Prefácio - Bertrand

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Prefácio
Quotidianos
de um psiquiatra
Muitos se interrogam sobre o
dia a dia de um psiquiatra. Como
conseguirá o profissional ter saúde
mental para poder responder a
tantas angústias dos seus doentes?
Será possível não invadir a sua
vida privada com os dilemas colocados pelos pacientes? É muito
diferente trabalhar no sistema público e no consultório privado? As
perturbações mentais são incuráveis e quem delas padece está condenado a uma vida sem sentido,
em que o suicídio é uma solução
desesperada que ocorre muitas
vezes? O diagnóstico preciso é importante, ou as terapêuticas são
muito limitadas, prescritas a partir
de um conjunto de sintomas, sem
ter em conta as circunstâncias de
vida, o apoio da família e as crenças do doente? Existe uma única
perturbação ou é agora mais frequente a presença de vários diagnósticos num só indivíduo, o que
pode tornar o tratamento mais difícil? Qual o peso dos fatores genéticos na génese das perturbações
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Eu existo
mentais? A vergonha e o estigma ligados à doença psiquiátrica contribuem para o atraso no diagnóstico e no tratamento, o que torna
mais reservado o prognóstico de várias afeções psiquiátricas?
Estas são questões para as quais o presente livro Eu existo, de
Diogo Telles Correia, equaciona algumas respostas. Conhecido
como autor de livros sobre Psicopatologia e Psiquiatria, descrevenos agora o quotidiano de um psiquiatra na sua relação com doentes com diversas perturbações mentais. Numa linguagem acessível
mas que nunca perde o rigor científico, mostra as inquietações de
vários doentes, desde a perplexidade perante os estranhos sintomas, até à tentativa de compreensão das complexidades de um cérebro perturbado. É também evidente a preocupação de Diogo Telles
Correia em acentuar a importância da relação médico-doente, instrumento terapêutico fundamental para uma intervenção prolongada, como tantas vezes acontece em Psiquiatria. Embora o conhecimento neurobiológico tenha tido um marcado desenvolvimento
nas últimas décadas, a relação terapêutica em Psiquiatria não se
pode esgotar no conhecimento da química cerebral. O psiquiatra
continuará a ser, espera-se, o profissional médico que estabelece a
relação terapêutica mais íntima com os doentes. Neste sentido, a
arte na relação e a capacidade de estabelecer uma relação de ajuda,
em que a empatia e o reconhecimento do contexto são sempre fundamentais, deverão continuar a ser instrumentos fundamentais em
Psiquiatria.
Este livro é um bom exemplo da importância da relação transformadora, estabelecida em contexto terapêutico hospitalar ou
privado, entre alguém que sofre de uma perturbação mental e um
médico disponível para uma intervenção em saúde. O leitor é conduzido para o universo estranho das obsessões e compulsões, para
a dificuldade de manejo das perturbações da personalidade, ou
para a importância da depressão e da ansiedade, as situações mais
frequentes do quotidiano do psiquiatra.
Finda a leitura, ficamos com a certeza de que é muito importante
tratar estes temas para além dos congressos científicos de Psicologia
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Prefácio
e Psiquiatria, porque as perturbações psiquiátricas são muito frequentes e provocam marcada sobrecarga familiar. A divulgação do
conhecimento sobre as circunstâncias do adoecer mental constitui
uma das melhores formas de prevenção.
Recomendo este livro aos que gostam de pesquisar os mistérios
da mente, mas tambématodos PTque se interessam pela vida e pelo
relacionamento humano, pois nesta obra encontrarão vários temas
de reflexão.
Daniel Sampaio
Médico Especialista em Psiquiatria
Professor Catedrático da Faculdade
de Medicina da Universidade de Lisboa
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Introdução
Abril de 2015. Era um dia como
tantos outros. A manhã tinha corrido a um ritmo alucinante. Este
mês começara quente, com temperaturas acima do normal para a
época do ano. Paro um pouco para
me preparar para as consultas da
tarde no meu consultório e é nessa
altura que vejo o email do meu
editor. Em resposta a uma proposta que lhe havia enviado, mostra interesse na sua publicação.
Trata-se de um livro sobre casos
clínicos em 1siquiatria. À medida
que ia lendo aquelas linhas de
texto sentia-me a ser invadido por
um sentimento assustadoramente
agradável. Finalmente poderia ter
a oportunidade de desmitificar
mitos que ainda existem em relação a esta área tão complexa.
Expressões como “transtorno
mental” ou “perturbação mental”
continuam a ser intimidantes. Receios como a marginalização ou
o internamento e o afastamento
dos entes queridos ainda estão
muito presentes na nossa cultura
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Eu existo
e afastam a maior parte dos pacientes dos consultórios psiquiátricos, ficando assim sem tratamento. Estava na altura de informar,
de mostrar às pessoas que não estão sozinhas na longa cruzada que
têm pela frente, que essas doenças também têm cura.
O papel do psiquiatra é talvez dos mais complexos de toda a .edicina. Temos de olhar para o paciente como um todo, corpo
e alma. Se negligenciarmos uma das partes, a nossa função não se
consegue realizar em toda a sua abrangência.
Lá fora, as temperaturas desciam, mas o mês continuava quente.
Todavia, o final de tarde estava frio e até um pouco ventoso. Senti
uma enorme vontade de voltar a ler aquelas páginas já escritas e
concluídas há alguns meses.
Foco-me em quatro casos, baseados numa multiplicidade de
histórias verídicas. Ao longo de diálogos, repletos de emoções, quer
do paciente quer do médico, descrevo o crescimento da proximidade entre os dois e as centelhas que se vão acendendo ao longo das
várias consultas na mente do paciente e que o ajudam a recuperar a
sua vida anterior à perturbação psiquiátrica. Explico os vários obstáculos que vão surgindo, como a resistência à medicação psiquiátrica, tantas vezes encarada como um alvo a recear, ou os traços de
personalidade rígidos e que provocam sofrimento, perante os quais
o apoio psicoterapêutico se torna uma arma fundamental.
Quero que o leitor acompanhe o íntimo das relações terapêuticas entre o médico e os pacientes, mostrar-lhe que eles existem
para além dos seus problemas psíquicos e que é fundamental que
se explore esse mundo para lá dos sintomas para que a sua recuperação seja completa.
Quero contar a história do João, do Francisco, da Francisca e do
Frederico. Quero mostrar que um paciente é muito mais do que um
diagnóstico. Os diagnósticos psiquiátricos servem para nos ajudar
a orientar o tratamento e são muito úteis para isso. No entanto, não
chega arrumar um doente numa gaveta diagnóstica. Temos de ir
mais além. Conhecer a pessoa que existe antes do diagnóstico. Onde
se movimenta, como se formou a sua essência, quais os seus traços
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Introdução
de personalidade mais favoráveis e aqueles mais sombrios. Temos
de alavancar o nosso trabalho na força e na coragem do paciente
para que este se possa reencontrar dentro de si. Temos de ver para
além das suas perturbações para recuperar o João que existe atrás
das suas obsessões; o Francisco que existe atrás daquelas vozes; a
Francisca que existe atrás da sua depressão e o Frederico que existe
atrás da sua ansiedade.
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