Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 187-198 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 07/06/2008 | Aceito em 15/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008 Artigo Científico Interpretação de metáforas com verbos de mudança de estado Interpretation of metaphors with verbs of changing of manner Dieysa Kanyela Fossile Programa de Pós-Graduação em Lingüística, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Resumo Neste artigo, apresenta-se uma pesquisa através da qual se investiga se os tipos combinatórios ([tópicos] + [veículos]) de sentenças metafóricas apresentam regularidade interpretativa. Examinam-se relações paradigmáticas e relações sintagmáticas de ocorrências metafóricas com verbos de mudança de estado. Realizou-se uma descrição dessas relações baseada na análise de 100 exemplos reais de metáforas verbais retirados da web, porém neste artigo serão apresentados apenas 19 exemplos. Os resultados preliminares sugerem que a interpretação de uma metáfora ocorre por meio de dois níveis: 1º nível – identificação do tipo de metáfora, 2º nível – identificação da relação sintagmática relevante. Este trabalho confirma a hipótese de que a regularidade que pode ser encontrada no uso das metáforas com verbos de mudança de estado está baseada no resultado da ação verbal e que o conhecimento semântico que organiza classes de palavras, como a classe dos verbos de mudança de estado, é fundamental para a interpretação de metáforas. Este estudo que se apresenta neste artigo é uma pesquisa em andamento para a dissertação de mestrado em Lingüística, portanto os resultados obtidos ainda não são conclusivos. © Cien. Cogn. 2008; Vol. 13 (3): 187-198. Palavras-chave: metáfora; léxico; interpretação. Abstract In this article is presented a research, which is investigated if the combinated ([topics] + [vehicles]) of metaphorical sentences presents any kind of interpretative regularity. Examining paradigmatics relations and sintagmatics relations of metaphorical occurrencies with verbs of changing of manner. It was realized a description of these relations based on the analyses of 100 real examples of metaphoric verbs of manner changing, took off from web, however in this article will be presented only 19 examples. The previous results suggest that the interpretation of a metaphor occurs throw two levels: first level – identification of the kind of metaphor, second level – identification of sintagmatic relation relevant. This work confirms the hypothesis in which the regularity that can be found into the metaphors use with the verbs of changing of manner is based in the results of verbal action and that the semantic knowledge that organizes classes of words, as the classes of verbs of changing of manner, is essential for the metaphoric interpretation. This study that is presented in this article is a research on for dissertation of master’s degree in Linguistics, so the results got are not conclusive yet. © Cien. Cogn. 2008; Vol. 13 (3): 187-198. Keywords: metaphor; lexicon; interpretation. 187 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 187-198 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 07/06/2008 | Aceito em 15/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008 1. Introdução Através deste artigo, de acordo com a perspectiva apresentada por Moura (2005, 2007), tenta-se defender que o uso metafórico é guiado por certos padrões lingüísticos. Aqui, propõe-se descrever uma metodologia de análise de metáforas com verbos de mudança de estado. Nesta proposta, a metáfora será enquadrada como tipo, isto quer dizer que se defende que a interpretação de uma metáfora não acontece casualmente, mas resulta da introdução de uma ocorrência num dado tipo. Desta forma, sustenta-se que uma ocorrência metafórica pode estar associada a um tipo que pode definir não completamente, mas em parte a interpretação de uma metáfora. Os padrões lingüísticos que definem os tipos de metáforas envolvem relações paradigmáticas e sintagmáticas. Para descrever como um falante interpreta uma sentença metafórica é necessário analisar com cuidado o contexto lingüístico e tentar encontrar os paradigmas dos itens lexicais envolvidos e os sintagmas em que eles se agrupam, sempre tomando por base a estrutura léxico-conceptual da linguagem, tal como defende Moura (2007). Até agora, realizou-se uma descrição preliminar desses padrões analisando 100 exemplos reais, retirados da web, de metáforas com verbos de mudança de estudo. Neste artigo será apresentada uma descrição desses padrões a partir de 19 metáforas que apresentam os verbos congelar e engessar. O objetivo desta proposta é investigar a partir de relações paradigmáticas e sintagmáticas se os tipos combinatórios de metáforas com verbos de mudança de estado apresentam regularidade interpretativa e, a partir daí, tentar propor um tipo combinatório de metáforas com verbos de mudança de estado. A hipótese de trabalho é que a regularidade que pode ser encontrada no uso das sentenças metafóricas com verbos de mudança de estado pode estar baseada no resultado da ação verbal e não na forma ou no aspecto dessa ação. Essa hipótese está fundamentada na perspectiva de Moura e será analisada através da metodologia adotada. O artigo está organizado da seguinte forma: na seção 2, apresenta-se a metáfora enquadrada como tipo; na seção 3, descreve-se a metodologia a ser seguida na análise do corpus e é apresentada a descrição dos dados das metáforas com verbos de mudança de estado; na seção 4, identificam-se padrões regulares de interpretação e na seção 5, discutem-se alguns resultados e conclusões parciais, pois este artigo está embasado na dissertação de mestrado “Metáforas com verbos de mudança de estado” que está em andamento. 2. Teorias que explicam o uso da metáfora a partir de tipos Um dos modelos mais famosos e conhecidos que estuda a metáfora a partir de tipos é a teoria conceptual (Lakoff e Johnson, 2002). Essa teoria sustenta que a metáfora não é um recurso da linguagem, mas do pensamento. Nesse modelo a sistematicidade da metáfora é buscada no plano da representação cognitiva, portanto é uma sistematicidade externa que se situa na mente do falante. Nesta pesquisa, estuda-se o uso metafórico a partir de tipos de metáforas, mas de maneira diferente da teoria conceptual. Busca-se investigar a sistematicidade da metáfora no plano lingüístico e não no plano de representação mental. Isso quer dizer, tal como defendem Moura (2005, 2007) e Veale (2003), que neste caso se está assumindo uma perspectiva interna da sistematicidade da metáfora, a qual analisa quais são os fatores internos da estrutura léxicoconceptual de uma sentença metafórica que levam à interpretação. Segundo Moura (2007), a sistematicidade interna contribui para que se possa realizar uma descrição minuciosa dos tipos de metáforas e mostrar, detalhadamente, a interação entre o tópico e o veículo de uma sentença metafórica. 188 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 187-198 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 07/06/2008 | Aceito em 15/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008 3. Metodologia para análise de dados Como o objetivo deste estudo é propor um tipo combinatório de metáforas com verbos de mudança de estado, realizam-se estudos de relações paradigmáticas e estudos de relações sintagmáticas de sentenças metafóricas. Essas relações podem ser compreendidas como um meio de analisar de maneira minuciosa como as metáforas funcionam. Nesta pesquisa, duas questões postulam a análise que virá a seguir: 1. Ocorrências metafóricas exploram a estrutura léxico-conceptual da linguagem; 2. O uso de metáforas é sistemático, isto é, há tipos de metáforas que guiam a interpretação. Essas metáforas apresentam relações paradigmáticas e sintagmáticas definidas (Moura, 2007: 431). Juntamente com Moura, elaborou-se uma metodologia centrada nas duas questões acima citadas, para que se pudesse realizar e desenvolver uma investigação segura. Essa metodologia de análise de dados segue os seguintes passos: 1º Passo: Definir uma categoria semântica (nominal ou verbal) que ocorra na posição de veículo das metáforas a serem investigadas. 2º Passo: Definir uma lista de itens lexicais pertencentes à categoria semântica escolhida (construção da relação paradigmática). 3º Passo: Pesquisar na web ocorrências de metáforas com esses itens lexicais na posição de veículo (Fellbaum, 2005). 4º Passo: Identificar, na análise de dados, classes de interpretação (conjuntos de paráfrases) que possam ser inferidas a partir dos dados, para cada item lexical analisado. 5º Passo: Identificar possíveis correlações entre classes de interpretação e relações sintagmáticas (construção das relações sintagmáticas). 6º Passo: Comparar as relações sintagmáticas dos diferentes itens lexicais, obtidas no 5º passo, e identificar padrões de interpretação. Se padrões de interpretação forem encontrados, postular um tipo de metáfora. 3.1. Explicação dos procedimentos adotados para análise de dados Apresenta-se, a seguir, um comentário detalhado para cada procedimento (passo) acima apresentado, para que seja compreendida com clareza a metodologia adotada no desenvolvimento desta investigação. Este comentário tem como base os argumentos e a explicação propostos por Moura (2007: 432): 1º Passo: Deve-se selecionar uma categoria semântica para investigação. Essa categoria deve ocupar o lugar de veículo da metáfora e pode ser uma categoria verbal ou nominal. Como nesta pesquisa o foco é estudar metáforas verbais e não nominais, a categoria semântica selecionada para estudo é a dos verbos de mudança de estado. 2º Passo: Almeja-se ressaltar que um paradigma (categoria semântica) como a dos verbos é bastante vasta, grande e variada. 3º Passo: Usam-se mecanismos de busca na web (como o Google), mecanismo de análise de dados que já foi testado na literatura (Fellbaum, 2005). Por meio deste método de pesquisa, coletam-se exemplos de sentenças metafóricas reais e contextualizados. Admite-se que os resultados que se obtiver nesta pesquisa não serão exaustivos e 189 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 187-198 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 07/06/2008 | Aceito em 15/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008 nem quantificáveis, pois novas sentenças metafóricas podem aparecer a todo momento na web. 4º Passo: Agora, devem-se identificar paráfrases aceitáveis. As paráfrases serão limitadas, pois de acordo com Black (1962, 1992, 1993) e Kittay (1987), pode-se argumentar que uma metáfora nunca é completamente parafraseável. Sobre o papel da paráfrase literal, Davidson (1992: 48) e Finger (1996: 50) afirmam que para Black o conjunto de sentenças literais que for obtido a partir de uma sentença e/ou proferimento metafórico nunca será capaz e nem terá o poder de informar e esclarecer como a metáfora original. Tal como sustenta Corôa (2005: 34), “uma paráfrase (...) subtrai informação, por um lado, e acrescenta implicações não desejáveis, por outro”. Depois de identificar as paráfrases, é importante definir linhas gerais de interpretação de um dado veículo metafórico, nos variados contextos. Se possível, deve-se identificar apenas uma dimensão de predicação (dimensão relevante), que seja projetada a partir do veículo. As interpretações devem respeitar as pistas dadas pelo contexto de cada ocorrência metafórica. E as expressões idiomáticas que surgirem no corpus com os itens lexicais analisados devem ser apontadas. 5º Passo: Devem-se analisar as correlações existentes entre essas classes de interpretação (paráfrases) e o tipo de palavra que ocupa o lugar de tópico em uma sentença metafórica. A classe semântica do tópico com base em cada conjunto de paráfrases - (a classe semântica do tópico será o hiperônimo dos termos que atuam como tópicos) - deve ser identificada. Neste passo, buscam-se relações sintagmáticas, isto é, estabelecem-se generalizações a partir de ocorrências de metáforas com o mesmo item lexical na posição de veículo. 6º Passo: Neste último procedimento, tenta-se obter uma generalização maior a que se obteve no 5º passo. Deve-se testar se a mudança de um item lexical por um outro item, dentro de um mesmo paradigma, muda ou não as interpretações das relações sintagmáticas, para se obter uma generalização maior. Propõe-se postular um tipo de metáfora, se for obtida uma generalização. Deve-se estar atento que um tipo de metáfora deve se aplicar a todos os itens lexicais de um paradigma. Observação: Somente depois de concluída a análise de todos os itens lexicais apresentados no 2º passo é que o 6º será colocado em prática. A análise de cada item lexical abordado no 2º passo sempre será realizada a partir do 3º até o 5º passo. 3.2. Análise do corpus coletado – metáforas com verbos de mudança de estado 1º Passo: Examinar verbos de mudança de estado. 2º Passo: Os verbos congelar e engessar são utilizados como veículos de metáforas. 3º Passo: Retirar da web exemplos de ocorrências metafóricas com os verbos congelar e engessar na posição de veículo da(s) sentença(s) metafórica(s). 3.2.1. Análise das metáforas com o verbo congelar 3º Passo - Retiraram-se dez ocorrências de metáforas com o verbo congelar da web: (1) “Querem congelar o Espiritismo!” (Retirado em 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.redevisao.com/html/materias/ alamarespirita/naofalarcomespiritos.htm). 190 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 187-198 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 07/06/2008 | Aceito em 15/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008 (2) “Para sair do banho, por exemplo, Luciana precisava congelar um pensamento bom na mente.” (Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://scotty.ffclrp.usp.br/periodicos/veja/ Mentes%20que%20aprisionam.htm). (3) “Outro momento lá atrás que congelaria é quando eu ganhei as ‘Olimpíadas de Matemática do Estado de São Paulo’...” (Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.blogtematico.blogger.com.br/ 2005_08_28_archive.html). (4) “Congelaria um momento de descoberta ... ... com toda intensidade...” (Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.blogtematico.blogger.com.br/ 2005_08_28_archive.html). (5) “Congelaria a emoção de amar com toda intensidade ... ... Aliás, não congelaria não ... Quero é manter bem aquecido ...” (Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.blogtematico.blogger.com.br/ 2005_08_28_archive.html). (6) “Modelos, atrizes e alunas fazem parte das fotografias de Silveira, que abusou de sua capacidade de preparar atores – como Ana Paula Arósio, Déborah Secco, Fábio Assunção e Marisa Orth – para fotografar e congelar eternamente a emoção do momento.” (Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.geleiageral.com.br/gratis/ beto_silveira.htm). (7) “Fotografar é congelar o tempo com emoção.” (Retirado em: 09/07/2007, de World Wide fotografo.asp?id). Web: http://www.photografos.com.br/ (8) “Eu queria poder congelar tudo o que aconteceu ...” (Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.prettiestthing.weblogger.com.br). (9) “Não mais desperdiçar minhas lágrimas. Não mais achar me perdido. No fundo eu fui um idiota. Não mais acreditar no nada. Não mais congelar o medo.” (Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://gloria.letras.terra.com.br/ letras/206417). (10) “... Congelar o tempo antes da morte ...” (Retirado em: 09/07/2007, de World Wide humanus_onstage.htm). Web: http://www.ronaldperet.com.br/ 4º Passo - Encontraram-se três classes de interpretação (paráfrases): {a, b, c} no corpus analisado: Paráfrase (a): Tornar imóvel, paralisar. Exemplos: (1), (3), (4), (5), (8), (10). Paráfrase (b): Guardar, registrar. Exemplos: (6), (7). Paráfrase (c): Armazenar, ter. Exemplos: (2), (9). 5º Passo 191 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 187-198 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 07/06/2008 | Aceito em 15/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008 Paráfrase (a): Tornar imóvel, paralisar. Exemplos: (1), (3), (4), (5), (8), (10). Tópicos: Espiritismo, momento, momento, emoção, tudo, tempo. Classe semântica (Hiperonímia): ● Religião: Espiritismo. ● Período de tempo: momento, momento de descoberta, tempo. ● Sensação: emoção. ● Indefinição: tudo. Dimensão relevante do tópico: Duração. Relação sintagmática (a): [Tópico (Religião, Período de tempo, Sensação, Indefinição) + Veículo (congelar)]. Paráfrase (b): Guardar, registrar. Exemplos: (6), (7). Tópicos: emoção, tempo. Classe semântica (Hiperonímia): ● Período de tempo: tempo. ● Sensação: emoção. Dimensão relevante do tópico: duração. Relação sintagmática (b): [Tópico (Período de tempo, sensação) + Veículo (congelar)]. Paráfrase (c): Armazenar, ter. Exemplos: (2), (9). Tópicos: Pensamento bom, medo. Classe semântica (Hiperonímia): ●Ação/plano voltados para uma meta: pensamento bom. ●Sensação: medo Dimensão relevante do tópico: Vivência. Relação sintagmática (c): [Tópico (Ação/plano voltados para uma meta, sensação) + Veículo (congelar)]. 3.2.2. Análise das metáforas com o verbo engessar 3º Passo - Foram coletadas, na web, nove ocorrências de metáforas com o verbo engessar: (1) “Para Carrion, nenhuma forma de gestão pode engessar a luta social e popular e nem desresponsabilizar o governo ...” (Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.ongcidade.org/site/ noticias_completa.php?). (2) “Nunca admiti, como professor titular de direito constitucional da Universidade Mackenzie e comentarista da Constituição Federal, que brasileiros do passado pudessem engessar o futuro da nação ...” (Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://clipping.planejamento.gov.br/ Noticias.asp?NOTCod=291102). (3) “A idéia de enquadrar e engessar idéias autônomas, independentes e criativas ...” (Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://panocticowordpress.com/2007/05/14/ para-andrea-matarazzo-catadores-sao-problema). 192 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 187-198 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 07/06/2008 | Aceito em 15/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008 (4) “A idéia do planejamento não é engessar sua vida, muito pelo contrário, dar liberdade.” (Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://chat04.terra.com.br:9781/ henriqueflory.htm). 5) “Eles querem engessar um juiz de 1ª Instância.” (Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.tacrim.sp.gov.br/cetac/ Palestra140501.html). (6) “É imediatamente taxado de inimigo do progresso, contrário ao desenvolvimento, alguém que quer engessar a Amazônia.” (Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.ssps.org.br/JUPIC/Esporadico/ cartasol.htm). (7) “Ainda não existe súmula vinculante sobre o tema, capaz de engessar o poder de interpretação do juiz.” (Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.amab.com.br/marcosbandeira/ sentencas.php?cod=56). (8) “Não defendo a reserva de mercado da língua portuguesa, pois tentar engessar um idioma é o mesmo que condená-lo à morte.” (Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.teclasap.com.br/boletim/ ed_anteriores/infotainment262.shtml). (9) “Dessa forma cria-se um impasse, porque o Estado não teria condições de fazer os seus registros, o que iria engessar as ações, explicou a assessoria de imprensa.” (Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.mp.mt.gov.br/noticias.php? IDCanal=OTE=&IDSubCanal=Mjk=&view=MjE5NQ). 4º Passo - Identificaram-se duas classes de interpretação (paráfrases): {a, b} no corpus analisado: Paráfrase (a): Impedir de agir. Exemplos: (1), (5), (7), (9). Paráfrase (b): Impedir de prosperar, de evoluir. Exemplos: (2), (3), (4), (6), (8). 5º Passo Paráfrase (a): Impedir de agir. Exemplos: (1), (5), (7), (9). Tópicos: Luta social e popular, juiz, poder de interpretação, ações do estado. Classe semântica (Hiperonímia): Pessoas e ação social. Dimensão relevante do tópico: Ação. Relação sintagmática (a): [Tópico (pessoas e ação social) + Veículo (engessar)]. Paráfrase (b): Impedir de prosperar, de evoluir. Exemplos: (2), (3), (4), (6), (8). Tópicos: Futuro da nação, idéias, vida, Amazônia, idioma. Classe semântica (Hiperonímia): ● Período de tempo: futuro da nação. ● Ação/plano voltados para uma meta: idéias. ● Existência: vida. 193 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 187-198 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 07/06/2008 | Aceito em 15/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008 ● Língua de uma nação: (idioma); ● Região territorial e/ou pessoas ou grupo de pessoas por metonímia: (Amazônia). Dimensão relevante do tópico: Desenvolvimento. Relação sintagmática (b): [Tópico (Período de tempo, Ação/plano voltados para uma meta, Existência, Língua de uma nação, Região territorial e/ou pessoas ou grupo de pessoas por metonímia) + Veículo (engessar)]. 4. Identificar padrões regulares de interpretação Finalmente, será colocado em prática o 6º passo. Neste último, buscam-se identificar padrões regulares nas relações sintagmáticas encontradas. Ressalta-se que o corpus analisado não permite nenhum resultado conclusivo e único. Porém, algumas hipóteses, já apontadas por Moura (2007: 444), novamente se confirmam. Isto é, por meio desta instigação, comprova-se que, (a) as metáforas não são interpretadas casualmente; (b) as paráfrases que foram encontradas no 4º passo, adaptam-se às relações sintagmáticas que foram detectadas no 5º passo. Isto quer dizer que um determinado tipo de tópico de uma metáfora pode definir uma interpretação saliente de um dado veículo. Logo, questiona-se: E as generalizações sobre as relações sintagmáticas com os dois verbos estudados (congelar e engessar) foram alcançadas? No total, obteve-se 05 relações sintagmáticas, isto é, 03 para congelar e 02 para engessar. Os tópicos dessas relações são variados, assim como as paráfrases. VEÍCULO] + [TÓPICO] = PARÁFRASE ● Religião ● Período de tempo Congelar 1 + = Tornar imóvel, paralisar ● Sensação ● Indefinição ● Período de tempo = Guardar, registrar Congelar 2 + ● Sensação ● Ação/plano voltados para uma meta Congelar 3 + = Armazenar, ter ● Sensação Engessar 1 + ● Pessoas e ação social = Impedir de agir ● Período de tempo ● Ação/plano voltados para uma meta ● Existência Impedir de prosperar/de Engessar 2 + ● Sensação = evoluir ● Língua de uma nação ● Região territorial e/ou pessoas ou grupo de pessoas por metonímia Quadro 1 - Relações sintagmáticas de metáforas com verbos de mudança de estado 5. Resultados parciais e considerações finais No quadro 1 pode-se verificar que os tópicos e as paráfrases são bem variados, mesmo ocorrendo repetições, resultado já apresentado por Moura (2007). O que parece certo é que as ocorrências de metáforas com um mesmo item lexical na posição de veículo (por exemplo, o verbo congelar e/ou engessar) se encaixam em uma das relações sintagmáticas possíveis. Sobre as paráfrases, a princípio, conclui-se que parecem ser dependentes do conteúdo lexical do verbo. Por exemplo, “retenção”, é um traço que se destaca nas paráfrases das 194 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 187-198 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 07/06/2008 | Aceito em 15/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008 metáforas com o verbo arquivar. E essa “retenção” parece ser interpretada de modo diferente, isto é, de acordo com o tópico da metáfora. Observe as seguintes construções: A - Arquivar assuntos é o mesmo que Reter assuntos; B - Arquivar momentos/acontecimentos bons é o mesmo que Reter momentos/acontecimentos bons; C - Arquivar momentos/acontecimentos ruins é o mesmo que Reter momentos/acontecimentos ruins. Percebe-se, de acordo com a análise realizada, que ‘retenção’ é, realmente, um traço importante que se destaca nos três exemplos metafóricos apresentados (a), (b) e (c), porém essa retenção é interpretada de forma diferente em cada sentença metafórica por causa dos tópicos (assuntos, momentos/acontecimentos bons, momentos/acontecimentos ruins, respectivamente). Portanto, na frase (a) o traço que se destaca é retenção, mas por causa do tópico ‘assuntos’ esse traço é interpretado como evitar, não abordar. Na frase (b), novamente, o traço que se sobressai é retenção, mas devido ao tópico ‘momentos/acontecimentos bons’ é interpretado como guardar, registrar. E, na frase (c), o traço retenção passa a ser interpretado como esquecer, deixar de lado, por causa do tópico ‘momentos/acontecimentos ruins’. Desta maneira, percebe-se que as paráfrases (evitar, não abordar; guardar, registrar; esquecer, deixar de lado) são dependentes o conteúdo lexical do verbo arquivar, no caso → retenção/reter. De acordo com a pesquisa realizada, pode-se abordar que há um elemento comum nas paráfrases – (é só observar o quadro 1). Esse elemento comum é a existência de um resultado específico do processo verbal. E essa é a característica principal de um verbo de mudança de estado no sentido literal. Isto é, qualquer verbo de mudança de estado apresenta esse resultado, que certamente varia de acordo com o conteúdo semântico de cada verbo (Moura, 2007: 446). Diante da questão abordada sobre o resultado específico que basicamente todo verbo de mudança acarreta, mostra-se no quadro abaixo a representação semântica de verbos de mudança de estado no seu sentido literal. Esse quadro foi adaptado de Moura (2007: 446): Tema e/ou objeto e/ou paciente da ação verbal → (estado resultativo v) Quadro 2 - Representação semântica de verbos de mudança de estado - (sentido literal). No quadro 2 Moura (2007: 447) mostra que “o subscrito v indica que esse estado é relativo ao conteúdo semântico de cada verbo. A própria natureza semântica do verbo de mudança de estado ressalta esse estado resultativo”. De acordo com Pustejovsky (1995) e Chierchia (2003), os verbos de mudança de estado são também conhecidos como verbos télicos, pelo fato desses verbos acarretarem um ponto auge da ação verbal. A partir do verbo “congelar”, tenta-se explicar a relação dos verbos de mudança de estado (verbos télicos) com as metáforas. (Moura realizou essa explicação a partir do verbo arquivar). Nesse caso, percebeu-se que se alguém pensar no sentido literal do verbo congelar, isto é, na ação de congelar notará que esse item lexical envolverá: ● um agente; ● um período de tempo; ● um modo de agir; 195 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 187-198 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 07/06/2008 | Aceito em 15/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008 ● um resultado. Nesse caso, uma sentença metafórica com a presença desse verbo poderia explorar qualquer uma dessas dimensões do evento de congelar. Mas, ao se analisar as paráfrases do quadro (1) e ao se considerar o(s) sentido(s) metafórico(s) desse tipo de ocorrência, percebeuse que a única dimensão relevante é o resultado da ação de congelar, as outras dimensões do evento de congelar não se destacam. O que importa é somente o resultado, isto é, que o paciente, o objeto da ação verbal → está congelado. E estar congelado pode gerar diferentes analogias, dependendo do tópico ao qual se aplica a metáfora do congelar. Por exemplo: ● Congelar um pensamento bom é armazená-lo. Logo, congelar = armazenar. ● Congelar o tempo é parar o tempo. Logo, congelar = paralisar/imobilizar. ● Congelar uma lembrança é guardá-la, registrá-la. Logo, congelar = guardar, registrar. ● Congelar uma mágoa é deixar de senti-la, esquecê-la. Logo, congelar = deixar de lado, suspender. Diante dos fatos examinados e estudados até aqui, pode-se concluir, assim como Moura que o estado resultativo é a única dimensão relevante do processo verbal. Esta conclusão é válida para os todos os verbos analisados neste trabalho. No momento, o tipo de metáfora com verbo de mudança de estado pode ser postulado com base em Moura (2007: 447): Tipo de metáfora com verbo de mudança de estado [ TÓPICO (X) + VEÍCULO (Verbo de mudança de estado v ) ] Paráfrase = Dimensão relevante do processo verbal = estado resultativo v Logo, paráfrase = estado resultativo v Quadro 3 - Tipo de metáfora com verbo de mudança de estado. A partir desta pesquisa, deduziu-se que a interpretação de uma metáfora ocorre em dois níveis, tal como sustenta Moura, isto é, no primeiro nível, ocorre a identificação do tipo de metáfora e no segundo nível, a identificação da relação sintagmática relevante. Por exemplo, ao se interpretar a metáfora, congelei um pensamento bom, primeiramente, identifica-se o tipo de metáfora, nesse caso, trata-se de uma metáfora com verbo de mudança de estado e, depois, identifica-se a relação sintagmática, nessa metáfora tem-se a seguinte relação: TÓPICO (Ação/plano voltados para uma meta) + VEÍCULO (verbo de mudança de estado: Congelar), alcançando-se desta maneira uma paráfrase condizente. 196 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 187-198 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 07/06/2008 | Aceito em 15/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008 Através deste estudo e levando em conta as conclusões parciais de Moura, sustenta-se que nas metáforas existem regularidades categorias e combinatórias (relações paradigmáticas e sintagmáticas), respectivamente, que governam a interpretação, o que significa que as metáforas não são interpretadas aleatoriamente. Assim como autor, esta pesquisa também defende que ao se interpretar uma sentença metafórica se acionam categorias semânticas e combinações entre categorias semânticas, num processo composicional parecido com o processo composicional de proposições ordinárias. “A diferença na composicionalidade de sentenças metafóricas e sentenças literais corresponde a esse elemento de difícil apreensão, e que consiste na força maior da metáfora: colocar junto o que se supõe separado, e fazê-lo de modo consistente. Ao compor a sentença “o filósofo pensou”, combinamos o que já estava junto (entidade dotada de razão e verbo de pensamento), ao passo que ao formar a sentença “o navegador automático de bordo pensou” (artefato e verbo de pensamento), juntamos o que não estava junto antes, mas as regras combinatórias são da mesma essência.” (Moura, 2007: 448) A partir da pesquisa desenvolvida, chegou-se a conclusão que a metáfora cria, gera, aciona alguma coisa nova com caráter cognitivo, a partir da rede conceptual da linguagem. “O efeito cognitivo da metáfora deriva dos padrões de ligação entre conceitos que ela cria [...]. O que pensamos ao dizer uma metáfora é idéia ou apresentação de como as coisas são. Para isso, usamos a linguagem, e as correlações de categorias que ela permite. Se a linguagem se baseia em padrões de interpretação, é natural que o pensamento reflita esses padrões.” (Moura, 2007: 448) Por meio desta pesquisa que desenvolveu uma análise descritiva de um corpus de 100 metáforas com verbos de mudança de estado, sendo apresentadas, neste artigo, somente 19 ocorrências metafóricas desse corpus examinado, chegou-se a algumas conclusões parciais que já foram apresentadas por Moura ao desenvolver seus estudos. Dentre essas conclusões, deduziu-se que o uso da metáfora busca correlações na linguagem com o objetivo de exprimir pensamentos, dessa maneira, é possível perceber que o uso da metáfora não depende só do pensamento, nem só da linguagem; mas, sim, está relacionada tanto à linguagem como ao pensamento. 5. Agradecimentos Ao orientador desta pesquisa em andamento, o Professor Dr. Heronides Maurílio de Melo Moura, pois não consigo acreditar que uma pesquisa seja fruto de uma só mente. Nesse sentido gostaria de agradecer pela parceria e orientação. 6. Referências bibliográficas Black, M. (1962). Models and metaphor. Ithaca: Cornell University Press. Black, M. (1992). Como as metáforas funcionam: uma resposta a D. Davidson. Em: Sacks, S. (org.). Da metáfora (pp. 35-50). São Paulo: Educ. Sacks, S. (1993). More about metaphor. Em: Ortony, A. (ed.): Metaphor and thought. Cambridge: Cambridge University Press. 197 Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 187-198 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição Submetido em 07/06/2008 | Aceito em 15/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008 Chierchia, G. (2003). Semântica. Campinas: Editora da Unicamp. Corôa, M.L.M.S. (2005). O tempo nos verbos do português: uma introdução à sua semântica. São Paulo: Parábola. Davidson, D. (1992). O que as metáforas significam. Em: Sacks, S. (org.). Da metáfora, (pp. 35-50). São Paulo: Educ. Fellbaum, C. (2005). Examining the constraints on the benefactive alternation by using the world wide web as a corpus. 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Fossile é graduada em Letras - Licenciatura (Língua Portuguesa; Universidade Regional de Joinville, UNIVILLE) e Mestranda do curso de Lingüística (Área de concentração: Teoria e Análise Lingüística. Linha de pesquisa: Léxico e Significação; UFSC). Atua como Professora efetiva da Rede Estadual de Santa Catarina e como Tutora da Disciplina de História dos Estudos Lingüísticos do Curso de Letras a Distância (UFSC). Email para correspondência: [email protected]. 198