Risco de Fibrose Sistêmica Nefrogênica com o Uso de Contraste à

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Atualização
Risco de Fibrose Sistêmica Nefrogênica com o Uso de Contraste à Base
de Gadolínio em Doença Renal Crônica
Risk of Nephrogenic Systemic Fibrosis with the Use of Gadolinium
Containing Contrast Media on Chronic Kidney Disease
Marco Antonio Hegedus Karam
Instituto de Nefrologia de Campinas
RESUMO
A ressonância magnética com contrastes à base de quelatos de gadolíneo tem sido empregada como uma alternativa em pacientes alérgicos a contrastes
iodados. Apesar de esses compostos serem isentos de efeitos tóxicos em pacientes com função renal normal, desde 1997, tem sido relatado o
desenvolvimento de um quadro clínico denominado Fibrose Sistêmica Nefrogênica (FSN) em pacientes com ritmo de filtração glomerular menor que
30mL/min/1,73m2, especialmente naqueles submetidos a diálise. A FSN é uma doença fibrogênica sistêmica, progressiva e fatal que pode acometer vários
órgãos. Mais de 215 casos já foram relatados no mundo até o presente. Atualmente, não se dispõe de tratamento específico, mas o transplante renal
parece retardar sua evolução. Esta revisão reúne informações disponíveis na literatura sobre a FSN, dando ênfase à sua etiologia, evolução e prognóstico.
Descritores: Quelatos de Gadolínio. Fibrose Sistêmica Nefrogênica. Diálise.
ABSTRACT
Magnetic resonance imaging with gadolinium containing contrast media has been used as an alternative in patients allergic to iodinated contrast compounds.
Although devoid of toxic effects on patients with normal renal function, since 1997, a clinical condition called nephrogenic systemic fibrosis (NSF) has been
reported in patients with glomerular filtration rates lower than 30 ml/min/1,73m2, particularly in those on dialysis. NSF is a systemic fibrogenic illness. It is
progressive and fatal and can affect several organs. More than 215 cases have been reported around the world. Presently, there is no specific treatment
but renal transplantation seems to slow down its course. This report aims to gather available information in the literature about NSF regarding its etiology,
development and prognosis.
Keywords: Gadolinium Chelants. Nephrogenic systemic fibrosis. Dialysis.
Recebido em 06/08/07 / Aprovado em 18/01/08
Endereço para correspondência:
Marco Antonio Hegedus Karam
Av Benjamin Constant 1.657 - Centro
13010-142 - Campinas/SP
Email: [email protected]
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INTRODUÇÃO
Desde 1988, o Gadolínio vem sendo usado como
meio de contraste em Ressonância Magnética. De 1997 a
2006, mais de 215 casos Fibrose Sistêmica Nefrogênica
foram descritos nos Estados Unidos, Ásia e Europa, relacionando a Gadodiamida (um quelato de Gadolínio) como
provável agente desencadeante em pacientes submetidos
a diálise.
Apesar de essa enfermidade apresentar-se com
evolução progressiva e potencialmente fatal, ainda não se
conhece um tratamento específico.
Esta revisão destaca o papel dos quelatos de Gadolínio, especialmente a Gadodiamida na gênese da Fibrose Sistêmica Nefrogênica em pacientes com doença
renal avançada.
GADOLÍNIO
O Gadolínio é um elemento químico metálico,
branco prateado, maleável, da série dos Lantanídeos e de
estrutura cristalina hexagonal. Possui aspecto semelhante
ao aço, com propriedades supercondutoras e é quimicamente muito ativo.
Sua evidência espectroscópica foi primeiro observada pelo químico suíço Jean Charles Galissard de Marinac nos minerais Didimio (mistura de várias terras raras)
e Gadolimita (Silicato de Berílio, Ferro e Ítrio) em 1880 e
nomeado gadolínio em homenagem ao cientista finlandês
Johan Gadolin.
O Gadolínio é raramente encontrado na natureza
(devido às suas baixas concentrações), sendo atualmente
obtido dos minerais Monazita (fosfato de Cério, Lantânio,
Praseodímio, Neodímio com Óxido de Tório) e Bastnazita (Fluorcarbonato de metais de terras raras).
Seu uso é limitado a tecnologias nucleares, microondas, na produção de fósforos de cinescópios, etc. A
procura, durante anos, de alternativas para os meios de
contrastes iodados nos exames radiológicos em pacientes
com reações alérgicas ou com insuficiência renal preexistente demonstrou a viabilidade do uso de quelato de gadolínio em Ressonância Magnética como “intensificador
de contraste” na obtenção de melhores imagens, tendo
sido o primeiro contraste paramagnético aprovado para
uso clínico em 19882.
A Ressonância Magnética, por ser método baseado
em campos magnéticos gerados pelas moléculas de água
no organismo, adquire um sinal mais forte devido à interação do quelato de gadolínio com tais moléculas, permanecendo no organismo tempo suficiente para a obtenção
de imagens mais nítidas.
A primeira utilização de um quelato de gadolínio
intra-arterial foi em 1993, em um paciente portador de
alergia grave a contrastes iodados. A partir de então, seu
uso passou a ser indicado para qualquer leito arterial,
incluindo-se angioplastias carotídeas e implantes de
“stents”, além de urografia intravenosa, galactografia, endoscopia com colangiografia retrógrada, cistografia,
mielocisternografia, uretrocistografia, pielografia retrógrada, nefrostomia percutânea e drenagem do trato biliar.
Os meios de contraste com gadolínio, usados normalmente em ressonância magnética, são considerados
seguros e não tóxicos quando utilizados na dose de 0,1 a
0,2mmol/kg. Recentemente, após revisões, a Sociedade
Européia de Radiologia Urogenital concluiu que a dose de
gadolínio equivalente à dose de contrastes iodados em
pacientes com insuficiência renal é mais nefrotóxica3,
especialmente em casos de nefropatia diabética, em que
doses de 0,1 a 0,2mmol/kg poderiam resultar em piora
abrupta da função renal3.
Por se tratar de íon metálico muito tóxico (pode
causar necrose hepática aguda), sua associação com moléculas orgânicas maiores (quelatos) o transforma em
complexo mais estável, dificultando sua transmetalação.
Esta última é facilitada pelo Zinco, Cobre, Ferro, Cálcio
ou ácidos endógenos, que desestabilizam tais complexos,
liberando o gadolínio livre (Gd+3). Este é pouco solúvel
e, após extravasamento anormal vascular (trauma vascular, disfunção endotelial, edema crônico), pode formar
precipitados de sais de fosfato, sendo depositados no
interstício4. Uma vez depositados nos tecidos, esses precipitados são fagocitados por macrófagos que produzem
citocinas profibróticas que agem localmente, além de
atraírem fibrócitos circulantes5.
Portanto, quanto menor for a quantidade de quelatos associados aos compostos de gadolínio, maior seu
tempo no organismo (sua meia vida aumenta para 34
horas em casos de insuficiência renal terminal sem diálise, em 2,6 horas em pacientes sob hemodiálise e para
52,7 horas em pacientes submetidos a diálise peritoneal6).
Em conseqüência, a possibilidade de ocorrer transmetalação e efeitos colaterais é maior.
As preparações do gadolínio são comercialmente
disponíveis em concentrações de 0,5 e 1mol/L e quase
exclusivamente excretados por via renal sem produzir
efeitos tóxicos diretos. Possuem características semelhantes em sua biodistribuição, farmacocinética e vida
média (cerca de 1,3 hora em pessoas sem insuficiência
renal) e propriedades fisicoquímicas diferentes. Atualmente, são autorizados pela União Européia os quelatos
de Gadolínio apresentados na tabela 17.
Todos os meios de contraste com gadolínio
possuem quelatos na sua composição, conferindo maior
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Fibrose Sistêmica Nefrogênica com o uso de Gadolínio
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Tabela 1. Quelatos de Gadolínio autorizados pela União Européia para uso clínico
Nome
Estrutura
química
Vias de
eliminação
Ligação
Comercial
Carga
Protéica
Relato
de FSN
Omniscan
OptiMARK*
Magnevist, Magnograf
MultiHance
Linear
Linear
Linear
Linear
não
não
não
Não iônica
Não iônica
Iônica
Sim
Sim
Sim
< 5%
Iônica
Não
Ácido gadoxético
Primovist
Linear
< 15%
Iônica
Não
Gadofosveset
Vasovist
Linear
ProHance
Gadovist
Dotarem
Cíclico
Cíclico
Cíclico
renal
renal
renal
97% renal
3% biliar
50% renal
50% biliar
95% renal
9% biliar
renal
renal
renal
> 85%
Não
Não
não
Iônica
Não Iônica
Não Iônica
Iônica
Não
Não
Não
Não
Genérico
Gadodiamida
Gadoversetamide
Gadopentato de dimeglumina
Gadobenato de dimeglumina
Gadoteridol
Gadobutrol
Gadoterato de meglumina
* O OptiMARK só é utilizado nos EUA
FSN=fibrose sistêmica nefrogênica
estabilidade às moléculas e evitando os efeitos tóxicos do
íon livre (Gd+3).
Existem duas categorias estruturais reconhecíveis:
as macrocíclicas (Gadoteridol, Gadobutrol e Gadoterato
meglumine), que possuem o Gd+3 localizado no interior
da molécula, dificultando sua liberação e conferindo
maior proteção, e as lineares (Gadodiamida, Gadoversetamide, etc), mais instáveis8. Ainda quanto à carga,
podem ser iônicas e não iônicas.
Pelo fato de os compostos lineares não iônicos
(Gadodiamide e o Gadoversetamide) sofrerem com maior
facilidade a transmetalação (liberação do Gd+3 trocado
por outros cátions como zinco e cobre), são produzidos
com maiores quantidades de quelatos na sua estrutura,
diferentemente dos compostos cíclicos iônicos que
liberam menos Gd+3 e não necessitam de grandes quantidades, conforme mostra a tabela 29.
Menos que 5% dos pacientes em uso de compostos
de gadolínio apresentam reações adversas, sendo menos de
1% consideradas moderadas ou graves. As mais comuns
incluem náuseas, vômitos, cefaléia, dor e sensação de frio
no local da injeção, alterações do paladar, tontura,
vasodilatação e ansiedade. Também podem raramente causar reações anafilactóides graves entre 1:100.000 a
1:500.000 administrações, geralmente em pacientes sabidamente alérgicos aos contrastes iodados. Há cerca de 10
anos, surgiram na literatura relatos de Fibrose Sistêmica
Nefrogênica como reação tardia após uso de compostos de
gadolínio em pacientes com insuficiência renal crônica.
FIBROSE SISTÊMICA NEFROGÊNICA (FSN)
A Fibrose Sistêmica Nefrogênica (FSN) é uma
rara desordem fibrótica sistêmica e grave, geralmente
progressiva, debilitante e potencialmente fatal que afeta a
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derme, fáscia subcutânea e músculos estriados. Pode também causar fibrose em pulmões, miocárdio e fígado, ocorrendo em pacientes com insuficiência renal crônica grave
ou em tratamento dialítico, apesar de também poder ocorrer em casos de insuficiência renal aguda, particularmente
com síndrome hepatorenal.
Foi descrita inicialmente em março de 1997, em uma
unidade de transplante renal na Califórnia, pelo Dr. Shawn
Cowper, e denominada “Dermopatia Fibrosante Nefrogênica” por apresentar lesões semelhantes ao escleromixedema
e de etiologia desconhecida. Posteriormente, foi modificada
para “Fibrose Sistêmica Nefrogênica” após surgimento de
casos com envolvimento sistêmico. Até junho de 2005, cerca
de 170 casos haviam sido descritos na literatura.
Em janeiro de 2006, iniciaram as notificações
oficiais de casos de Fibrose Sistêmica Nefrogênica que
sugeriam uma relação com contrastes de gadolínio usados
em Ressonância Magnética, tendo sido Grobner e Marckmann os primeiros a proporem o papel de agentes
menos estáveis como o Gadodiamide. Este, devido a suas
diferentes propriedades físico-químicas, poderia influenciar a disponibilidade do gadolínio livre em pacientes renais crônicos.
Em agosto de 2006, o FDA (Food and Drug Administration) publicou orientações aos médicos quanto aos
cuidados no uso de contrastes com gadolínio em pacientes
renais crônicos e, em dezembro do mesmo ano, notificou
ter recebido 90 relatos destes pacientes que desenvolveram FSN após Ressonância Magnética com Omniscan,
Magnevist e OptiMARK.
O fato de alguns pacientes expostos precocemente
à Gadodiamida não terem desenvolvido FSN e de a exposição ao gadolínio não poder ser documentada em todos
pacientes sugere que outros co-fatores devem estar envolvidos na gênese da FSN. Atualmente, contamos com mais
de 215 casos relatados na Europa, Ásia e EUA.
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Tabela 2. Relação entre os diversos compostos de Gadolínio com suas estabilidades e excesso de quelatos na sua composição
Composto de Gadolínio
Constante de
estabilidade (pH 7,4)
Gadodiamide
Gadoversetamide
Gadoteridol
Gadopentato de dimeglumina
Gadobenato de dimeglumine
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA
Embora a causa da FSN ainda seja desconhecida,
recentes notificações relacionam a FSN com os contrastes
de gadolínio, especialmente gadodiamide (em cerca de
90% dos casos), mas, também, gadoversetamide e gadopentato de dimeglumina. Em todos os casos, a insuficiência renal crônica estava presente, sendo que 90%
estavam em hemodiálise ou diálise peritoneal; nenhum
caso foi relatado em pacientes com função renal normal.
Muitos dos que desenvolveram FSN receberam
dosagens de Gadolínio maior que 0,1mmol/kg. Considerando que a dose usualmente utilizada em angioressonância
magnética é de 0,3mmol/kg, o risco para FSN com
utilização destes contrastes em renais crônicos é elevado10.
Um pequeno estudo populacional de pacientes com
insuficiência renal crônica terminal conduzido por 18 meses
demonstrou uma taxa de incidência de 4,3 casos por 1.000
pacientes/ano, um risco de 2,4% para cada exposição ao Gadolínio, prevalência de 3%–13% em pacientes com insuficiência renal crônica em estágio 5 e de 10% em estágio 411.
Associações com distúrbios de coagulabilidade
(trombose venosa profunda de membros inferiores), cirurgia vascular recente (como revisão de fístula arteriovenosa
ou angioplastia), positividade para anticorpos antifosfolípides, hepatopatia crônica a vírus B e C, perda do transplante renal, transplante hepático e acidose metabólica (cofator essencial na patogênese) têm sido descritas e antecedem o surgimento dos sintomas. Não apresenta predileção por idade, sexo, raça ou doença renal primária.
CURSO CLÍNICO
Após dois a 75 dias (média de 25 dias) da exposição do paciente à Gadodiamida, na maioria dos casos12,
é notado edema nos pés, pernas e mãos com lesões bolhosas. Alguns pacientes referem surgimento de pápulas
ou placas amareladas próximas aos olhos e hipertensão
arterial súbita, mas transitória.
Em algumas semanas, à medida que diminui o
edema, surgem grandes áreas endurecidas em placas com
10
10
10
10
10
(14,9)
(15,0)
(17,1)
(18,1)
(18,4)
Excesso
de quelato
12mg/mL
28,4mg/mL
0,23mg/mL
0,4mg/mL
0mg/mL
bordas irregulares ou difusas, com ou sem alteração da
pigmentação (marrom), eritematosas que evoluem para
espessamento, aspereza e endurecimento importantes na
pele afetada, dando aspecto de “casca de laranja”, com
sulcos profundos e perda de anexos. Podem surgir nódulos subcutâneos e muitos queixam de prurido, sensação
de queimação, dores em pontadas nas áreas afetadas e, às
vezes, aumento de temperatura local13.
Um estudo realizado no Scleroderma Center of
Thomas Jefferson University/ Philadelphia, em fevereiro
de 2006, reuniu 82 casos (12 próprios e 70 previamente
descritos) entre 2000 e 2005. Notou-se que, inicialmente,
as lesões da pele afetavam simetricamente as extremidades distais em 97% dos pacientes (pés, região inferior
das pernas e mãos), seguidas da parte superior das pernas,
coxas, antebraços, tronco e abdome. As extremidades superiores foram envolvidas em 77%, principalmente mãos
e pulsos, o tronco foi envolvido em 30%, enquanto a face
e o pescoço não tiveram alterações14.
Posteriormente, o espessamento acomete vários
músculos e articulações com perda da amplitude de movimentação decorrente do espessamento de tecidos periarticulares e tendões, evoluindo para graves contraturas
incapacitantes em flexão. Se a FSN ou a IRC são responsáveis em alguns pacientes pelo aparecimento de
polineuropatia sensitivo/motora leve a moderada ainda é
motivo controverso. Calcificações de tecidos moles podem ser vistas em radiografias e, alguns pacientes, relatam dores ósseas nos quadris e costelas.
O envolvimento visceral é geralmente mais comum
em casos com extenso envolvimento cutâneo, comprometendo o coração, pulmões, fígado, esôfago e eventos trombóticos como oclusão da fístula arteriovenosa, oclusão
vascular periférica e múltiplos infartos cerebrais.
DIAGNÓSTICO E HISTOPATOLOGIA
Não existem achados laboratoriais específicos na
FSN. Elevação dos marcadores de atividade inflamatória
como sedimentação eritrocitária e PCR são demonstrados
durante os estágios precoces desta desordem15. Em 88%
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70
dos casos, podem ser vistos valores de CK abaixo dos valores de referência, baixos títulos de anticorpo antinúcleo
(<1/360) e estados de hipercoagulabilidade em pacientes
com déficit de função renal.
O padrão ouro para o diagnóstico é dado pela biópsia da pele acometida através de amostra adequada, pois
a doença estende-se para o tecido subcutâneo, fáscia e
músculos. Já foram relatados depósitos de gadolínio16,
Ferro, Cobre e Zinco em amostras de tecido das áreas com
lesões.
Histopatologicamente, apresenta intenso espessamento da derme com acúmulo de colágeno em feixes separados por grandes fendas em sua profundidade. Um tecido fibroso espesso se estende através do tecido adiposo
até a fáscia, também espessada, acrescido de numerosos
fibroblastos, deposição de mucina, fibras elásticas na ausência de sinais inflamatórios14.
Nos músculos esquelético e cardíaco, surgem
intensa inflamação do perimísio e endomísio com tecido
fibrótico e atrofia de células musculares. Fibrose perivascular em arteríolas coronárias também pode ser observada. Nos pulmões, ocorrem faixas de fibrose intersticial
com células inflamatórias, espessamento da adventícia de
arteríolas de pequenos e médios calibres, levando à
redução da capacidade de difusão de CO214.
Diagnóstico diferencial deve ser feito, principalmente com escleromixedema (cujas placas e pápulas
não poupam a face e o pescoço e, histopatologicamente,
apresentam células inflamatórias e plasmáticas), fasciíte
eosinofílica, esclerose sistêmica, fibrose induzida por drogas, carcinoma inflamatório de mama em pacientes com
IRC17, etc.
TRATAMENTO, PROGNÓSTICO E PREVENÇÃO
Até o momento, não existe tratamento específico
conhecido para impedir ou retardar o surgimento das lesões fibróticas. Estas podem algumas vezes se estabilizar e raramente entrar em remissão espontânea. O
uso de imunossupressão não obteve êxito, o tratamento
com corticóides sistêmico na dose de 1mg/kg por dia ou
uso local tiveram alguma eficácia e a fotoforese, plasmaferese e talidomida produziram melhora em alguns
pacientes14.
A Pentoxifilina na dose de 1.200mg/d, substância
com ações vasodilatadoras e antifibróticas, mostrou retardo da evolução nas alterações da pele em poucos pacientes18.
Tiossulfato de Sódio (STS), uma droga antioxidante e quelante do Gd+3 depositado nos tecidos, tem
mostrado efeitos benéficos em alguns pacientes10.
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Fibrose Sistêmica Nefrogênica com o uso de Gadolínio
Fisioterapia para pacientes com contraturas pode
ser útil, assim como a prática da natação. O transplante
renal é o tratamento de escolha, uma vez que a melhora da
função renal retarda a evolução das lesões.
O prognóstico depende da extensão, gravidade,
rapidez no desenvolvimento das lesões cutâneas e da
severidade das complicações sistêmicas. Alguns podem
apresentar certa melhora da movimentação com amolecimento da pele no decorrer do tempo, porém não há
relatos de melhora completa.
Dados publicados na literatura mostram que cerca
de 5% dos pacientes evoluem com curso rápido e fulminante, podendo ir a óbito devido a complicações do
acometimento de vários órgãos como disfunções, restrição da ventilação e dos movimentos (que podem causar
quedas com fraturas), distúrbios da coagulação e complicações do transplante ou da insuficiência renal.
Em junho de 2007, o UK Commission on Human
Medicines (CHM), conjuntamente com o European Pharmacovigilance Working Party (PhVWP) do Committee
for Medicine Products for Human Use (CHMP), recomendou:
• Omniscan (Gadodiamide) – Está contra-indicado
em pacientes com ritmo de filtração glomerular (RFG)
inferior a 30mL/min/1,73m2 e em pacientes com disfunção renal submetidos ou que irão se submeter a transplante hepático. Para pacientes com insuficiência renal
moderada (RFG entre 30 – 59mL/min/1,73m2) ou recémnascidos (menor que 4 meses) e crianças de até um ano
(devido à imaturidade da função renal), deve ser usado
somente após avaliação cuidadosa.
• Magnevist (Gadopentato de dimeglumina) – Está
contra-indicado em pacientes com RFG menor que 30mL/
min/1,73m2, devendo ser utilizado com cautela em pacientes com insuficiência renal moderada (RFG entre 30
e 59mL/min) e, após avaliação cuidadosa, em neonatos e
crianças até um ano de idade.
• Os outros meios de contraste de gadolínio poderão ser usados em pacientes com RFG menor que 30mL/
min/1,73m2 somente após cuidadosa consideração do
risco/benefício individual e descartada possibilidade do
uso de outros métodos diagnósticos.
• Todos os pacientes com fatores de risco para
doença renal crônica (maiores de 60 anos, diabetes
mellitus, lúpus eritematoso, história familiar de doença
renal, mieloma múltiplo, etc) devem ser avaliados quanto
à possibilidade da presença de disfunção renal através de
testes laboratoriais, um mês antes do uso dos quelatos de
Gadolínio11.
• Pelo fato de a realização de hemodiálise após o
procedimento com quelatos de Gadolínio eliminar o
contraste circulante em 78% na primeira sessão, 96% na
71
segunda e 99% na terceira sessão, a instituição de hemodiálise em até três horas após a administração destes
agentes e repetida dentro das próximas 24 horas19 parece
ser medida prudente na sua remoção, embora não existam
dados adequados que possam avaliar a prevenção ou o
tratamento da evolução da FSN com esta modalidade
dialítica após exposição ao Gadolínio20. A diálise peritoneal remove pobremente estes contrastes21.
Também ficou estabelecido que as doses recomendadas não devem ser excedidas (usando-se a menor
dose possível) e nem seu uso repetido em menos de uma
semana.
Quando o uso do Gadolínio for contra-indicado em
pacientes com insuficiência renal crônica terminal e
outros exames não invasivos forem insuficientes, provavelmente o uso de radiocontrastes contendo iodo parece
ser a única alternativa viável (exceto em pacientes alérgicos). Apesar de seus riscos, causam distúrbios geralmente reversíveis, contrariamente à FSN desenvolvida
pelos contrastes contendo quelatos de Gadolínio21.
Outro aspecto que merece destaque é o esclarecimento dos riscos desta manifestação tardia e grave aos
pacientes que serão submetidos ao uso do gadolínio e aos
profissionais que manipulam tais compostos.
CONCLUSÃO
Fibrose Sistêmica Nefrogênica é doença nova, rara
e que evolui com fibrose extensa, grave e debilitante,
envolvendo vários órgãos de pacientes com insuficiência
renal crônica terminal ou em diálise. Tem sido sugerida a
relação com os meios de contrastes de gadolínio, especialmente com a Gadodiamida, embora outros co-fatores
possam estar envolvidos. Quanto mais grave o envolvimento sistêmico, pior será a evolução. Por não existir
ainda tratamento específico, a melhor alternativa está em
evitar-se o uso de quelatos de Gadolínio em pacientes
com RFG menor que 30mL/min/1,73m2.
Casos de reações adversas em pacientes que foram
submetidos aos quelatos de gadolínio poderão ser
notificados em vários órgãos competentes como ESUR
Contrast Media Safety Committee através do endereço
eletrônico http://www.esur.org ou http://www.fda.gov/
medwatch/index.html.
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