PARTE 4

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Na seção anterior, disse que os pacientes chegavam com uma preconcepção que serve
muito bem como base para uma estrutura destinada a auxiliar o grupo a manter seu
comportamento preso a um nível refinado. A preconcepção é que o grupo consiste num
médico e em pacientes.
Quando homens se reúnem numa comissão, por exemplo, regras de procedimento são
estabelecidas e há geralmente uma agenda, variando de acordo com os grupos a
formalidade com que o trabalho é feito. Nos grupos em que sou psiquiatra, sou, em virtude
de minha posição, a pessoa mais óbvia em quem investir o direito de estabelecer regras de
procedimento. Tiro vantagem desta posição para não estabelecer nenhuma regra de
procedimento e não adiantar qualquer agenda.
A partir do momento em que se torna claro que estou fazendo isso, o grupo se põe a
remediar minhas omissões e a intensidade com que assim procede mostra que se acha em
jogo mais do que uma paixão pela eficiência. O fenômeno contra o qual o grupo se está
resguardando não é mais que as manifestações de grupo que descrevi no último capítulo: o
‘grupo de luta-fuga’, o ‘grupo de acasalamento’ e o ‘grupo de dependência’. É como se o
grupo estivesse ciente de quão fácil e espontaneamente ele se estrutura de maneira
adequada a agir sobre essas suposições básicas, a menos que medidas sejam tomadas para
impedi-lo; assim como um grupo de estudantes pode utilizar a Idéia de um seminário ou de
uma conferência para sobre ela fundar uma es68
trutura refinada, assim o grupo de pacientes tem à mão uma base para se estruturar na convenção
geralmente aceita que vê a incapacidade neurótica como uma doença e os terapeutas como
‘médicos’.
O GRUPO DE DEPENDÊNCIA
O grupo concentra-se primeiramente em estabelecer esta idéia de médico e pacientes tão
firmemente quanto pode; conforma-se a uma estrita disciplina, imposta ad hoc, tomando cuidado
em limitar severamente as conversas e tópicos que não são importantes, exceto pelo fato de
apoiarem a visão de que são pacientes falando a um médico; dessa maneira, cria ele uma sensação
de que a situação é familiar e imutável.
Ë comum, neste ponto, ver o grupo insistir que o médico é a única pessoa ser considerada e ao
mesmo tempo mostrar, pelo seu comportamento, que não acredita que ele, como médico, conheça o
seu trabalho. Se o próprio psiquiatra sente-se impelido a audar a restaurar a estrutura refinada,
alegando sua autoridade como psiquiatra, isso mostra que não é apenas o paciente que sente a
necessidade de uma situação familiar. A manutenção de uma estrutura refinada acha-se associada ao
sentimento de que a estrutura existe apenas precariamente e que pode ser facilmente derrubada.
Quando assisto a um grupo enfrentar este problema, lembro-me das advertências, freqüentes nos
últimos anos, de que a própria civilização encontra-se em perigo. O problema do líder parece ser
sempre a maneira de mobilizar emoções associadas com as suposições básicas, sem colocar em
perigo a estrutura refinada que parece assegurar ao indivíduo sua liberdade de ser um indivíduo, ao
mesmo tempo em que permanece como membro do grupo. Foi este equilíbrio de tensões que eu
anteriormente descrevi em termos de equilíbrio entre a mentalidade de grupo, a cultura de grupo e o
indivíduo.
Como disse, a base médico-paciente para uma estrutura refinada cedo mostra sua impropriedade, e
uma
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das razões disso é que ela não passa de um tênue disfarce para o grupo de dependência, de maneira
que as reações emocionais próprias a este tipo de grupo são imediatamente evocadas e a estrutura
do refinamento fraqueja seriamente.
Porque deveria isto ter importância? No capítulo anterior, chamei à atenção para alguns dos
desconfortos da situação e podemos agora examinar mais alguns. O grupo de dependência, com sua
característica exaltação de uma pessoa, cria dificuldades para o ambicioso ou, na verdade, para
qualquer um que queira obter uma oportunidade de ser ouvido, porque isso significa que, aos olhos
do grupo e de si próprios, tais pessoas encontram-se numa posição de rivalidade com o líder. O
benefício não é mais sentido como oriundo do grupo, mas somente do seu líder, com o resultado de
que os indivíduos só acham que estão sendo tratados quando falam com o líder do grupo. Isto
conduz a uma sensação a mais desagradável, uma vez que se acha associada com a sensação de
pedir demais e receber muito pouco
de que estão sendo enganados ou. deixados definhar. O alívio obtido pela idéia de que o psiquiatra
cuida de cada indivíduo é inconvincente num grupo que já está em existência há algum tempo e
sabe que a cura difere de uma experiência presumivelmente passageira de sensações agradáveis.
Como cada indivíduo acha que está sendo tratado apenas quando está falando com o psiquiatra, a
sessão parece a todos os membros progredir num ritmo muito pouco econômico. Esta impressão é
apenas parcialmente aliviada por elucidações pormenorizadas da maneira pela qual a estrutura
dependente do grupo acha-se unida, a despeito de seus desconfortos.
O aspecto essencial dos desconfortos nesta espécie de grupo é que eles se originam precisamente da
natureza do próprio grupo e este ponto deve ser sempre demonstrado.
Quando uma estrutura dependente é manifesta, é muito comum a um indivíduo chegar com uma
experiência mental desagradável, sobre a qual deseja falar. A atitude do grupo torna difícil qualquer
consideração
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—
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do seu problema e a frustração dos objetivos do paciente que isto envolve pode parecer um sério
defeito nesta técnica de grupo, mas, ainda uma vez, deve ficar estabelecido o fato de que não
estamos interessados em fornecer tratamento individual em público, mas sim em chamar a atenção
para as experiências reais do grupo e, neste caso, a maneira pela qual o grupo e o indivíduo tratam
com o indivíduo. Há ainda outro pohto: os pacientes de grupo freqüentemente chegam com
declarações cuidadosamente preparadas e falam apenas quando pensam que podem participar de
uma maneira escolhida por eles próprios. Se o psiquiatra reagir como se estivesse efetuando. um
tratamento individual em público, cedo dar-se-á conta de que se acha trabalhando contra o grupo e
que o paciente está funcionando com este. Se possuir a força de espírito necessária para evitar esta
armadilha, observará que a exasperação, à primeira vista tão razoável, do paciente cujas prementes
dificuldades pessoais estão sendo igno1adas é ditada, não tanto pela frustração de um objetivo
legítimo, como pela exposição de dificuldades que o paciente ndo veio discutir e, em particular,
suas características como membro do grupo, as características da filiação ao grupo, as suposições
básicas e o resto disso. Desse modo, uma mulher que comece com uma dificuldade pessoal que
acha que o psiquiatra poderia aliviar se respondesse pela análise de suas associações, descobre, se
ele não fizer isso, que uma situação totalmente inesperada se desenvolveu e será de surpreender se o
psiquiatra não for, então, capaz de demonstrar dificuldades do grupo, que incluirão dificuldades da
paciente em questão, que ela poderá achar muito sem importância, mas que, ao final, mostram não
ser assim. Isto, naturalmente, é muito comum em psicanálise, isto é, o fato de os tópicos discutidos
não serem aqueles que o paciente chegou para discutir. Sem embargo, é importante compreender
que o psicanalista pode facilmente cometer num grupo um erro que nunca cometeria numa
psicanálise, tratando daquele como se o procedimento fosse uma psicanálise em público, O
psiquiatra deverá ficar desconfiado se sentir que está
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-A
tratando do problema que o paciente ou o grupo acham que ele deveria tratar. Esse ponto é decisivo: se o
psiquiatra puder conseguir audaciosamente utilizar o grupo, em vez de gastar seu tempo desculpando-se mais
ou menos inconscientemente por sua presença, descobrirá que as dificuldades imediatas acarretadas são mais
do que neutralizadas pelas vantagens de um emprego correto de seu meio (medium).
No grupo de dependência, a fuga fica confinada ao grupo; a luta, ao psiquiatra. O impulso do grupo é afastarse do objeto hostil; do psiquiatra, aproximar-se dele. À parte isso, as emoções grupais parecem achar-se
associadas apenas com transições do estado de espírito de grupo-dependente para um dos outros dois grupos
básicos. As características deste grupo são imaturidade nas relações individuais e ineficiência (exceto no
grupo básico) nas relações de grupo sendo ambas as condições contrariadas até o máximo da capacidade do
indivíduo por uma laboriosa comunicação consciente. Para apreender toda a significação destas proposições,
seria necessário comparar este estado de coisas com as condições correspondentes nas outras espécies de
grupo.
Exceto no líder, a temerosidade torna-se a virtude suprema do indivíduo neste tipo de grupo. A participação
neste campo emocional significa uma elevação da capacidade de fuga instantânea, assim que qualquer
membro do grupo experimente medo. Tal estado de coisas é muito desagradável para o indivíduo, que, afinal
de contas, retém plena consciência de seus desejos como adulto plenamente desenvolvido.
O grupo, freqüentemente, estrutura-se como um grupo de dependência a fim de evitar expDriências
emocionais peculiares aos grupos de acasalamento e de luta-fuga. Sob alguns aspectos o grupo de
dependência presta-se muito bem para isso, porque, como sugeri, ele pode restringir-se à experiência da fuga,
deixando o analista experimentar, se quiser, o que significa dirigir-se aos problemas de que o grupo está
fugindo. Esta relação simbiótica entre o grupo e eu mesmo o psiquiatra serve para proteger os membros do
grupo da ex—
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periência de certos aspectos da vida de grupo para os quais não se sentem preparados. São, assim,
deixados livres para efetuar exercícios no desenvolvimento de relações refinadas comigo. Digo
‘comigo’ porque as primeiras experiências do grupo de dependência de qualquer modo indicam que
existe uma acentuada incapacidade por parte dos indivíduos no grupo em acreditar que tenham
possibilidade de prender algo de valor uns dos outros.
Do que disse, deveria ficar claro que os membros de um grupo num estado de espírito dependente
acham que suas experiências são insatisfatórias. De qualquer modo, seu estado de ânimo contrasta
com aquele que experimentam quando, havendo jogado todas as suas preocupações sobre o líder,
sentam-se e ficam esperando que êle solucione todos os seus problemas. Graças às interpretações
que pude dar, eles não podem atribuir sua desilusão imediata simplesmente ao meu fracasso em
efetuar aquilo que se supõe que um líder deste tipo de grupo deva fazer. De fato, se o grupo
abrigava alguma idéia desse tipo, só poderia ser porque eu estava falhando completamente em
elucidar o que se estava passando. O ponto é que esta suposição básica e o campo emocional que
lhe é concomitante produzem suas frustrações características, algumas mais aparentes para um dos
pacientes, outras para outro.
Quando a investigação do grupo de dependência se desenvolve, torna-se possível observar o
emergir de certas características que agora exigem atenção. O grupo sempre torna claro que espera
que eu atue com autoridade como líder do grupo e eu aceito essa responabilidade, embora não da
maneira que o grupo espera. Nas primeiras fases, parece mais sensato pensar que essa autoridade
baseia-se na idéia de que sou médico e eles são pacientes, mas há aspectos no comportamento do
grupo cujo emergir no decorrer do tempo mostra que a situação é mais complexa. A insistência do
grupo em que ninguém, a não ser eu próprio, tem qualquer direito a exigir atenção é igualada por
uma firme sensação de desapontamento pelo que faço; uma inabalável
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crença de que estão justificados em pensar que me acho qualificado pelo treinamento e pela experiência a
conduzir o grupo é igualada por uma indiferença quase igualmente inabalável por tudo o que digo.1
Se eu levar em conta a atmosfera emocional do grupo e seria preciso urna considerável capacidade de
negação para não fazê-lo é claro que o grupo não está interessado em compreender o que tem importância no
que digo, mas sim em utilizar apenas aquelas partes de minha contribuição que possa convenientemente
transformar naquilo que parece ser um corpo de crença já bem estabelecido. Gestos, tom de voz, maneiras,
aparência e, em certas ocasiões, até mesmo o assunto do que falo: nada disso é perdido, se puder ser
encaixado naquele sistema. O grupo está combinando-se para estabelecer um firme retrato do objeto de que
podé depender.
A princípio, não é fácil identificar os traços desse retrato, mas, mesmo assim, é claro que não são os traços de
um médico. A mesma sorte recai sobre qualquer outro membro do grupo que seja exaltado em meu lugar,
com o resultado de que os indivíduos do grupo, sem exceção, descobrem influenciar o grupo de uma maneira
caprichosa e apenas obscuramente relacionada com os pensamento que estão lutando para expressar. O
esforço que eu próprio faço é iluminar as obscuridades da situação no grupo por um pensamento claro,
nitidamente expresso; isso é, na melhor das vezes, uma ambição considerável, mas, com o tempo, torna-se
nítido que entre outros fatores que contribuem para tornar isso
1 Tem sido erroneamente dito que minha técnica se baseia na técnica de grupo sem líder, utilizada na seleção,
em tempo de guerra, dos candidatos a oficiais do Exército Britânico. Não é assim: um memorando que escrevi
em 1940 foi o estímulo para uma experiência (efetuada pelo Dr. John Rickman no Hospital de Emergência de
Wharncliffe) que se tornou posteriormente conhecida como a Experiência de Wharncliffe. A experiência que
lá obteve foi utilizada por ele e por eu mesmo como ponto de partida para uma outra experiência no Hospital
Militar de Northfield. A fama ou notoriedade conseguida por esta última tornou moeda corrente o nome
‘Experiência de Northfield’. Esta denominação, desde então, anhou respeitabilidade, ao destinar-se a
atividades mais de acordo com as sóbrias tradições de disciplina e patriotismo pelas quais o Exército
Britânico é justamente famoso.
—
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uma meta difícil de alcançar acha-se a hostilidade do grupo a ela, como meta. A natureza desta
hostilidade pode ser melhor apreendida se for considerada como uma hostilidade a todo método
científico e, assim, como uma hostilidade a qualquer atividade que possa parecer estar-se
aproximando desse ideal. Serão ouvidas queixas de que minhas observações são teóricas; que não
passam de intelectualizações; que falta calor aos meus modos; que sou abstrato demais. O estudo do
grupo durante um certo período mostrará que, embora não haja necessidade de duvidar da
capacidade dos indivíduos no grupo em trabalhar arduamente, o grupo, como grupo, opõe-se
inteiramente à idéia de que se reuniram para o fim de trabalhar e, na verdade, reagem como se
algum importante princípio seria infringido, se tivessem de fazê-lo. Não entrarei em mais
pormenores sobre este assunto, mas, talvez, se o leitor quiser retornar a algumas de minhas
descrições anteriores do comportamento no grupo, reconhecerá nelas alguns dos traços que estou
descrevendo (em particular, pág. 31 e págs, 43-4). Sugerirei agora que todas as facetas de
comportamento no grupo de dependência podem ser identificadas como relacionadas, se
supusermos que, neste grupo, acredita-se que o poder decorre não da ciência, mas da magia. Uma
das características exigidas do líder do grupo, então, é que ele seja um mágico ou se comporte como
um. Os silêncios num grupo de dependência são, por conseguinte, expressões da determinação em
negar ao líder o material que ele necessita para a investigação científica e, através disso, impedir
desenvolvimentos que pareçam solapar a ilusão de segurança derivada de serem cuidados por um
mágico ou expressões de devoção adoradora-pelo líder, como mágico uma interpretação muitas
vezes será seguida por um silêncio que é muito mais um tributo de temor reverencial que uma pausa
para pensar.
Quando o grupo atinge esta fase de desenvolvimento, o psiquiatra poderá pensar que está tratando
com ‘resistências’ no sentido comum dessa palavra, mas acredito que é mais frutífero considerar o
grupo como uma
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—
comunidade que sente estar sendo feito um ataque hostil às suas crenças religiosas. Na verdade, é
muito comum descobrir que, neste estágio, as referências à religião são freqüentes. Às vezes o
indivíduo identifica-se com o investigador e, outras vezes, com o investigado. Se identificar-se com
o investigador, pode-se notar que ele assume um ar de auto-segurança um tanto artificial, como a
indicar que está investigando uma interessante sobrevivência do passado ou uma das religiões bem
conhecidas do mundo, tais como o budismo ou o cristianismo. Este ar é assumido a fim de evitar ter
de compreender que está investigando in 1oco • uma ‘religião’ emocionalmente vital, cujos devotos
o circundam e estão à espera para cair-lhe em cima. Se o psiquiatra pressionar vigorosamente esta
investigação, deverá obter uma sensação vivida da hostilidade do grupo e uma compreensão
emocional da vitalidade dos fenômenos com que tem de tratar. Deverá dar-se conta, também, de que
terá de considerar não apenas os dogmas do culto, mas todos os fenômenos relacionados, tais como
as exigências que o culto faz às vidas de seus fiéis. Algumas delas podem ser assistidas no próprio
grupo: a repressão ao pensamento independente, a caça às heresias, a rebelião que isto por sua vez
produz, as tentativas para justificar as limitações impostas por apelos à razão, ou, pelo menos, à
racionalização, e assim por diante. Outras manifestações, contudo, tornam-se claras no relato que os
indivíduos dão de sua vida cotidiana. Porque os ‘devotos’ do grupo ‘religião’, rebeldes ou não,
permanecem ‘devotos’ também em sua vida de todos os dias, e é possível demonstrar que alguns de
seus conflitos diários originam-se- da tentativa de reconciliar as exigências do pensamento
cotidiano e as demandas de sua filiação ao grupo como comunidade ‘religiosa’. As implicações
desta visão do grupo são grandes e quanto mais vejo deste aspecto do grupo de dependência, mais
convencido fico de que os pacientes produzem material num ritmo contínuo para sustentar a opinião
de que sua filiação ao grupo de dependência, como seita ‘religiosa’, exerce uma influência ampla
sobre suas vidas mentais, tanto quan76
do o grupo se dispersa, quanto no curto período em que se encontram como um grupo.
Passarei agora a outro problema.
O ÓDIO A APRENDER PELA EXPERIÊNCIA
Se o grupo tem de trabalhar constantemente para manter uma estrutura refinada, tem de
haver um impulso na direção oposta, no sentido de uma das três estruturas básicas, e é
importante encarar o grupo desse ângulo. Antes de fazê-lo, referir-me-ei sucintamente à
necessidade de emprego de uma técnica de pontos de vista constantemente cambiantes. O
psiquiatra deve ver, se puder, tanto o verso quanto o reverso de todas as situações. Tem de
empregar uma espécie de deslocamento psicológico que é melhor ilustrado pela analogia
com o seguinte e bem conhecido diagrama:
A
c
O observador pode olhar para êle de maneira a ver uma caixa com a aresta AB mais
próxima de si ou pode encará-lo como uma caixa cuja aresta mais próxima é CD. O total,
das linhas observadas permanece o mesmo, mas se obtém uma visão inteiramente diferente
da caixa. Similarmente, num grupo, o total do que está acontecendo permanece o mesmo,
mas uma mudança de perspectiva pode ocasionar fenômenos inteiramente diferentes. O
psiquiatra não deve sempre esperar por mu77
a
A
danças no grupo antes de descrever o que vê. Há muitas ocasiões em que ele precisa indicar
que aquilo que acabou de descrever já foi experimentado pelo grupo em alguma ocasião
anterior, mas foi então mais facilmente observado em outros termos, quando, por exemplo
(para tomar o caso de um indivíduo), um paciente se queixou de uma considerável
ansiedade sobre ‘desmaiar’. Outras vezes, descreveu o mesmo fenômeno como ‘ficar
inconsciente’. Num grupo posterior, dizia, um tanto gabolamente, que quando aconteciam
no grupo coisas de que ele não gostava, simplesmente ignorava-as. Seria possível mostrarlhe que estava descrevendo exatamente a mesma situação, desta vez num estado de ânimo
confiante, como noutra vez a descrevera, com ansiedade, como ‘desmaiar’. Sua atitude para
com os acontecimentos no grupo alterara-se com a alteração da suposição básica do grupo.
Nem a analogia do verso e reverso, nem tampouco a da mudança de perspectiva, serve
realmente para abranger a técnica que um psiquatra deve empregar, de maneira que, para
tornar claro o que quero dizer, utilizarei a analogia fornecida pelos princípios da dualidade
na matemática. Segundo estes, um teorema que prova a relação espacial de pontos, linhas e
planos parece igualmente provar a relação de seu dual em termos de planos, linhas e
pontos. No grupo, o psiquiatra deve considerar, de tempos em tempos, qual é o ‘dual’ de
qualquer determinada situação emocional que tenha observado. Deverá considerar também
se o ‘dual’ da situação que acabou de descrever já não foi experimentado e descrito em
alguma sessão anterior.
Apliquemos isto agora à observação do grupo. O leitor deverá lembrar-se de que relatei,
que após os grupos se reunirem, mas antes de sé acostumarem à técnica, há uma pausa
enquanto todos ‘esperam que o grupo comece’. É muito comum alguém perguntar quando
começa o grupo. Ora, de um certo ponto de vista, a resposta perfeitamente simples é dizer
que o grupo começa às 10,30, ou seja qual for a hora que foi estabelecida para a reunião,
mas uma deslocação de ponto de vista
(admito de uma certa magnitude) de minha parte, significa que estou assistindo a
fenômenos de grupo que não ‘começam’; os assuntos em que estou interessado continuam e
evoluem mas não ‘começam’. No trabalho que realizo no grupo, dessa maneira, a questão
não é respondida, embora se possa ver que, se o grupo se interessa em investir em mim
uma liderança de tipo diferente daquela que me proponho exercer, pode-se facilmente
presumir que é assunto meu saber quando o grupo começa ou, a propósito, quando termina.
Não há razão por que não se deva dar a resposta que é esperada, desde que se esteja ciente
que o assunto é de uma certa importância e envolve uma considerável mudança de papel,
embora esse ponto possa não parecer evidente no momento atual.
Se, num grupo, tive sucesso em demonstrar a luta para manter a estrutura refinada, devo
também ter obtido sucesso em demonstrar o seu ‘dual’. O que se segue é uma descrição do
‘dual’, embora, à primeira vista, possa ser difícil compreender a sua afinidade com a
tentativa de preservar uma estrutura refinada.
Em todos os grupos será comum, numa ocasião ou noutra, encontrar pacientes a queixar-se
de que o tratamento é longo, que eles sempre se esquecem do que aconteceu na sessão
anterior; que não pareçam haver aprendido nada e que não percebam, não apenas o que as
interpretações tem a ver com seu caso, mas também o que as experiências emocionais para
as quais estou tentando atrair a atenção possam importar-lhes. Mostram também, como na
psicanálise, que não possuem muita fé em sua capacidade de aprender pela experiência: ‘O
que aprendemos da História é que não aprendemos nada da História’.
Ora, tudo isto e muitas outras coisas semelhantes, na realidade, vem a resultar no ódio a um
processo de desenvolvimento. Mesmo as queixas sobre o tempo, que parecem bastante
razoáveis, destinam-se apenas a se lamentar um dos fatores essenciais do processo de
desenvolvimento. Há uma aversão total a ter de aprender pela experiência e uma falta de fé
no valor de tal tipo
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de aprendizagem. Uma pequena experiência de grupos logo mostrará que isto não é simplesmente
uma atitude negativa; o processo de desenvolvimento está sendo realmente comparado com algum
outro estado, cuja natureza não é imediatamente aparente. A crença neste outro estado amiúde se
mostra na vida cotidiana, talvez mais claramente na crença do escolar no herói que nunca faz
qualquer trabalho e, apesar disso, encontra-se sempre no auge da forma o oposto do ‘caxias’, na
verdade.
No grupo, torna-se muito claro que esta alternativa sonhada para o procedimento do grupo é, na
realidade, algo como chegar a ficar inteiramente preparado, como um adulto apto por instinto a
saber exatamente, sem treinamento ou desenvolvimento, como viver, movimentar-se e levar sua
existência num grupo.
Existe apenas um espécie de grupo e uma espécie de homem que se aproximam deste sonho, e são o
grupo básico o grupo dominado por uma das três suposições básicas: dependência, acasalamento e
fuga ou luta e o homem que é capaz de perder sua identidade no rebanho.
Não sugiro, por um só momento, que este ideal corresponda à realidade, porque, naturalmente, toda
a experiência terapêutica de grupo demonstra que o grupo e os indivíduos nele acham-se
desesperançadamente dedicados a um processo de desenvolvimento, seja o que for que tenha
acontecido a nossos ancestrais remotos.
Minha experiência de grupos, na verdade, indica que o homem está desesperançadamente
comprometido com ambos estados de coisas. Em qualquer grupo pode-se ver o homem que tenta
identificar-se irrestritamente com a suposição básica ou com a aparência refinada. Se ele se
identificar irrestritamente com a suposição básica com o rebanho, por assim dizer sentir-se-á
perseguido por aquilo que sente ser o árido intelectualismo do grupo e, em particular, das
interpretações. Se se identificar, até onde tem possibilidade de fazê-lo, com a aparência puramente
intelectual, descobrir-se-á perseguido por objetos internos, que, suspeito
—
—
—
—
—
éu, são realmente uma forma de consciência das intimações dos movimentós emocionais do
grupo de que é membro; certamente, alguma explicação deste tipo ajudaria a lançar luz
sobre o sentimento que tem o indivíduo de estar sendo perseguido pelo grupo, tanto interna
quanto externamente.
No grupo, o paciente sente que deve tentar cooperar. Descobre que sua capacidade de
cooperação é emacionalmente mais vital no grupo básico e que, na perseguição a objetivos
que não se prestam facilmente às técnicas do grupo básico, sua capacidade de cooperar
depende de uma espécie de toma lá dá cá que é conseguida com grande dificuldade,
comparada com a rápida reação emocional que provém da aquiescência às emoções do
grupo básico.
No grupo, o indivíduo dá-se conta de capacidades que são apenas potenciais enquanto se
encontra em comparativo isolamento. O grupo, dessa maneira, é mais que um conjunto de
indivíduos, porque um indivíduo num grupo é mais que um indivíduo em isolamento. Além
disso, o indivíduo num grupo está ciente de que as potencialidades adicionais que então se
tornam ativadas pela filiação ao grupo são, muitas delas, melhor adaptadas para funcionar
no grupo básico, ou seja, no grupo que se reúne para agir segundo as suposições básicas.
Um dos problemas da terapêutica de grupo, então, reside no fato de ser o grupo
freqüentemente utilizado para a obtenção de uma sensação de vitalidade pela submersão
total no grupo ou de uma sensação de independência individual pelo repúdio total dele.
Essa parte da vida mentàl do indivíduo, que é incessantemente estimulada e ativada por seu
grupo, é a sua herança inalienável como animal de grupo.
É este aspecto da filiação ao grupo que origina no indivíduo uma sensação de que nunca
poderá alcançar um curso de acontecimentos com que está, em qualquer momento dado, já
comprometido. Existe uma matriz de pensamento que reside dentro dos confins do grupo
básico, mas não dentro dos confins do individuo. Há
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também o desejo que tem este de sentir que é dono de seu destino e de se concentrar
naqueles aspectos de sua vida mental que sente serem mais verdadeiramente seus e
originados dentro de si. É este desejo que tende a torná-lo mais disposto a observar
fenômenos que se acham mais relacionados com aquela espécie de grupo, da qual pode
razoavelmente dizer que ‘começa’ do que com o tipo de grupo em que não cabe o conceito
de ‘começo’.
Se o desejo de segurança fosse tudo o que influencia o indivíduo, então o grupo de
dependência poderia bastar, mas o indivíduo precisa de mais do que segurança para si e,
dessa maneira, tem necessidade de outras espécies de grupos. Se o individuo estivesse
preparado para suportar as dores do desenvolvimento e tudo o que isso implica em esforços
para aprender, poderia ultrapassar o grupo de dependência. Mas o fato de desejá.-lo, mesmo
com os impulsos que não são satisfeitos no grupo de dependências, por um estado no qual,
sem passar pelas dores de crescimento, possa encontrar-se integralmente preparado para a
vida de grupo, resulta num impulso na direção de um grupo estruturado para o
acasalamento ou para a luta-fuga
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