Vertigem Aguda

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Vertigem Aguda
Graziela de Oliveira Semenzati1, Norimar Hernandes Dias1, Daniela de Souza Neves2
Tatiana Maria Gonçalves2, Onivaldo Bretan3.
1. Médicos assistentes da Disciplina de Otorrinolaringologia.
2. Residentes da Disciplina de Otorrinolaringologia.
3. Professor Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia.
Introdução
A vertigem e tontura são freqüentes causas de procura ao serviço de emergência,
totalizando cerca de 3,5% de todas as urgências no distrito de Vimercate, Itália1. É um
sintoma presente em uma infinidade de doenças e estima-se que esteja relacionado a uma
disfunção vestibular periférica em cerca de 85% dos casos2. Pode também ser manifestação de
patologias neurológicas (lesões medulares, tumores, enxaqueca com aura, crise epiléptica,
Parkinson), oftalmológicas (estrabismo, diplopia, miopias), psiquiátricas (histerias ou
conversão, claustrofobias, síndrome do pânico) e até mesmo de alterações metabólicas,
hormonais e vasculares dentre outras.
É definida como qualquer perturbação do equilíbrio corporal relatada pelo paciente
como sensação de rotação do ambiente ou do próprio corpo. O indivíduo pode referir tontura
rotatória, denominada de vertigem, e não-rotatória como sensação de desequilíbrio ou queda,
instabilidade, oscilações, sensação de cabeça vazia e flutuação. Deve ser diferenciada da
síncope que é perda súbita da consciência, de caráter transitório, de curta duração (geralmente
não ultrapassa poucos minutos) e de recuperação espontânea. A síncope ocorre como
conseqüência da interrupção ou diminuição do fluxo sanguíneo e do oxigênio cerebral por
causas diversas.
1
A crise vertiginosa aguda resulta de um desequilíbrio ou assimetria no tônus
vestibular, é freqüentemente acompanhada de manifestações neurovegetativas como náuseas,
vômitos, sudorese e palidez cutâneo mucosa, e pode ou não estar associada a sintomas
auditivos como zumbido, hipoacusia e plenitude aural. A tarefa crucial do médico que está
avaliando o paciente no pronto-socorro é determinar se a crise vestibular é de origem central
ou periférica, o que em determinadas situações pode ser um dilema, pois algumas patologias
centrais que cursam com vertigem aguda causam risco de vida para o indivíduo e necessitam
de tratamento específico imediato.
Avaliação e Exame Físico
A anamnese detalhada direcionada aliada ao exame físico geral e específico são
fundamentais para o diagnóstico preliminar e escolha da terapêutica inicial mais adequada
para cada caso. A duração da crise, particularmente, se o paciente já teve vertigem outras
vezes é um dado importante na identificação das hipóteses diagnósticas:
 rápida e relacionada com a posição da cabeça – vertigem posicional paroxística
benigna (VPPB);
 fugaz
e
associada
a
sintomas
visuais
como
escurecimento
–
alterações
cardiovasculares;
 duração de minutos a horas e associada a sintomas auditivos – hidropisia (Ménière);
 duração de horas a dias com antecedente de cefaléia – vestibulopatia associada à
enxaqueca3.
O exame deve incluir, de acordo com a limitação do paciente, avaliação do equilíbrio
estático (Romberg, Romberg-Barré), equilíbrio dinâmico (Unterberger, Marcha), provas
cerebelares (índex-índex, índex-naso e diadococinesia), pares de nervos cranianos (pnc) e
otoscopia.
2
Propedêutica dos nervos cranianos:
I pnc
Aproximando um aroma a narina do paciente de olhos fechados.
II pnc
Acuidade visual grosseira.
III , IV e VI pnc
Mobilidade ocular extrínseca.
V pnc
Sensibilidade da face, motricidade masseter e temporal.
VII pnc
Enrugamento da testa, fechamento ocular, sopro, comissura labial.
Gustação dos 2/3 anteriores da língua.
IX e X pnc
Sensibilidade da faringe, motricidade do palato, da faringe e da
laringe.
XI pnc
Tônus do esternocleidomastoídeo, do trapézio, elevação de ombro.
XII pnc
Mobilidade da língua.
A avaliação dos movimentos oculares é importante no paciente com tontura. O
nistagmo, presente na maioria dos casos de vertigem aguda, é o movimento reflexo,
involuntário e rítmico dos globos oculares. É bifásico, isto é, tem uma componente lenta
(originada no órgão vestibular periférico) e outra rápida (originada na formação reticular do
tronco cerebral)4. Existem diversos tipos de nistagmos, uns fisiológicos, desencadeados por
determinados estímulos, e outros patológicos. O nistagmo espontâneo deve ser pesquisado
com o paciente imóvel, com os olhos centralizados à frente e a cabeça reta, preferencialmente,
utilizando-se as Lentes de Frenzel, que suprimem a fixação ocular. Sua presença é sempre
patológica, e indica assimetria de tônus vestibular, seja periférico ou central.
No atendimento emergencial do paciente com vertigem, é imperativo diferenciar as
causas periféricas das centrais, baseando-se nas características clínicas, na presença de fatores
de risco para acidente vascular encefálico (AVE), no exame físico, no tipo de nistagmo
espontâneo e associação com outros sinais e sintomas neurológicos como cefaléia, disartria,
incoordenação e diminuição de força muscular. O paciente com lesão vestibular periférica
3
aguda geralmente fica de pé com tendência de queda para um lado alguns segundos após o
fechamento dos olhos, já aquele com patologia central normalmente é incapaz de ficar de pé
sem apoio, mesmo com olhos abertos.
Quando a vertigem está associada com outros sintomas neurológicos fica mais fácil e
evidente a localização central da lesão, por outro lado isto se torna mais difícil e problemático
nos casos que a vertigem aparece isolada. Nos últimos anos, artigos têm relatado que a crise
isolada de vertigem pode ser o sintoma inicial, e às vezes único, de uma insuficiência
vertebrobasilar, algumas vezes advertindo para um AVE iminente. Além disso, pequenos
infartos de cerebelo e medula lateral podem se apresentar apenas como vertigem associada à
ataxia, sem outros sintomas localizatórios. Esses casos podem ser erroneamente
diagnosticados como casos benignos de crise vestibular periférica5.
O nistagmo espontâneo de origem periférica é tipicamente horizontal com um discreto
componente torsional ou rotacional, e não muda de direção, por outro lado o de origem
central é puramente horizontal, vertical, oblíquo ou torsional, usualmente muda de direção
durante a movimentação ocular aleatória, e pode ser dissociado, isto é, o movimento
involuntário de um olho difere do outro.
A enxaqueca promove alterações nos sistema vestibular periférico e central, afeta 15 a
20% da população e 25% dos pacientes tem crises episódicas de vertigem. A tontura pode
aparecer antes ou depois da cefaléia típica, ou mais freqüentemente sem relação temporal com
a mesma. Diversos pacientes com enxaqueca manifestam-se com sintomas vestibulares
muitos anos depois do início das crises de cefaléia, desta forma, a vestibulopatia associada à
enxaqueca ainda é pouco diagnosticada.
A maioria das disfunções vestibulares periféricas pode ser incluída dentro de uma das
principais síndromes vestibulares periféricas: vertigem posicional paroxística benigna
(VPPB), neurite vestibular, hidropisia labiríntica e ototoxicose.
4
Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB)
A VPPB é entidade clínica comum e representa cerca de 17% dos casos de vertigem.
A incidência estimada é de 10,7 a 17,3 casos para cada 100 mil habitantes por ano. É
considerada uma síndrome vestibular caracterizada por crises transitórias de vertigem
autolimitadas, desencadeadas por mudanças na posição do corpo e cabeça, associadas à
nistagmo posicional paroxístico característico6.
A fisiopatologia está baseada na migração de otólitos degenerados do sáculo e utrículo
para os canais semicirculares. Os canais semicirculares verticais (posterior e anterior) são os
mais acometidos (80% dos casos), entretanto os otólitos podem também deslocarem-se para
os canais laterais. A VPPB pode ser idiopática ou secundária a traumatismo cranioencefálico
(TCE), neuronite vestibular, distúrbios metabólicos, hormonais e vasculares.
O diagnóstico é suspeitado a partir da anamnese, com o relato clássico do paciente de
crises de vertigem transitórias ao assumir uma mesma posição, por exemplo, ao virar na cama
para o lado direito, com duração de segundos e que cede espontaneamente, confirmado com a
realização das manobras diagnósticas. Não há sintomas auditivos associados como zumbido,
hipoacusia ou plenitude aural. Depois de cessada a vertigem pode persistir sintomas como
náuseas, desequilíbrio e instabilidade6.
A manobra diagnóstica de Dix-Hallpike é indicada para os canais verticais. O paciente
é colocado sentado numa maca com as pernas estendidas, o examinador fica posicionado atrás
do mesmo e auxilia-o a deitar com a cabeça pendendo cerca de 30º para fora da maca, em
seguida gira o segmento cefálico 45º com a orelha a ser testada voltada para o solo.
Aguardam-se alguns segundos, pois no geral há uma pequena latência para o início dos
sintomas e do nistagmo, é importante que o paciente fique o tempo todo com os olhos abertos.
O diagnóstico é confirmado com a presença de vertigem e o surgimento do nistagmo torsional
5
paroxístico no olho do lado da orelha que está sendo testada (para baixo) e nistagmo vertical
no olho contralateral. É a única patologia vestibular periférica onde ocorre nistagmo
dissociado. A manobra de giro é utilizada para diagnóstico de VPPB de canais laterais. Com o
paciente deitado na maca em decúbito dorsal, gira-se a cabeça 90º para um dos lados, a orelha
testada fica encostada na maca durante 1 minuto, se positivo o indivíduo vai ter vertigem e
surgirá nistagmo horizontal6.
O tratamento da VPPB consiste na realização de manobras de reposicionamento dos
otólitos para o vestíbulo. A manobra indicada (Manobra de Epley, Manobra de Lempert ou
Liberatória de Semont) e o lado de início dependem da variante de VPPB. O sucesso está
relacionado diretamente com a escolha da manobra terapêutica adequada para cada caso.
Neurite Vestibular
É uma síndrome caracterizada por vertigem aguda prolongada de origem periférica. A
vertigem é intensa por alguns dias e melhora gradualmente em algumas semanas.
Determinados pacientes persistem com tontura inespecífica ou desequilíbrio durante meses.
Resulta de uma inflamação seletiva do nervo vestibular, provavelmente de origem viral, pois
os pacientes habitualmente relatam um pródromo típico de infecção viral. Classicamente não
apresenta sintomas auditivos como hipoacusia ou zumbido, mas apresenta manifestações
neurovegetativas intensas7.
O tratamento, visto que a fisiopatologia ainda é incerta, é puramente sintomático para
redução da vertigem e da náusea ou vômito. A recuperação depende de uma combinação entre
a restauração da função vestibular periférica (que na neuronite no geral é incompleta) e a
compensação vestibular central.
Não existe ainda consenso na literatura sobre a eficácia do uso de corticóide associado
ou não à antiviral no controle do processo inflamatório que ocorre no nervo vestibular. Em
6
um pequeno estudo controlado o corticóide foi mais efetivo do que o placebo no tratamento
dos sintomas agudos da neurite vestibular.
Hidropisia Labiríntica (Ménière)
Tem como característica marcante a associação de vertigem, zumbido, plenitude aural
e perda auditiva neurossensorial. Habitualmente, a crise tem duração de horas. No início da
doença a perda auditiva costuma ser flutuante, isto é, nos períodos intercrise a audição
normaliza. Nas fases avançadas, a perda auditiva, o zumbido e a sensação de instabilidade
podem ser permanentes.
Ototoxicose
Diversos medicamentos podem ter efeito vestibulotóxico como, antiinflamatórios,
antibióticos, antimaláricos, quimioterápicos, diuréticos, entre outros. Ressalta-se que a
intensidade da lesão e, conseqüentemente, dos sintomas depende da dose e do tempo de
utilização, assim como da suscetibilidade individual. Existem casos de acometimento
bilateral, comprometendo acentuadamente os reflexos vestíbulo-oculares e vestíbulo-espinais,
ocasiões nas quais a limitação do paciente é importante com instabilidade corporal intensa e
oscilopsia.
Tratamento no pronto socorro
Inicialmente é fundamental conversar com o paciente e tentar acalmá-lo, explicando o
que provavelmente está acontecendo. O pilar do tratamento da vertigem aguda é baseado na
supressão vestibular e no efeito antiemético, de preferência endovenoso, pois propicia
melhora clínica mais rápida. As principais classes de supressores vestibulares utilizadas na
crise labiríntica aguda incluem anti-histamínicos, anticolinérgicos, antidopaminérgicos e
benzodiazepínicos. Esses agentes não eliminam, mas reduzem bastante a intensidade da
vertigem, sendo efetivos na maioria dos pacientes8.
7
Os anticolinérgicos são supressores vestibulares centrais e têm efeitos adversos
importantes, muitas vezes incluindo a boca seca, pupilas dilatadas e sedação. Todos os antihistamínicos de uso geral para o controle da vertigem também tem atividade anticolinérgica
substancial, e parece provável que a maioria ou a totalidade do seu efeito supressor vestibular
deriva de sua ação anticolinérgica. Os benzodiazepínicos são moduladores do sistema GABA
e atuam centralmente para suprimir a resposta vestibular8.
Metoclopramida é um antiemético potente de ação central, entretanto é ineficaz na
prevenção da doença de movimento como a cinetose. Ondansetrona é um antiemético eficaz
em distúrbios vestibulares que se manifestam com náuseas, mas o custo elevado limita sua
utilização.
Estudo comparando o dimenidrinato EV (50mg) com lorazepam (2mg), e outro
dimenidrinato IM (50mg) com droperidol (2,5mg) na crise vertiginosa aguda, concluiu que o
dimenidrinato foi mais efetivo do que o lorazepam e igualmente efetivo ao droperidol. No
início a via parenteral é mais efetiva, e a resposta é dose dependente, se a dose inicial é
insuficiente, doses mais elevadas devem ser utilizadas9.
Todos estes medicamentos causam algum grau de sedação devendo ser usados com
cautela de acordo com a atividade do indivíduo, também atuam nas áreas do SNC que
controlam o vômito e a motilidade gastrointestinal. As drogas que causam menos efeito
sedativo são meclizina e escopolamina transdérmica.
Na fase pós-crise aguda quando, geralmente, o indivíduo queixa-se de tontura e
instabilidade, deve-se usar um sedativo labiríntico via oral (VO) potente e de ação rápida,
com pico plasmático em torno de 1 a 2 horas, e meia vida ao redor de 8 horas. Utilizar o
menor período possível para que não interfira na compensação vestibular central.
Recomendamos o dimenidrinato 50mg ou a meclizina 25-50mg de 8 em 8 horas por 7 a 10
dias.
8
A compensação vestibular ocorre mais rapidamente quando o paciente começa
exercícios o mais breve possível após uma crise vertiginosa aguda. Ficar deitado grande parte
do tempo, com movimentos em blocos tipo robô, limitação na movimentação cervical e
ocular apenas prejudica o restabelecimento.
É fundamental que após o tratamento inicial de uma crise de vertigem aguda, o
paciente seja sempre encaminhado para investigação diagnóstica com otorrinolaringologista.
Vertigem é um sintoma e não uma doença, portanto, nunca rotular o paciente como portador
de “labirintite” e, simplesmente, orientá-lo a tomar um depressor vestibular por tempo
indeterminado, isto é perigoso e pode propiciar que um quadro autolimitado se torne crônico.
Classe/Efeito
Droga/Apresentação
Anti-histamínico, anticolinérgico/ Dimenidrinato,
vitamina B6, glicose
Depressor vestibular
e D–frutose EV
Antiemético
Anti-histamínico/
Depressor vestibular
Antidopaminérgico/
Antiemético
Antagonista do receptor de
serotonina/
Dose
1 ampola
de 10ml
lento sem
diluir 6/6h
Principais Efeitos
Colaterais
Sedação. Precaução
em pacientes
prostáticos e com
glaucoma.
Dimenidrinato,
vitamina B6 VO**
50mg 8/8h
Meclizina VO**
25–50mg
8/8h
Prometazina IM ou
VO
25mg 8/8h
Sedação, hipotensão
e efeito
extrapiramidal
Metoclopramida EV
ou VO
10mg 8/8h
Agitação, efeito
extrapiramidal
Ondansetrona EV ou
VO
4mg
Cefaléia, diarréia e
febre
Diazepam EV, IM ou
VO
2–10mg
Sedação, depressão
respiratória
Antiemético
Benzodiazepínico/
Depressor vestibular
VO – via oral, EV – endovenoso, IM – intramuscular. **pós-crise por 7 a 10 dias.
9
Referências Bibliográficas
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