Influência de diuréticos no tratamento da injúria renal aguda

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ISSN 2176-9095
Science in Health
maio-ago 2014; 5(2): 96-101
INFLUÊNCIA DE DIURÉTICOS NO TRATAMENTO DA INJÚRIA RENAL AGUDA
OLIGÚRICA DE PACIENTES EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA: UMA REVISÃO DA
LITERATURA
INFLUENCE OF DIURETICS IN THE TREATMENT OF OLIGURIC ACUTE KIDNEY
INJURY IN PATIENTS OF INTENSIVE CARE UNIT: A REVIEW OF THE LITERATURE
Gisele Lins Antunes 1
Luciana Quirino Amaral¹
Marina Ragonezi Gallucci¹
Mayara Afonso Fernandes¹
Marcelo Augusto Fontenelle Ribeiro Jr 2
Rodrigo Ippolito Bouças 3
Eduardo Achar 4
RESU MO
A insuficiência renal aguda (IRA) é definida como queda rápida da taxa de filtração glomerular podendo ser acompanhada de
acúmulo de produtos nitrogenados e distúrbios hidroeletrolíticos com taxa de mortalidade próxima a 50%, chegando a 80%
em pacientes admitidos em unidade de terapia intensiva (UTI). A idade avançada, nível prévio de creatinina, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, insuficiência cardíaca congestiva, sepse e uso crônico de anti-inflamatórios são fatores
de risco na IRA. Marcadores para predição de IRA, como Neutrophil gelatinase associated lipocalin (NGAL); kidney injury
molecule 1, têm se tornado relevantes em pesquisas e na classificação de danos estruturais. No âmbito clínico o débito urinário e a creatinina sérica são os critérios usados para o diagnóstico precoce de IRA, sendo que os pacientes oligúricos, sem
alteração da creatinina sérica, estão associados à mortalidade aumentada, maior requerimento para a diálise e maior tempo
na UTI, comparados aos pacientes não oligúricos. Neste estudo avaliamos o papel do uso de diuréticos na IRA oligúrica.
Palavras-chave: Insuficiência Renal • Lesão Renal Aguda • Diuréticos • Isquemia • Oligúria.
ABST R ACT
Acute renal failure (ARF) is defined as a rapid decrease in glomerular filtration rate and may be accompanied by accumulation of nitrogen products and electrolyte imbalance with a mortality rate close to 50%, reaching 80% in patients admitted to
the intensive care unit (ICU). Advanced age, previous level of creatinine, diabetes mellitus, hypertension, congestive heart
failure, sepsis and chronic use of NSAIDs are risk factors in the IRA. Markers for predicting IRA, Neutrophil gelatinase as
Associated Lipocalin (NGAL), kidney injury molecule 1, have become relevant in research and classification of structural
damage. Within clinical urine output and serum creatinine are the criteria used for early diagnosis of ARF, and oliguric
patients, no change in serum creatinine are associated with increased mortality, greater requirement for dialysis and longer
ICU, compared to non-oliguric patients. This study evaluated the role of diuretics in oliguric ARF.
Key words: Renal Insufficiency • Acute Kidney Injury • Diuretics • Ischemia • Oliguria.
1 Acadêmicas de Medicina da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID).
2 Mestre e Doutor em Cirurgia pela UNIFESP-EPM; Professor Titular e Chefe do núcleo de Clínica Cirúrgica da Universidade Santo Amaro (UNISA); Coordenador do Curso de Medicina da
UNISA e Professor de Habilidades Cirúrgicas da UNICID.
3 Mestre e Doutor em Bioquímica pela UNIFESP-EPM; Professor Adjunto pela Universidade de Santo Amaro (UNISA); Professor pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID) e Professor
pela Universidade Bandeirante – Anhanguera (UNIBAN).
4 Mestre e Doutor em Nefrologia pela UNIFESP-EPM; Especialista em Docência pela Universidade Cidade de São Paulo; Professor Tutor e de Habilidades Cirúrgicas da UNICID.
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INTRODUÇÃO
acid-binding protein e α and π-glutatione S-Transferase.
A injúria renal aguda (IRA) é definida como
queda rápida da taxa de filtração glomerular podendo ser acompanhada de acúmulo de produtos
nitrogenados e distúrbios hidroeletrolíticos1, 2.
A IRA pode ser caracterizada em três tipos: pré-renal (40 a 80% dos pacientes); intrarrenal (10 a
50% dos pacientes); e a pós-renal (menos que 10%
dos pacientes), cujas principais etiologias são hipoperfusão renal, injúria parenquimatosa, obstrução
do trato urinário respectivamente1. Consideram-se
como fatores de risco para IRA a idade avançada,
o nível prévio de creatinina, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, doença coronariana,
insuficiência cardíaca congestiva, neoplasia, infecção por HIV, sepse e uso crônico de anti-inflamatórios2, 3.
No âmbito clínico, o débito urinário e a creatinina sérica são os critérios usados para o diagnóstico precoce de IRA, sendo que os pacientes
oligúricos, sem alteração da creatinina sérica, estão associados a mortalidade aumentada, a maior
requerimento para a diálise e maior tempo na UTI,
comparados aos pacientes não oligúricos4. Para a
estratificação da IRA tem-se utilizado os parâmetros RIFLE e AKIN.
Não é consenso na UTI os benefícios ou efeitos adversos decorrentes do uso de diuréticos no
manejo da IRA oligúrica. Dessa forma, o objetivo
deste trabalho foi avaliar o papel do uso de diuréticos na IRA oligúrica na mortalidade, tempo de
internação, requerimento de diálise e custos.
METODOLOGIA
Estudos mostram que a mortalidade geral na
IRA permanece próxima de 50%, chegando a 80%
nos pacientes admitidos em unidade de terapia intensiva (UTI)3. Essa divergência nos dados justifica-se em função da gravidade do paciente e do local
onde se encontra internado. Já em enfermarias,
houve variação de 33,3% (cirúrgicas) a 42,8% (clínicas), além de aumento da estadia hospitalar e do
custo desses pacientes2.
Foi realizada uma revisão crítica da literatura
utilizando os bancos de dados MEDLINE, LILACAS, SciELO, biblioteca Cochrane, sem qualquer
restrição de idioma e utilizando como palavras-chave: Acute renal failure, diuretics, Ischemia,
Oliguria.
É bem estabelecido que pequenas alterações
nos níveis de creatinina sérica estejam associadas a
efeitos adversos a curto e longo prazo. Consequentemente determinar quanto o aumento sérico da
creatinina representa um dano estrutural ou uma
alteração funcional reversível, torna-se urgente devido às estratégias terapêuticas serem diferentes.
Entretanto, a falta de critérios padrões para mudanças funcionais pré-renal sem dano estrutural no
rim gera uma decisão incerta. É particularmente
difícil distinguir a coexistência de um dano estrutural e uma condição pré-renal. Alguns marcadores para predição de IRA tem sido estudados para
esse fim, tais quais o Neutrophil gelatinase associated
lipocalin (NGAL), kidney injury molecule 1, liver fatty
Após análise dos artigos, evidenciamos que os
diuréticos são amplamente utilizados em UTI,
como o manitol e principalmente a furosemida. O
manitol pode preservar a função mitocondrial, enquanto os diuréticos de alça demonstram melhorar
a oxigenação medular. Tem sido argumentado que
altas doses de diuréticos de alça podem proteger os
rins com lesão isquêmica, induzindo ao aumento
do débito urinário e convertendo a IRA oligúrica
em não oligúrica. Entretanto, o uso dos diuréticos foi associado ao aumento de 68% nas mortes
hospitalares ou à não recuperação da função renal.
Há uma necessidade em predizer a IRA, porém há
uma limitação nos biomarcadores renais e novos
biomarcadores ainda devem ser estabelecidos.
RESULTADOS
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DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
para a mortalidade dos pacientes internados2. A ausência da diurese está associada a maior lesão renal
e consequentemente a uma evolução clínica menos
favorável. Em análise de 126 pacientes, que pertenciam à classificação de AKIN estágio I, observou-se
que aqueles com mais de três episódios de oligúria,
sendo esta considerada como uma diurese menor
que 0,5 mL/Kg/h, apresentaram uma mortalidade
significativamente maior do que os pacientes com
menos de três episódios, sendo as taxas de uma a
três horas, menor que 2% e maior que nove horas
de oligúria, maior que 10% de mortalidade 4. Com
relação à necessidade de diálise, um recente estudo
com pacientes internados na UTI demostrou que
a mortalidade é notoriamente menor em pacientes
que tiveram IRA quando comparados com aqueles
submetidos à diálise, 24 e 45% respectivamente11.
Alguns estudos referem que as doenças crônicas estão associadas a maiores riscos de desenvolvimento de IRA com consequente aumento da
mortalidade5. A mortalidade desses pacientes permaneceu elevada apesar dos avanços diagnósticos
e terapêuticos, corroborando com a ideia de que a
idade avançada e comorbidades favorecem os achados citados acima6, 7. Outros estudos sugerem que a
mortalidade decorrente da IRA não está associada
a doenças crônicas preexistentes, e sim a intercorrências clínicas durante a internação, como a necessidade de diálise, oligúria e falência de um ou mais
órgãos3, 8. Alguns autores referem a relação entre a
gravidade da sepse e a IRA, estando esta presente
em 19% dos pacientes com sepse moderada, 23%
com sepse grave e 51% com choque séptico9. Ao
desenvolver a sepse o paciente evolui para redução
no fluxo sanguíneo para diversos órgãos principalmente para os rins, existindo a possibilidade de desenvolver necrose tubular aguda, cuja recuperação
depende da melhora da doença sistêmica10.
Para estabelecer uma definição e uma classificação uniforme da IRA, a Acute Dialysis Quality
Iniciative (ADQI) desenvolveu, em 2002, o RIFLE
(Risco de disfunção, Injúria renal, Falência da função renal, Perda da função renal e Estágio final da
doença). O RIFLE define três graduações de gravidade de disfunção renal - Risco (classe R), Injúria
(classe I) e Falência (classe F) baseadas na mudança
da creatinina sérica e diurese - e duas classes de
evolução (Perda - classe L - e Estágio Final - classe
E). Em 2005 a classificação RIFLE foi reformulada pelo “Acute Kidney Injury Network” (AKIN),
com a proposta de precisar e antecipar a detecção
A oligúria é um evento frequente na UTI. Um
benefício da conversão da IRA oligúrica em não
oligúrica é a facilidade do manejo do paciente na
UTI, com menor sobrecarga de volume e desequilíbrio eletrolítico. Evidências sugerem que a IRA
não oligúrica apresenta melhor prognóstico que a
oligúrica, sendo esta o principal fator prognóstico
Tabela 1 – Sistema de classificação e estágios da IRA (AKIN)
ESTÁGIO
CREATININA SÉRICA
FLUXO URINÁRIO
1
Aumento da creatinina sérica ≥ 0,3 mg/dL ou aumento para ≥ 150% a 200% (1,5x a
2x) do valor basal.
< 0,5 ml/Kg/h em > 6h
2
Aumento da creatinina sérica para ≥ 200% a 300% (maior 2x a 3x) do valor basal
< 0,5 ml/Kg/h em > 12h
3*
Aumento da creatinina sérica para ≥ 300% (maior 3x) do valor basal, ou creatinina
sérica ≥ 4,0 mg/dL com aumento agudo de pelo menos 0,5 mg/dL
< 0,3 ml/Kg/h em 24h,
ou anúria por 12h
* Indivíduos que recebem terapia renal substitutiva são considerados em estágio 3, não importando o estágio em que eles se encontram no momento da terapia de reposição renal.
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pulação apresenta níveis do NGAL normais. Alguns
estudos revelam níveis de NGAL variados e amplos
com distribuição não paramétrica o que reduz sua
precisão12. Dessa forma, verifica-se a necessidade de estudos adicionais para sua eficácia. Níveis
urinários de NGAL > 104 mcg/L são classificados
como IRA intra-renal e NGAL < 47 mcg/L classificados como pré-renal. A inabilidade do NGAL de
prover uma classificação dos pacientes não classificáveis, nos quais isso deveria ter maior valor, enfatiza várias lacunas na pesquisa do NGAL11.
da lesão renal aguda. A classificação AKIN não é
um diagnóstico, mas um sistema de estratificação
da função renal que se utiliza do pior valor da creatinina sérica e do fluxo urinário. (Tabela 1).
Além de representar uma proposta interessante
de sistematização da IRA, ela pode ser considerada
um avanço em sua definição. Essa proposta assegura e amplia as chances de controle da síndrome,
mesmo antes da sua manifestação.
Acredita-se que débito urinário é um marcador
sensível e específico que permite um sinal de alerta
precoce para uma disfunção renal iminente. Embora o débito urinário seja incluso frequentemente como critério de diagnóstico e estadiamento da
IRA, poucos estudos avaliam a diminuição do débito urinário sem elevação da creatinina sérica correlacionando com seus desfechos. Aplicando ambos
os critérios, débito urinário e creatinina sérica,
pode-se identificar pacientes adicionais com IRA
mais do que se utilizássemos apenas um parâmetro. Pacientes oligúricos sem redução da creatinina
sérica, tiveram uma taxa de mortalidade na UTI
em torno de 8,8% significativamente maior que os
pacientes sem IRA, em torno de 1,3%, e pacientes
oligúricos com aumento sérico de creatinina em
torno de 10,4%, além de maior requerimento de
diálise e maior tempo na UTI. O débito urinário
assim é um marcador sensível e precoce para IRA
em UTI. A incidência aumentou de 24%, baseada
unicamente na creatinina sérica, para 52%, ao se
adicionar o débito urinário para critério diagnóstico. A maior barreira de aplicação para o critério de
débito urinário é que a acuração da mensuração do
débito deve ser feita hora a hora tornando-se difícil
obtê-lo. A mensuração demanda tempo e trabalho,
pois tem que se observar os parâmetros e marcar os
valores correspondentes hora a hora4
Os diuréticos são um dos medicamentos mais
comumente utilizados na UTI. Existem vários argumentos teóricos que suportam o uso de diuréticos como o manitol, e os de alça (furosemida) para
a prevenção ou tratamento da IRA13. Os diuréticos
de alça melhoram a oxigenação medular provavelmente por agirem seletivamente diminuindo o uso
de oxigênio nesta porção do túbulo, bloqueando o
transporte ativo. A diminuição de consumo energético pode proteger a célula renal em condições
isquêmicas e outros insultos tóxicos1. Além disso,
os diuréticos de alça agem como vasodilatadores
renais, melhorando a perfusão renal. Já o manitol
é um expansor de volume intravascular podendo
também funcionar como um captador de radicais
livres, bem como um diurético osmótico, preservando a função mitocondrial. Uma preocupação
com significância clínica desconhecida do manitol
é a redução do pO2 na medula renal13, 14. A diurese
osmótica induzida pelo manitol pode aumentar a
demanda de oxigênio tubular em um grau prejudicial, independentemente do efeito potencial de
proteção da droga1.
Tem sido argumentado que altas doses de diuréticos de alça podem proteger os rins com lesão
isquêmica, induzindo ao aumento do débito urinário e convertendo a IRA oligúrica em não oligúrica, entretanto esses estudos não possuem poderes
estatísticos suficientes15. O uso dos diuréticos foi
associado ao aumento de 68% nas mortes hospi-
O NGAL está sendo estudado para ser um marcador de lesão renal a fim de discriminar o estado
pré-renal da injúria renal aguda intra-renal. Uma
limitação do NGAL é que a grande maioria da po-
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talares ou à não recuperação da função renal13, 15.
Essa taxa foi observada principalmente em pacientes que eram relativamente indiferentes aos diuréticos. Dessa forma, o uso de diuréticos pode ser
perigoso para os pacientes criticamente enfermos
com IRA. Os diuréticos podem ser nocivos por induzir um estado pré-renal. Isso é particularmente
importante em pacientes com edema e/ou hipoalbuminemia, que podem ter volume intravascular
diminuído, coexistindo com a sobrecarga do volume total corpóreo.
agravamento hipovolêmico; além desta não reduzir a necessidade de diálise, pode potencializar a
obstrução tubular1, 2, 13, 17. As principais manifestações de ototoxicidade eram referidas como surdez
temporária e zumbido. A maioria desses sintomas
cessa com a interrupção do tratamento; entretanto,
nos casos dos pacientes sedados e ventilados com
IRA em UTI, o quadro é mais delicado, pois como
eles não são capazes de relatar os sintomas, estes se
tornam potencialmente perigosos e o quadro pode
tornar-se irreversível. Os diuréticos de alça podem
promover a agregação de proteínas no lúmen dos
túbulos, o provável mecanismo para o desenvolvimento de obstrução intratubular.
Em estudo clínico randomizado, 121 pacientes
receberam dose baixa de furosemida, 1mg/h EV ou
placebo, começaram o uso do medicamento imediatamente após cirurgia toracoabdominal ou vascular, e continuaram durante o tempo de estadia
na UTI. Após esse estudo, não foi encontrada nenhuma diferença no clearence de creatinina entre o
grupo furosemida e o grupo placebo. Assim, esse
estudo demonstra insuficiência para recomendar o
uso do diurético de alça para proteção renal no período peri-operatório16.
Apesar de evidências sugerirem que a IRA não
oligúrica apresenta melhor prognóstico que a oligúrica, sendo esta o principal fator associado a
mortalidade, não existe fundamento para o uso de
diuréticos na IRA oligúrica com o objetivo de redução de mortalidade e tempo de internação. Além
disso, a associação do uso de diuréticos e aumento
das taxas de mortalidade e outros eventos adversos
não justificam uma ampla utilização desses fármacos na IRA oligúrica, visto que seus benefícios não
são potenciais.
As desvantagens encontradas em relação ao uso
da furosemida foram a ototoxicidade e o risco de
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