fundamental garante a concordância entre a
ordem jurídica de Direito Internacional Público e intra-estatal, uma garantia na qual se
manifesta claramente a 'amabilidade para o Direito Internacional Público' da Lei
Fundamental.” (Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da República Federal
da Alemanha, n. 103, p. 93 s.).
72 Cf. GRABENWARTER, Christoph, Nationale Grundrechte und Recht der Europäischen
Menschenrechtskonvetion, n. 20, p. 43.
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Tanto o STF como todos os juízes e tribunais podem fazer o controle concreto de
convencionalidade da norma, conformando-a com o tratado ou convenção sobre direitos
humanos, pois elevado a nível constitucional.
O autêntico controle de convencionalidade é o que se realiza, em primeiro plano
e independentemente de qualquer manifestação internacional, pelos juízes e tribunais
internos, o que decorre da própria jurisprudência das instâncias internacionais de
direitos humanos, segundo a qual incumbe justamente aos tribunais nacionais controlar
em primeiro lugar a convencionalidade das leis locais.
A garantia de acesso do cidadão ao controle jurisdicional de convencionalidade
das normas fortalece o princípio democrático, pois enquanto o Parlamento representa o
cidadão politicamente, o Tribunal Constitucional faz a sua representação argumentativa.
6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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