Arcabouço econômico da lei das micro e pequenas

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Arcabouço econômico da lei das
micro e pequenas empresas
Gilmar Mendes Lourenço*
Contrariando o comportamento conservador
prevalecente no passado recente, a Câmara dos
Deputados aprovou, no dia 5 de setembro de 2006,
depois de dois anos de tramitação, o projeto de Lei Geral
da Micro e Pequena Empresa (LGMPE) ou, mais
precisamente, um grupo de providências voltadas à
diminuição de aproximadamente R$ 5,3 bilhões/ano do
fardo tributário e de fração da burocracia, a partir da
vigência do preceito legal, carregados por um segmento
econômico que abarca mais de cinco milhões de
unidades de negócios e responde por cerca de 20,0%
do Produto Interno Bruto (PIB) e por quase 41,0% dos
postos de trabalho formais do País.
A nova Lei propõe o alargamento do Simples,
que, antes, possibilitava às firmas de pequena e média
dimensão a troca do recolhimento de seis tributos
federais pelo pagamento de uma única obrigação. Os
itens federais substituídos foram: o imposto de renda
(IR), a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL),
a contribuição para o financiamento da seguridade
social (Cofins), os programas de integração social e de
amparo aos servidores públicos (PIS/Pasep), o imposto
sobre produtos industrializados (IPI) e a parcela da
contribuição da previdência relativa ao empregador.
No escopo da proposta atual, o super-simples
passaria a abranger também o imposto sobre circulação
de mercadorias e serviços (ICMS), de competência dos
estados, o imposto sobre serviços, cobrado pelas
prefeituras, e as obrigações para organismos privados de
formação profissional e de serviço social, especificamente
o sistema S, que conta com o Sesc e o Senac no Comércio,
o Sesi e o Senai na indústria, o Senat nos transportes, o
Senar na Agricultura, o Sebrae nas micro e pequenas
empresas, e o Sescoop nas cooperativas. Ademais, a Lei
facilitaria o acesso ao benefício às empresas do setor de
serviços e a participação das organizações de menor porte
nas licitações de aquisições por parte do setor público.
Sem dúvida, o projeto traduz enorme incentivo à
intensificação da formalização e à regularização das
atividades produtivas desse bloco empresarial e, por
extensão, à redução dos respectivos custos contábeis,
normalmente acima da média da economia como
proporção do faturamento para as médias e micro
organizações.
Não seria surpreendente o alcance de receitas
tributárias em montantes monetários superiores aos
registrados pela renúncia fiscal incorrida, por conta da
ampliação da concorrência, em razão da derrubada dos
obstáculos ao ingresso de novas empresas nos
diferentes segmentos de mercado alvos do projeto.
O Banco Mundial estima que a informalidade
seria responsável por cerca de 40,0% do PIB no Brasil,
prejudicando investimentos e restringindo o acesso aos
capitais de terceiros pelos empreendimentos menores.
Lembre-se aqui que a informalidade traduz uma
distorção no funcionamento dos sistemas capitalistas,
ocasionada pela combinação entre reduzidos níveis de
crescimento da economia e excessiva tributação e
regulamentação das atividades produtivas, sobretudo
do mercado de trabalho.
O Brasil representa uma espécie de
radicalização desse processo, em razão da persistência
de taxas de expansão do PIB de cerca de 2,0% ao ano
durante os últimos vinte e cinco anos, da vigência de
uma legislação trabalhista dos tempos da ditadura do
Estado Novo, instituída nos anos 1940, e da maior carga
tributária do planeta, particularmente quando
confrontada a dimensão da economia do País com a
das demais nações desenvolvidas e emergentes.
A carga tributária representa quase 40,0% do PIB
no Brasil, enquanto a capacidade de suporte social seria
de 24,0%, de acordo com estimativas realizadas por
organismos internacionais, corroboradas por instituições
nacionais, como a Confederação Nacional da Indústria
(CNI), baseadas em comparações com países que têm
renda per capita semelhante, o que provoca
pronunciados níveis de sonegação e evasão fiscal.
Essencialmente, o furor tributário atende à
necessidade de cobertura do superávit fiscal primário
do País, que subiu de 0,3% para 4,8% do PIB entre
1995 e 2005, como parte de uma estratégia de
convencimento dos credores do governo acerca do
desejo e da capacidade de pagamento da dívida líquida
do setor público, que passou de 31,0% para 52,0% do
PIB em idêntico intervalo.
Esse conjunto de constrangimentos forçou os
agentes econômicos a se refugiarem no que se
convencionou chamar de informalidade, ou economia não
registrada ou mesmo subterrânea. Só no mercado de
* Economista, Coordenador do Núcleo de Análise de
Conjuntura do IPARDES, Coordenador do Curso de Ciências
Econômicas da UniFAE – Centro Universitário – FAE Business
School, Mestre em Gestão de Negócios pela Universidade
Federal de Santa Catarina, autor dos livros A economia
paranaense nos anos 90: um modelo de interpretação; A
economia paranaense em tempos de globalização e Economia
brasileira: da construção da indústria à inserção na globalização.
ANÁLISE CONJUNTURAL, v.28, n.09-10, p.9, set./out. 2006
trabalho brasileiro o segmento informal representa cerca
de 47,0% do contingente ocupado, ou mais de 40 milhões
de pessoas, se forem incluídos os trabalhadores por conta
própria, os sem remuneração e os sem carteira assinada.
A patologia conhecida como informalidade
acarreta dois tipos de prejuízo. Em primeiro lugar, emerge
o sacrifício de parcela da geração de renda, em razão de
abranger atividades com menor produtividade, por conta
da falta de proteção institucional. Em segundo lugar, surge
o desequilíbrio nas contas públicas, determinado por
crescentes fluxos de demandantes de serviços sem a
contrapartida de contribuição financeira. Adicione-se a
isso o fato de as empresas, independentemente de seus
portes, perseguirem a sobrevivência no mercado por
meio da adesão integral ou parcial a esse segmento
tido como marginal.
O Brasil situa-se invariavelmente no
“pelotão de baixo” nas avaliações
internacionais de competitividade
Nessas circunstâncias, em se tratando de colocação
em avaliações internacionais de competitividade
(requisitos estruturais para o investimento e aprimoramento
do capital humano), o Brasil situa-se invariavelmente no
“pelotão de baixo”, inclusive atrás de algumas nações
latino-americanas, independentemente dos procedimentos de investigação adotados, da relação de países
pesquisados e mesmo dos organismos encarregados
dos levantamentos (internacionais, nacionais, públicos
ou privados).
Pesquisa recente feita pelo Banco Mundial
revelou que o Brasil estaria ocupando o 121º lugar em
um ranking de 175 países, conforme a variável “qualidade
do ambiente de negócios”, liderado por Cingapura, Nova
Zelândia, Estados Unidos, Canadá, Hong Kong, Reino
Unido, Dinamarca, Austrália, Noruega e Irlanda. Na
América do Sul, o Brasil ficaria atrás do Chile (28º), Uruguai
(64º), Argentina (101º) e Paraguai (112º).
As apurações e análises do Banco incorporam as
dificuldades e facilidades observadas pelos empresários
para a abertura e o encerramento de firmas, o registro e
transferência de patrimônio, o acesso ao crédito, a
burocracia, a excessiva rigidez nas regras e o corporativismo
trabalhista, e o cumprimento das regras contratuais em
diferentes nações.
Inquérito da Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp) colocou o Brasil em 38º lugar em
Índice de Competitividade em um universo de 43
economias estudadas. Na dianteira estariam Estados
Unidos, Japão, Noruega e Cingapura, sendo que o Brasil
ainda perderia para outros latinos, como Argentina,
Chile, Venezuela e México, e estaria à frente apenas de
Filipinas, Colômbia, Turquia e Indonésia.
Em linha semelhante, no conceito de competitividade praticado pelo International Institute for
Management Development (IMD), organismo de pesquisa
europeu, o Brasil figuraria no 51º lugar em uma relação de
60 países. Já na caracterização de competitividade do
Fórum Econômico Mundial, sediado em Davos, na Suíça,
o Brasil teria caído da 57ª para a 66ª posição em uma lista
de 125 nações pesquisadas em 2005 e 2006, com
ANÁLISE CONJUNTURAL, v.28, n.09-10, p.10, set./out. 2006
liderança da Suíça, Finlândia, Suécia, Dinamarca,
Cingapura e Estados Unidos.
Segundo o inquérito do Fórum, efetuado junto a
11 mil líderes corporativos (cerca de 200 atuantes no
Brasil), os maiores obstáculos à concretização de
negócios no País seriam complexidade tributária, nível
de impostos, legislação trabalhista restritiva, burocracia
e ineficiência do governo, precariedade infra-estrutural
e dificuldades de acesso a financiamentos. A melhor
performance do Brasil ocorreu no item sofisticação de
negócios e inovação (47º posto), e a pior foi constatada
em clima macroeconômico (114ª colocação).
Esses diferentes indicadores expressam que a
conjugação entre as excessivas cargas de juros, de
tributos, de burocracia, de controle estatal, de
informalidade, de precariedade na gestão pública, de
desobediência de regras contratuais e de deterioração
do aparato infra-estrutural vem travando a modernização
e a impulsão da competitividade da economia do País, a
despeito dos reconhecidos progressos experimentados
nos quesitos inflação, abertura comercial, reestruturação
industrial, geração de superávits comerciais primários e
plena autonomia operacional do Banco Central.
Aliás, segundo cálculos da CNI, o Brasil seria
uma das nações com maior grau de abertura externa
em um grupo de nove emergentes, quando observadas
as tarifas médias de importação cobradas. O País pratica
uma alíquota média do imposto de importação de
10,7%, contra padrão mundial de 15,1% (tabela 1).
TABELA 1 - ALÍQUOTA MÉDIA DO IMPOSTO DE
IMPORTAÇÃO (II) - PAÍSES EMERGENTES
SELECIONADOS
PÁISES
Índia
Vietnã
Tailândia
México
Coréia
Venezuela
Brasil
China
Rússia
Média
ALÍQUOTA DO IMPOSTO
DE IMPORTAÇÃO (%)
29,9
18,5
16,2
16,0
12,4
12,0
10,7
10,4
9,9
15,1
FONTE: CNI
Nesse contexto, a iniciativa da Lei do supersimples constitui um passo inicial na direção da
desoneração do aparelho econômico do País, ainda
carente da unificação das alíquotas do ICMS, do
ressarcimento adequado dos estados pelos prejuízos
derivados da Lei Kandir desde o final de 1996, da
progressividade do sistema de impostos, da falta de
isonomia tributária entre os diferentes atores
econômicos, dentre outros déficits.
Pontualmente, é fácil perceber, no projeto da
LGMPE, a falta de definição de um tratamento trabalhista
especial e de critérios para a facilitação da concessão
de crédito, pois o fato de as empresas continuarem
desobrigadas a publicar balanços as alijará do balcão
de financiamentos para capital de giro e investimentos
e as condenará à sobrevivência e expansão à base de
geração de recursos próprios.
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