11 - Imaginização Uma Direção para o Futuro As organizações são muitas coisas ao mesmo tempo! ira É esta idéia intrigante a fonte de inspiração para este livro. Creio que muitos dos problemas fundamentais com os quais deparamos originam-se do fato de que a complexidade e a sofisticação do nosso pensamento não são comparáveis à complexidade e à sofisticação das realidades com as quais é necessário lidar. Isto parece ser verdade no mundo das organizações, assim como na vida social e em geral. O resultado é que as nossas ações, freqüentemente, são simplistas e algumas vezes causam prejuízo. Este livro foi escrito como uma tentativa de fornecer uma pequena contribuição para o entendimento de como são feitas simplificações excessivas, auxiliando a identificar os meios possíveis através dos quais se torna viável desenvolver uma capacidade para fazer as coisas de maneira mais adequada do que a atual. A abordagem global adotada foi a de fomentar um tipo de pensamento crítico que encoraja não só compreender, mas também identificar os múltiplos significados das situações, permitindo enfrentar e gerir a contradição e o paradoxo, em lugar de fingir que estes não existem. O caminho escolhido foi através da metáfora que, acredito, se apresenta central ao modo pelo qual organizamos e compreendemos o nosso universo. Mas não é necessário que se aceite esta tese. O ponto geral mais amplo e importante é que as formas de encarar o mundo são sempre limitadas e que muito pode ser aprendido ao se apreciar a natureza parcial das nossas compreensões e como as mesmas podem ser ampliadas. As metáforas foram usadas para mostrar como é possível definir e redefinir a compreensão de uma mesma situação, adotandose a crença de que novos tipos de entendimento podem nascer deste processo. Quando se olha para o nosso universo através dos nossos dois olhos, obtém-se uma visão diferente daquela conseguida através do uso de cada olho independentemente. Cada olho vê a mesma realidade de modo diferente e, quando trabalham juntos e combinados, produzem uma forma totalmente dife 346 IMAGENS DA ORGAMZAÇÃO rente de percepção. Tente e você verá. Acredito que o mesmo processo ocorra quando se tenta interpretar o mundo através de diferentes metáforas. O processo de estruturar-se e de reestruturar-se produz uma interpretação de mundo qualitativamente diferente que encontra paralelo na qualidade proporcionada por uma visão através de binóculos. Quando se tenta compreender os fenômenos dentro das organizações, focalizando-as como máquinas, organismos, culturas, sistemas políticos, instrumentos de dominação etc., uma nova profundidade de descoberta aparece. O modo de encarar o fenômeno transforma a compreensão da natureza do fenômeno. A respeito de elefantes e organizações Preliminarmente, muito daquilo que foi dito tem certa semelhança com o antigo conto hindu a respeito dos seis cegos e o elefante. O primeiro cego sente uma presa e acha que o animal deve ser uma lança, o segundo, apalpando a lateral do elefante, considera que seria um muro; sentindo uma perna, um terceiro descreve o animal como uma árvore e o quarto, tateando a tromba do elefante inclind-e a pensar que 5eFid uma serpente. O quinto, tendo percebido a orelha do elefante, considera tratar-se de um ventilador, e o sexto, segurando o seu rabo, diz tratar-se de uma corda. A compreensão dessas pessoas teria sido muito mais complicada, conforme observou Peter Vaili, se o elefante estivesse em movimento. O homem agarrado à perna do elefante teria experimentado um movimento elíptico e para frente. Aquele que segurava a cauda teria sido chicoteado de modo aleatório, enquanto os outros teriam sido sacudidos e talvez derrubados. O movimento do elefante teria provavelmente destruído todas as considerações anteriores e, desse modo, complicado ainda mais a tarefa de se chegar a um consenso sobre a natureza do fenômeno. Pode haver pouca dúvida de que, assim como aconteceu com os seis cegos, as nossas atuais experiências sobre as organizações são muito diferentes e, conseqüentemente, atribuímos sentido a essas experiências de modos também muito diferentes. Assim, uma pessoa em uma fábrica suja e mal cuidada pode encontrar credibilidade óbvia na idéia de que organizações são instrumentos de dominação, enquanto um gerente instalado em um escritório confortável pode apresentar-se mais entusiasmado para compreender a organização como um tipo de organismo que enfrenta o problema da sobrevivência, ou então como um padrão cultural e subcultural. Entretanto, os paralelos com a fábula hindu apresentam-se sob formas bastante importantes. Primeiro, quando se examina o destino dos seis cegos, isto é feito através do privilégio da visão. É sabido que eles estão lidando com um elefante e que se pudessem ficar unidos e compartilhar as suas experiências, IMAGINIZAÇÃO 347 ra poderiam chegar a um consenso muito melhor a respeito daquilo com o que o elefante realmente se parecia. Todavia, o problema de se compreender uma [i- organização é mais difícil de ser resolvido, uma vez que não se sabe realmente aquilo que as organizações são, no sentido de se ter uma única e verdadeira posição a partir da qual as demais podem ser consideradas. Enquanto muitos s, autores tentam oferecer tal posição, por exemplo, definindo organizações como e grupos de pessoas que se juntam para perseguir objetivos comuns, a realidade é LO que, em algum grau, todos somos cegos que tentam compreender a natureza do animal. Embora possa ser possível compartilhar experiências diferentes e até mesmo chegar-se a algum consenso, nunca será obtido aquele grau de certeza que implicitamente se acha presente na fábula hindu, segundo a qual os outros são cegos e nós é que possuímos visão. Colocado em termos mais convencionais, existe diferença entre a realidade global e rica da organização e o conhecimento que somos capazes de obter a O respeito da organização. Só é possível conhecer as organizações através de experiências dentro delas. E possível usar metáforas e teorias para expressar este conhecimento e experiência e assim compartilhar as conclusões, mas nunca é possível ter certeza de que se está absolutamente correto. Acredito que é necessário sempre reconhecer esta incerteza básica. Uma segunda diferença importante entre a moral da fábula e o problema do entendimento das organizações é que o mesmo aspecto de uma organização pode ser diferentes coisas ao mesmo tempo. Assim, diferentes idéias a respeito da organização originam-se do fato de que, igual aos cegos, estamos tocando diferentes aspectos do mesmo animal; além disso, as diferentes dimensões envolvidas estarão sempre interligadas. Por exemplo, uma organização burocrática é, ao mesmo tempo, não só parecida com uma máquina, mas ainda um fenômeno cultural e político. E também uma expressão de preocupações inconscientes, uma parte não revelada de uma lógica mais profunda de mudança social, e assim por diante. A organização é todas estas coisas ao mesmo tempo. E possível tentar decompor a organização em conjuntos de variáveis relacionadas, tais como variáveis estruturais, técnicas, políticas, culturais, humanas etc. Entretanto, é preciso lembrar que isto não faz justiça à natureza do fenômeno. Isto porque as dimensões estruturais e técnicas de uma organização são também simultaneamente humanas, políticas e culturais. A divisão entre as diferentes dimensões está nas nossas mentes, muito mais do que nos fenômenos propriamente ditos. Para ilustrar este ponto de vista, gostaria de lançar mão de um dos meus exemplos favoritos, O dono autoritário de uma pequena organização, preocupado com o impacto negativo existente na moral dos empregados e com a perda de controle que se verificava na empresa, decidiu freqüentar um curso sobre administração de recursos humanos. Ao retornar, sentiu que havia experimentado uma “genuína conversão” e decidiu mudar o seu estilo de gestão, tornando-se mais orientado para as pessoas. Numa tentativa de criar relacionamentos melho 348 IMAGENS DA ORGANIZAÇÃO res e mais próximos com a força de trabalho, resolveu visitar uma das suas fábricas. Ao chegar, começou a cumprimentar pessoalmente cada empregado, apertando as suas mãos. Estes ficaram bastante surpresos, sem saber como agir, uma vez que o “chefe” sempre havia mantido uma distância clara e conduzido o negócio com mãos de ferro. De modo claro, numerosos significados diferentes esto subjacentes ao mesmo fenômeno, ou seja, o aperto de mãos. Um aperto de mão é um gesto simbólico, uma expressão da abordagem de relações humanas e possivelmente o início de uma relação politica diferente e mais democrática, mas também pode significar o início de um novo tipo de controle sobre os empregados. O aperto de mãos engloba significados potencialmente contraditórios, tais como amizade, valorização das pessoas, manipulação e controle, da mesma forma pela qual a racionalidade de uma organização pode simultaneamente apresentar dimensões políticas e exploradoras. Ao tentar compreender uma situação organizacional é preciso ser capaz de enfrentar estes diferentes significados potencialmente paradoxais, identificando- os através de algum critério de análise, embora sempre procurando manter um senso de inter-relacionamento e de integração que são essenciais. Isto possui implicações óbvias quanto à metodologia usada como esquema analítico no Capítulo 10, tornando-nos conscientes dos perigos criados por teorias que compartimentalizam em excesso, ou, então, decompõem o nosso conhecimento das organizações. Foi enfatizado que um dos objetivos principais era desenvolver um modo de pensar que pudesse fazer frente à ambigüidade e ao paradoxo. E necessário evitar as falhas contidas na síndrome dos cegos. Ao usar metáforas como arcabouços de referência adicionais para revelar as complexidades da vida organizacional, é possível visualizar que algumas dessas metáforas atendem melhor a certas situações do que a outras (por exemplo, será possível perceber que a organização X é mais do tipo máquina do que a organização Y; o departamento A é mais holográfico do que o departamento B; o grupo C possui uma cultura mais baseada em equipe, enquanto o D é mais competitivo); todavia, é preciso sempre lembrar que diferentes aspectos de cada metáfora são também encontrados em cada uma das diferentes situações. Desse modo, o esquema analítico aqui desenvolvido pode ser compreendido como um processo de sensibilização e de interpretação, muito mais do que um modelo ou, então, um referencial estático. A boa análise consiste não só em identificar “qual metáfora se encaixa onde”, ou “qual metáfora é mais adequada”, mas também em usar a metáfora para revelar padrões múltiplos de significados, bem como as suas inter-relações. Acredito que as melhores leituras intuitivas feitas por administradores e outros membros da organização possuem a mesma qualidade. Estes indivíduos estão abertos para o tipo de perspectiva que se origina da constatação de que qualquer situação tem a capacidade de ser muitas coisas diferentes ao mesmo tempo. IMAGINIZAÇÃO 349 Imaginização: organização como um modo de pensar Igir Imagens e metáforas não são somente construtos de interpretação ou formas de se encarar a realidade: fornecem também uma estrutura para a ação. A sua utilização gera descobertas que freqüentemente permitem agir dentro de estra a tégias nunca antes consideradas. Este ponto de vista foi explorado de vários sto ângulos, demonstrando-se, por exemplo, de que maneira o uso das diferentes ente metáforas pode levar a diferentes enfoques para empreender as tarefas de orgaode nizar e administrar, além de discutir as funções prescritivas da abordagem de de análise organizacional aqui apresentada. Quero agora avançar um pouco no meu posicionamento a respeito dos a estreitos laços entre pensamento e ação e sugerir que é possível começar a refletir ues sobre a organização de acordo com uma perspectiva mais ampla e mais aberta, utilizando a palavra imaginização para fornecer uma visão mais poderosa do de fenômeno básico. tO Conforme foi observado no Capítulo 2, a palavra organização origina-se do um grego órganon, que significa ferramenta ou instrumento. Assim, não é surpreendente que o conceito de organização esteja quase sempre carregado de significado mecânico e instrumental. Ao cunhar a palavra imaginização, a minha intenção foi ias ficar livre deste significado mecânico, simbolizando a estreita ligação entre imagem e ação. A organização é sempre determinada por imagens e idéias era subjacentes; a tarefa de organizar é realizada conforme se imagiiza e é sempre ao possível imag 1 zar-se de muitas formas diferentes. sar Quando se reflete sobre as organizações deste modo, obtém-se uma cons:Ia- tante lembrança de que há um processo criativo envolvido, segundo o qual novas ras imagens e idéias podem criar novas ações. No campo da arquitetura, novos tipos vel de edifícios têm surgido a partir das principais revisões a respeito dos conceitos inerentes ao processo construtivo. Por exemplo, o pressuposto de que edifícios seguros dependem de um padrão satisfatório de resistência à compressão confina ia o arquiteto a produzir estruturas tradicionais. A idéia de que edifícios podem ser erguidos através de padrões apropriados de tensão dá lugar a formas mais livres, sustentadas por cabos de aço e arcos. Acredito que é possível criar evoluções similares em relação ao modo pelo qual o processo de organização é implemen li tado, ficandose atento para o fato de que sempre estamos engajados em imagiue nização. Em lugar de somente interpretar como as organizações são, este livro procura mostrar que é possível mudá-las. Ao reconhecer os laços estreitos entre pensamento e ação na vida organizacional, é possível também reconhecer que o modo pelo qual é feita a ‘leitura’ das organizações influencia como as mesmas são concretizadas. Imagens e metáforas não são somente construtos interpretativos usados na tarefa de análise. São fatores intrínsecos ao processo de imaginização através do qual as pessoas podem representar ou “descrever” a natureza da vida organizacional. 349