VEJA nº 35, ano 37, edição 1869, p. 110/112

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A burocracia amarra o crescimento
A cidade de São Paulo tem um dos piores ambientes de
negócios num quadro nacional desolador
(Carlos Rydlewski)
A primeira edição da pesquisa Fazendo Negócios, do Banco Mundial, um levantamento
exaustivo sobre o ambiente empresarial em 133 países, situou o Brasil entre os mais
burocráticos do planeta. A segunda versão do estudo, com 145 países, que está para ser
publicada, confirma esse quadro devastador com novos detalhes e revela a extensão do
problema em dez grandes capitais brasileiras.
Na cidade de São Paulo, a maior e mais dinâmica do país, o tempo gasto para abrir uma
empresa chega a inacreditáveis 152 dias. Como a média paulistana foi usada para
representar o Brasil na pesquisa, o país ficou à frente apenas de Haiti, Laos, República
Democrática do Congo e Moçambique em termos de agilidade. No caso de São Paulo, o
que mais demora é justamente a obtenção do alvará de funcionamento do negócio, o que
está no âmbito da prefeitura. Na Austrália, por exemplo, a abertura de uma empresa leva
dois dias. Em Salvador, a capital mais bem colocada no ranking brasileiro da pesquisa, são
necessários mais de trinta dias.
A burocracia funciona como uma corrente que impede a economia de decolar. Mesmo com
os custos do emaranhado de certidões, com a Justiça lenta e leis trabalhistas antiquadas,
o fato de as empresas brasileiras seguirem adiante não deixa de causar espanto. Em certa
medida, a resistência do espírito empreendedor brasileiro a exigências absurdas do Estado
lembra o vôo do besouro, que, apesar da aerodinâmica e do peso, consegue sair do chão.
Se o Brasil chegasse perto do nível de burocracia do Chile, o Banco Mundial estima que o
país poderia ter um crescimento extra de 2,2 pontos porcentuais. Isso apenas adotando
medidas como a agilização de processos de abertura de empresas e de disputas judiciais
e a flexibilização das leis trabalhistas. Traduzida em cifras, essa mudança representaria um
ganho superior a 10 bilhões de dólares.
Lia Lumbabo
Heudes Regis
Simeon Djankov, do Banco Mundial, em fórum promovido pela revista
Exame e um dos postos de atendimento doPoupatempo em São Paulo.
Os resultados do Brasil na pesquisa são vexaminosos. O país ocupa o 138º posto no
ranking que mede a dificuldade em reaver uma dívida em caso de falência de uma
empresa. Aqui, recupera-se somente 0,2% do valor devido. Na Finlândia, consegue-se de
volta 90% do capital investido em uma empresa que veio a falir. Nesse tópico, o Brasil
rivaliza com Madagáscar, República Centro-Africana, Ruanda e Butão, de novo, uma
vizinhança pouco dignificante. No quesito custo para demitir um funcionário, o país tem
vantagem apenas sobre Serra Leoa, Laos e Guatemala, que estão longe de representar
economias com as práticas mais modernas de gestão. As firmas brasileiras chegam a
gastar o equivalente a 165 semanas de salário em indenização para o trabalhador. Na
Nova Zelândia, o custo é zero. E não pára aí. O mesmo país que exporta aviões,
automóveis e tem uma das economias mais complexas do mundo está ao lado das nações
mais atrasadas no ranking da burocracia.
Nos últimos meses, o governo federal vem ensaiando um combate aos focos mais agudos
desse problemão. Em maio, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, encomendou um
estudo a Antoninho Trevisan, dono de uma das maiores consultorias do Brasil, sobre como
fortalecer as micros e pequenas empresas. O diagnóstico foi apresentado em julho e
destacou entre outras coisas a necessidade de simplificar a burocracia, a carga tributária e
flexibilizar a legislação trabalhista. Uma das propostas em estudo no governo é a que
centraliza em um mesmo local todos os órgãos que precisam ser visitados para abrir uma
empresa. A idéia é usar o modelo do Poupatempo, criado em outubro de 1997 em São
Paulo. Diversos órgãos públicos municipais, estaduais e federais foram colocados lado a
lado para facilitar a vida de quem precisa de documentos. O prazo para a retirada de uma
nova carteira de identidade, por exemplo, já foi de dois meses. Com o Poupatempo, o
cidadão obtém o documento no mesmo dia. Em todo o Estado de São Paulo, já são nove
postos de atendimento. "Se o empreendedor no Brasil conseguisse abrir uma empresa em
27 dias, como no Chile, o impacto positivo no PIB seria de quase meio ponto porcentual",
diz Simeon Djankov, o responsável pelo estudo do Banco Mundial, que participou do fórum
"Desburocratizar para crescer", promovido pela revista Exame, em São Paulo, na semana
passada.
Diante das dificuldades de começar um negócio, pagar todas as taxas e contribuições e
registrar os funcionários, o custo de se manter na ilegalidade é atraente. Para a empresa,
um trabalhador que ganha 1.000 reais custa 2.030. Essa regra vale independentemente do
tamanho do empregador. Empresas médias e grandes conseguem obedecer à lei. Muitas
micros e pequenas acabam seguindo outro caminho. Por isso, de cada dez trabalhadores,
seis são informais. Ao todo, são cerca de 50 milhões de pessoas sem carteira assinada. E,
pior, o número não pára de aumentar. Na década de 60, o porcentual era de apenas 35%.
"A burocracia é uma variável perturbadora e assustadora para os empresários", diz Luiz
Nelson Porto Araujo, sócio-diretor da Trevisan Auditores e Consultores.
Um recente estudo da consultoria McKinsey mostra, de
outro ângulo, o poder desestruturador da burocracia: o
incentivo à informalidade. O trabalho revela que a
participação da economia informal já responde por 39,8%
do PIB brasileiro. Essa é a média de países de baixa
renda, muito mais atrasados economicamente que o
Brasil. Pelos cálculos da McKinsey, a redução de 20% na
informalidade seria capaz de elevar a taxa de crescimento
de toda a economia em pelo menos 1,5 ponto porcentual.
O México é um bom exemplo das limitações impostas
pela economia informal. O país assinou acordos de livrecomércio, aumentou o fluxo das exportações e
importações, tem uma taxa de risco-país que é menos da
metade da brasileira e uma taxa de juros real inferior a
6%. Ainda assim, o nível de investimento na economia é
baixo. Os empresários que atuam na economia informal,
cerca de 30% do PIB, não têm acesso ao crédito. Como
não têm registro nem garantia, ficam impedidos de
contrair empréstimos. O resultado é uma economia que
anda com o freio de mão puxado.
Um recente estudo da consultoria McKinsey mostra, de outro ângulo, o poder
desestruturador da burocracia: o incentivo à informalidade. O trabalho revela que a
participação da economia informal já responde por 39,8% do PIB brasileiro. Essa é a
média de países de baixa renda, muito mais atrasados economicamente que o Brasil.
Pelos cálculos da McKinsey, a redução de 20% na informalidade seria capaz de elevar a
taxa de crescimento de toda a economia em pelo menos 1,5 ponto porcentual. O México é
um bom exemplo das limitações impostas pela economia informal. O país assinou acordos
de livre-comércio, aumentou o fluxo das exportações e importações, tem uma taxa de
risco-país que é menos da metade da brasileira e uma taxa de juros real inferior a 6%.
Ainda assim, o nível de investimento na economia é baixo. Os empresários que atuam na
economia informal, cerca de 30% do PIB, não têm acesso ao crédito. Como não têm
registro nem garantia, ficam impedidos de contrair empréstimos. O resultado é uma
economia que anda com o freio de mão puxado.
Paulo Liebert/AE
TRT em São Paulo: Justiça investiu
mais nos prédios do que na gestão
No Brasil, a situação é ainda mais preocupante. O tempo para fazer valer um contrato na
Justiça chega a 566 dias. Mesmo na América Latina, tal desempenho só é pior na Bolívia,
na Guatemala e no Uruguai. Além de lento, o Judiciário sofre do ativismo dos juízes.
Muitos julgam a partir de critérios sociais, contrariando os termos dos contratos. As raízes
da burocracia no Brasil são históricas. Durante o governo de João Figueiredo (1979-1985),
o país teve até um ministro da Desburocratização. Hélio Beltrão, já morto, sabia o que
estava enfrentando quando disse: "A verdade é que o Brasil já nasceu rigorosamente
centralizado e regulamentado. Desde o primeiro instante, tudo aqui aconteceu de cima
para baixo e de trás para diante".
Um dos problemas é que as boas práticas surgem isoladamente – e morrem antes de dar
frutos. Historicamente, o Judiciário mostrou mais preocupação com a construção de
prédios e infra-estrutura do que com o combate à burocracia. Nos poucos casos em que
essa lógica foi invertida, houve avanços. Em Minas Gerais, criaram-se em 2002 centrais de
conciliação, cujas sessões prévias são conduzidas por estudantes de direito. Conforme a
natureza da causa, entram em cena psicólogos e assistentes sociais. O resultado é que,
em um ano, foram realizadas 16.991 dessas audiências, com acordo em 64% dos casos.
Antes das centrais, o acervo de processos crescia à taxa anual de 21% nas prateleiras.
Com a experiência, o ritmo caiu para 0,8%. "Há disposição para essas mudanças no
Judiciário, mas faltam coordenação e planejamento para tornar mais abrangente esse tipo
de iniciativa", diz Sérgio Renault, secretário de Reforma do Judiciário no Ministério da
Justiça.
O trabalho do Banco Mundial, que fez a conta completa das perdas provocadas pela
burocracia, também reserva alguns elogios ao Brasil. As estruturas que oferecem
informações para a concessão de crédito, como a Serasa, que tem o maior banco de
dados de devedores do país, são consideradas um avanço. O índice de transparência em
informações sobre empresas que estão na Bolsa de Valores também é visto como
satisfatório, sendo o melhor da América Latina e um dos mais eficientes entre os países
emergentes. Iniciativas como a nova Lei de Falências também foram elogiadas. Essas
ações são ainda tímidas, mas mostram o caminho correto a ser seguido.
Fonte: VEJA - Edição 1869 . 1° de setembro de 2004, Economia e Negócios, p.110 a 113.
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