A burocracia amarra o crescimento A cidade de São Paulo tem um dos piores ambientes de negócios num quadro nacional desolador (Carlos Rydlewski) A primeira edição da pesquisa Fazendo Negócios, do Banco Mundial, um levantamento exaustivo sobre o ambiente empresarial em 133 países, situou o Brasil entre os mais burocráticos do planeta. A segunda versão do estudo, com 145 países, que está para ser publicada, confirma esse quadro devastador com novos detalhes e revela a extensão do problema em dez grandes capitais brasileiras. Na cidade de São Paulo, a maior e mais dinâmica do país, o tempo gasto para abrir uma empresa chega a inacreditáveis 152 dias. Como a média paulistana foi usada para representar o Brasil na pesquisa, o país ficou à frente apenas de Haiti, Laos, República Democrática do Congo e Moçambique em termos de agilidade. No caso de São Paulo, o que mais demora é justamente a obtenção do alvará de funcionamento do negócio, o que está no âmbito da prefeitura. Na Austrália, por exemplo, a abertura de uma empresa leva dois dias. Em Salvador, a capital mais bem colocada no ranking brasileiro da pesquisa, são necessários mais de trinta dias. A burocracia funciona como uma corrente que impede a economia de decolar. Mesmo com os custos do emaranhado de certidões, com a Justiça lenta e leis trabalhistas antiquadas, o fato de as empresas brasileiras seguirem adiante não deixa de causar espanto. Em certa medida, a resistência do espírito empreendedor brasileiro a exigências absurdas do Estado lembra o vôo do besouro, que, apesar da aerodinâmica e do peso, consegue sair do chão. Se o Brasil chegasse perto do nível de burocracia do Chile, o Banco Mundial estima que o país poderia ter um crescimento extra de 2,2 pontos porcentuais. Isso apenas adotando medidas como a agilização de processos de abertura de empresas e de disputas judiciais e a flexibilização das leis trabalhistas. Traduzida em cifras, essa mudança representaria um ganho superior a 10 bilhões de dólares. Lia Lumbabo Heudes Regis Simeon Djankov, do Banco Mundial, em fórum promovido pela revista Exame e um dos postos de atendimento doPoupatempo em São Paulo. Os resultados do Brasil na pesquisa são vexaminosos. O país ocupa o 138º posto no ranking que mede a dificuldade em reaver uma dívida em caso de falência de uma empresa. Aqui, recupera-se somente 0,2% do valor devido. Na Finlândia, consegue-se de volta 90% do capital investido em uma empresa que veio a falir. Nesse tópico, o Brasil rivaliza com Madagáscar, República Centro-Africana, Ruanda e Butão, de novo, uma vizinhança pouco dignificante. No quesito custo para demitir um funcionário, o país tem vantagem apenas sobre Serra Leoa, Laos e Guatemala, que estão longe de representar economias com as práticas mais modernas de gestão. As firmas brasileiras chegam a gastar o equivalente a 165 semanas de salário em indenização para o trabalhador. Na Nova Zelândia, o custo é zero. E não pára aí. O mesmo país que exporta aviões, automóveis e tem uma das economias mais complexas do mundo está ao lado das nações mais atrasadas no ranking da burocracia. Nos últimos meses, o governo federal vem ensaiando um combate aos focos mais agudos desse problemão. Em maio, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, encomendou um estudo a Antoninho Trevisan, dono de uma das maiores consultorias do Brasil, sobre como fortalecer as micros e pequenas empresas. O diagnóstico foi apresentado em julho e destacou entre outras coisas a necessidade de simplificar a burocracia, a carga tributária e flexibilizar a legislação trabalhista. Uma das propostas em estudo no governo é a que centraliza em um mesmo local todos os órgãos que precisam ser visitados para abrir uma empresa. A idéia é usar o modelo do Poupatempo, criado em outubro de 1997 em São Paulo. Diversos órgãos públicos municipais, estaduais e federais foram colocados lado a lado para facilitar a vida de quem precisa de documentos. O prazo para a retirada de uma nova carteira de identidade, por exemplo, já foi de dois meses. Com o Poupatempo, o cidadão obtém o documento no mesmo dia. Em todo o Estado de São Paulo, já são nove postos de atendimento. "Se o empreendedor no Brasil conseguisse abrir uma empresa em 27 dias, como no Chile, o impacto positivo no PIB seria de quase meio ponto porcentual", diz Simeon Djankov, o responsável pelo estudo do Banco Mundial, que participou do fórum "Desburocratizar para crescer", promovido pela revista Exame, em São Paulo, na semana passada. Diante das dificuldades de começar um negócio, pagar todas as taxas e contribuições e registrar os funcionários, o custo de se manter na ilegalidade é atraente. Para a empresa, um trabalhador que ganha 1.000 reais custa 2.030. Essa regra vale independentemente do tamanho do empregador. Empresas médias e grandes conseguem obedecer à lei. Muitas micros e pequenas acabam seguindo outro caminho. Por isso, de cada dez trabalhadores, seis são informais. Ao todo, são cerca de 50 milhões de pessoas sem carteira assinada. E, pior, o número não pára de aumentar. Na década de 60, o porcentual era de apenas 35%. "A burocracia é uma variável perturbadora e assustadora para os empresários", diz Luiz Nelson Porto Araujo, sócio-diretor da Trevisan Auditores e Consultores. Um recente estudo da consultoria McKinsey mostra, de outro ângulo, o poder desestruturador da burocracia: o incentivo à informalidade. O trabalho revela que a participação da economia informal já responde por 39,8% do PIB brasileiro. Essa é a média de países de baixa renda, muito mais atrasados economicamente que o Brasil. Pelos cálculos da McKinsey, a redução de 20% na informalidade seria capaz de elevar a taxa de crescimento de toda a economia em pelo menos 1,5 ponto porcentual. O México é um bom exemplo das limitações impostas pela economia informal. O país assinou acordos de livrecomércio, aumentou o fluxo das exportações e importações, tem uma taxa de risco-país que é menos da metade da brasileira e uma taxa de juros real inferior a 6%. Ainda assim, o nível de investimento na economia é baixo. Os empresários que atuam na economia informal, cerca de 30% do PIB, não têm acesso ao crédito. Como não têm registro nem garantia, ficam impedidos de contrair empréstimos. O resultado é uma economia que anda com o freio de mão puxado. Um recente estudo da consultoria McKinsey mostra, de outro ângulo, o poder desestruturador da burocracia: o incentivo à informalidade. O trabalho revela que a participação da economia informal já responde por 39,8% do PIB brasileiro. Essa é a média de países de baixa renda, muito mais atrasados economicamente que o Brasil. Pelos cálculos da McKinsey, a redução de 20% na informalidade seria capaz de elevar a taxa de crescimento de toda a economia em pelo menos 1,5 ponto porcentual. O México é um bom exemplo das limitações impostas pela economia informal. O país assinou acordos de livre-comércio, aumentou o fluxo das exportações e importações, tem uma taxa de risco-país que é menos da metade da brasileira e uma taxa de juros real inferior a 6%. Ainda assim, o nível de investimento na economia é baixo. Os empresários que atuam na economia informal, cerca de 30% do PIB, não têm acesso ao crédito. Como não têm registro nem garantia, ficam impedidos de contrair empréstimos. O resultado é uma economia que anda com o freio de mão puxado. Paulo Liebert/AE TRT em São Paulo: Justiça investiu mais nos prédios do que na gestão No Brasil, a situação é ainda mais preocupante. O tempo para fazer valer um contrato na Justiça chega a 566 dias. Mesmo na América Latina, tal desempenho só é pior na Bolívia, na Guatemala e no Uruguai. Além de lento, o Judiciário sofre do ativismo dos juízes. Muitos julgam a partir de critérios sociais, contrariando os termos dos contratos. As raízes da burocracia no Brasil são históricas. Durante o governo de João Figueiredo (1979-1985), o país teve até um ministro da Desburocratização. Hélio Beltrão, já morto, sabia o que estava enfrentando quando disse: "A verdade é que o Brasil já nasceu rigorosamente centralizado e regulamentado. Desde o primeiro instante, tudo aqui aconteceu de cima para baixo e de trás para diante". Um dos problemas é que as boas práticas surgem isoladamente – e morrem antes de dar frutos. Historicamente, o Judiciário mostrou mais preocupação com a construção de prédios e infra-estrutura do que com o combate à burocracia. Nos poucos casos em que essa lógica foi invertida, houve avanços. Em Minas Gerais, criaram-se em 2002 centrais de conciliação, cujas sessões prévias são conduzidas por estudantes de direito. Conforme a natureza da causa, entram em cena psicólogos e assistentes sociais. O resultado é que, em um ano, foram realizadas 16.991 dessas audiências, com acordo em 64% dos casos. Antes das centrais, o acervo de processos crescia à taxa anual de 21% nas prateleiras. Com a experiência, o ritmo caiu para 0,8%. "Há disposição para essas mudanças no Judiciário, mas faltam coordenação e planejamento para tornar mais abrangente esse tipo de iniciativa", diz Sérgio Renault, secretário de Reforma do Judiciário no Ministério da Justiça. O trabalho do Banco Mundial, que fez a conta completa das perdas provocadas pela burocracia, também reserva alguns elogios ao Brasil. As estruturas que oferecem informações para a concessão de crédito, como a Serasa, que tem o maior banco de dados de devedores do país, são consideradas um avanço. O índice de transparência em informações sobre empresas que estão na Bolsa de Valores também é visto como satisfatório, sendo o melhor da América Latina e um dos mais eficientes entre os países emergentes. Iniciativas como a nova Lei de Falências também foram elogiadas. Essas ações são ainda tímidas, mas mostram o caminho correto a ser seguido. Fonte: VEJA - Edição 1869 . 1° de setembro de 2004, Economia e Negócios, p.110 a 113.